I – A possibilidade temporal da inclusão em processo de Inventário do pagamento de prestações hipotecárias atinentes a bem imóvel comum, é matéria de retroacção dos efeitos do divórcio (arts. 1688.º e 1789.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil).
II – Por regra, a produção dos efeitos patrimoniais do divórcio retrotrai-se à data da propositura da acção; não obstante, se tiver havido pedido (deferido) de nomeação de patrono oficioso para a instauração de acção de divórcio, a data dos efeitos patrimoniais é antecipada para a data em que foi formulado o pedido de concessão do benefício da protecção jurídica, ex vi art. 33.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Acesso ao Direito e aos Tribunais).
III – Enquanto não estiverem definidos todos os bens a partilhar e os respectivos valores, não devem efectuar-se operações aritméticas automáticas de abatimento ou compensação de despesas realizadas com bens comuns, as quais devem ser relegadas para uma fase processual subsequente.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria/Juízo de Família e Menores de Leiria (J1)
Recorrente (Recurso Independente): AA
Recorrente (Recurso Subordinado): BB
Sumário (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…).
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I.
Em 5 de Junho de 2019, BB – a qual assume o encargo de cabeça de casal –, instaurou em Cartório Notarial, processo de Inventário subsequente a divórcio (Apenso C)[2], figurando na qualidade de interessado AA, ambos ali melhor identificados.
Em 2 de Dezembro de 2024 foi decidido, na parte que ora é pertinente:
«… apenas parcialmente proceda a reclamação, mantendo-se o relacionamento das contas bancárias, mas abatido do montante supramencionado, o qual tendo sido pago com dinheiro comum não poderá mais ser trazido a estes autos.
Quanto à reclamação no que tange ao valor dos bens, a mesma procede parcialmente, devendo a relação ser alterada, de forma a dela passarem a constar os valores constantes dos factos provados.
Termos em que, e com tais fundamentos, na parcial procedência da reclamação apresentada, se decide determinar a alteração da relação em conformidade com o supra exposto
Custas do incidente de reclamação por reclamante e reclamada, na proporção de ½ para cada um, sem prejuízo do concedido apoio judiciário.
Notifique, sendo a c.c. para, em 10 dias apresentar nova relação que tenham em conta a presente decisão.».
II.
Desta decisão o Interessado interpôs Recurso de Apelação, culminando as suas alegações, com as seguintes
«CONCLUSÕES:
(…)».
III.
A Cabeça de Casal interpôs Recurso Subordinado, dele se retirando estas
«CONCLUSÕES:
(…)».
IV.
O Interessado respondeu ao Recurso Subordinado afirmando, a final, em
«CONCLUSÕES:
(…)».
V.
Questões decidendas
Não olvidando a apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o âmbito da apelação (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil):
. Recurso Independente
- Da impugnação da matéria de facto.
- Da exclusão da verba n.º 2 e da redução da verba n.º 3 da relação de bens.
. Recurso Subordinado
- Da impugnação da matéria de facto.
- Da obrigação exclusiva do pagamento das prestações hipotecárias do bem imóvel por parte do Recorrido.
- Da retrotracção dos efeitos do divórcio ao pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono.
- Da inadmissibilidade legal de operar a compensação com as verbas n.ºs 2 e 3 da relação de bens.
VI.
Dos Factos
Vêm provados os seguintes factos (transcrição, sublinhando-se os impugnados):
1. BB e AA, contraíram casamento um com o outro a ../../1997, sem convenção antenupcial.
2. A 5.11.2018, pela primeira, contra o segundo foi proposta acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
3. A 13.3.2019 veio a ser proferida sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento entre os requerentes.
4. A dita sentença, que transitou em julgado, homologou para além do mais, os acordos celebrados entre A. e R..
5. Entre eles se contava o de uso da casa de morada de família atribuído ao aqui reclamante, até à partilha, sem qualquer outra referência ou menção.
6. A verba nº 1 da relação tem o valor de € 104.800,00.
7. A verba nº 4 - equipamentos de ginásio - tem o valor de 150€.
8. A verba nº 5 – ferramentas de trabalho – tem o valor de 200€.
9. A verba nº 6 – Máquina de lavar roupa – tem o valor de 100€.
10. A verba nº 7 – arca congeladora – tem o valor de 60€.
11. A verba nº 8 – máquina de lavar louça – tem o valor de 100€.
12. A verba nº 9 – forno de encastrar – tem o valor de 75€.
13. A verba nº 10 – Placa a gás – tem o valor de 30€.
14. A verba nº 11 – exaustor – tem o valor de 20€.
15. A verba nº 12 – frigorífico – tem o valor de 100€.
16. A verba nº 13 – Micro-ondas – tem o valor de 20€.
17. A verba nº 14 – moveis e bancadas de cozinha – têm o valor de 1.200€.
18. A verba nº 15 – móveis de sala de jantar: mesa, 6 cadeiras, um aparador de 4 portas, um aparador de 2 portas, cristaleira e carpete – têm os valores de 150€, 210€, 150€, 75€, 250€ e 20€.
19. A verba nº 16 – móveis de sala de estar: conjunto de sofás de 1, 3 e 2 lugares, móvel de TV, Conjunto de bar e garrafeira com estante, TV de 32 polegadas – têm os valores de 75€, 100€, 200€ e 50€.
20. A verba nº 17 – quarto de casal: cama, colchão, cómoda, duas mesas de cabeceira e uma cadeira – têm os valores de 100€, 20€, 75€, 100€ e 30€.
21. A verba nº 18 – quarto em pinho: cama, roupeiro, secretária, mesa de cabeceira e camiseiro – têm os valores de 75€, 100€, 75€, 30€ e 50€.
22. A verba nº 19 – quarto em aglomerado: cama, cadeira, secretária, mesa de cabeceira e camiseiro – têm os valores de 75€, 20€, 75€, 30€ e 50€.
23. A verba nº 20 – secretária, computador, estante e impressora – tem o valor de 100€.
24. A verba nº 21 – Duas Tvs – tem o valor de 30€.
25. A verba nº 23 – dois ares condicionados – tem o valor de 600€.
26. A verba nº 23 –aspirador – tem o valor de 20€.
27. A verba nº 25 – desumidificador – tem o valor de 40€.
28. A verba nº 26 – aquecedor a gás – tem o valor de 30€.
29. A verba nº 27 – máquina de costura – tem o valor de 280€.
30. A verba nº 28 – máquina de costura – tem o valor de 400€.
31. A verba nº 29 – máquina de costura – tem o valor de 150€.
32. A verba nº 30 – máquina de costura – tem o valor de 180€.
33. A verba nº 31 – máquina de costura – tem o valor de 100€.
34. A verba nº 32 – 13 radiadores – tem o valor de 600€.
35. A verba nº 33 – piscina – tem o valor de 75€.
36. A verba nº 34 – bicicleta – tem o valor de 50€.
37. A verba nº 35 – bicicleta – tem o valor de 200€.
38. A verba nº 36 – veículo automóvel de matrícula ..-QJ-.. - tem o valor de 7.500€.
39. A verba nº 36 – veículo automóvel de matrícula ..-..-RX – tem o valor de 1.000€.
40. A verba nº 36 – veículo automóvel de matrícula ..-..-ND – tem o valor de 1.800€.
41. Na acção de divórcio, os aqui interessados relacionaram como comuns os seguintes saldos Bancários:
a) Saldo bancário no valor de 6.112,48€, na conta conjunta com o n.º ...14 no Banco 1...;
b) Saldo bancário no valor de 16.700,00€, na conta conjunta com o n.º ...20 do Banco 2...;
42. O Reclamante pagou as seguintes despesas: com a água, luz, telefone, TV cabo feitas durante os meses de Agosto e Setembro de 2018, nos valores de 40€, 100€ e 174€.
43. Desde Setembro de 2018 à data da reclamação de prestações do empréstimo descrito como verba 1 do passivo liquidou a quantia total de 3.357€.
44. De IRS do ano de 2018, pagou a quantia de 931,81€.
45. A quantia de 473,12€ referente ao seguro de dois dos carros relacionados na relação de bens.
46. A quantia de 93,92€ referente ao seguro da mota também ali relacionada.
47. Em reparações automóveis relacionadas com veículos que não foi possível identificar pagou a quantia de 1.781,33€ a titulo de reparações.
48. De seguro de uma moto do filho liquidou a quantia de 120,91€.
49. De seguro do carro do filho liquidou a quantia de 400,00€.
50. Em 13.9.2018 da conta referida em 41. a) o interessado AA, com finalidades exactas não apuradas, levantou a quantia de 5.500€.
51. Da conta mencionada em 41.b) em data exacta não apurada e com finalidades exactas não apuradas, o mesmo efectuou levantamentos que ascendem pelo menos ao valor total de 2.950€.
52. No ano de 2019 a cabeça de casal e o reclamante apresentaram declaração autónoma de IRS relativa ao ano de 2018.
Para melhor contextualização extrai-se, por consulta da plataforma informática, que:
53. Consta da Acta que decretou o divórcio, datada de 13 de Março de 2019:
«II – Utilização da casa de morada de família
A casa de morada de família fica atribuída ao réu até à partilha.».
54. Na relação de bens apresentada pela cabeça de casal em 29 de Outubro de 2019, ficou aposta, entre o mais, que:
Do Direito
Nesta instância recursiva dupla – art. 633.º, n.º 1, do Código de Processo Civil –, por opção livre dos Recorrentes estão circunscritas as matérias que devem ser enfrentadas, distintas mas conexas, e que se prendem com a reclamação à relação de bens oportunamente apresentada pela cabeça de casal/Recorrente (Recurso Subordinado).
Destarte, proceder-se-á à análise conjunta do mérito de ambos os recursos, o que convoca o exame do suporte documental.
O Recorrente (Recurso Independente) objecta à decisão proferida, em termos de factualidade, batendo-se para que seja dado como assente que:
«53. O Recorrente desde Setembro de 2018 a Maio de 2024 liquidou a título de prestações a quantia total de 11.470,73 €.», e
«54. O Recorrente desde Junho de 2024 a Janeiro de 2025 liquidou a titulo de prestações dos empréstimos da casa a quantia de 1.589,32€», fundando-se, para tanto e em síntese, quer nos documentos juntos em 27 de Junho de 2024, quer nos documentos n.ºs 1 a 8 do requerimento de interposição de recurso, totalizando 13 060,05 € (treze mil e sessenta euros e cinco cêntimos), relativo ao pagamento do empréstimo bancário do bem imóvel.
Acrescido de 881,04 € (oitocentos e oitenta e um euros e quatro cêntimos), defende ter satisfeito 13 941,09 € (treze mil novecentos e quarenta e um euros e nove cêntimos), de despesas comuns, o que comporta a exclusão, na relação de bens, da verba n.º 2 e a redução da verba n.º 3 (de 16 700 €), para 8871,39 € (oito mil oitocentos e setenta e um euros e trinta e nove cêntimos).
A Recorrida contrapôs duas questões prévias: por um lado, a dívida resultante do pagamento do empréstimo bancário não pode ser tida como comum, pela circunstância de ter sido a contrapartida acordada em sede de divórcio para a utilização, unicamente por parte do Recorrente, da casa que fôra de morada de família, e por outro lado, tendo requerido a nomeação de patrono oficioso para a propositura dessa acção, em 2 de Outubro de 2018, é esta a data da cessação das relações patrimoniais dos ex-cônjuges, razão pela qual a prestação atinente ao mês de Setembro nem sequer poderia ser incluída neste processo de Inventário.
Termos em que pugnou pelo aditamento de um facto que leia:
«A casa de morada de família ficou atribuída ao Requerido até à partilha, tenho o mesmo anuído, em contrapartida, suportar as despesas inerentes ao empréstimo bancário.».
Na sua resposta, o Recorrido negou veementemente que tenha havido semelhante acordo.
Apreciando.
Decorre da Acta, transposta para os factos n.ºs 5 e 53, que nada foi exarado quanto à obrigação do Recorrente suportar tal pagamento em exclusivo, devendo ter-se por dívida comum.
Improcede, desta feita, o argumento da Recorrida.
Quanto ao âmbito temporal, isto é, a legitimidade da inclusão nestes autos do pagamento da prestação referente ao mês de Setembro de 2018, é matéria de retroacção dos efeitos do divórcio (arts. 1688.º e 1789.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil).
Na decorrência do art. 36.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, a lei substantiva ordinária estabeleceu dois princípios gerais:
a) o de que o divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte (art. 1788.º do Código Civil[3]);
b) o de que a dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento importa a cessação das relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges (arts. 1688.º[4] e 1789.º, n.ºs 1 e 2[5], ambos do Código Civil).
O divórcio constitui uma causa nominada de extinção das relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges.
«A definição da data a partir da qual opera a cessação das relações patrimoniais pode ser determinante para a qualificação jurídica de certos bens, em função da data em que foram adquiridos por algum dos cônjuges.»[6].
«4. A primeira parte do n.º 1 do art. 1789.º consagra a regra geral relativa à data de produção de efeitos do divórcio: a dissolução do casamento por esta via produz efeitos a partir do trânsito em julgado (cf. art. 628.º do CPC) da decisão de decretamento do divórcio. Traduz, assim, o princípio geral da eficácia constitutiva da sentença de divórcio…
6. O corpo do art. 1789.º abre três desvios à regra geral plasmada na primeira parte do seu n.º 1, com diferentes sentidos e âmbitos materiais e subjectivos diversos.
7. A primeira excepção consta da segunda parte do n.º 1 do art. 1789.º, que admite que a produção de efeitos do divórcio se retrotraia à data da propositura da acção (art. 259.º CPC). Trata-se de uma solução com carácter antecipatório da produção dos efeitos do divórcio, que pode, assim, recuar relativamente ao momento-regra[7].
8. O ponto temporal de referência passa a ser a data da propositura da acção, momento a partir do qual o legislador considerou justificar-se defender qualquer um dos cônjuges relativamente a eventuais situações, potencialmente lesivas ou iníquas do ponto de vista patrimonial, que pudessem ser criadas pelo outro cônjuge durante a pendência da acção, quer por mera negligência, quer com o intuito de prejudicar aquele….[8].
9. O mencionado efeito retroactivo funciona ope legis, sem que seja necessário, portanto ser requerido….»[9].
Sendo assim, atentando-se na norma do art. 33.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Acesso ao Direito e aos Tribunais)[10], torna-se indiscutível que os efeitos patrimoniais vão ser retrotraídos a 2 de Outubro de 2018, não se levando em conta nestes autos pagamentos anteriormente efectuados.
Por conseguinte, procedendo nesta parte a argumentação da Recorrida, altera-se a redacção do facto n.º 2, para:
«2. Em 2 de Outubro de 2018, a A. formulou pedido de nomeação de patrono oficioso para instaurar acção de divórcio, o qual foi deferido.».
Nesta decorrência, por reporte ao facto n.º 54, retira-se dos extractos bancários acima mencionados, que o Recorrente despendeu em crédito bancário do bem imóvel, de Outubro de 2018 a Janeiro de 2025:
169,80 € (Outubro de 2018), 186,55 € x 3 (Novembro e Dezembro de 2018, e Janeiro de 2019), 186,74 € x 6 (Fevereiro a Julho de 2019), 186,50 € x 6 (Agosto a Dezembro de 2019, e Janeiro de 2020), 186,17 € x 6 (Fevereiro a Julho de 2020), 186,78 € x 6 (Agosto a Dezembro de 2020, e Janeiro de 2021), 185,32 € x 6 (Fevereiro a Julho de 2021), 185,34 € x 6 (Agosto a Dezembro de 2021, e Janeiro de 2022), 185,22 € x 6 (Fevereiro a Julho de 2022), 187,73 € x 6 (Agosto a Dezembro de 2022, e Janeiro de 2023), 195,27 € x 6 (Fevereiro a Julho de 2023), 198,72 € x (Agosto a Dezembro de 2023, e Janeiro de 2024), 198,95 € x 6 (Fevereiro a Julho de 2024), e 198,57 € x 6 (Agosto a Dezembro de 2024 e Janeiro de 2025).
O que perfaz o montante de 14 417,31 € (catorze mil quatrocentos e dezassete euros e trinta e um cêntimos)[11].
Como assim, em substituição do facto n.º 43, passa a ler-se:
«Entre Outubro de 2018 a Janeiro de 2025, o Recorrente pagou 14 417,31 € (catorze mil quatrocentos e dezassete euros e trinta e um cêntimos) de prestações do empréstimo bancário referente ao bem imóvel comum.».
Prosseguindo na alegação do Recorrente, o mesmo referiu ter tido despesas comuns no valor de 881,04€, que pretende abater ao valor que existia nas contas bancárias consoante verbas n.ºs 2 e 3, supra, o que, na sua perspectiva, significa a exclusão total da verba n.º 2, e a redução da verba n.º 3, de 16 700 € para 8871,39 €.
No Recurso Subordinado, a Recorrente individualizou as parcelas em que se decompõe esta quantia monetária: 40 € + 100 € + 174 €, de consumos domésticos de água, electricidade e telefone; 473,12 €, do seguro de dois carros, em Maio de 2019, e 93,92 €, pelo seguro da mota, em Março de 2020, insurgindo-se contra o teor dos factos provados n.ºs 42, 45 (implícito) e 46, e também contra a operação aritmética automática de dedução nas contas bancárias.
Os indicados factos são:
«42. O Reclamante pagou as seguintes despesas: com a água, luz, telefone, TV cabo feitas durante os meses de Agosto e Setembro de 2018, nos valores de 40€, 100€ e 174€.
45. A quantia de 473,12€ referente ao seguro de dois dos carros relacionados na relação de bens.
46. A quantia de 93,92€ referente ao seguro da mota também ali relacionada.».
Ao mesmo tempo a Recorrente (Recurso Subordinado) pretende aditar a seguinte factualidade:
«- Após o débito das despesas da água e da eletricidade, respetivamente em 11/09/2018 e 12/09/2018, na conta n.º ...20 do Banco 2... (verba 3 da relação de bens), a mesma apresentava um saldo de 17.588,22€
- Foram efetuados levantamentos em numerário da conta n.º ...20 do Banco 2... (verba 3 da relação de bens), em 14/09/2018: 15.505,20€ + 100€; 17/09/2018: 60,00€ e transferência (MB) em 17/09/2018, no valor de 1.150,00€, num total de 16.815,20€, que originou saldo na conta de -2,00€.».
Em face do expendido sobre a data da retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio, é inequívoco que a despesa elencada no facto n.º 42 não pode ser considerada nesta sede, e bem assim, a proposta destes factos, improcedendo, neste conspecto, ambas as pretensões dos Recorrentes (Recurso Independente e Recurso Subordinado).
Em suma, elimina-se tal facto (n.º 42).
No que concerne ao valor a que ascendem os seguros (viaturas, 473,12 € + moto, 93,92 €), a Recorrente (Recurso Subordinado) invocou não ter havido reclamação, no momento processual próprio, pela contraparte, e não haver suporte documental, de forma respectiva.
Respondendo, o Recorrente admitiu a falha na prova documental quanto ao pagamento do seguro da mota.
O certo é que existe alegação (foi liquidado em numerário…) mas não há qualquer sustento probatório dessa despesa, competindo esse ónus ao Recorrente, o que importa que não se possa dar como adquirido o facto n.º 46, o qual é eliminado.
No que respeita à liquidação do seguro dos veículos automóveis pelo Recorrente (facto n.º 45), a Recorrente (Recurso Subordinado) até o confirmou: «… pago em maio de 2019, seria eventualmente uma dívida comum que foi paga na totalidade pelo Requerido, que deveria ter apresentado na reclamação para compensação na proporção, o que não fez.».
Aquando da resposta o Recorrido afirmou que a «…Recorrente …não impugnou tal documento, nem o valor constante do mesmo, nem que este tenha sido pago pelo Recorrente.», pelo que o facto deve manter-se intocado.
Não assiste razão à Recorrente posto que da leitura da reclamação à relação de bens verifica-se que o Recorrido efectivamente aludiu a este pagamento (art. 10.º, al. b), da reclamação aduzida em 21 de Fevereiro de 2020), e não tendo a mesma questionado a sua liquidação em 2019, ou que fosse uma despesa comum, improcede a sua objecção.
Por último resta a questão da dedução, ou não, nesta fase processual, dos montantes pagos e incidentes sobre bens comuns, por banda do Recorrente, no Activo, concretamente nas verbas n.ºs 2 e 3.
Na óptica da Recorrente (Recurso Subordinado) o Tribunal a quo «…decidiu abater aos valores, … efetuou uma operação de liquidação antes do apuramento dos bens e das dívidas a partilhar, violando os preceitos atrás indicados e em fase processual que não se destina a tal operação.».
Concorda-se com este entendimento, dado que o momento processual é, ainda, o de definir todas as verbas que irão compor o activo e o passivo e o respectivo valor a que ascendem, e não o de concomitantemente efectuar operações aritméticas arriscadas, porque intempestivas.
Nesta parte, procede a pretensão da Recorrente, devendo primeiramente apurar-se, por referência à data da retrotracção dos efeitos do divórcio, todos os bens a partilhar e os seus valores, deixando para fase processual ulterior eventuais acertos de contas.
Concluindo na parte mais relevante:
- o pagamento das prestações do crédito bancário sobre o bem imóvel configura uma dívida comum;
- os efeitos patrimoniais do divórcio retroagem a 2 de Outubro de 2018 (alteração da redacção do facto provado n.º 2);
- eliminam-se os factos provados n.ºs 42 e 46;
- altera-se a redacção do facto provado n.º 43;
- mantém-se a redacção do facto provado n.º 45;
- não há lugar, nesta fase processual, a qualquer compensação das quantias despendidas com os valores indicados sob as verbas n.ºs 2 e 3 do Activo (da relação de bens).
Termos em que procedem, em parte, ambas as teses recursivas, devendo confirmar-se no demais a douta decisão recorrida.
Em função do princípio da causalidade, o pagamento das custas processuais é assegurado pelas partes, na proporção do respectivo decaimento (arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).
VIII.
Decisão:
Com os fundamentos explanados, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar as apelações parcialmente procedentes, revogando parcialmente o despacho recorrido, nos sobreditos termos.
O pagamento das custas processuais consubstancia encargo de ambos os Apelantes, na proporção do seu vencimento.
Registe e notifique.
11 de Novembro de 2025
(assinatura electrónica – art. 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil)
[8] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 1128/14.5TBSXL.L1, de 10-11-2015, segundo o qual «A faculdade prevista no art. 1789.º, n.º 2, do Código Civil …Tal disposição é especialmente relevante porquanto os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença – art. 1789.º, n.º 1, 1.ª parte, do Cód. Civil –, mas os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges – art. 1789.º, n.º 1, 2.ª parte».
Esta excepção ao princípio geral proclamado no art. 1789.º, n.º 1, 1.ª parte, visa evitar, como ali se afirma, «que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a propositura sobre os valores do património comum».
Cf. Remédio Marques in, Código Civil, Livro IV – Direito da Família, Coordenação de Clara Sottomayor, Almedina, 2022, anotação ao art. 1688.º, p. 298, nota 2.
[9] Paula Távora Vítor, op. cit., anotação ao art. 1789.º, pp. 558 a 560.
[10] Com a epígrafe Prazo de propositura da acção, dispõe, no segmento que ora interessa, que:
«4 - A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.».
[11] Equivalendo como discriminado: 169,80 € + 559,65 € + 1120,44 € + 1119 € + 1117,02 € + 1120,68 € + 1111,92 € + 1112,04 € + 1111,32 € + 1126,38 € + 1171,62 € + 1192,32 € + 1193,7 € + 1191,42 €.