INCIDENTE DE REVISÃO DA INCAPACIDADE
ATRIBUIÇÃO DO FATOR DE BONIFICAÇÃO DE 1.5 DEVIDO AO FACTO DE O SINISTRADO TER 50 ANOS DE IDADE / CONHECIMENTO OFICIOSO
ATUALIZAÇÃO DA PENSÃO REMANESCENTE
Sumário

I - A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; 2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo. »
II - O Tribunal da Relação não tem de se pronunciar sobre questões novas suscitadas salvo as que sejam de conhecimento oficioso.
III - A atribuição do fator de bonificação de 1,5 devido ao facto de o Sinistrado ter 50 anos de idade resulta da própria lei e é de conhecimento oficioso.
IV - Tendo o Sinistrado completado 50 anos de idade na pendência do incidente de revisão suscitado, a pensão revista e capital de remição são devidos, no caso, desde a data em que o Sinistrado completou 50 anos de idade.
V - Quando o Sinistrado já recebeu o capital de remição da pensão anteriormente fixada, apenas é devida a diferença de capital.
VI - Mantendo-se a pensão obrigatoriamente remível, há lugar à atualização da pensão remanescente - a diferença entre a antes fixada (convertida em capital de remição) e a agora calculada -, só depois se calculando o capital de remição devido.
VII - Sobre o valor devido acrescem juros moratórios à taxa legal em vigor, que deverão ser contabilizados desde a data em que o Sinistrado completou, na pendência do incidente de revisão suscitado, 50 anos de idade, até integral pagamento.

(o sumário inclui sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024 de 17 de dezembro, Uniformizador de Jurisprudência e do Acórdão desta secção proferido no processo nº 3007/16.2T8MAI.P1)

Texto Integral

Processo nº 2623/19.5T8VLG.2.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 2
Recorrente: AA
Recorrida: A..., Companhia de Seguros, S.A.


4ª Secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunta: Desembargadora Sílvia Gil Saraiva
2º Adjunto: Desembargador Nélson Nunes Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1.Relatório:
Nos autos principais, o Sinistrado e a Ré conciliaram-se, nos termos constantes do auto de conciliação de 29.09.2020:
“O SINISTRADO;
Que no dia 11/01/2019, cerca das 11:45 horas, em Gondomar, foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia funções de carteiro, sob as ordens, direção e fiscalização de B..., S,4., Endereço: Av. ..., ... Lisboa, mediante a retribuição mensal de €1.075,76 x 14meses + €,198,22x11 + €62,89x12(total anual de €17.995174), cuja responsabilidade se encontra integralmente transferida para a Seguradora.
O acidente ocorreu quando ao efetuar a distribuição do correio sofreu uma queda com a mota que conduzia, queda da qual resultou traumatismo da cabeça, do ombro, braço, anca, joelho e pé esquerdos.
Submetido a exame no lnstituto Médico-Legal foi-lhe atribuído o grau de incapacidade de 5%.
e fixada a data da alta em 11/10/2019, cujo resultado declara aceitar.
A seguradora pagou € 6.981,85 a título de indemnizações por IT's
Reclama o capital de remição da pensão anual de € 629,85, devida a partir de l2/10/2019, calculada na com base na retribuição anual x 70% x IPP de 5%, nos termos do disposto no artº 48º, nº3 al. c) e nº1 do art.º 75º da Lei 98/2009 de 04/09, bem como a quantia de € 1.325,28 referente a diferenças de IT's e a quantia de € 15,00 de deslocações ao INML do Porto e a este Tribunal.
O LEGAL REPRESENTANTE DA COMPANHIA DE SEGUROS:
À data de 11/01/2019 a responsabilidade do empregador, emergente de acidente de trabalho estava validamente transferida para a sua representada, por contrato de seguro, titulado por apólice válida, que abrange o sinistrado, mediante a retribuição de C 1.075,76 x 14 meses + €198,22 x 11 + €, 62,89 x 12 (total anual de €, 17.995,7 4)
Aceita que o sinistrado sofreu o descrito acidente e como tal aceita a sua existência e a sua caracterização como acidente de trabalho, aceita o nexo causal entre tal acidente e as lesões constantes do relatório de perícia médica, aceita a retribuição reclamada e o grau de desvalorização atribuído pelo INML do Porto;
Aceita por isso pagar ao sinistrado o capital de remição da pensão anual de € 629,85, devida desde I2/10/2019.
Aceita pagar a quantia de € 1.325,28 referente a diferenças de indemnizações por IT's.
Aceita pagar os transportes.
Aceita por isso, conciliar-se nos termos requeridos.
Requer que o pagamento dos transportes seja efetuado aquando do pagamento do capital de remição.”

Em 08.10.2020, ainda nos autos principais, foi proferida decisão sobre o mesmo acordo, nos seguintes termos:
“Considerando os elementos constantes dos autos, e sendo certo que o mesmo se mostra em conformidade com as normas jurídicas pertinentes, ao abrigo do disposto no artº 114º nº 1 do C.P.T. homologo o acordo constante de fls 62 e 63 nos seus precisos termos, acrescendo juros de mora, à taxa legal, sobre o capital de remição e diferenças de indemnização a calcular desde a data da alta e sobre a indemnização das despesas com transportes desde a data da tentativa de conciliação, sempre até efetivo e integral pagamento (art.s 74.º e 135.º do CPT).
Valor da ação: € 10.454,21.
Custas pela(s) responsável(eis).”

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Em 26.02.2025, foi proferida a decisão recorrida, com o seguinte dispositivo:
“Improcede, pois, o incidente de revisão, mantendo-se deste modo inalterada a IPP já fixada nos autos.”

O Sinistrado recorreu, finalizando as alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
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A Ré/Seguradora, contra-alegou, finalizando com as seguintes conclusões:
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Foi proferido despacho de admissão do recurso, nos seguintes termos:
“Por estar em tempo, ter legitimidade e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto pelo sinistrado – artigos 79.º, b) e 80.º do CPT.
O recurso é de apelação e sobe de imediato nestes autos - artigos 79.º-A, n.º 1 e 83.º-A, n.º 1 do CPT.”

Remetidos os autos a este Tribunal, pelo Exm.º Procurador Geral Adjunto, foi emitido Parecer, no qual se lê:
“ Em nosso parecer, não assiste razão ao sinistrado no recurso que interpôs.
Nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, que se fundou nas conclusões a que chegaram, por maioria, os Senhores Peritos médicos nas duas juntas médicas realizadas, uma de avaliação do dano e outro da especialidade de psiquiatria, isto é, respetivamente:
- “Não se verifica agravamento das sequelas das lesões do acidente (…) mantendo a IPP previamente fixada do ponto de vista ortopédico” e que “nesta data, entende-se que do ponto de vista Ortopédico não tem IPATH”.
- “…o sinistrado apresenta queixas depressivas sem nexo de causalidade com o acidente e que apresenta queixas de stress pós-traumático, entendendo, porém, em face da descrição do acidente, não ser plausível o desenvolvimento de uma Perturbação de Stress Pós-Traumático. Negam que o sinistrado se encontre em situação de IPATH”.
Trataram-se de perícias médicas realizadas na fase judicial, às quais a Senhora Juíza recorrida presidiu, e que assim nelas fundamentou, devidamente, a sua decisão.
Por isso, e abraçando também a argumentação aduzida na resposta apresentada pela Companhia de Seguros A..., parece-nos votado ao insucesso o recurso apresentado pelo sinistrado AA.”

2. Fundamentação:
A propósito do objeto da prova pericial, dispõe o artigo 388º, do Código Civil:
«A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.».
Nas palavras de Alberto dos Reis “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, (in Código de Processo Civil Anotado, volume IV, página171).
O relatório pericial deve ser feito de forma fundamentada, tal como expressamente se prevê no artigo 484º, nº1 do Código de Processo Civil.
E quanto à respetiva força probatória, preceitua o artigo 389º do Código Civil que «A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal».
A livre apreciação da prova pericial resulta ainda do disposto nos artigos 489º e 607º, nº5, ambos do Código de Processo Civil.
Assim sucede, mesmo quando o laudo pericial resulte de unanimidade.
Como se lê no acórdão da Relação de Lisboa de 06.07.2017, (Relator Desembargador José Feteira, in www.dgsi.pt), “Com efeito, as asserções e conclusões dos senhores peritos contidas nos respetivos laudos não se podem sobrepor àquele princípio, devendo o julgador, ao invés, exercer sobre elas um juízo crítico, segundo a sua experiência, a sua prudência e o seu bom senso, podendo até mesmo delas divergir desde que o faça fundamentadamente.”
Acompanhando agora de perto o acórdão desta Relação de 18.06.2012, in www.dgsi.pt, (Relatora Conselheira Paula Leal de Carvalho), “O exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regra da livre apreciação pelo juiz (…).
No entanto, muito embora o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados, designadamente com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que, no âmbito da sua prudente convicção, possa extrair ou por razões de natureza processual que possam inquinar tal prova.
Como decorre do referido no Acórdão desta Relação de 05.02.07[2] tais exames não serão de considerar pelo tribunal, como elemento válido de prova pericial, se as respostas aos quesitos ou o relatório sejam deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.
Aliás, nos termos do nº 8 das Instruções Gerais da TNI, aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10, o resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões (…), do qual decorre que as respostas aos quesitos ou a fundamentação aduzida no laudo pericial deverá permitir com segurança ao julgador (que não é técnico de medicina) analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respetivo grau de incapacidade a atribuir.”
Assim não sucedendo, como se lê no acórdão desta Relação de 02.12.2013, (Relatora Conselheira Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt) “tais exames não serão de considerar pelo tribunal, como elemento válido de prova pericial, se as respostas aos quesitos ou o relatório sejam deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.”
Em concreto, em ambas as perícias efetuadas em sede do incidente de revisão da incapacidade - fixada em IPP de 5%, com data da alta em 11/10/2019 -, o laudo pericial resulta da maioria formada pelos Peritos nomeados pelo Tribunal e apresentados pela Seguradora.
Tendo consignado os Senhores Peritos Médicos a análise dos elementos clínicos documentais juntos aos autos, a descrição do evento pelo Sinistrado e o exame objetivo a este efetuado, não deixaram ainda assim de serem aqueles, como bem explicitado na decisão recorrida, “livres de discordar de outra opinião médica”.
A observação do Centro de Peritagem de Ortopedia Forense, não obstante a descrição aí feita das funções do Sinistrado, às condições de execução do trabalho e às exigências de diversa índole do Sinistrado para o efeito, não se nos afigura decisiva, desde logo por não se tratar de opinião científica, em termos de justificar, divergir, nesta sede, dos referidos laudos periciais.
Não merece reparo a ponderação feita na decisão recorrida, sendo a fundamentação desta bastante como resposta às conclusões do Apelante sobre esta questão, nada mais se tendo como pertinente acrescentar, neste segmento da Apelação, e que como tal se transcreve:
“Assim, realizado que foi o exame por junta médica de avaliação de dano (auto de 9/01/2024), concluíram os Srs. Peritos nomeados pelo tribunal e apresentado pela seguradora que “Não se verifica agravamento das sequelas das lesões do acidente (fratura trocantérica esquerda). As alterações apresentadas em exame EMG de 29-12-2023 estão relacionadas com alterações da coluna lombar, não havendo registos contemporâneos do acidente que documentem atingimento desse segmento anatómico, mantendo a IPP previamente fixada do ponto de vista ortopédico” e que “nesta data, entende-se que do ponto de vista Ortopédico não tem IPATH”.
Pelo Perito indicado pelo sinistrado foi dito que “atualmente apresenta desnervação crónica em grau moderado/grave nos miótomos L2L3 até S1/S2, bilateralmente, com maior severidade à esquerda. Na sua opinião tal implica pelo menos uma incapacidade de 10% de acordo com a observação feita no Centro de Peritagem de Ortopedia Forense” e que “de acordo com o laudo do IEFP foi determinado que teria IPATH”.
A respeito das conclusões dos Srs. Peritos, diga-se que as respostas dadas pelos Srs. Peritos indicados pelo tribunal e pela seguradora se mostram devidamente fundamentadas e assentes nos meios de diagnóstico constantes nos autos, afastando que as alterações da coluna lombar que o sinistrado apresenta sejam consequência do acidente, com base na inexistência de registos contemporâneos ao acidente que documentem o atingimento desse segmento anatómico.
Estas respostas, no entender do tribunal não suscitam qualquer dúvida, não se podendo dizer o mesmo da posição do Sr. Perto indicado pela seguradora, uma vez que a mesma é conclusiva e não assente na documentação constante nos autos.
Relativamente à situação de IPATH, a resposta maioritária mostra-se conforme à conclusão de não ter havido agravamento da situação clínica do sinistrado, razão pela qual, no seguimento do que se disse, entende o tribunal como suficiente a mesma.
Foi também realizado exame por junta médica da especialidade de psiquiatria, tendo os Srs. Peritos indicados pela seguradora e pelo tribunal concluído que o sinistrado apresenta queixas depressivas sem nexo de causalidade com o acidente e que apresenta queixas de stress pós-traumático, entendendo, porém, em face da descrição do acidente, não ser plausível o desenvolvimento de uma Perturbação de Stress Pós-Traumático. Negam que o sinistrado se encontre em situação de IPATH.
O Sr. Perito indicado pelo sinistrado entende que, tal como resulta do teor das consultas de que o sinistrado tem vindo a beneficiar, o mesmo sofre de stress pós-traumático, com nexo de causalidade com o acidente e do qual decorre a IPP de 10% e a necessidade de acompanhamento clínico-psiquiátrico, não sendo, ainda, de excluir que o sinistrado se encontre em situação de IPATH.
Antes de mais, importa salientar que, tratando-se de uma convicção técnica, são os Srs. Peritos livres de discordar de outra opinião médica (quer entre si, quer da vertida no relatório do GML, quer da dos médicos que acompanham o autor nas consultas no Centro de Saúde e cujos registos foram juntos aos autos).
As respostas dadas pelos Srs. Peritos que responderam de forma maioritária consideraram os registos médicos do sinistrado, aceitando que o sinistrado apresenta queixas depressivas e de stress pós-traumático. Porém, quanto às primeiras entendem não terem nexo de causalidade com o acidente e quanto às segundas consideram, em face da descrição do acidente – feita pelo próprio sinistrado -, não ser plausível o desenvolvimento de uma Perturbação de Stress Pós-Traumático.
Estas conclusões são similares às do INML que, em março de 2022, refere “o quadro descrito é compatível com estado de perturbação emocional desajustado e reativo às circunstâncias de litigio e vivencias do examinado, mas não se cumpre diagnóstico de perturbação psiquiátrica nem se verifica nexo de causalidade com o acidente sofrido”.
Ora, afigura-se-me que a posição dos Srs. Peritos maioritários se mostra devidamente fundamentada, já que avaliaram criticamente o teor dos registos clínicos juntos, conjugando-os com o acidente em causa nos autos e descrito pelo próprio sinistrado, daí retirando conclusões que se tem por justificadas.
É também certo que a resposta do Sr. Perito indicado pelo sinistrado quanto as sequelas que o sinistrado apresenta também se mostra assente no teor dos registos clínicos e devidamente fundamentada (o que já não acontece quanto à situação de IPATH, relativamente à qual o Sr. Perito não responde sequer de forma assertiva), mas a verdade é que o tribunal entende que não resultam dos autos elementos bastantes que afastem as conclusões a que os Srs. Peritos maioritários chegaram, afigurando-se-me mais coerente a aceitação da opinião maioritária dos Srs. Peritos, tanto mais que um deles – o Perito do tribunal – se encontra numa situação de maior equidistância relativamente aos indicados pelas partes.
Em face do resultado dos exames realizados e de acordo com o agora exposto, entendo que o sinistrado não se encontra afetado de desvalorização superior àquela que lhe tinha sido já fixada.”
Improcede nesta parte a apelação.

- Num segundo segmento, o Apelante levantou a questão de saber se deve o Sinistrado ser contemplado com o fator de bonificação 1.5, previsto na alínea a) do nº5 da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI).
Esta secção pronunciou-se, em tempos, de forma não unanime, nomeadamente no acórdão de 09.01.2020, processo nº 587/06 4TUPRT 4 P1 (Relatora Desembargadora Fernanda Soares, em que a aqui relatora ficou vencida) e no acórdão de 22.03.2021, processo nº 2421/14.2T8VNG.3.P2 (mesma relatora, em que ficou vencido o agora Conselheiro Domingos Morais).
Mais recentemente, em julgamento ampliado de revista, o STJ em 17.12.2024, fixou jurisprudência no sentido de que:
“1 - A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;
2 - O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.”
A aqui relatora e 2º Adjunto fizeram já revisão de posição.
Importa no caso concreto saber se em sede de recurso é de conceder a bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro, ainda que não havendo agravamento da incapacidade, em razão de outro motivo.
Trata-se, como salientado pela Recorrida, de uma questão nova, suscitada apenas em sede de alegações de recurso, a decisão recorrida não a abordou, não obstante o Sinistrado ter completado 50 anos de idade na pendência do incidente de revisão, em apreço.
Como se lê no Acórdão do STJ, proferido no processo nº 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, de 08.10.2020:
“Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido[1].
Além disso, sendo de excluir dos mesmos os meros argumentos ou raciocínios expostos na defesa da tese de cada uma das partes, visam modificar apenas as decisões de que se recorre, e não criar decisões sobre matéria nova, e não é lícito invocar neles questões que não tenham sido objeto das decisões impugnadas.
As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida[2].
O Tribunal da Relação não tem de se pronunciar sobre questões novas suscitadas salvo as que sejam de conhecimento oficioso (artigo 608 nº2 e 627º nº 1 do C.P.C.).(…)
(…)
[1] Ac. STJ de 71.193, in CJ STJ 1/93.5; Ac. RL 7.10.93, in CJ 4/93.142; Ac, RL 7.5.87, in CJ 3/87.78; Ac. RL 2.11.95, in CJ 5/95.98, Ac. RL 27.11.81, in CJ 5/81.158, Ac. RP 4.6.87, in CJ 3/87.182 e Ac. RE 7.5.87, in CJ 3/87.265.
[2] Ac. STJ 4.7.95 CJ STJ 2/95.153”
Ora “a atribuição do fator de bonificação de 1,5 devido ao facto de o Sinistrado ter 50 anos de idade resulta da própria lei e é de conhecimento oficioso, não estando dependente de qualquer juízo técnico dos senhores peritos médicos, pelo que a mesma deve ser realizada pelo juiz independentemente da eventual falta de pronuncia dos peritos sobre essa matéria.” –acórdão desta secção proferido no Processo nº 96/13.5TTGDM.6.P1, em 20.09.2021 (Relator Desembargador Rui Penha, in www.dgsi.pt).
O Sinistrado nasceu em 29.02.1974.
O presente incidente foi deduzido em 09.05.2022.
Como ficou referido, é certo que aquando da dedução do presente incidente, o Sinistrado não tinha completado 50 anos de idade, tendo suscitado a questão em apreciação, da aplicação do factor de bonificação de 1,5, baseado na idade do Sinistrado (50 anos ou mais), tão só em sede de alegações, apresentadas em 14.03.2025, com conclusões supra transcritas.
Ainda assim, considera-se assegurado o contraditório, tendo a Apelada se pronunciado, a este respeito, em sede de contra-alegações, com as conclusões supra transcritas.
Deste modo, ainda que no âmbito do incidente de revisão não tenha sido suscitado e reconhecido o agravamento da incapacidade, afigura-se-nos que o fator de bonificação de 1,5, baseado na idade do Sinistrado, deve ser aplicado, pois o Sinistrado completou, entretanto, 50 anos e nunca havia beneficiado da aplicação deste fator.
Na sequência, declara-se que o Sinistrado está afetado de uma IPP de 7,5 %, desde 29.02.2024 (data em que o Sinistrado completou 50 anos de idade, já no âmbito do presente incidente).
Impõe-se, portanto, a reformulação do cálculo da pensão devida ao Sinistrado.
Na data do sinistro o Sinistrado auferia a retribuição anual de € 17.995,74.
Consequentemente, de harmonia com o disposto nos artigos 48º, nº 3, alínea c), 71º e 75º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro (LAT), a pensão anual devida pela nova incapacidade ascende ao montante de € 944.78, sendo a mesma também remível tal como a anterior pensão fixada.
17.995,74 x 0,7 x 0,75 =944,776
Porque o Sinistrado já recebeu o capital de remição da pensão anteriormente fixada, é-lhe agora devido apenas a diferença de capital (remanescente da pensão agravada após dedução da pensão inicial remida).
Ou seja, o Sinistrado já recebeu o capital de remição de € 629,85, correspondente à desvalorização de 0,05 (5%), pelo que, apenas lhe é devida a diferença entre a pensão já remida e a pensão globalmente correspondente à sua atual incapacidade, diferença essa que se traduz na pensão anual e vitalícia de € 314,93 (944,78 - 629,85) sendo a mesma também de remição obrigatória.
Acresce que “(…) no caso de revisão em que a IPP atribuída se agrava, mas mantendo-se a pensão obrigatoriamente remível, há lugar à atualização da pensão remanescente [a diferença entre a antes fixada (convertida em capital de remição) e a agora calculada], só depois se calculando o capital de remição devido.” – acórdão desta secção proferido no Processo nº 6283/17.0T8MAI-A.P1, de 11.12.2024, (Relator António Luís Carvalhão, in www.dgsi.pt)
Atualizações:
Em 01.01.2020 - (Portaria nº 278/2020, de 4.12.2020 - 0,70 %) = € 317,13
Em 01.01.2021 - (Portaria nº 301/2021, de 15.12.2021 - 0,49%) = € 318,69
Em 01.01.2022 - (Portaria nº 6/2022, de 4.1.2022 - 1%) = € 321,87
Em 01.01.2023 - (Portaria nº 24-A/2023, de 9.1.2023 - 8,4%) = € 348,90
Em 01.01.2024 - (Portaria nº 423/2023, de 11.12.2024 - 6%) = € 369,83
Ao valor devido acrescem juros de mora à taxa anual de 4%, desde 29.02.2024, até integral pagamento - artigo 135º do Código de Processo do Trabalho.

Impõe-se assim julgar parcialmente procedente a apelação, condenando-se a Ré Seguradora/Apelante, em conformidade.

3. Dispositivo:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção, julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se o decidido na decisão final recorrida, nos seguintes termos:
- Condena-se a Entidade responsável, A... – Companhia de Seguros, SA., no pagamento ao Sinistrado no remanescente da pensão agravada após dedução da pensão inicial remida, no valor de € 314,93, com as seguintes atualizações:
Em 01.01.2020 - (Portaria nº 278/2020, de 4.12.2020 - 0,70 %) = € 317,13
Em 01.01.2021 - (Portaria nº 301/2021, de 15.12.2021 - 0,49%) = € 318,69
Em 01.01.2022 - (Portaria nº 6/2022, de 4.1.2022 - 1%) = € 321,87
Em 01.01.2023 - (Portaria nº 24-A/2023, de 9.1.2023 - 8,4%) = € 348,90
Em 01.01.2024 - (Portaria nº 423/2023, de 11.12.2024 - 6%) = € 369,83
A Pensão é obrigatoriamente remível, com efeitos a partir de 29.02.2024.
Acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde 29.02.2024, até ao efetivo e integral pagamento.

As custas do recurso deverão ser suportadas pelo Recorrente e pela Recorrida, na proporção do respetivo vencimento – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Porto, 24 de Setembro de 2025.
Teresa Sá Lopes
Sílvia Saraiva
Nelson Fernandes