I – As nulidades da sentença previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil sancionam vícios formais, de procedimento – errore in procedendo - e não patologias que eventualmente traduzam erros judiciais – error in judicando.
II – Reconhecendo as dificuldades do método indiciário na delimitação da fronteira entre o contrato de trabalho e algumas figuras que lhe são afins, o legislador foi mais longe e criou presunções legais destinadas a objetivar e facilitar a prova do tipo de vínculo.
III - Para haver reconhecimento como “trabalhador”, a quem impulsiona a ação especial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho cabe alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de atuação da presunção (de laboralidade), no caso a prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho.
IV - Provados tais pressupostos (pelo menos dois), há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova.
V - Por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art.º 350º, nº 2, do Cód. Civil), mas, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.
VI – No caso, existe uma clara diferenciação entre as empresas do ponto de vista da relação com a prestadora da atividade, estando a mesma legitimada pelos contratos celebrados entre as empresas, sendo que a matéria apurada não permite concluir pela verificação de qualquer intermediação fictícia, inexistindo fundamento legal para concluir pela nulidade dos contratos celebrados entre as Rés e entre uma das Rés e a prestadora da atividade, por fraude à lei.[nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil.
(Sumário da responsabilidade da Relatora) (cfr. artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho))
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
O Ministério Público (Autor) impulsionou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (artigo 186.º-K e seguintes do Código de Processo do Trabalho) contra A... Unipessoal, Lda e B..., Lda. (Rés[1]), com os fundamentos vertidos na petição inicial, pedindo que fosse reconhecido que o contrato celebrado entre as Rés ou, pelo menos, uma delas e AA, em 30-05-2023, é um verdadeiro contrato de trabalho enquadrável no conceito definido nos artigos 11.º, 12.º e 12.º-A do Código de Trabalho.
As Rés foram citadas e apresentaram contestação.
A Ré B..., Lda, impugnou os factos invocados, apelando o estipulado no contrato de prestação de serviços junto aos autos e que celebrou com a prestadora de atividade, para concluir que a prestadora não coloca a sua “força de trabalho” à sua disposição para que essa utilize em dias, horários e sob fiscalização diretiva e disciplinar, escolhendo aquela quando prestará a atividade. Mais defendeu que a presunção do contrato de trabalho terá obrigatoriamente de se restringir ao disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho e não ao disposto no artigo 12.º-A do mesmo diploma, uma vez que a prestadora de atividade assinou o contrato no dia 30-05-2023.
A Ré A..., Unipessoal, Lda. sustentou que não é uma “plataforma digital”, pelo que nunca poderia ser-lhe aplicável a presunção prevista no artigo 12.º-A do Código do Trabalho. Mais sustentou que não se verifica presunção de contrato de trabalho, sendo que inexiste qualquer contrato de trabalho entre si e AA.
O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho saneador e agendou data para audiência de julgamento.
Realizada audiência de discussão e julgamento, com produção de prova, foi proferida sentença que conclui pela existência de um contrato de trabalho celebrado entre a estafeta AA e as Rés desde 30-05-2023, julgando a ação procedente.
No dispositivo consta o seguinte (transcrição):
“Decisão
Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência condenam-se as aqui demandadas, a reconhecer a existência de contrato de trabalho entre as mesmas e a estafeta AA, desde 30/05/2023.
Fixa-se à acção o valor de € 2.000,00 – cfr. art. 186ºQ nº1 do C.P.T.
Custas por ambas as RR. em igual proporção.
Registe e notifique.”.
A Ré A... Unipessoal, Lda. interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
(…)
A Ré B..., Lda. interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
(…)
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso da Ré A...
(…)
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso da Ré B..., Lda., formulando as seguintes conclusões que se transcrevem:
(…)
Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir os recursos interpostos como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Nesse mesmo despacho e relativamente à nulidade invocada foi consignado o seguinte:
“No que concerne à nulidade invocada nas alegações de recurso intentado pela aqui demandada acima referida, o Tribunal pronunciou-se a este propósito na decisão final objeto do recurso ordinário em apreço, pelo que se reitera o ali consignado a este propósito”.
Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[3], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[4]].
Assim, e atentas as conclusões dos recursos, são as seguintes as questões a decidir:
(1) Saber se ocorre a invocada nulidade da sentença (ambos os recursos)
(2) Da impugnação da decisão da matéria de facto, sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal em sede de matéria de facto (ambos os recursos);
(2) Aplicação do direito - Saber se o Tribunal recorrido errou na aplicação do direito, a respeito da qualificação da relação como laboral e ao reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre as Rés/Recorrentes e AA (ambos os recursos).
A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte[5]:
Factos provados:
A) A 1ª Ré detém, desenvolve e utiliza a plataforma digital “STUART”, que disponibiliza a prestação de serviços à distância através da aplicação informática “STUART APP”, a pedido de utilizadores, ou seja, empresas fornecedoras de produtos diversos, que são parceiros da plataforma. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
A) No âmbito da prestação da sua atividade, a 1.ª Ré A... detém e utiliza uma plataforma tecnológica, na qual existe uma aplicação informática “Stuart App”, sendo através dessa plataforma que são formalizados os pedidos de envio dos clientes expedidores que contratam os seus serviços.
B) O transporte dos produtos entre os estabelecimentos parceiros e os respetivos consumidores e, consequentemente, o funcionamento da plataforma dependem, necessariamente, do recurso a distribuidores/estafetas. - eliminada da decisão da matéria de facto nos moldes determinados infra no ponto IV 2.
C) A Ré B..., Lda. dedica-se à animação turística, organização de eventos, transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros, aluguer de veículos automóveis ligeiros, transporte rodoviário de mercadorias, etc.
D) Na sequência de ação inspetiva desenvolvida pela “Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Grande Porto” (ACT), constatou-se o seguinte: Em 20-09- 2023, pelas 20h55m, na Praça ..., nesta cidade, a trabalhadora AA estava a prestar a actividade de estafeta. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, substituindo-se a expressão “a trabalhadora” por “a prestadora da atividade”
E) Nesse momento, a trabalhadora vinha de entregar um pedido e dirigia-se ao seu “local de afectação” para se reposicionar e aceitar novo pedido. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, substituindo-se a expressão “a trabalhadora” por “a prestadora da atividade”
F) Para angariação, mediação na organização de trabalho e supervisão da referida prestadora e de outros estafetas, a STUART celebrou com a Ré “B...” um “contrato de subcontratação de transporte de mercadorias” – cfr. doc. junto com a contestação da 1ª demandada cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
F) “A 1.ª Ré A... celebrou em 23-06-2023 com a 2.ª Ré B... o contrato escrito junto como documento n.º 5 com a contestação da 1.ª Ré A... sob a epígrafe “acordo de subcontratação”, cujo teor se dá como integralmente reproduzido, aí constando, para além do mais, o seguinte:
(…)
(…)
G) A estafeta em causa, verificou que existia um anúncio na página online da “OLX” uma proposta de emprego, como estafeta da STUART, mediante a retribuição de €6,20/hora, a que a mesma respondeu, mostrado interesse em ser contratada. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
G) A prestadora da atividade AA verificou que existia um anúncio na página online da “OLX”publicado pela 2.ª Ré B... para efeitos de contratação de estafetas para trabalhar nos aplicativos da Stuart, Uber e Bolt, ao qual a mesma respondeu via mensagem na página online OLX, mostrando interesse em ser contratada.
H) A mesma trabalhadora assinou, de forma digital, com efeitos a 30-05-2023, um contrato de prestação de serviços com a “B...”. Empresa, esta, que não era referida na proposta de emprego da “OLX”, em que figurava como contratante, apenas, a “STUART”. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
H) Nessa sequência, a prestadora da atividade AA assinou, de forma digital, com efeitos a 30-05-2023, um contrato escrito intitulado de “Contrato de Prestação de Serviços”, junto com a petição inicial (no ponto 5. da certidão provinda da ACT, páginas 47 a 77), o qual se mostra também subscrito pela 1.ª Outorgante B..., Lda., cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido, aí constando, para além do mais, o seguinte:
I) Para o exercício da sua actividade de estafeta, era exigido pelas aqui RR. que a trabalhadora possuísse e utilizasse um telemóvel (smartphone), com internet e geolocalização activadas. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
I) Para o exercício da sua atividade de estafeta, era exigido pela 2.ª Ré B... que a prestadora da atividade possuísse e utilizasse um telemóvel (smartphone), com internet e geolocalização activadas.
J) As Ré exigiram, ainda, que trabalhadora utilizasse um veículo de transporte. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
“J) A Ré B..., Lda exigiu, ainda, que a prestadora da atividade utilizasse um veículo de transporte.
k) Para o exercício das suas funções, a trabalhadora descarregou a aplicação STUART, no seu telemóvel, na data da subscrição do contrato. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
k) Para o exercício de atividade de estafeta no aplicativo STUART, a prestadora da atividade descarregou a aplicação STUART, no seu telemóvel, na data da subscrição do contrato referido em H).
L) A trabalhadora suportava, semanalmente, uma taxa de €3,00 por serviços administrativos (“contabilidade”) cobrada pela 2ª R. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, substituindo-se a expressão “a trabalhadora” por “a prestadora da atividade”
M) A 2ª R. B... determinou que a prestadora deveria trabalhar, pelo menos, 31 horas por semana, em horário variável, mediante escala semanal, comunicada no domingo anterior.
N) No sábado anterior, a prestadora deveria declarar em que dia pretendia gozar a folga da semana seguinte, estando impedida de escolher a sexta feira, o sábado ou o domingo. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
N) No sábado anterior, a prestadora deveria declarar à B..., Lda. em que dia pretendia gozar a folga da semana seguinte, estando impedida pela B..., Lda. de escolher a sexta-feira, o sábado ou o domingo.
O) A fixação do horário dependia, unicamente, das necessidades, interesses e decisão das Rés e as 31 horas semanais eram distribuídas pelos dias da semana, de forma desigual, podendo trabalhar 2 horas, num dia e 6 horas, noutro. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
O) A 2.ª Ré B... fixava o horário da prestadora da atividade em conformidade com o referido em N) e em função dos níveis de serviço que lhe eram comunicados pela 1.ª Ré A... no âmbito dos contratos referidos em F) e XX), sendo que as 31 horas semanais eram distribuídas pelos dias da semana, de forma desigual, podendo trabalhar 2 horas, num dia e 6 horas, noutro.
P) Caso a trabalhadora comunicasse alguma indisponibilidade, depois de elaborada a escala semanal, era considerada falta. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
P) Caso a prestadora da atividade comunicasse alguma indisponibilidade à B..., Lda., depois de elaborada a escala semanal por parte desta empresa, a B... considerava falta.
Q) Para além do desconto da retribuição, a trabalhadora era penalizada, caso comunicasse falta no próprio dia, e a penalização mantinha-se, ainda que as Rés aceitassem a compensação das horas de ausência noutro turno. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
Q) Para além do desconto da retribuição determinado e efetuado pela B..., Lda., a prestadora da atividade era penalizada pela B..., Lda., caso comunicasse falta no próprio dia.
R) A 2ª R. determinou que a trabalhadora exerceria a as suas funções na zona de .... Para iniciar a sua actividade, a prestadora tem que se apresentar na zona que lhe foi atribuída, aquando do registo na plataforma, e que consiste numa pequena área quadrada entre o Pingo Doce e uma rotunda, próxima de dois restaurantes para os quais a STUART faz entregas. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
R) A 2.ª Ré B..., Lda. determinou que a prestadora da atividade exerceria a atividade de estafeta na zona de ..., sendo que para iniciar sua atividade a prestadora tinha que se apresentar na zona geográfica que lhe foi atribuída por aquela Ré B..., especificamente a correspondente a uma área quadrada que estava assinalada na aplicação da STUART.
S) Para efectivo controle dessa localização, as Rés exigiam que a trabalhadora mantivesse a geolocalização activada. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
S) Para efetivo controle dessa localização, a 2.ª Ré B..., Lda. exigia que a prestadora da atividade mantivesse a geolocalização ativada.
T) Caso a prestadora se afastasse do “quadrado” estipulado, (ex: por estar a chover ou não ter onde estacionar) as Rés consideravam que a mesma estava offline e aplicavam-lhe penalizações, o mesmo sucedendo nos demais casos previstos no contrato de prestação de serviços celebrado entre as demandadas, já que todas as penalizações aplicadas pela 1ª à 2ª R. eram repercutidas na retribuição a pagar à trabalhadora. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
T) Caso a prestadora da atividade AA se afastasse do “quadrado” referido em R) (ex: por estar a chover ou não ter onde estacionar) era considerado que a mesma estava offline e a 2.ª Ré B..., Lda. aplicava-lhe a penalização prevista no contrato referido em H), sendo que a 2.ª Ré B..., Lda. fazia repercutir na retribuição a pagar à prestadora da atividade as penalizações que eram aplicadas pela 1.ª Ré A... à 2.ª Ré B... no âmbito dos contratos de subcontratação referidos em F) e XX) e relacionadas com os turnos atribuídos pela 2.ª Ré B... à referida prestadora da atividade.
U) Como contrapartida pelo trabalho prestado, a trabalhadora auferia a retribuição de €6,20 por hora, unilateralmente fixada pela 2ª R., a que corresponde a retribuição média semanal de €192,20 e mensal de €768,08. Esta retribuição base era paga independentemente do número de entregas efectuadas, mas pode ser aumentada, caso conseguisse efetuar várias entregas em simultâneo. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, substituindo-se a expressão “a trabalhadora” por “a prestadora da atividade”
V) O pagamento era efectuado, com periodicidade semanal, normalmente à sexta-feira, por transferência bancária. Para esse efeito, a aqui 2ª R. B... emitia um extracto com os valores devidos à trabalhadora, deduzidas as penalizações e acrescentados os prémios, correspondentes ao trabalho semanal. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, substituindo-se a expressão “à trabalhadora” por “à prestadora da atividade”
W) Esse extracto vem acompanhado dum relatório detalhado da atividade desenvolvida para a plataforma STUART.
X) As Rés determinavam que a trabalhadora emitisse recibos verdes, a favor das seguintes empresas:
B..., Lda.,
C..., Lda.;
D..., Unipessoal, Lda.; todas com sede na morada da segunda Ré e com gerentes comuns. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
X) A Ré B..., Lda. determinava que a prestadora da atividade emitisse recibos verdes, a favor das seguintes empresas:
B..., Lda.,
C..., Lda.;
D..., Unipessoal, Lda.; todas com sede na morada da segunda Ré e com gerentes comuns.”
Y) As Rés entregaram à prestadora uma mochila para transporte de mercadorias com o logotipo da STUART, de uso obrigatório, sob pena de lhe ser aplicada uma penalização correspondente ao dobro da retribuição do turno. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
Y) A Ré B..., Lda. determinou à prestadora AA que passasse a utilizar uma mochila para transporte de mercadorias com o logotipo da STUART, de uso obrigatório, sob pena de aplicar àquela uma penalização correspondente ao dobro da retribuição do turno.
Z) A prestadora não podia escolher os clientes ou as viagens, nem a zona onde aguardar novo pedido. Estava obrigada a aceitar e a concretizar todas as entregas que lhe eram atribuídas e só conhecia o destino da encomenda depois de aceitar o pedido. Só podia recusar a recolha de um pacote se este se encontrasse danificado, devendo documentar o dano através de fotografia.
AA) A prestadora estava obrigada a realizar a entrega no tempo determinado pela plataforma, devia procurar efetuá-la no mais curto espaço de tempo e comunicar qualquer atraso à plataforma e/ou ao cliente, em menos de 5 minutos.
BB) As Rés tinham o poder de a localizar em tempo real obrigando a prestadora a manter a geolocalização activada e não adoptar qualquer forma de bloqueio de GPS. Controlavam os trajectos efectuados, os tempos de espera e de recolha e entrega. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
BB) A 2.ª Ré B..., Lda. controlava os trajetos efetuados, os tempos de espera e de recolha e entrega relativos à prestação da atividade de estafeta de AA”.
CC) Todos os incumprimentos detectados pelos representantes da Ré ou pelo algoritmo implicavam a aplicação de penalizações, traduzidas no desconto de valores na retribuição devida à trabalhadora, mesmo que não resultassem de culpa da mesma. eliminada da decisão da matéria de facto nos moldes determinados infra no ponto IV 2.
DD) Praticamente, todas as semanas em que prestou trabalho às Rés, a trabalhadora sofreu penalizações diversas e de montante significativo, tal como descrito no art. 45º da p.i., cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
DD) A 2.ª Ré B..., Lda. aplicou à prestadora da atividade AA as seguintes penalizações:
EE) As Rés obrigavam a prestadora a lavar o motociclo, uma vez por semana, e a reportar esse procedimento através de formulário.- eliminada do elenco dos factos provados, passando a constar nos factos não provados com o aditamento do ponto 4.A, nos moldes determinados infra no ponto IV 2
FF) As Rés impunham á prestadora a obrigação de cuidar da sua higiene e imagem pessoal. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
FF) A prestadora da atividade comprometeu-se perante a 2.ª Ré B... a prestar a atividade de estafeta tendo cuidado com a sua higiene e imagem pessoal.
GG) O Código de Actividade Económica (CAE) principal da 1.ª Ré A... é o n.º 52291 – “Actividades dos agentes transitários, aduaneiros e de outras actividades de apoio ao transporte”, conforme certidão do registo comercial – cfr. doc. n.º 1 junto com a sua contestação, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
HH) A 1.ª Ré é uma empresa que se dedica à actividade de transitário, conforme o Alvará para o exercício de atividade transitária n.º ...69, emitido em 23 de Março de 2022 e válido até 22 de Março de 2027, remetido à ACT no dia 06.11.2023, que se junta como documento n.º 2 e dá integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
II) A actividade da 1.ª Ré em Portugal, consiste, assim, na prestação de serviços no sector transitário, constituindo-se num intermediário entre os expedidores de mercadorias (adjudicatários) e as empresas de transporte e logística, a 1.ª Ré, tal como qualquer transitário, organiza, em nome próprio a ligação entre operadores diferentes (expedidores e transportadores) e assegura a continuidade do transporte de mercadorias através de vários meios de transporte.
JJ) Constitui-se como um agente na cadeia de abastecimento, que se encarrega da organização e coordenação de transporte de mercadorias, entre dois locais, sejam eles dentro do mesmo país ou numa relação internacional, assegurando uma entrega segura e atempada, através de rotas bem delineadas e de uma rede de agentes e transportadores, em conformidade com as necessidades específicas do negócio dos adjudicatários.
KK) A 1.ª Ré subcontrata a empresas de transporte ou a transportadores independentes, especialistas nessa actividade.
LL) A 1.ª Ré tem uma relação jurídica com os seus clientes, que são os expedidores – tradicionalmente retalhistas, mediante a qual se obriga a prestar-lhes serviços de organização logística e transporte, mediante o pagamento de um valor específico.
MM) Os alegados “consumidores finais/clientes”, não se podem registar na aplicação da 1.ª Ré, não têm qualquer contacto com aplicações e/ou site da 1.ª Ré, nem com esta celebram qualquer tipo de contrato.
NN) A 1.ª Ré não recebe dos alegados “consumidores finais/clientes” qualquer tipo de pagamento.
OO) Em momento algum, um “consumidor” pode adquirir ou encomendar produtos ou bens à 1.ª Ré, seja por que meio for.
PP) A 1.ª Ré é remunerada pela sua actividade, designadamente pela prestação de serviços de actividade transitária, onde se incluem os de organização e transporte das mercadorias, exclusivamente pelos seus clientes expedidores.
QQ) A 1.ª Ré dispõe de um sistema informático / tecnológico, para planificar e supervisionar a recolha e a entrega de mercadorias da forma mais eficiente possível.
RR) Os destinatários de um determinado serviço, são as pessoas ou entidades que o Cliente da 1.ª Ré (expedidor) indique à 1.ª Ré.
SS) Conforme resulta do ponto 3. “Serviços”, 3.2. “Entrega de Mercadorias”, em virtude do contrato celebrado entre o cliente expedidor e a 1.ª Ré, aquele confia a esta a entrega de Mercadorias que sejam adquiridas ao primeiro.
TT) É ao Cliente expedidor que incumbe especificar a morada de recolha onde as mercadorias correspondentes a cada pedido de envio têm de ser recolhidas, bem como o horário de funcionamento ou qualquer outra característica necessária para que a recolha possa ser feita O Cliente expedidor está obrigado a declarar à 1.ª Ré os tamanhos das mercadorias, para que esta possa determinar qual a modalidade de transporte mais adequada.
UU) A 1.ª Ré é um transitário e não uma empresa de transporte, recorre a prestadores de serviço de transporte, que poderão ser empresas de transporte ou trabalhadores independentes, desde que tenham os meios técnicos, legais e regulamentares para o efeito, para garantir o cumprimento de obrigações assumidas perante os seus Clientes.
VV)A solução tecnológica utilizada pela 1.ª Ré é uma ferramenta que visa garantir a optimização dos serviços prestados aos seus clientes (expedidores), nomeadamente por parte das suas entidades subcontratadas.
WW) Tal significa que as necessidades de transporte são organizadas e transmitidas aos subcontratantes (transportadores) pela 1.ª Ré, através da plataforma digital, com base na localização do transportador, tendo em vista garantir os processos de transporte economicamente mais viáveis, eficientes e eficazes para os seus Clientes expedidores. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, substituindo-se a expressão “plataforma digital” por ”plataforma tecnológica”.
XX) Entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré vigorou um contrato de subcontratação de transporte de mercadorias celebrado em 29 de Julho de 2022, junto pela 2.ª Ré como documento n.º 2 à sua contestação, que foi substituído pelo contrato de subcontratação de transporte de mercadorias celebrado em 23 de Junho de 2023 e que se junta conforme documento n.º 5 e da integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:
XX) Entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré vigorou um contrato de subcontratação de transporte de mercadorias celebrado em 29 de julho de 2022, que foi substituído pelo contrato de subcontratação de transporte de mercadorias celebrado em 23 de junho de 2023 e referido em F), sendo que o primeiro contrato foi junto aos autos como documento n.º 2 com a contestação da 2.ª Ré B... e cujo teor se dá como integralmente reproduzido.
YY) Os trabalhadores ou prestadores de serviços das empresas de transporte, como é o caso da 2.ª Ré, têm que descarregar a aplicação da 1.ª para poderem saber qual o número de encomenda a levantar, o local de levantamento, local de entrega e outras circunstâncias relevantes.
ZZ)Adicionalmente, a aplicação permite ao expedidor saber em que estado se encontra a entrega.
AAA) Enquanto empresa transitária, a 1.ª Ré utiliza a geolocalização das empresas de transportes de mercadorias e respetivos trabalhadores e/ou prestadores de serviços para que os Clientes expedidores possam ter visibilidade sobre o estado de entrega das mercadorias.
BBB) No âmbito do contrato de subcontratação celebrado entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré, ficou acordado que a primeira paga à segunda o montante de € 0,50 por pedido de entrega, pela publicidade à 1.ª Ré nos veículos utilizados pela 2.ª Ré, pela utilização de equipamento como sacos com o logótipo da 1.ª Ré pelos trabalhadores /parceiros da 2.ª Ré.
CCC) A trabalhadora acima indicada deixou de ter acesso à plataforma por se ter despedido e não por qualquer outra sanção disciplinar por parte da 2ª R, tendo saído do grupo de WhatsApp criado para o efeito no dia 23 de Outubro de 2023. - alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, substituindo-se a expressão “a trabalhadora” por “a prestadora da atividade”
DDD) No âmbito dos contratos celebrados entre as Rés, referidos em F) e XX), o registo dos estafetas/prestadores da atividade de entrega na plataforma tecnológica da 1.ª Ré A... é efetuado pela empresa de transporte subcontratada 2.ª Ré B..., sendo que o pedido para criação de uma conta é enviado pela 2.ª Ré à 1.ª Ré através de um programa chamado “Fountain” e em seguida são criadas as contas para os estafetas/prestadores da atividade poderem utilizar a aplicação da 1.ª Ré STR e fazerem entregas por conta da 2.ª Ré B..., Lda. – aditada nos moldes determinados infra no ponto IV 2, substituindo-se a expressão “à trabalhadora” por “à prestadora da atividade”
1. A Ré, “A...” (doravante, STUART), dedica-se á prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos, actividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com retalho, etc.
2. A referida plataforma permite que os utilizadores/consumidores, façam encomendas de produtos variados a estabelecimentos comerciais parceiros, nomeadamente, restaurantes, supermercados e lojas; e providencia a entrega dessas encomendas.
“2. A No anúncio referido em G) era referida a retribuição de € 6,20/hora e figurava como contratante a STUART.” – aditado nos moldes determinados infra no ponto IV 2
3. As Rés forneceram à trabalhadora as seguintes instruções:
- Deveria dirigir-se á morada que lhe foi indicada a fim de levantar a mochila, com que deveria efetuar as suas entregas, por ter gravada a sigla STUART, a qual lhe foi fornecida gratuitamente;
- Após ter levantado a mochila, a prestadora foi novamente contactada pela plataforma com vista a receber instruções acerca da instalação da aplicação da STUART;
-Deveria assinar um contrato de forma digital para o qual lhe foi dado acesso.
4. As Rés impunham á prestadora a obrigação de se relacionar com os clientes e funcionários dos estabelecimentos de forma cordial e educada, cumprimentando e agradecendo e aplicavam penalizações por atitudes rudes ou agressivas.
4.As Rés obrigavam a prestadora a lavar o motociclo, uma vez por semana, e a reportar esse procedimento através de formulário. – aditado nos moldes determinados infra no ponto IV 2
5. A trabalhadora não podia escolher substituto, nem permitir que terceiros usassem a sua conta.
6. As Rés não permitiam que a trabalhadora prestasse actividade a terceiros, durante os turnos acordados, exigindo exclusividade.
7. Por ter reclamado dos constantes e exorbitantes descontos, por penalizações, as Rés retiraram-lhe o acesso á plataforma em 11-10-2023.
8. A 1.ª Ré não define em que locais em concreto é que a 2.ª Ré se deve situar ou ter colocados os seus recursos humanos.
9. A 1.ª Ré não vende, não promove, não publicita, nem faz qualquer tipo de intermediação na venda de bens ou mercadorias de terceiros, contrariamente a outro tipo de empresas, tradicionalmente qualificadas como operadores de plataformas digitais.
10. Cabe à 2.ª Ré definir, no âmbito do seu poder de organização da actividade e dos serviços que presta à 1.ª Ré, onde é que os seus recursos humanos deverão executar atividade e em que locais deverão situar-se e quantos recursos humanos é que deverá alocar ao exercício da prestação de serviços.
11. A 1.ª Ré não disponibilizou quaisquer equipamentos ao AA.
12. Os trabalhadores ou prestadores de serviços da 2.ª Ré. ou de qualquer empresa de transporte, não se registam a eles próprios na plataforma, pois o registo é sempre efectuado pela empresa de transporte respectiva.- eliminada do elenco dos factos não provados nos moldes determinados infra no ponto IV 2
13. O pedido para criação de uma conta é enviado pela empresa de transporte à 1.ª Ré, através de um programa chamado “Fountain”, que não é da propriedade da 1.ª Ré. Em seguida, são criadas as contas para os trabalhadores ou prestadores de serviços das empresas de transporte poderem utilizar a aplicação da 1.ª Ré e fazerem entregas em nome e por conta das empresas de transporte respetivas. eliminada do elenco dos factos não provados nos moldes determinados infra no ponto IV 2
14. Todo e qualquer condutor de empresa transportadora ou trabalhador independente, pode ligar-se e desligar-se da ferramenta digital da 1.ª Ré quando e como entender.
15. A 1.ª Ré limita-se a contratar com a 2.ª Ré, turnos de actividade nas zonas geográficas de Lisboa e Porto, e não qualquer ponto específico nestas zonas, sendo que cabe exclusivamente à 2.ª Ré, decidir quantos condutores pretende afectar para realizar transporte de mercadorias a cada momento e em que horários.
16. Aquando da notificação da entrega a efetuar, a plataforma apresenta uma rota estimada não detalhada (uma espécie de visão afastada/alargada/zoom out) entre o local de levantamento, de entrega e o tempo estimado, à qual ninguém é obrigado a obedecer.
17. Se porventura os trabalhadores ou prestadores de serviços da 2.ª Ré pretenderem que a aplicação da 1.ª Ré lhes dê uma determinada rota específica, na verdade, a aplicação da 1.ª Ré irá facultar a possibilidade do condutor escolher uma aplicação externa, dependendo das que tenha instalada no seu telefone, como por exemplo o “Google Maps” ou “Waze”, para lhe indicar uma rota.
18. São os trabalhadores ou prestadores de serviços da 2.ª Ré que definem qual a rota a utilizar e qual ferramenta de rotas / gps a utilizar, podendo, no limite, não utilizar nenhuma para escolher o trajeto a efectuar.
19. A estafeta, tinha a faculdade de aceitar, recusar ou ajustar o horário de acordo com a sua vontade, nunca lhe sendo imposto o mesmo.
20. Após a aceitação do horário, inicialmente indicado ou mesmo em caso de ser alterado/ajustado pela prestadora, esta teria de o cumprir a fim de a 2ª R puder cumprir com a organização e finalidade do trabalho a que se tinha proposta cumprir e evitar prejuízos, nomeadamente evitar as penalizações nesse caso devidas pela 1ª R à 2ª R por incumprimento do contrato firmado entre as partes.
IV - Apreciação/conhecimento
1 – Da invocada nulidade da sentença (ambos os recursos)
Reverenciando a ordem da precedência lógica vertida no artigo 608.º, n.º 1 do CPC (ex vi artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), começaremos pela análise da questão atinente à invocada nulidade da sentença.
Analisadas as conclusões de recurso, verifica-se que a Recorrente 1ª Ré A... invoca que a sentença é nula porque conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento no âmbito da ARECT, apelando na alegação ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Sustenta essa invocação em duas ordens de razões: por um lado, a ação especial em que foi proferida é de simples apreciação, pelo que nunca poderia na mesma condenar a Recorrente; por outro lado, ao considerar-se que a Recorrente 1ª Ré A... é uma plataforma digital (no que não concede) e que a Recorrente 2.ª Ré B... atuava como intermediária, então estipula o artigo 12.º-A, n.º 6, do Código de Trabalho que cabia ao Tribunal determinar, entre a plataforma e a intermediária, quem é que era a entidade empregadora, sendo que, ao invés, o Tribunal recorrido condenou ambas as Rés a reconhecer a existência de contrato de trabalho entre as mesmas e prestadora de atividade. Sob este último aspecto, argumenta que resulta da matéria de facto considerada provada nos autos, bem como do recurso da matéria de facto, que, a dever ser reconhecida a existência de contrato de trabalho, o que não concede, o mesmo só poderia ser reconhecido com a Recorrente 2.ª Ré B... com quem a prestadora de atividade acordou os termos da prestação de atividade e que lhe pagava a remuneração pelos serviços prestados.
Por sua vez, a Recorrente 2.ª Ré B..., defende que a sentença deve considerar-se nula, em virtude de ter condenado ambas as demandadas, como se de uma pluralidade de empregadores se tratasse, quando entre as Rés não existe qualquer relação societária recíproca, de domínio ou de grupo, e não têm qualquer estrutura organizativa comum nos termos e para os efeitos do artigo 101.º do Código do Trabalho.
O Recorrido Autor sustenta que, atendendo ao pedido constante da petição inicial apresentada, a sentença não padece do vício apontado (o de ter conhecido questões de que não podia tomar conhecimento). Argumenta que, considerando que a ação se destinava à apreciação da relação laboral existente entre AA e as Rés, por forma a ser reconhecida (ou não) a existência de um contrato de trabalho, apesar da formulação constante na parte decisória, tal segmento decisório é no sentido de que, tendo o Tribunal decidido pelo reconhecimento da existência de contrato de trabalho, condena (ainda que possa ter-se por redundante) as Rés a reconhecê-lo – sem que de tal decorra ou possa decorrer qualquer outra consequência para aquelas, no âmbito do presente processo.
Vejamos.
A sentença, como ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à luz do qual é proferida, torna-se passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC.
Dispõe este último normativo que a sentença é nula quando:
“a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.
Em consonância com o entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, assinala-se, desde já, que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”[6].
As nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto ou de direito. Tais nulidades sancionam, pois, vícios formais, de procedimento – errore in procedendo – e não patologias que eventualmente traduzam erros judiciais - errore in judicando.
Conforme se evidencia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-04-2021[7] (citando), «[p]or vezes torna-se difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, que é aquele que está na origem da decisão.
No acórdão do STJ de 30/9/2010[3], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.
Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artigo 615º do CPC são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável.
Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.» [fim de citação].
A Recorrente 1.ª Ré A..., como vimos, reconduz o vício invocado à alínea d) (2.ª parte) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, referindo que a sentença conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento no âmbito da ARECT.
A Recorrente 2.ª Ré B... não integra o vício de nulidade da sentença em nenhuma das situações prevenidas no artigo 615.º do CPC, limitando-se a dizer que a sentença é nula em virtude de ter condenado ambas as demandadas, como se de uma pluralidade de empregadores se tratasse.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, é a chamada nulidade por excesso de pronúncia.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do CPC que o «tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada a deduzir oposição».
Em conformidade com esse regime, o artigo 608.º, n.º 2, do CPC estatui que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O prescrito na alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC serve, pois, de cominação para o desrespeito do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, reconduzindo-se os vícios aí previstos à inobservância dos estritos limites do poder cognitivo do tribunal.
No que respeita à nulidade aí prevista, a decisão queda-se aquém ou foi além do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito, consubstanciando-se no uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se ter deixado por tratar de questões que deveria conhecer (no caso da omissão de pronúncia) ou por se ter abordado e decidido questões de que não se podia conhecer (no caso de excesso de pronúncia).
Ora, a decisão vai além do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito, consubstanciando-se no uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se ter abordado e decidido questões de que não se podia conhecer, no caso do excesso de pronúncia.
Particularizando o vício do excesso de pronúncia, como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2017[8] (citando): ”I. Só existe excesso de pronúncia quando os limites processuais forem ultrapassados com o Juiz a pronunciar-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedido e definido, sendo que a nulidade prevista na 2ª parte, da alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do CPC, apenas terá lugar se a sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do Juiz, dentro dos limites legais. II – O excesso de pronúncia gerador de nulidade refere-se, pois, aos pontos essenciais de facto e de direito que constituem o centro do pedido, quer seja no que respeita ao pedido, quer quanto às excepções suscitadas”.
Perante o sobredito enquadramento, e revertendo ao caso dos autos, diremos, desde já adiantando a solução, que não ocorre qualquer dos vícios de nulidade apontados à sentença recorrida.
A sentença recorrida não extravasou os estritos limites do poder cognitivo do Tribunal, não tendo sido ultrapassado o thema decidendum, relativamente ao qual as partes tiveram oportunidade de se posicionar, discutir e valorar.
É certo que na petição inicial em sede de fundamentação se aludiu ao disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, no sentido de cumprir decidir qual é a entidade empregadora da prestadora de atividade. Mas, a verdade é também, que o pedido formulado nessa mesma peça processual, a final, foi o de que a ação fosse julgada procedente e “reconhecido que o contrato celebrado entre as Rés ou, pelo menos, uma delas e a trabalhadora AA, em 30-05-2023, é um verdadeiro contrato de trabalho”.
A sentença recorrida considerou que a factualidade apurada demonstra os elementos indispensáveis à afirmação de um contrato de trabalho entre a estafeta e ambas as Rés, o que se insere no objeto do litígio e nas questões temáticas centrais do processo.
Percorrendo as considerações efetuadas pelas Recorrentes neste conspeto em sede do vício de nulidade que apontam à sentença, o que sucede é que as mesmas discordam da sentença proferida, assentando a sua discordância em eventuais erros de julgamento, mas o error in judicando, como vimos, não consubstancia qualquer dos vícios de nulidade da sentença previstos no artigo 615.º do CPC.
Por outro lado, e quanto ao outro aspeto, este invocado apenas pela Recorrente A..., não se olvida a natureza de ação de simples apreciação das ações de reconhecimento da existência do contrato de trabalho. No entanto, salvo melhor opinião, a circunstância de se ter utilizado a expressão “condenam-se as aqui demandadas a reconhecer a existência de contrato de trabalho entre as mesmas e a estafeta AA, desde 30-05-2023”, não transforma a sentença proferida no âmbito dessa ação de simples apreciação numa sentença condenatória no sentido de poder servir de base a uma execução, sendo certo que as Rés não foram condenadas no cumprimento duma obrigação pré-existente nem condenadas/constituídas em nova obrigação a cumprir (cfr. artigos 10.º e 703.º, n.º 1, alínea a) do CPC).
A utilização da expressão “condenam-se as Rés a reconhecer” em termos de técnica jurídica não será correta, mas terá de ser interpretada a decisão no seu conjunto, com apelo à parte que imediatamente antecede o dispositivo, em que se afirma “Concluindo-se pela existência dum contrato de trabalho celebrado entre a estafeta AA e as aqui demandadas desde 30-05-2023, julga-se a presente acção procedente”.
Nesse pressuposto, e como bem observa o Recorrido, considerando que a ação em causa se destinava à apreciação da relação existente entre a prestadora de atividade e as Rés, por forma a ser reconhecida (ou não) a existência de um contrato de trabalho, apesar da formulação plasmada na parte decisória, tal não acarreta a verificação de qualquer nulidade, devendo o segmento decisório ser interpretado no sentido de que, tendo o Tribunal recorrido decidido pelo reconhecimento da existência do contrato de trabalho, condena (ainda que possa ter-se por redundante) as Rés a reconhecê-lo, sem que daí possa retirar-se qualquer outra consequência para as Rés a não ser a de que foi declarada a existência do contrato de trabalho entre as mesmas e a prestadora de atividade, desde 30-05-2023. Em termos de caso julgado é apenas esse o alcance que se poderá retirar da decisão proferida
Pelo exposto, e sem necessidade de considerações adicionais, conclui-se que a sentença recorrida não enferma do invocado vício formal de nulidade previsto no artigo 615.º do CPC, improcedendo a nulidade da mesma arguida pelas Recorrentes.
Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 1, do CPT, que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[9] – de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo – de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão de 17-04-2023[10] desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.
A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da matéria de facto proferida pela 1.ª instância, impondo-se-lhe no que concerne à prova sujeita à livre apreciação do julgador, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus legalmente definidos pelo artigo 640.º do CPC.
Dispõe este último normativo o seguinte:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente indicar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante”;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)”.
Resulta da conjugação dos artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que, na impugnação da matéria de facto, e sob pena de rejeição do recurso (total ou parcial) deve o recorrente, nas conclusões de recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em questão que considera incorretamente julgados (enquanto delimitação do objeto do recurso) e, pelo menos, na motivação, deve identificar com precisão quais os meios probatórios que fundamentem essa pretensão, sendo que, tratando-se de prova pessoal, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso e, bem assim, qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em causa[11].
Como também sublinha António Abrantes Geraldes[12], as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.
Nesta decorrência, e a propósito do ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, como também é entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, existem casos em que, apesar da impugnação da matéria de facto se dirigir a blocos de factos, ainda assim deverá ser admitida, nomeadamente, quando o conjunto de factos impugnados respeitem à mesma realidade ou tratando-se de matéria conexa e os concretos meios de prova indicados sejam comuns a esses factos. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2021[13], 27-10-2021[14] e de 1-06-2022[15].
Haverá ainda que ter em conta que se entende inexistir despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto[16]. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2025[17], 29-01-2025[18], de 6-02-2024[19] e de 23-01-2024[20]. Este entendimento vem também sendo seguido nesta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, de forma que se pensa unânime, e de que são exemplo os Acórdãos de 5-06-2023[21] e de 10-07-2025[22].
Importa ainda ter presente que o comando normativo contido no artigo 607.º do CPC relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao Tribunal da Relação, atento o disposto pelo art.º 663.º, n.º 2, do CPC, não podendo o acórdão que aprecie o recurso interposto fundar-se em afirmações meramente conclusivas ou que constituam descrições jurídicas.
Com efeito, o Tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se tal se impuser (artigo 662.º, n.º 1, do CPC), como é a situação de existir matéria de direito e/ou conclusiva a invadir a matéria de facto (seja a provada, seja a não provada), subsumindo-se de forma relevante ao thema decidendum (entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir).
Conforme vem sendo entendimento pacífico desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, de que é exemplo o Acórdão de 7-04-2025[23], em linha com posição seguida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, só os acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que o conceito não integre o próprio objeto do processo ou, “mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”[24]. Daí que, quando o tribunal a quo se tenha pronunciado em sede de matéria de facto sobre afirmações conclusivas, encerrando um juízo valorativo, interpretativo, integrando mesmo o thema decidendum, essa pronúncia deve ter-se por não escrita[25].
No caso dos autos, analisadas as alegações dos recursos e as respetivas conclusões, com as exceções que adiante se irão referir, aqueles ónus mostram-se suficientemente cumpridos pelas Recorrentes, nada obstando à apreciação das impugnações, sendo certo que foi cumprido ónus primário de delimitação do objeto dos recursos em sede da impugnação da matéria de facto.
Nessa medida, procederemos agora à indagação em concreto das impugnações apresentadas pelas Recorrentes, começando pela apresentada pela 1.ª Ré A..., mas quando incidirem sobre pontos em comum será a análise feita em conjunto.
Deixa-se, desde já consignado, que nesta sede recursiva, no que respeita à prova gravada, a par da leitura das transcrições dos depoimentos convocados, se procedeu não só à sua audição integral, mas também dos restantes depoimentos, que são igualmente mencionados em sede da fundamentação do Tribunal recorrido. Assim se procedeu, por forma a que estivesse garantida a devida contextualização dos depoimentos convocados no recurso e na fundamentação da decisão recorrida, sendo certo que essa decisão usou uma técnica de fundamentação em bloco da factualidade [ou seja, sem se reportar a concretos pontos da matéria de facto provada e não provada e referindo-se ao que terá sido afirmado por cada uma das testemunhas, o que, diga-se, em nada facilita a tarefa deste Tribunal de recurso – e isto para já não falar da circunstância de os factos provados nem sequer terem sido identificados por alíneas ou numeração sequencial, a determinar que essa tarefa acabasse por recair sobre o Tribunal da Relação].
Alínea A) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... começa por impugnar a decisão relativa à alínea A) dos factos provados, pretendendo que tal matéria seja considerada não provada.
Relembre-se a redação da alínea A) dos factos provados:
A) A 1ª Ré detém, desenvolve e utiliza a plataforma digital “STUART”, que disponibiliza a prestação de serviços à distância através da aplicação informática “STUART APP”, a pedido de utilizadores, ou seja, empresas fornecedoras de produtos diversos, que são parceiros da plataforma.
Sustenta que resulta da documentação junta aos autos, bem como da factualidade que foi dada como provada, que não pode ser definida como uma plataforma digital para efeitos do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, sendo que a factualidade que foi dada como provada sob as alíneas GG), HH), II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP), QQ), RR), SS), TT), UU), VV) e WW) atesta que a Recorrente 1ª Ré A... é uma empresa que se dedica à atividade de transitário e está em sentido contrário ao vertido nessa alínea. Apela ainda ao depoimento da testemunha BB, que localiza na gravação e transcreve excertos. Em termos de documentação junta aos autos e não impugnada, reporta-se aos termos e condições aplicáveis às relações contratuais entre si e os seus clientes expedidores e concretamente ao que resulta do seu ponto 1 “Definições”.
Argumenta que da prova produzida resulta cristalino que os “clientes”/consumidores dos clientes da Recorrente 1ª Ré A... não têm qualquer interação com a mesma, não sendo possível através da aplicação da Recorrente que aqueles se nela registem e/ou façam quaisquer aquisições através da mesma.
Ora, em primeiro lugar, atento o que se discute na ação entende-se que deve ser desde logo evitado o uso da expressão «plataforma digital» em sede da factualidade provada, numa ação em que, na aplicação do direito, se irá colocar precisamente a questão de saber se a situação concreta é ou não subsumível à presunção de contrato de trabalho no âmbito da plataforma digital prevista no artigo 12.º-A do Código de Trabalho de 2009. Essa expressão é utilizada precisamente para identificar as situações que se subsumem ao âmbito da aplicação dessa norma e essa questão é uma das questões controvertidas a resolver em sede de direito.
Não passou despercebido que essa mesma expressão foi utilizada na alínea WW) dos factos provados, a qual não foi objeto de impugnação e é até uma das alíneas convocadas pela Recorrente 1.ª Ré A....
No entanto, reitera-se que deverá ser evitado o uso dessa expressão por constituir uma asserção conclusiva e jurídico valorativa, alterando-se oficiosamente a matéria de facto, substituindo-se o uso da expressão “plataforma digital” por “plataforma tecnológica”, expressão que se tem por inócua para efeitos da qualificação da relação existente.
Ademais, tem razão a Recorrente quando afirma que a alínea A) dos factos provados entra em conflito com a matéria de facto provada sob as alíneas GG), HH), II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP), QQ), RR), SS), TT), UU), VV) e WW), que não foram objeto de impugnação.
Ouvida a prova e analisada documentação convocada pela Recorrente, a convicção inequívoca com que ficamos, com apelo às regras da lógica e da experiência, até em face da restante matéria de facto considerada provada e que não foi objeto de impugnação - donde se destacam as alíneas da matéria de facto provada indicadas pela Recorrente A... -, é apenas a de que no âmbito da prestação da sua atividade, a 1.ª Ré A... detém e utiliza uma plataforma tecnológica, na qual existe uma aplicação informática “Stuart App”, sendo através dessa plataforma formalizados os pedidos de envio dos clientes expedidores que contratam os seus serviços.
A testemunha BB revelou conhecimento da factualidade em causa, sendo que o seu depoimento se mostrou credível e congruente com a documentação junta (“Termos e condições” aplicáveis às relações contratuais entre a Recorrente e os seus clientes expedidores), a justificar, como se disse, que o Tribunal recorrido tivesse adquirido convicção positiva quanto às identificadas alíneas não impugnadas.
A referida materialidade, como se disse, é também a única que se perfila como logicamente compatível com a factualidade provada sob as alíneas GG), HH), II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP), QQ), RR), SS), TT), UU), VV) e WW) e que não foram objeto de impugnação.
Assim, importa proceder à alteração da alínea A) dos factos provados, cuja redação passará a ser a seguinte:
“A) No âmbito da prestação da sua atividade, a 1.ª Ré A... detém e utiliza uma plataforma tecnológica, na qual existe uma aplicação informática “Stuart App”, sendo através dessa plataforma que são formalizados os pedidos de envio dos clientes expedidores que contratam os seus serviços”.
Determina-se, ainda, oficiosamente à alteração da alínea WW) dos factos provados, no sentido de aí se substituir a expressão «plataforma digital» por «plataforma tecnológica»
Alíneas B) e F) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... impugna a decisão relativa às alíneas B) e F) dos factos provados, pretendendo que tal matéria seja considerada não provada.
A redação das alíneas em causa é a seguinte:
“B) O transporte dos produtos entre os estabelecimentos parceiros e os respetivos consumidores e, consequentemente, o funcionamento da plataforma dependem, necessariamente, do recurso a distribuidores/estafetas.”
“F) Para angariação, mediação na organização de trabalho e supervisão da referida prestadora e de outros estafetas, a STUART celebrou com a Ré “B...” um “contrato de subcontratação de transporte de mercadorias” – cfr. doc. junto com a contestação da 1ª demandada cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.”
Nesta sede, defende a Recorrente 1.ª Ré A... que o facto provado F) contém matéria conclusiva e de direito, que integra o thema decidendum, não podendo integrar a matéria de facto provada da sentença. Sem conceder, e caso assim se não entenda, relativamente aos factos provados B) e F), reitera o que resulta dos factos provados GG), HH), II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP), QQ), RR), SS), TT), UU), VV) e WW). Argumenta que, enquanto transitária, pode mediar expedidores e destinatários, nomeadamente através dos transportadores com quem celebre os respetivos contratos de transporte – que foi e é exatamente o objeto do contrato celebrado entre a Recorrente 1ª Ré e a 2.ª Ré B... -, mas não sendo uma empresa transportadora, subcontrata a empresas de transporte ou a transportadores independentes, especialistas nessa atividade, conforme resulta e permite o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de julho, dedicando-se a Recorrente 1.ª Ré A... exclusivamente ao exercício da atividade transitária. Mais apela novamente aos termos e condições aplicáveis às relações contratuais entre si e os seus clientes expedidores e ao depoimento da testemunha BB, que localiza na gravação e transcreve excertos.
Fazendo aqui apelo às considerações acima tecidas a respeito da intervenção oficiosa deste Tribunal, quando tiver havido pronúncia em sede de matéria de facto sobre afirmações conclusivas, que encerrem um juízo valorativo, interpretativo, integrando mesmo o thema decidendum, verifica-se que é este inequivocamente o caso das alíneas B) e F), excecionada quanto a este última a parte que se reporta à própria celebração do contrato que aí é dado como reproduzido.
Com efeito, tais alíneas – excecionada a matéria atinente à celebração do contrato e o respetivo teor – contêm contéudo conclusivo/valorativo, com utilizações de expressões que envolvem já a aplicação da lei e do direito, como ainda são genéricas e sem a mínima concretização, motivo pelo qual não têm cabimento na matéria de facto – provada ou não provada -, impondo-se a sua eliminação.
No que se refere alínea F), deverá ser alterada a sua redação, de molde a eliminar a matéria conclusiva e plasmar apenas a referente ao contrato celebrado entre as Rés em 23-06-2023 junto com a contestação da 1.ª Ré e que foi dado como “integralmente reproduzido”, fazendo constar expressamente o teor de algumas cláusulas do mesmo, atenta a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito. Saliente-se que o documento em causa não foi impugnado, inexistindo controvérsia quanto à celebração e vigência do contrato em questão, como também quanto ao facto de entre as Rés ter antes vigorado um outro contrato de subcontratação celebrado em 29-07-2022 e também junto aos autos – cfr. alínea XX) dos factos provados, que não foi objeto de impugnação.
Assim, oficiosamente este Tribunal da Relação:
· tem por não escrita a alínea B) dos factos provados, que assim se tem por eliminada da decisão da matéria de facto;
· altera a redação da alínea F) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“A 1.ª Ré A... celebrou em 23-06-2023 com a 2.ª Ré B... o contrato escrito junto como documento n.º 5 com a contestação da 1.ª Ré sob a epígrafe “acordo de subcontratação”, cujo teor se dá como integralmente reproduzido, aí constando, para além do mais, o seguinte:
[transcrição do teor do contrato, que aqui nos dispensamos de replicar tendo em conta que já o fizemos no ponto III da fundamentação de facto ao dar nota das alterações efetuadas à matéria de facto] .
Alíneas G) e H) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... impugna a decisão relativa às alíneas G) e H) dos factos provados, pretendendo que tal matéria seja considerada não provada ou no limite, a manterem-se no elenco da matéria provada, a alteração da sua redação para aquela que sugere:
G) A estafeta em causa, verificou que existia um anúncio na página online da “OLX” uma proposta de emprego publicada pela B..., Lda, como estafeta para os aplicativos STUART, BOLT e UBER EATS, a que a mesma respondeu via mensagem na página online OLX, mostrando interesse em ser contratada.
H) A mesma trabalhadora assinou, de forma digital, com efeitos a 30-05-2023, um contrato de prestação de serviços com a “B...”. Empresa, esta, que era a anunciante e contratante na proposta de emprego da “OLX” para os aplicativos STUART, BOLT e UBER EATS.
Recorde-se a redação das alíneas em causa:
“G) A estafeta em causa, verificou que existia um anúncio na página online da “OLX” uma proposta de emprego, como estafeta da STUART, mediante a retribuição de €6,20/hora, a que a mesma respondeu, mostrado interesse em ser contratada.
H) A mesma trabalhadora assinou, de forma digital, com efeitos a 30-05-2023, um contrato de prestação de serviços com a “B...”. Empresa, esta, que não era referida na proposta de emprego da “OLX”, em que figurava como contratante, apenas, a “STUART”.
Argumenta a Recorrente 1.ª Ré A... que não existe prova documental nos autos que ateste e, consequentemente, tivesse permitido ao Tribunal recorrido, dar como provado que tivesse existido qualquer anúncio na página online OLX e, menos ainda, que este alegado anúncio publicitasse “uma proposta de emprego como estafeta da STUART” e que a Stuart figurasse “contratante”. Mais argumenta que, nem se entende como é que o Tribunal recorrido deu esta matéria como provada, quando quer a prova documental, quer a prova testemunhal constante e produzida nos autos, foi no sentido oposto àquela que é a versão constante dessas alíneas. Para sustentar a sua posição, apela aos depoimentos das testemunhas BB, AA e CC, localizando-os na gravação e transcrevendo excertos.
Apreciando, no que se reporta à ausência de prova documental, saliente-se não estão em causa factos relativamente aos quais existissem regras de prova vinculada, como seja aquelas que impõem a apresentação de prova documental. Não existe no caso qualquer violação dessas regras de prova vinculada a reclamar a intervenção oficiosa da Relação para a desconsideração de qualquer um desses factos com esse fundamento (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC).
De facto, não decorre de preceito algum que os factos em causa no que se refere ao anúncio na página on line da “OLX” apenas possam ser provados documentalmente e/ou que o não possam ser por qualquer meio de prova, designadamente testemunhal. Estão, pois, tais factos sujeitos a qualquer meio de prova, designadamente testemunhal, valendo quanto a esta prova a livre convicção do julgador.
Por outro lado, e no que se reporta à alínea H) dos factos provados, na linha do já antes afirmado em relação à expressão “plataforma digital”, verifica-se que na mesma se contém a expressão “trabalhadora”, expressão que se entende deverá ser evitada no âmbito da factualidade provada, numa ação em que está afinal em causa, no âmbito da aplicação de direito, a questão de saber se a relação assumirá ou não natureza laboral. Isto porque a expressão em referência (trabalhadora), por regra, é utilizada, incluindo na linguagem comum, para identificar, precisamente, a pessoa que presta a atividade no âmbito de uma relação laboral.
Nessa medida, decide-se alterar oficiosamente a matéria de facto, substituindo-se o uso dessa expressão por “a prestadora da atividade”, expressão que temos por inócua para efeitos da qualificação da relação existente.
Esta situação verifica-se não só na alínea H), mas também nas alíneas D), E), I), J), K), L), P), Q), R), S), T), U), V), X), DD) e CCC), pelo que tal alteração é, desde já, oficiosamente determinada quanto a todas as identificadas alíneas.
Isto posto, ouvida a prova gravada a que apelou a Recorrente 1.ª Ré A..., verifica-se que assume aqui primordial relevância o depoimento da testemunha AA já que se pronunciou sobre a matéria em causa, com conhecimento direto, e por forma que nesta matéria se reputou de espontânea e credível. Explicou que aparecia no anúncio em causa o nome do anunciante, apesar de ter dito não se recordar já se era o nome da empresa 2.ª Ré B..., o que se pode explicar atento o período temporal decorrido [atente-se que no auto de declarações da prestadora de atividade perante a inspetora de trabalho DD, em 23-09-2023 – ou seja, três dias após a ação inspetiva – consta que a prestadora de atividade terá então afirmado que no anúncio da OLX era a empresa B... que solicitava a contratação de estafetas]. Não obstante, resultou do seu depoimento que o anúncio em causa no OLX era a pedir estafetas para trabalhar em vários aplicativos, como sejam os aplicativos da Stuart, Uber e Bolt (tudo no mesmo anúncio) e que tinha que ter veículo, sendo que mandou mensagem no OLX a responder que estava interessada sem ter particularizado nessa resposta para qual dos aplicativos estaria interessada. Mais resultou do seu depoimento que, nessa sequência, foi contactada telefonicamente por uma pessoa que lhe disse que representava a empresa B... e que eles (a empresa aqui 2.ª Ré) trabalhavam com a Stuart, sendo que foi também essa pessoa que depois lhe enviou o contrato de prestação de serviços que a testemunha assinou on line. Confrontada com o contrato escrito junto aos autos com a petição inicial, sob a denominação de “Contrato de prestação de serviços”, a testemunha confirmou tratar-se do contrato por si assinado, sendo certo que no contrato em causa figuram como outorgantes a 2.ª Ré B..., Lda. e AA. Sublinhe-se que não se mostra controvertida a subscrição do contrato em questão pela prestadora de atividade e a Recorrente 2.ª Ré B....
Também o depoimento da testemunha BB assumiu relevância, explicando que a Stuart não coloca anúncios no OLX a pedir estafetas, mas por vezes acontece as empresas subcontratadas fazerem anúncios onde mencionam o nome Stuart para ser mais apelativo, o que se mostra plausível, sendo que segundo a testemunha AA no anúncio pedia-se estafetas para outros aplicativos além da Stuart.
Se tivermos em consideração o teor do contrato assinado entre a prestadora de atividade e a 2.ª Ré B..., verificamos que no mesmo são contemplados no respetivo anexo I – Preço, tipos de serviço, que não se reconduzem apenas ao tipo de serviço “Stuart”, contemplando outros serviços. Acresce que nos extratos de rendimentos da prestadora de atividade e que terão sido emitidos pela 2.ª Ré B..., desde logo para efeitos de emissão dos recibos verdes, juntos com a petição inicial consta a menção a “plataformas”, entre as quais a Stuart, Vromo, TooKan, Boltfood, Ubereats.
Assim, e feita a conjugação de todos os elementos de prova, e apelando às regras da lógica e da experiência, a convicção a que chegamos não é de todo no sentido de que na proposta de emprego constante do anúncio do OLX figurava como contratante a Stuart, nem sequer que tal anúncio tenha sido publicado pela Stuart. Pelo contrário, a convicção firme e segura a que chegamos foi no sentido de que tal anúncio foi publicado pela 2.ª Ré B..., tendo sido feita prova em sentido logicamente incompatível com a afirmação de que nesse anúncio figurava como contratante a STUART. Acresce que não foi produzido qualquer elemento de prova que permitisse concluir que no anúncio em questão fosse referida a retribuição de € 6,20/hora.
Doutro passo, reitere-se que inexiste controvérsia quanto ao facto de a prestadora de atividade e a 2.ª Ré terem assinado o referido contrato escrito, sendo que a primeira reconheceu no seu depoimento ter assinado tal contrato junto com a petição inicial e a 2.ª Ré não colocou em crise a celebração e assinatura de tal contrato, antes o admitindo na posição assumida nos autos.
Tendo em conta o atrás exposto, a redação das alíneas em análise deverá ser alterada em conformidade, e aditado um ponto à matéria de facto não provada, sendo certo que no que respeita à alínea H) a mesma deverá contemplar o teor das cláusulas do contrato escrito em referência e junto com a petição inicial, atenta a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito.
Pelo exposto, decide-se:
· alterar a redação da alínea G) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“G) A prestadora da atividade AA verificou que existia um anúncio na página online da “OLX”publicado pela 2.ª Ré B... para efeitos de contratação de estafetas para trabalhar nos aplicativos da Stuart, Uber e Bolt, ao qual a mesma respondeu via mensagem na página online OLX, mostrando interesse em ser contratada.”
· alterar a redação da alínea H) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“Nessa sequência, a prestadora da atividade AA assinou, de forma digital, com efeitos a 30-05-2023, um contrato escrito intitulado de “Contrato de Prestação de Serviços”, junto com a petição inicial (no ponto 5. da certidão provinda da ACT, páginas 47 a 77), o qual se mostra também subscrito pela aí 1.ª outorgante B..., Lda., cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido, aí constando, para além do mais, o seguinte:
[transcrição do teor do contrato, que aqui nos dispensamos de replicar tendo em conta que já o fizemos no ponto III da fundamentação de facto ao dar nota das alterações efetuadas à matéria de facto].
· aditar um ponto 2.A à matéria de facto não provada com a seguinte redação:
“2.A No anúncio referido em G) era referida a retribuição de € 6,20/hora e figurava como contratante a STUART.”
· alterar desde já a redação das alíneas D), E), I), J), K), L), P), Q), R), S), T), U), V), X), DD) e CCC), substituindo-se o uso da expressão “a trabalhadora” por “a prestadora da atividade”, sem prejuízo de outras alterações que possam ser infra determinadas aquando do conhecimento da impugnação que tenha por objeto tais alíneas.
Alíneas I), J) e K) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... impugna a decisão relativa às alíneas I), J) e K) dos factos provados, pretendendo que tal matéria seja considerada não provada, ou caso assim não se entenda, perante os elementos de prova que indica seja então a sua redação alterada nestes termos:
I) Para o exercício da sua actividade de estafeta, era exigido pela aqui Ré B..., Lda. que a trabalhadora possuísse e utilizasse um telemóvel (smartphone), com internet e geolocalização activadas.
J) A Ré B..., Lda exigiu, ainda, que trabalhadora utilizasse um veículo de transporte.
k) Para o exercício das suas funções no aplicativo STUART, a trabalhadora descarregou a aplicação STUART, no seu telemóvel, na data da subscrição do contrato.
Também a impugnação da Recorrente 2.ª Ré B... incide sobre a alínea I) dos factos provados, dizendo que não poderia ser dada como provada. No entanto, nesta parte, não foi por si indicado qualquer meio de prova para sustentar a impugnação, pelo que, por manifesto incumprimento do ónus previsto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, rejeita-se a impugnação da Recorrente 2.ª Ré B... quanto a essa alínea I).
Como tal, e no que respeita às identificadas alíneas I), J) e K) dos factos provados, haverá que apreciar a impugnação da Recorrente 1.ª Ré A....
Relembre-se a redação das alíneas em causa:
“I) Para o exercício da sua actividade de estafeta, era exigido pelas aqui Rés que a trabalhadora possuísse e utilizasse um telemóvel (smartphone), com internet e geolocalização activadas.
J) As Ré exigiram, ainda, que trabalhadora utilizasse um veículo de transporte.
k) Para o exercício das suas funções, a trabalhadora descarregou a aplicação STUART, no seu telemóvel, na data da subscrição do contrato.”
Para alicerçar a sua posição a 1.ª Ré Recorrente apela a prova documental - contrato celebrado entre a prestadora de atividade e a 2.ª Ré B... e contrato de subcontratação celebrado entre as Rés -, bem como aos depoimentos das testemunhas AA, BB e CC, localizando-os na gravação e transcrevendo excertos.
Ora, no que respeita à utilização da expressão “trabalhadora”, mostra-se já decidida a respetiva substituição pela expressão “prestadora de atividade”.
Por outro lado, e reapreciada a prova – prova gravada e documental -, importa referir que não existe qualquer motivo para considerar como não provada a totalidade da matéria de facto em causa.
Quanto à matéria da alínea k), a prova produzida foi absolutamente convergente e inequívoca no sentido de que, para o exercício de atividade de estafeta no aplicativo STUART, a prestadora de atividade descarregou a aplicação STUART no seu telemóvel, na data da subscrição do contrato referido em H). Isso mesmo decorre inequivocamente da conjugação dos depoimentos das testemunhas AA e BB, em conjugação com o clausulado nos contratos escritos juntos aos autos e mencionados nas alíneas F), H) e XX).
Do mesmo passo, e quanto às demais alíneas, foi convergente e inequívoca a prova no sentido de que para o exercício da sua atividade de estafeta, era exigido pela 2ª Ré B... que a prestadora de atividade possuisse e utilizasse um telemóvel (smartphone), com internet e geolocalização ativadas e ainda que utilizasse um veículo de transporte. Não se olvide que a contratação da prestadora de atividade surge na sequência do anúncio da 2.ª Ré a solicitar estafetas, sendo que do próprio contrato assinado entre ambas resulta inequivocamente as referidas exigências – veja-se o anexo II sob a epígrafe conceitos de boa conduta e penalidades, 1º item (Conceitos de boa conduta – ponto 4. ) e ponto 2.º (Critérios conducentes à aplicação de penalidades), em que um dos critérios é o da “percentagem de tempo on line durante o turno”, definida como tendo a prestadora de atividade que garantir que está online durante a totalidade dos turnos acordados com a 2.ª Ré B... e, bem assim, o que tem que acontecer para se considerar que a prestadora de atividade esteve online durante o turno.
Sublinhe-se que, da conjugação de toda a prova produzida, não só a prova gravada, como a prova documental, resultou inequívoco que em termos de contratação da prestadora de atividade todos os contatos foram feitos pela 2.ª Ré B... e em seu nome próprio, sem qualquer intervenção ou ingerência da 1.ª Ré A.... Acresce não foram impugnados, nem colocados em crise por qualquer outro elemento de prova, os acordos/contratos de subcontratação celebrados entre as Rés e aos quais é feita menção na alínea XX) que não foi objeto de impugnação.
Pelo exposto, decide-se:
· alterar a redação da alínea I) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“I) Para o exercício da sua atividade de estafeta, era exigido pela 2.ª Ré B... que a prestadora da atividade possuísse e utilizasse um telemóvel (smartphone), com internet e geolocalização activadas.
· alterar a redação da alínea J) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“J) A Ré B..., Lda exigiu, ainda, que prestadora da atividade utilizasse um veículo de transporte.”
· alterar a redação da alínea K) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“k) Para o exercício de atividade de estafeta no aplicativo STUART, a prestadora da atividade descarregou a aplicação STUART, no seu telemóvel, na data da subscrição do contrato referido em H).”
- Alíneas M), N), O) e P) dos factos provados
Para seguir a ordem sequencial lógica, será conhecida em conjunto a impugnação apresentada pelas Recorrentes, ressalvando-se que a Recorrente 1ª Ré A... não impugnou a alínea M) e a Recorrente 2.ª Ré B... não impugnou a alínea P).
Relembre-se, antes de mais, a redação de tais alíneas dos factos provados:
“M) A 2ª R. B... determinou que a prestadora deveria trabalhar, pelo menos, 31 horas por semana, em horário variável, mediante escala semanal, comunicada no domingo anterior.
N) No sábado anterior, a prestadora deveria declarar em que dia pretendia gozar a folga da semana seguinte, estando impedida de escolher a sexta feira, o sábado ou o domingo.
O) A fixação do horário dependia, unicamente, das necessidades, interesses e decisão das Rés e as 31 horas semanais eram distribuídas pelos dias da semana, de forma desigual, podendo trabalhar 2 horas, num dia e 6 horas, noutro.
P) Caso a trabalhadora comunicasse alguma indisponibilidade, depois de elaborada a escala semanal, era considerada falta.”
Começando pela alínea M) dos factos provados, para alicerçar a sua pretensão de tal matéria ser considerada não provada, a Recorrente 2.ª Ré B... apela aos depoimentos das testemunhas AA e CC, localizando-os na gravação, bem como àquilo que designa apenas como “documento junto aos autos com a contestação da recorrente”. Ainda que esta técnica não seja a correta, já que com a sua contestação juntou vários documentos, percebe-se a que documento se refere atenta a matéria que está em causa (2.º documento junto com a contestação, que traduz print de mensagens trocadas numa conversa por Whatsapp).
Neste particular, a Recorrente 2.ª Ré B... seleciona extratos pontuais dos depoimentos convocados, quando outras passagens existem que relevam na matéria em causa, não podendo os mesmos ser descontextualizados. Tem que ser feita uma análise crítica e conjugada dos depoimentos, com a prova documental, máxime o contrato escrito assinado entre a 2ª Ré e a prestadora da atividade. Além disso, o teor do documento ao qual a Ré apela não aponta em sentido logicamente incompatível com a resposta afirmativa à matéria em questão.
Refira-se ainda que ficou apurada a matéria vertida no ponto U) dos factos provados e que não foi objeto de impugnação, sendo certo que essa alínea tem precisamente como pressuposto as referidas 31 horas semanais.
Reapreciada a prova produzida, a convicção a que chegamos não é distinta daquela a que chegou a Mmª Juíza em 1.ª instância quanto à matéria vertida na alínea M) dos factos provados, sendo que a prova indicada pela Recorrente não impõe decisão diversa na matéria em apreciação.
Passando à apreciação das alíneas N) e P) dos factos provados, verifica-se que a Recorrente 1.ª Ré A... pretende que tal matéria seja considerada não provada, ou caso assim não se entenda, perante os elementos de prova que indica seja então a sua redação alterada nestes termos:
“N) No sábado anterior, a prestadora deveria declarar à B..., Lda. em que dia pretendia gozar a folga da semana seguinte, estando impedida pela B..., Lda. de escolher a sexta feira, o sábado ou o domingo.”
“P) Caso a trabalhadora comunicasse alguma indisponibilidade à B..., Lda., depois de elaborada a escala semanal por parte desta empresa, a B... considerava falta.”
Para sustentar a sua posição, a Recorrente 1.ª Ré A... apela a prova documental – contrato celebrado entre a prestadora de atividade e a 2.ª Ré B... e contrato de subcontratação celebrado entre as Rés -, bem como aos depoimentos das testemunhas AA, BB e EE, localizando-os na gravação e transcrevendo excertos.
Por sua vez, a Recorrente 2.ª Ré B..., no que respeita à alínea N), apela aos mesmos elementos probatórios que convocou para impugnar a alínea M), para sustentar a sua posição de ser tal matéria considerada não provada (atente-se que foi essa a posição que, afinal, a mesma levou às conclusões de recurso, como decorre das conclusões 6 a 10).
Apreciando, é verdade que, como aponta a Recorrente 1.ª Ré A..., que o Tribunal recorrido não identifica nessas alíneas por relação a qual das Rés essa matéria respeita. Não obstante, não pode deixar de se ter em consideração que a alínea N) é sequencial à alínea M) onde se fala na determinação pela 2.ª Ré, mediante escala semanal, comunicada no domingo anterior.
Seja como for, o certo é que analisada crítica e conjugadamente a prova produzida e convocada nesta matéria, com especial ênfase no depoimento da testemunha AA em conjugação com a referida prova documental, não temos dúvidas que a matéria vertida nas alíneas M) e P) é reportada à Recorrente 2.ª Ré B... [cfr. contrato subscrito pela 2.ª Ré B... e a prestadora da atividade AA, mais precisamente Anexo II – Conceitos de boa conduta e Penalidades, ponto 1.º Con- ceitos de boa conduta, 7. e ponto 2º-Critérios Conducentes à aplicação de penalidades ponto 1. do quadro, sob o item falta sem justificação]. Realce-se que a testemunha AA, para além de ter conhecimento direto quanto ao procedimento seguido neste particular, depôs por forma credível e plausível em face da prova documental junta, logrando convencer.
A referida precisão deve, pois, ficar plasmada sem margem para dúvidas na redação das alíneas em causa.
Nestes termos, e ainda que não haja fundamento para considerar tal matéria como não provada, a análise crítica e conjugada da prova produzida impõe a alteração da redação das alíneas N) e P) nos termos sugeridos pela Recorrente 1.ª Ré, com a única precisão de que na linha do já anteriormente decidido será utilizada na alínea P) a expressão “prestadora da atividade” em substituição de “trabalhadora”.
Quanto à alínea O) dos factos provados, verifica-se que a Recorrente 1.ª Ré A... pretende que tal matéria seja considerada não provada, ou caso assim não se entenda, perante os elementos de prova que indica seja então a sua redação alterada nestes termos:
“O) A fixação do horário dependia, unicamente, das necessidades interesses e decisão da 1.ª Ré B..., Lda. que também procedia com a distribuição das 31 horas semanais pelos dias da semana, de forma Desigual, podendo trabalhar 2 horas, num dia e 6 horas, noutro”
Para sustentar a sua posição, a Recorrente 1.ª Ré A... apela a prova documental – contrato celebrado entre a prestadora de atividade e a 2.ª Ré B... e contrato de subcontratação celebrado entre as Rés -, bem como aos depoimentos das testemunhas AA e BB, localizando-os na gravação e transcrevendo excertos.
Por seu turno, a Recorrente 2.ª Ré B..., no que respeita à alínea O), apela aos mesmos elementos probatórios que convocou para impugnar a alínea M) para sustentar a sua posição de ser tal matéria considerada não provada (atente-se que também aqui foi essa a posição que, afinal, a mesma levou às conclusões de recurso, como decorre das conclusões 6 a 10).
Refira-se que não podemos deixar de anotar que a redação da alínea em causa peca por conter em parte um conteúdo conclusivo.
Após a análise conjunta que fizemos de todos os meios de prova produzidos e convocados a convicção segura a que chegamos, da ponderação crítica dos depoimentos das testemunhas AA, BB e CC em conjugação com a prova documental indicada pelas Recorrentes, foi que era a Recorrente 2.ª Ré B... que fixava o horário da prestadora de atividade em conformidade com o referido em N) – já na sua nova redação – e em função dos níveis de serviço comunicados pela Recorrente 1.ª Ré A... à Recorrente 2.ª Ré B... no âmbito dos contratos de subcontratação referidos em F) e XX). Do mesmo passo, resultou inequívoco que as horas semanais eram distribuídas pelos dias da semana, de forma desigual, podendo trabalhar 2 horas, num dia e 6 horas, noutro. Sublinhe-se que, conforme decorre dos contratos escritos celebrado entre as Rés, a A... assumiu a obrigação de comunicar semanalmente (“Previsão Semanal”) à B... os turnos de trabalho (expressão utilizada no contrato de 2023)/horário de funcionamento (expressão utilizada no contrato de 2022) e as zonas geográficas específicas dentro dos territórios acordados nos quais a Avenida teria de prestar o serviço, sendo certo que, por sua vez, era a Subcontratada B... que deveria confirmar os recursos que dispunha para cumprir a Previsão Semanal (cfr. cláusula 5.ª de execução de serviços dos contratos celebrados). Acresce que, da conjugação do depoimento da testemunha AA com os “extratos de rendimento” juntos com a petição inicial, resulta que os montantes pagos à prestadora reportam-se sempre a serviços denominados “Stuart – veículo próprio”, sendo certo que nesses extratos figuram outros itens referentes a “Vromo”, “Tookan”, “Boltfood”, “Ubereats”, “Internos”, “Outros”, os quais estão sempre a zero.
Perante a referida análise crítica e conjugada da prova, impõe-se proceder à alteração da redação da alínea O) dos factos provados no sentido atrás exposto.
Pelo exposto, decide-se:
· manter no elenco dos factos provados e com a mesma redação a alínea M);
· alterar a redação da alínea N) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“N) No sábado anterior, a prestadora deveria declarar à B..., Lda. em que dia pretendia gozar a folga da semana seguinte, estando impedida pela B..., Lda. de escolher a sexta feira, o sábado ou o domingo.”
· alterar a redação da alínea P) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“P) Caso a prestadora da atividade comunicasse alguma indisponibilidade à B..., Lda., depois de elaborada a escala semanal por parte desta empresa, a B... considerava falta.”
· alterar a redação da alínea O) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“O) A 2.ª Ré B... fixava o horário da prestadora da atividade em conformidade com o referido em N) e em função dos níveis de serviço que lhe eram comunicados pela 1.ª Ré A... no âmbito dos contratos referidos em F) e XX), sendo que as 31 horas semanais eram distribuídas pelos dias da semana, de forma desigual, podendo trabalhar 2 horas, num dia e 6 horas, noutro.”
Alínea Q) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... impugna a decisão relativa à alínea Q) dos factos provados, pretendendo que tal matéria seja considerada não provada ou, caso assim se não entenda, que seja considerado provado com a redação que sugere:
“Q) Para além do desconto da retribuição determinado e efetuado pela B..., Lda., a trabalhadora era penalizada pela B..., Lda., caso comunicasse falta no próprio dia.”
A redação da alínea em causa é a seguinte:
“Q) Para além do desconto da retribuição, a trabalhadora era penalizada, caso comunicasse falta no próprio dia, e a penalização mantinha-se, ainda que as Rés aceitassem a compensação das horas de ausência noutro turno”
Para sustentar a sua posição, a Recorrente 1.ª Ré A... convoca, em substância, os mesmos elementos probatórios a que apelou para sustentar a impugnação da alínea P) dos factos provados e dos quais já fizemos referência supra.
Nessa medida, valem aqui as considerações aí tecidas, em termos de apreciação dos elementos probatórios convocados, sendo aqui especialmente relevantes os contratos juntos aos autos já acima identificados, em conjugação com os depoimentos das testemunhas AA, BB e EE. Nesta matéria foi particularmente elucidativo depoimento da testemunha EE, responsável da área financeira da 2.ª Ré B..., que explicou que a partir da alteração no contrato celebrado entre as Rés, em que a Stuart impôs penalizações à B..., como esta última teve prejuízos com essas penalizações decidiu imputar as mesmas aos “drivers” (para utilizar a expressão por si utilizada). Decorreu ainda inequivocamente do seu depoimento que a decisão do que era ou não pago à prestadora da atividade era uma decisão da B..., sem qualquer ingerência da parte da A.... Foi também muito relevante o depoimento da testemunha AA, com conhecimento direto, já que se trata da prestadora da atividade em questão, sendo certo que se mostra consonante com o contrato escrito subscrito pela 2.ª Ré B... e a prestadora da atividade AA, mais precisamente Anexo II – Conceitos de boa conduta e Penalidades, ponto 1.º Conceitos de boa conduta, 7. e ponto 2º-Critérios Conducentes à aplicação de penalidades ponto 1. do quadro, sob o item falta sem justificação, destacando-se as penalidades aí previstas].
Da análise crítica e conjugada que fizemos, a convicção a que chegamos foi no sentido vertido na alteração da redação proposta pela 1.ª Ré A..., com a ressalva da utilização da expressão “trabalhadora” que será substituída nos termos já antes determinados.
Pelo exposto, decide-se:
· alterar a redação da alínea Q) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“Q) Para além do desconto da retribuição determinado e efetuado pela B..., Lda., a prestadora da atividade era penalizada pela B..., Lda., caso comunicasse falta no próprio dia.”
Alínea X) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... impugna a decisão relativa a tal alínea dos factos provados[26], dizendo que o Tribunal recorrido não podia dar como provada o facto em causa, ou pelo menos, na parte em que se lhe refere. Refere que o referido facto deve ser dado como não provado ou, se assim não se entender, que seja alterado para a seguinte redação que sugere:
“A Ré B..., Lda. determinava que a trabalhadora emitisse recibos verdes, a favor das seguintes empresas:
B..., Lda.,
C..., Lda.;
D..., Unipessoal, Lda.; todas com sede na morada da segunda Ré e com gerentes comuns.”
Relembre-se a redação desta alínea X:
“X) As Rés determinavam que a trabalhadora emitisse recibos verdes, a favor das seguintes empresas:
B..., Lda.,
C..., Lda.;
D..., Unipessoal, Lda.; todas com sede na morada da segunda Ré e com gerentes comuns.”
Para sustentar a sua posição, a Recorrente 1.ª Ré A... apela aos depoimentos das testemunhas AA, BB e EE, localizando-os na gravação e transcrevendo excertos.
Apreciando, diremos com inteira segurança que os elementos probatórios convocados pela Recorrente impõem decisão diversa da proferida nesta matéria, mais precisamente no sentido vertido na redação proposta para essa alínea, substituindo-se apenas a expressão trabalhadora nos termos já determinados.
Na verdade, toda a prova produzida foi nesse sentido, destacando-se aqui o depoimento da responsável financeira da 2.ª Ré B... que, por forma espontânea e convincente, explicou que a circunstância de os recibos verdes serem passados às três empresas em causa, foi porque a B... estava a ter prejuízo com as penalizações que lhe eram aplicadas pela Stuart no âmbito do contrato que celebraram, e os serviços externos de contabilidade da B... aconselharam a que esse prejuízo fosse repartido pelas outras empresas do Grupo. Com a petição inicial foram juntas as certidões de matrícula das sociedades em causa, das quais é possível retirar a informação vertida na parte final da alínea em apreciação.
Assim, decide-se:
· alterar a redação da alínea X) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“X) A Ré B..., Lda. determinava que a prestadora da atividade emitisse recibos verdes, a favor das seguintes empresas:
B..., Lda.,
C..., Lda.;
D..., Unipessoal, Lda.; todas com sede na morada da segunda Ré e com gerentes comuns.”
Alíneas Y), EE) e FF) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... impugna a decisão relativa às alíneas em análise[27] dos factos provados, pretendendo que tal matéria seja considerada não provada, ou caso assim não se entenda, perante os elementos de prova que indica seja então a sua redação alterada nestes termos:
Y) “A Ré B..., Lda. ordenou à prestadora de AA que passasse a utilizar uma mochila para transporte de mercadorias com o logotipo da STUART, de uso obrigatório, sob pena de aplicar àquela uma penalização correspondente ao dobro da retribuição do turno”.
EE) “A Ré B..., Lda obrigava a prestadora a lavar o motociclo, uma vez por semana, e a reportar esse procedimento através de formulário.”
FF) “A Ré B..., Lda. impunha à prestadora a obrigação de cuidar da sua higiene e imagem pessoal”.
Também a impugnação da Recorrente 2.ª Ré B... incide sobre a alínea EE) dos factos provados, dizendo que não poderia ser dada como provada.
Atente-se na redação das alíneas em causa:
Y) “As Rés entregaram à prestadora uma mochila para transporte de mercadorias com o logotipo da STUART, de uso obrigatório, sob pena de lhe ser aplicada uma penalização correspondente ao dobro da retribuição do turno”.
EE) “As Rés obrigavam a prestadora a lavar o motociclo, uma vez por semana, e a reportar esse procedimento através de formulário.”
FF) “As Rés impunham à prestadora a obrigação de cuidar da sua higiene e imagem pessoal”.
A Recorrente 1.ª Ré A... alicerça a sua posição na prova documental consistente nos contratos celebrados, já antes identificados, e depoimentos das testemunhas AA e BB, localizando-os na gravação e transcrevendo excertos.
Por sua vez, a Recorrente 2.ª Ré B... apela ao depoimento de AA, localizando-o na gravação.
Analisando, e começando pela alínea Y), não temos dúvidas que os elementos de prova produzidos impõem uma alteração da respetiva redação, com especial destaque para o depoimento da testemunha AA, do qual decorreu inequivocamente que foi a B... que determinou que a mesma passasse a utilizar a mochila com o logotipo da STUART, sendo que tal aconteceu uns dois ou três meses depois de estar a prestar atividade, sendo que antes dessa determinação até estava a utilizar a mochila da Uber. Não se olvide também que nos termos do clausulado no contrato celebrado entre as Rés, seria paga pela 1.ª Ré A... à 2.ª Ré B... uma taxa de publicidade em caso de utilização de equipamentos como sacos com os logotipos da STUART pelos empregados e/ou associados da 2.ª Ré (contrato de 2022 – Anexo I Termos Comerciais, ponto 1.2. Taxa de publicidade; contrato de 2023 - Anexo I - Condições Comerciais, ponto 1.4 Taxa de publicidade). Ademais, no contrato escrito subscrito pela prestadora da atividade em causa e pela 2.ª Ré B... no Anexo II – Conceitos de boa conduta e Penalidades -, 2.º, estava expressamente previsto, no ponto 13 do quadro referente aos critérios conducentes à aplicação de penalidades, o critério respeitante à não utilização do material atribuído, nomeadamente mochilas isotérmicas – cfr. ainda alínea BBB) dos factos provados, não impugnada.
Nessa medida, e quanto a essa matéria, os elementos de prova produzidos impõem a alteração da redação da alínea Y) no sentido propugnado pela Recorrente 1.ª Ré, com a ressalva que se utilizará o termo determinou.
No que respeita à alínea EE), analisado o contrato subscrito e a que se faz referência na alínea H) dos factos provados, não há dúvidas que no mesmo consta na respetiva cláusula 5.ª que o seguinte: “A Segunda Outorgante tinha a obrigação de manter os veículos em boas condições de uso e higiene, incluindo a sua limpeza. Para tal, a Segunda Outorgante deve lavar os veículos pelo menos uma vez por semana e reportar o cumprimento deste procedimento através do formulário correspondente” (sendo a segunda outorgante AA). A subscrição de tal contrato pela prestadora da atividade AA não foi colocada em crise, antes a tendo reconhecido no seu depoimento. No entanto, resultou também de tal depoimento que a Primeira Outorgante (a 2.ª Ré B...) nunca lhe exigiu o cumprimento do procedimento em causa, nunca a tendo obrigado a lavar o motociclo uma vez por semana nem a reportar esse procedimento através de formulário. Além disso, não foram produzidos quaisquer elementos de prova que permitissem concluir a 1.ª Ré A... o impusesse à prestadora da atividade.
Nesta conformidade, e quanto a esta alínea EE), procede a impugnação das Rés, havendo tal matéria ser eliminada do elenco dos factos provados e passar a integrar a factualidade não provada.
Por outro lado, e quanto à alínea FF), reapreciada a prova – prova gravada e documental convocadas -, neste particular apenas foi possível formar convição positiva no sentido de que a prestadora da atividade se comprometeu perante a 2.ª Ré B... a prestar a atividade de estafeta tendo cuidado com a sua higiene e imagem pessoal.
Nesta medida, os elementos probatórios produzidos impõem a alteração da redação da alínea em questão em conformidade.
Pelo exposto, decide-se:
· alterar a redação da alínea Y) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“Y) A Ré B..., Lda. determinou à prestadora AA que passasse a utilizar uma mochila para transporte de mercadorias com o logotipo da STUART, de uso obrigatório, sob pena de aplicar àquela uma penalização correspondente ao dobro da retribuição do turno”.
· eliminar a alínea EE) dos factos provados, devendo a mesma passar a integrar o elenco dos factos não provados com o aditamento de um ponto aditar um ponto 4.A à matéria de facto não provada com a seguinte redação:
“4.As Rés obrigavam a prestadora a lavar o motociclo, uma vez por semana, e a reportar esse procedimento através de formulário.”
· alterar a redação da alínea FF) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“FF) A prestadora da atividade comprometeu-se perante a 2.ª Ré B... a prestar a atividade de estafeta tendo cuidado com a sua higiene e imagem pessoal.”
Alínea R) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... impugna a decisão relativa à alínea R) dos factos provados, pretendendo que tal matéria seja considerada não provada, ou caso assim não se entenda, perante os elementos de prova que indica seja então a sua redação alterada nestes termos:
R) “A 2ª R. determinou que a trabalhadora exerceria as suas funções na zona de .... Para iniciar a sua actividade, a prestadora tem que se apresentar na zona que lhe foi atribuída pela 2.ª Ré antes do registo pela prestadora na plataforma, e que consiste numa área próxima do restaurante Burger King”.
A redação da alínea dos factos provados em questão é a seguinte:
R) “A 2ª R. determinou que a trabalhadora exerceria a as suas funções na zona de .... Para iniciar a sua actividade, a prestadora tem que se apresentar na zona que lhe foi atribuída, aquando do registo na plataforma, e que consiste numa pequena área quadrada entre o Pingo Doce e uma rotunda, próxima de dois restaurantes para os quais a STUART faz entregas.”
A Recorrente 1.ª Ré A... apela mais uma vez à prova documental já identificada – contratos celebrados -, bem como aos depoimentos das testemunhas AA, BB e CC, localizando-os na gravação e transcrevendo excertos.
Ora, perante a análise conjunta que fizemos de todos os meios de prova produzidos e convocados, a convicção segura a que chegamos, resultante da ponderação crítica dos depoimentos das testemunhas AA, BB e CC em conjugação com a prova documental indicada, foi no sentido de que a Recorrente 2.ª Ré B... é que determinou que a prestadora da atividade exerceria a atividade de estafeta na zona de ... - o que aconteceu antes de a prestadora da atividade ter descarregado a aplicação STUART no seu telemóvel – e, bem assim, que para iniciar a sua atividade a prestadora tinha que se apresentar na zona geográfica que lhe foi atribuída pela 2.ª Ré B..., especificamente a correspondente a uma área quadrada que estava assinalada na aplicação da STUART. Isso mesmo explicou por forma convincente a testemunha AA, apesar de não ter concretizado se essa área em concreto era entre o Pingo Doce e uma rotunda ou próxima do restaurante Burger King (nem tal concretização resultou de outros elementos de prova que tenham sido produzidos). O depoimento da testemunha AA é também congruente com o constante da prova documental analisada, e especificamente com o constante no n.º 2.º, ponto 11 do quadro constante do Anexo II do contrato que subscreveu em que sob o item assertividade do turno consta que a segunda outorgante (a prestadora da atividade) se compromete em começar e acabar sempre o turno na zona geográfica atribuída. Refira-se, aliás, que o facto de existir uma concreta àrea atribuída está em consonância com a matéria provada sob a alínea E) em que se refere que a prestadora da atividade se dirigia ao seu “local de afetação” para se reposicionar e aceitar novo pedido, matéria essa que não foi objeto de impugnação. Não resultou da prova produzida que essa determinação tenha sido feita pela 1.ª Ré A... à prestadora da atividade. Questão distinta, que extravasa o âmbito da matéria presente na alínea em apreciação, é saber se na relação contratual entre as Rés existia alguma atribuição pela 1.ª Ré A... à 2.ª Ré B... de àreas e zonas geográficas.
Perante a referida análise crítica e conjugada da prova, impõe-se proceder à alteração da redação da alínea R) dos factos provados no sentido atrás exposto [utiliza-se a expressão tinha (ao invés de “tem”) perante a materialidade provada sob a alínea CCC) e que não foi objeto de impugnação].
Pelo exposto, decide-se:
· alterar a redação da alínea R) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“R) A 2.ª Ré B..., Lda. determinou que a prestadora da atividade exerceria a atividade de estafeta na zona de ..., sendo que para iniciar sua atividade a prestadora tinha que se apresentar na zona geográfica que lhe foi atribuída por aquela Ré B..., especificamente a correspondente a uma área quadrada que estava assinalada na aplicação da STUART.”.
Alíneas T), CC) e DD) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... impugna a decisão relativa a tais alíneas, defendendo que o Tribunal recorrido não podia dar tal matéria como provada, ou pelo menos, na parte em que pretende imputar tais factos à A..., em concreto quanto à aplicação de quaisquer penalidades constantes do contrato de subcontratação de transporte de mercadorias celebrado entre as Rés.
Nessa decorrência, sustenta que, caso não se entenda que tal factualidade deva ser dada como não provada, considerando os elementos de prova que indica, então sugere que deverá ser dada a seguinte redação às alíneas em questão:
T) “Caso a prestadora se afastasse do “quadrado” estipulado (ex: por estar a chover ou não ter onde estacionar), a Ré B..., Lda. considerava que a mesma estava offline e aplicava-lhe penalizações, o mesmo sucedendo nos demais casos previstos no Contrato de Subcontratação de Transporte de Mercadorias celebrado entre as demandadas, já que todas as penalizações aí previstas como podendo ser aplicáveis pela 1.ª à 2ª R., esta fazia-as repercutir na retribuição a pagar à prestadora”.
CC) “Todos os incumprimentos detectados pela 2.ª Ré implicavam a aplicação de penalizações, traduzidas no desconto de valores na retribuição devida à prestadora, mesmo que não resultassem de culpa da mesma”.
DD) “ Praticamente, todas as semanas em que prestou trabalho à 2.ª Ré, a trabalhadora sofreu penalizações diversas e de montante significativo, tal como descrito no art. 45º da p.i., cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido, e cuja aplicação era determinada pela 2.ª Ré.
Por seu turno, a Recorrente 2.ª Ré B... impugna apenas a alínea T), sustentando que a ser dado como provada essa matéria, tal alínea ter a seguinte redação:
T) “Caso a prestadora se afastasse do “quadrado” estipulado (ex: por estar a chover ou não ter onde estacionar), a 1.ª Ré Stuart considerava que a mesma estava offline e aplicava-lhe penalizações, o mesmo sucedendo nos demais casos previstos no Contrato de prestação de serviços”.
Recorde-se a redação das alíneas dos factos provados em questão:
T) “Caso a prestadora se afastasse do “quadrado” estipulado (ex: por estar a chover ou não ter onde estacionar), as Rés consideravam que a mesma estava offline e aplicavam-lhe penalizações, o mesmo sucedendo nos demais casos previstos no contrato de prestação de serviços celebrado entre as demandadas, já que todas as penalizações aplicadas pela 1.ª à 2ª R., eram repercutidas na retribuição a pagar à trabalhadora”.
CC) “Todos os incumprimentos detectados pelos representantes da Ré ou pelo algoritmo implicavam a aplicação de penalizações, traduzidas no desconto de valores na retribuição devida à prestadora, mesmo que não resultassem de culpa da mesma”.
DD) “ Praticamente, todas as semanas em que prestou trabalho às Rés, a trabalhadora sofreu penalizações diversas e de montante significativo, tal como descrito no art. 45º da p.i., cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido.”
Para sustentar a sua posição, a Recorrente 1.ª Ré A... remete para a fundamentação que aduziu no que se refere à impugnação das alíneas B) e F), G) e H), I), J), K), N), P), O), Y), EE) e FF), para a documentação já identificada e para os depoimentos das testemunhas EE e BB (que localiza na gravação e transcreve excertos).
Já a Recorrente 2.ª Ré B... apela ao depoimento da testemunha CC, que localiza na gravação.
Na apreciação das referidas alíneas valem as considerações tecidas por este Tribunal aquando da análise da impugnação das alíneas Q), Y), EE), FF) e R), em sede de elementos probatórios e convicção formada.
Doutro passo, a verdade é também que tais alíneas contém em parte matéria genérica, conclusiva e valorativa que importa arredar da decisão da matéria de facto, chamando-se aqui à colação a posição sufragada nesta matéria e já acima assinalada. Esta situação está relacionada mais concretamente com a redação das alíneas CC) e DD), justificando-se que se considere não escrita a alínea CC) por meramente conclusiva e valorativa, sem a mínima concretização e, bem assim, a alteração da redação da alínea DD) nos moldes abaixo indicados.
Reanalisados os elementos probatórios produzidos neste âmbito, foi preponderante a conjugação da prova documental [contratos celebrados e já identificados; “extratos de rendimentos”, “Detalhado reports Stuart” e faturas-recibos juntos com a petição inicial] com o depoimento das testemunhas AA e EE. Sublinhe-se que da análise dos referidos extratos de rendimentos verifica-se que em alguns desses extratos figura um item de “penalização perdoada” (num montante que acabava por não ser descontado no valor a pagar à prestadora da atividade). Ademais, o que importa que esteja plasmado na matéria provada são as penalizações aplicadas e que foram expressamente invocadas no artigo 45.º da petição inicial, estando em consonância com o que resulta dos extratos de rendimentos juntos aos autos (que, como resulta da alínea V) dos factos provados – não impugnada - eram emitidos pela 2.ª Ré B...).
Nesses pressupostos, e perante a análise crítica e conjugada dos meios de prova, decide-se:
· alterar a redação da alínea T) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“T) Caso a prestadora da atividade AA se afastasse do “quadrado” referido em R) (ex: por estar a chover ou não ter onde estacionar) era considerado que a mesma estava offline e a 2.ª Ré B..., Lda. aplicava-lhe a penalização prevista no contrato referido em H), sendo que a 2.ª Ré B..., Lda. fazia repercutir na retribuição a pagar à prestadora da atividade as penalizações que eram aplicadas pela 1.ª Ré A... à 2.ª Ré B... no âmbito dos contratos de subcontratação referidos em F) e XX) e relacionadas com os turnos atribuídos pela 2.ª Ré B... à referida prestadora da atividade”.
· considerar não escrita a alínea CC) dos factos provados, que assim se tem por eliminada da decisão da matéria de facto.
· alterar a redação da alínea DD) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“DD) A 2.ª Ré B..., Lda. aplicou à prestadora da atividade AA as seguintes penalizações:
Alíneas S) e BB) dos factos provados
A Recorrente 1ª Ré A... impugna a decisão relativa às alíneas S) e BB) dos factos provados, pretendendo que tal matéria seja considerada não provada, ou caso assim não se entenda, perante os elementos de prova que indica seja então a sua redação alterada nestes termos:
S) Para efetivo controle da localização da prestadora, a Ré B..., Lda. exigia que a trabalhadora mantivesse a geolocalização activada.
BB) A Ré B..., Lda tinha o poder de localizar em tempo real obrigando a prestadora a manter a geolocalização ativada e não adotar qualquer forma de bloqueio de GPS. Controlava os trajetos efetuados, os tempos de espera e de recolha e entrega.
Também a impugnação da Recorrente 2.ª Ré B... incide sobre as alíneas S) e BB) dos factos provados, dizendo que tal matéria não poderia ser dada como provada. Porém, e no que respeita à alínea S), não foi por si indicado qualquer meio de prova para sustentar a impugnação, pelo que, por manifesto incumprimento do ónus previsto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, rejeita-se a impugnação da Recorrente 2.ª Ré B... quanto a essa alínea S).
Relembre-se a redação das alíneas em causa:
S) “Para efetivo controle da localização, as Rés exigiam que a trabalhadora mantivesse a geolocalização activada.
BB) As Rés tinham o poder de localizar em tempo real obrigando a prestadora a manter a geolocalização ativada e não adotar qualquer forma de bloqueio de GPS. Controlavam os trajetos efetuados, os tempos de espera e de recolha e entrega.
Para alicerçar a sua posição a 1.ª Ré Recorrente argumenta que recorre à ferramenta da geolocalização para efeitos de conseguir proceder a uma gestão eficiente do respetivo transporte e gestão das expetativas dos seus clientes expedidores e proteção das próprias mercadorias. Mais argumenta que é totalmente alheia à contratação dos prestadores estafetas, às condições contratuais que sejam negociadas entre os mesmos e a B... e à respetiva gestão que seja levada a cabo pela B.... Apela aos depoimentos das testemunhas AA e BB, localizando-os na gravação e transcrevendo excertos.
A Recorrente 2.ª Ré B..., no que respeita à impugnação da alínea BB), apela ao depoimento da testemunha CC, localizando-o na gravação.
Reapreciada a prova – prova gravada e documental -, importa referir que não existe qualquer motivo para considerar como não provada a totalidade da matéria de facto em causa.
Ademais, não pode deixar de se referir que as alíneas em causa acabam por se repetir em parte no que respeita ao facto de ser exigido à prestadora da atividade que mantivesse a geolocalização ativada. Além disso, a afirmação de se ter o poder de localizar em tempo real é uma afirmação conclusiva que decorre da circunstância da exigência de a prestadora manter a geolocalização ativada.
Quanto à circunstância de a 2.ª Ré B... exigir que a prestadora da atividade mantivesse a geolocalização ativada quando estava a prestar a atividade de estafeta no âmbito da aplicação STUART, a prova produzida foi absolutamente convergente e inequívoca. Tendo em conta as regras da lógica e da experiência, só assim seria possível, aliás, controlar e aplicar a penalização prevista no contrato que assinaram sob o item Assertividade do turno (ponto 11 do quadro a que já se fez alusão). Também resultou claro da prova produzida que a 1.ª Ré A..., no âmbito do contrato de subcontratação referido em XX), exigia à 2.ª Ré B..., subcontratada, que a mesma se assegurasse que os “estafetas” tivessem a geolocalização ativada, só assim sendo possível o controle para efeitos da aplicação à 2.ª Ré B... das sanções/penalizações previstas nesse contrato de subcontratação.
Do mesmo passo, e no que se refere ao controle dos trajetos efetuados, tempos de espera e de recolha e entrega, em face do clausulado no contrato assinado entre a prestadora da atividade e a 2.ª Ré e penalizações aí previstas para situações de atrasos e tempos excessivos de recolha ou entrega, conjugado com o depoimento da testemunha AA, resultou inequívoco que tal controle era efetuado pela 2.ª Ré B... no âmbito desse contrato. Se esse controle se prende com as obrigações que a 2.ª Ré B..., por sua vez, assumiu perante a 1.ª Ré A... no âmbito do contrato de subcontratação e, bem assim, se é possível e decorre do acesso aos dados fornecidos pela aplicação STUART é razão que não desvirtua o afirmado controle por parte da 2.ª Ré B....
No mais, remete-se aqui para as considerações tecidas na análise da impugnação no que respeita aos pontos I), J) e K).
Assim, em face da conjugação da prova produzida nesta matéria, impõe-se a alteração da redação das alíneas em questão nos termos a seguir indicados.
Pelo exposto, decide-se:
· alterar a redação da alínea S) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“S) Para efetivo controle dessa localização, a 2.ª Ré B..., Lda. exigia que a prestadora da atividade mantivesse a geolocalização ativada.”
· alterar a redação da alínea BB) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
“BB) A 2.ª Ré B..., Lda. controlava os trajetos efetuados, os tempos de espera e de recolha e entrega relativos à prestação da atividade de estafeta AA”.
Pontos 8. e 15. dos factos não provados
Pretende a Recorrente 1ª Ré A... que tal matéria passe para o elenco dos factos provados, remetendo para a fundamentação que deixou expressa para a impugnação das alíneas N), P), O), Q), R), T), CC) e DD) dos factos provados, e dizendo que tais pontos se encontram em contradição com a alteração que requereu quanto a tais alíneas.
A redação dos pontos 8. e 15. dos factos não provados é a seguinte:
“8. A 1.ª Ré não define em que locais em concreto é que a 2ª R. deve situar ou ter colocados os seus recursos humanos.”
“15. A 1.ª Ré limita-se a contratar com a 2.ª Ré turnos de atividade nas zonas geográficas de Lisboa e Porto, e não qualquer ponto específico nestas zonas, sendo que cabe exclusivamente à 2.ª Ré decidir quantos condutores pretende afetar para realizar transporte de mercadorias e em que horários”.
Sem necessidade de grandes considerações nesta matéria, temos por certo que o decidido quanto às alíneas em questão – alterações introduzidas - não entra minimamente em contradição com os indicados pontos da matéria de facto não provada.
Por outro lado, os elementos de prova produzidos não impõem decisão distinta quanto a esses pontos não provados, que por isso se mantêm.
Ponto 9. dos factos não provados
Pretende a Recorrente 1ª Ré A... que tal matéria passe para o elenco dos factos provados, remetendo para a fundamentação que deixou expressa para a impugnação das alíneas A), B) e F) dos factos provados, e dizendo que tal ponto se encontram em contradição com a alteração que requereu quanto a tais alíneas.
A redação do ponto 9. dos factos não provados é a seguinte:
“9. A 1.ª Ré não vende, não promove, não publicita, nem faz qualquer tipo de intermediação na venda de bens ou mercadorias de terceiros, contrariamente a outro tipo de empresas, tradicionalmente qualificadas como plataformas digitais”.
Neste particular, atendendo à posição já exposta em termos de afirmações conclusivas e jurídico valorativas, nomeadamente aquando do conhecimento das alíneas das referidas alíneas dos factos provados, considera-se que o ponto em questão assume tal natureza pelo que deve ser eliminado da decisão da matéria de facto.
Com efeito, do elenco dos factos provados constam já os factos concretos reportados à atividade exercida pela 1.ª Ré A..., conforme decorre das alíneas GG) a WW), que não foram objeto de impugnação.
Assim, tem-se por não escrita a matéria do ponto 9. dos factos não provados, decidindo-se pela sua eliminação da decisão da matéria de facto.
Ponto 10. dos factos não provados
Pretende a Recorrente 1ª Ré A... que tal matéria passe para o elenco dos factos provados, remetendo para a fundamentação que deixou expressa para a impugnação das alíneas N), P), O), Q), R), S), T), CC) e DD) dos factos provados, e dizendo que tal ponto se encontram em contradição com a alteração que requereu quanto a tais alíneas.
A redação do ponto 10. dos factos não provados é a seguinte:
“10. Cabe à 2.ª Ré definir, no âmbito do seu poder de organização da atividade e dos serviços que presta à 1.ª Ré, onde é que os seus recursos humanos deverão executar a sua atividade e em que locais deverão situar-se e quantos recursos humanos é que deverá alocar ao exercício da prestação de serviços”.
Também neste particular, temos por certo que as alterações introduzidas nas alíneas em questão não entram minimamente em contradição com este ponto da matéria de facto não provada.
Por outro lado, os elementos de prova produzidos não impõem decisão distinta quanto a esses pontos não provados, que por isso se mantêm. Realce-se que se encontra provada e não foi objeto de impugnação a matéria vertida sob as alíneas II), JJ), QQ), UU), VV) e WW).
Ponto 11. dos factos não provados
Pretende a Recorrente 1ª Ré A... que tal matéria passe para o elenco dos factos provados, remetendo para a fundamentação que deixou expressa para a impugnação das alíneas I), J), K), Y), EE) e FF) dos factos provados, e dizendo que tal ponto se encontra em contradição com a alteração que requereu quanto a tais alíneas.
A redação do ponto 11. dos factos não provados é a seguinte:
“11. A 1.ª Ré não disponibilizou quaisquer equipamentos ao AA”.
Inexiste a apontada contradição em face daquelas que foram as alterações introduzidas nas invocadas alíneas dos factos provados.
Por outro lado, o que importava apurar para funcionamento das presunções previstas no Código do Trabalho era se foram fornecidos equipamentos por qualquer das Rés, sendo o ónus de alegação e prova de tal matéria do Autor.
Pelo exposto, não se impõe a alteração pretendida pela Recorrente nesta matéria.
Pontos 12. e 13. dos factos não provados
Pretende a Recorrente 1ª Ré A... que tal matéria passe para o elenco dos factos provados, remetendo para a fundamentação que deixou expressa para a impugnação das alíneas I), J), K), Y), EE) e FF) dos factos provados, e dizendo que tais pontos se encontram em contradição com a alteração que requereu quanto a tais alíneas.
A redação dos pontos 12. e 13. dos factos não provados é a seguinte:
“12. Os trabalhadores ou prestadores de serviços da 2.ª Ré ou de qualquer empresa de transporte, não se registam a eles próprios na plataforma, pois o registo é sempre efetuado pela empresa de transporte respetiva.”
“13. O pedido para criação de uma conta é enviado pela empresa de transporte à 1.ª Ré, através de um programa chamado “Fountain”, que não é propriedade da 1.ª Ré. Em seguida, são criadas as contas para os trabalhadores ou prestadores de serviços das empresas de transporte poderem utilizar a aplicação da 1.ª Ré e fazerem entregas em nome e por conta das empresas de de transporte respetivas”.
No que respeita a esta matéria, em face dos elementos probatórios para os quais a Recorrente 1.ª Ré A... remeteu, impõe-se de facto uma alteração da matéria de facto, no sentido de que fique plasmada a factualidade concreta – expurgada das afirmações conclusivas e jurídico valorativas - que resultou apurada e com relevo para a situação em apreciação.
Assim, reapreciados os depoimentos convocados pela Recorrente 1.ª Ré A..., mais precisamente os referentes às testemunhas AA, BB e CC, todos com conhecimento direto da matéria em causa e com depoimentos congruentes, resulta a convicção firme e segura em sentido positivo de que, no âmbito dos contratos celebrados entre as Rés e referidos em F) e XX), o registo dos estafetas/prestadores da atividade de entrega na plataforma tecnológica da 1.ª Ré A... é efetuado pela empresa de transporte subcontratada 2.ª Ré B..., sendo que o pedido para criação de uma conta é enviado pela 2.ª Ré à 1.ª Ré através de um programa chamado “Fountain” e em seguida são criadas as contas para os estafetas/prestadores da atividade poderem utilizar a aplicação da 1.ª Ré STR e fazerem entregas por conta da 2.ª Ré B....
Os elementos de prova produzidos impõem, pois, decisão distinta quanto a esses pontos não provados, devendo a matéria referida ser integrada no elenco dos factos provados.
Pelo exposto, decide-se alterar a decisão da matéria de facto:
· Aditando aos factos provados uma alínea DDD) com a seguinte redação:
No âmbito dos contratos celebrados entre as Rés, referidos em F) e XX), o registo dos estafetas/prestadores da atividade de entrega na plataforma tecnológica da 1.ª Ré A... é efetuado pela empresa de transporte subcontratada 2.ª Ré B..., sendo que o pedido para criação de uma conta é enviado pela 2.ª Ré à 1.ª Ré através de um programa chamado “Fountain” e em seguida são criadas as contas para os estafetas/prestadores da atividade poderem utilizar a aplicação da 1.ª Ré STR e fazerem entregas por conta da 2.ª Ré B..., Lda.
· Eliminando os pontos 12. e 13. do elenco dos factos não provados.
Pontos 16., 17. e 18. dos factos não provados
Pretende a Recorrente 1ª Ré A... que tal matéria passe para o elenco dos factos provados, remetendo para a fundamentação que deixou expressa para a impugnação das alíneas A), B), F), G) e H) dos factos provados, e dizendo que tais pontos se encontram em contradição com a alteração que requereu quanto a tais alíneas.
A redação dos pontos 16., 17. e 18. dos factos não provados é a seguinte:
“16. Aquando da notificação da entrega a efetuar, a plataforma apresenta uma rota estimada não detalhada (uma espécie de visão afastada/alargada/zoom out) entre o local de levantamento, de entrega e o tempo estimado, à qual ninguém é obrigado a obedecer.
17. Se porventura os trabalhadores ou prestadores de serviços da 2.ª Ré pretenderem que a aplicação da 1.ª Ré lhes dê uma determinada rota específica, na verdade, a aplicação da 1.ª Ré irá facultar a possibilidade do condutor escolher uma aplicação externa, dependendo das que tenha instalada no seu telefone, como por exemplo o “Google Maps” ou “Waze”, para lhe indicar uma rota.
18. São os trabalhadores ou prestadores de serviços da 2.ª Ré que definem qual a rota a utilizar e qual ferramenta de rotas / gps a utilizar, podendo, no limite, não utilizar nenhuma para escolher o trajeto a efectuar.
“16. A1.ª Ré não define em que locais em concreto é que a 2ª R. deve situar ou ter colocados os seus recursos humanos.”
Sem necessidade de grandes considerações nesta matéria, temos por certo que o decidido quanto às alíneas em questão – alterações introduzidas - não entra minimamente em contradição com os indicados pontos da matéria de facto não provada.
Por outro lado, os elementos de prova produzidos não impõem decisão distinta quanto a esses pontos não provados, que por isso se mantêm.
Por último, e sem prejuízo do já decidido em termos de intervenção oficiosa deste Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 662.º, n.º 1, 607.º, n.º 4, e 663.º, nº 2, do CPC, verifica-se que se justifica ainda uma outra intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação em sede de decisão da matéria de facto.
Na verdade, e no que respeita à alínea XX) dos factos provados, reportada aos contratos celebrados entre as Rés em 29-07-2022 e 23-06-2023, verifica-se que aí se deu novamente como reproduzido o contrato de 23-06-2023 (já tinha sido dado como reproduzido na alínea F)), quando o que certamente se queria reproduzir era o contrato de 29-07-2022 junto aos autos pela 2.ª Ré B... com a sua contestação (documento n.º 2).
Como tal, será feita essa precisão na redação da alínea em questão, até porque importa também ter em consideração tal contrato de 2022, atenta as datas da produção de efeitos do contrato aludido em H) e do contrato de 2023. No entanto, e porque o clausulado em tal contrato é em grande parte reconduzível ao clausulado no contrato de 2023 cujas cláusulas já ficaram expressamente consignadas na redação da alínea F), não se justifica fazer constar expressamente esse clausulado do contrato de 2022.
Assim, decide-se alterar a redação da alínea XX) da matéria de facto provada no sentido que consta já do ponto III (fundamentação de facto) e que nos dispensamos aqui de replicar.
- a impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente 1.ª Ré A... é apenas parcialmente procedente, nos termos acima explicitados, onde se incluem as alterações oficiosamente determinadas na decisão da matéria de facto;
- a impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente 2.ª Ré B... é rejeitada quanto à impugnação das alíneas I) e S) e no mais é improcedente;
- a factualidade a atender para o conhecimento do direito consta já do ponto III (fundamentação de facto), onde foram já introduzidas as alterações à decisão da matéria de facto.
O Tribunal a quo julgou a acção procedente, tendo concluído pelo reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre as Rés e AA, desde 30-05-2023.
Para chegar a tal conclusão considerou, em substância, o Tribunal recorrido que:
- ambas as Rés devem ser caraterizadas como uma plataforma digital, de acordo com a definição legal do n.º 2 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho e estão abrangidas pela presunção aí estabelecida, mesmo que se atendam aos factos ocorridos após 3-06-2023 (data que o Tribunal considerou ser a da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023, de 3-04);
- o modelo de negócio da 1.ª Ré A... conduz à conclusão de que tal empresa externaliza toda a sua mão de obra, celebrando contratos de subcontratação que não são, nem mais nem menos, do que contratos de trabalho temporário, sem a transitoriedade que lhes é caraterística, sendo que nem a 1.ª Ré apresenta necessidades temporárias, nem a 2.ª Ré tem álvara para exercer atividade como empresa de trabalho temporário;
- o modelo de negócio celebrado com o espoco da obtenção de lucro por parte de ambas as empresas viola preceitos legais, desde logo da Constituição da República Portuguesa (artigos 1.º - dignidade humana – e 53.º segurança e estabilidade no emprego), quer na legislação laboral, desconsiderando em absoluto os vínculos jurídicos estabelecidos com os estafetas sem os quais o seu serviço jamais poderá ser cumprido;
- encontram-se demonstrados vários indícios, tal como previstos, tantos no artigo 12.º, como no artigo 12.º-A, do Código do Trabalho, sendo que as Rés não ilidiram a presunção da existência do vínculo laboral;
- a factualidade provada permite concluir pela existência de subordinação jurídica entre a estafeta e ambas as Rés, para além de subordinação económica.
As Recorrentes discordam do assim decidido, alinhando os argumentos sintetizados nas conclusões (que já tivemos oportunidade de transcrever supra).
Sustenta a Recorrente 1.ª Ré STR, em síntese, que não é uma plataforma digital nos moldes definidos e pressupostos no artigo 12.º-A do Código do Trabalho, para além de que a materialidade apurada não permite considerar preenchidos nenhum dos indícios previstos nos artigos 12.º e 12.ª-A no que lhe respeita. Mais defende que não pode proceder a argumentação do Tribunal recorrido quanto ao modelo de negócio seguido pela Recorrente, não tendo tal entendimento respaldo na matéria provada e face à atividade por si exercida. Caso se venha a considerar verificada a presunção do artigo 12.º-A do Código do Trabalho a sua aplicação à situação dos autos seria ilegal, uma vez que o teor de tal normativo é manifestamente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 61º da Constituição da República Portuguesa.
A Recorrente 2.ª Ré B... defende, em síntese, que: entre as Rés não existe qualquer relação societária recíproca, de domínio ou de grupo, e não têm qualquer estrutura organizativa comum, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 101.º do Código do Trabalho; limita-se a exercer serviços de intermediação na relação que a 1.ª Ré A... tem com os próprios estabelecimentos comerciais e os estafetas; a Lei 13/2023 somente entrou em vigor no dia 2-06-2023 e a estafeta assinou o contrato de prestação de serviços no dia 30-05-2023, pelo que a presunção de contrato de trabalho terá que se restringir ao disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho e não ao artigo 12.º-A do mesmo Código, não podendo o Tribunal recorrido ter reconhecido o contrato de trabalho entre a estafeta e as Rés.
Por sua vez, o Ministério Público defende o julgado, concluindo pela improcedência dos recursos e manutenção na integra da sentença recorrida.
Analisado o elenco factual a atender no âmbito da aplicação do direito, desde já adiantamos a conclusão de que a decisão recorrida não poderá manter-se no que respeita ao reconhecimento de contrato de trabalho entre a 1.ª Ré A... e AA, apenas se podendo reconhecer o vínculo laboral com a 2.ª Ré B....
Vejamos porquê.
O artigo 1152.º do Código Civil define o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.
O artigo 1154.º do mesmo Código define nestes termos o contrato de prestação de serviços: “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Por seu turno, nos termos do artigo 11.º do Código de Trabalho de 2009[28], “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
A jurisprudência e a doutrina, como é consabido, têm apontado como traço caraterístico do contrato de trabalho a subordinação jurídica.
Quanto ao aspeto da subordinação, acompanhando a evolução da economia e com respaldo na própria alteração já efetuada ao nível da noção de contrato de trabalho prevista no artigo 11.º do CT/2009, o seu fulcro consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserindo-se num ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar parâmetros de organização e funcionamento ditados pelo seu beneficiário, que conforma a execução do trabalho, embora o possa fazer de modo menos explícito e evidente em determinados setores. É aquilo a que se chama a subordinação jurídica objetiva, que leva em conta a integração do trabalhador na estrutura produtiva.
Na prática judiciária, perante as dificuldades de, em concreto, delimitar a fronteira entre o contrato de trabalho e algumas figuras que lhe são afins, recorre-se à verificação, em cada caso, de um conjunto de indícios da existência ou inexistência de subordinação jurídica.
Reconhecendo as dificuldades do método indiciário, o legislador foi mais longe e criou presunções legais destinadas a objetivar e facilitar a prova do tipo de vínculo.
Assim, de acordo com o artigo 12.º nº 1 do CT/2009, “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador da actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou de chefia na estrutura orgânica da empresa”.
A alteração ao CT/2009, operada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, introduziu uma nova presunção de laboralidade no âmbito da prestação de atividade para plataformas digitais, antecipando a transposição da Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23-10-2024.
Com essa alteração foi aditado ao CT/2009, o artigo 12.º-A, sob a epígrafe «Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataformas digitais», que se transcreve na parte relevante:
“1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
2 – Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3 – O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.
4 – A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.
5 – A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
6 – No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora. (…).”
Tal Lei n.º 13/2023 entrou em vigor no dia 1 de maio de 2023, conforme decorre do seu artigo 65º na retificação n.º 13/2023 de 29 de maio, que estabelece que tal lei entra em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao da sua publicação. Trata-se de circunstância absolutamente incontroversa[29].
Não é, pois, acertada a afirmação constante da sentença recorrida no sentido de que a entrada em vigor ocorreu em 3-06-2023, o mesmo acontecendo em relação à afirmação efetuada pela Recorrente 2.ª Ré no sentido de que a Lei em questão somente entrou em vigor no dia 2-06-2023.
A questão da aplicação do artigo 12.º-A do CT/2009 não se reconduz, portanto, a um problema de aplicação no tempo, já que à data do início da relação contratual a qualificar nesta ação - 30-05-2023 - essa norma já estava em vigor, mas sim à questão de saber se as Rés são uma plataforma digital como foi considerado na decisão recorrida.
Neste conspecto, salvo melhor entendimento, considera-se que, perante a matéria provada sob as alíneas A), C), F), H), GG) a YY e tendo em conta a delimitação contida no n.º 2 do artigo 12.º-A para o que deva entender-se como plataforma digital, a resposta terá que ser negativa, no que respeita a ambas as Rés.
Como tal, é aplicável à situação no caso dos autos apenas o artigo 12.º do CT/2009.
Isto posto, e a propósito do contrato escrito formalizado entre AA e a 2.ª Ré B..., referido na alínea H) dos factos provados, denominado de “Contrato de Prestação de Serviços”, é consabido que a designação que as partes dão aos contratos que reduzem a escrito não vincula, interessando, sim, analisar o condicionalismo factual em que, em concreto se desenvolveu o exercício da atividade. Quando está em causa, como in casu, saber se a relação contratual se reconduz a um contrato de trabalho ou a uma prestação de serviços, interessa, sim, saber a forma como a relação foi/é vivenciada.
Acresce que constitui hoje entendimento sedimentado, em face da redação do artigo 12.º do CT/2009, que a quem quer ser reconhecido como “trabalhador” cabe alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de atuação da presunção (de laboralidade) prevista nessa disposição legal[30].
Está em causa presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito) – ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto –, que quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de poder ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum.
Assim, provados os pressupostos legalmente previstos (pelo menos dois), ou seja, operada a presunção, ocorre inversão do ónus da prova. Nessa situação, competirá à contraparte, neste caso, às Rés, o ónus de provar que, apesar disso, não estaremos perante um contrato de trabalho – demonstrando que, a despeito de se verificarem as caracteristicas previstas no artigo citado 12.º, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme decorre do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil.
De facto, nesta situação, ou seja operada a presunção, o ónus de prova que recai sobre o empregador é mais exigente que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar (ou seja, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido)[31].
Como escreve Leal Amado[32], citado na decisão recorrida, numa situação como esta nada impede o beneficiário da atividade de ilidir a presunção “mas, claro, o onus probandi passa a ser seu (dir-se-ia que a bola passa a estar do seu lado)”.
Sobre esta matéria se pronunciou o Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 14-10-2024[33], em termos totalmente transponíveis para o presente caso, e que se acompanha sem reservas, pelo que passamos a transcrever (sem inclusão das notas de rodapé):
«O que regime que acabou de referir-se, no que se refere às situações em que esteja em causa, como é afinal o caso que se analisa, a verificação sobre se o contrato deve ser qualificado como de trabalho ou diversamente de prestação de serviços, é também sintetizado no Acórdão desta Relação e Secção de 19 de Maio de 2014, quando se escreveu que, “em face da já aludida dificuldade de prova de elementos que distingam um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviço, pois que o elemento distintivo fundamental exige uma avaliação cuidada do modo como o contrato é executado e é prestada a actividade (com, autonomia ou sob os poderes de direcção e disciplina do beneficiário da actividade), cremos que a tarefa do réu passa pela alegação e prova de factos que constituam um indício relevante e consistente da autonomia do trabalhador face ao beneficiário da actividade no desenvolvimento da sua actividade ao longo da execução contratual”, sendo que, “na apreciação a efectuar, como já dito, mantém-se a exigência de o julgador interpretar a globalidade da factualidade apurada na operação de qualificação, embora com uma diferente perspectiva quanto ao ónus da prova pois que se trata, afinal, de verificar se se mostra elidida a presunção de laboralidade.(...)”.
Tendo como pressuposto o sobredito enquadramento e apelando ao quadro factual provado nos presentes autos, como se impõe, não nos oferece dúvidas a afirmação de que, no caso, e no que se refere à 2.ª Ré B..., Lda, estão desde logo inequivocamente preenchidas as características previstas nas alíneas a), c) e d) do artigo 12.º do CT/2009, o que só por si faz operar no caso a presunção de laboralidade acima reportada.
Para tanto, basta atentar nos factos provados sob as alíneas R), M) a Q), e U) e V), respetivamente.
Já quanto à 1.ª Ré A..., perante a factualidade apurada, não pode afirmar-se a verificação de qualquer uma das caraterísticas prevenidas no artigo 12.º do CT/2009.
Refira-se que a matéria de facto provada não permite a afirmar a verificação de um contrato de trabalho com pluralidade de empregadores, como parece ter sido preconizado pela decisão recorrida ao ter reconhecido o contrato de trabalho com ambas as Rés.
O n.º 1 do artigo 101.º do CT/2009 estipula que: “o trabalhador pode obrigar-se a prestar trabalho a vários empregadores entre os quais exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou que tenham estruturas organizativas comuns”.
Trata-se aqui da possibilidade de constituição de uma única relação laboral entre um trabalhador, por um lado, e uma pluralidade de empregadores por outro e não de tantas relações contratuais quantos os empregadores. O contrato continua a ter apenas duas partes, o trabalhador e o empregador, mas este é plural.
De facto, nem se pode afirmar a existência de determinadas relações sociatárias entre as Rés - seja de participações recíprocas, de domínio ou de grupo -, nem se pode concluir que tenham estruturas organizativas comuns no sentido prevenido na identificada norma.
No caso, existe uma clara diferenciação entre as empresas do ponto de vista da relação com a prestadora da atividade, estando a mesma legitimada pelos contratos celebrados entre as empresas [a que se alude nas alíneas F) e XX)].
A matéria apurada não permite concluir pela verificação de qualquer intermediação fictícia da 2.ª Ré B..., Lda., inexistindo fundamento legal para concluir pela nulidade dos contratos celebrados entre as Rés e entre a 2.ª Ré B... e AA, por fraude à lei[34].
O modelo de negócio da 1.ª Ré A..., nos termos que decorrem da matéria provada, encontra respaldo na lei, tendo em conta o exercício da atividade transitária para o qual está licenciada e o regime previsto no Decreto-Lei n.º 255/99 de 7 de julho.
Nos termos do artigo 1º desse diploma, a atividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direção das operações relacionadas com a expedição, receção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos domínios de intervenção: a) gestão dos fluxos dos bens ou mercadorias; b) mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respetivos contratos de transporte; c) excecução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento unimodal ou multimodal.
Perante a factualidade provada, não colhe, pois, a afirmação da sentença recorrida de que o modelo de negócio da Ré externaliza toda a sua mão-de-obra e que os contratos de subcontratação não são mais do que contratos de trabalho temporário.
Não se olvide que a 2.ª Ré B..., Lda. se dedica à atividade de transporte rodoviário de mercadorias e, como tal, os contratos de subcontratação inserem-se no âmbito da sua atividade, sendo certo que tais contratos não pressupõem que os recursos humanos afetos ao seu cumprimento o sejam por apelo a contratos de trabalho temporário, muito menos a contratos de prestação de serviços.
Não se pode afirmar perante a factualidade provada que a empresa B..., Lda. não possui estrutura, organização empresarial, ou que se trata de uma empresa aparente. Pelo contrário, da factualidade provada resulta evidente a existência de uma estrutura e organização empresarial própria da sociedade Ré B..., Lda., para além de que o serviço de estafeta está relacionado com a sua atividade. Tal Ré assume obrigações nesses contratos perante a 1.ª Ré A..., inclusive com sujeição a penalizações, sendo que, como empresa, terá que verificar quais os recursos humanos que terá que afetar para lhes dar cumprimento, onde se inclui o tipo/natureza do vínculo a estabelecer com tais recursos.
Por outro lado, não se acompanha a afirmação da sentença recorrida no sentido de que os poderes de empregador estavam repartidos entre ambas as Rés, muito menos que existisse algum tipo de confusão sob o ponto de vista da prestadora da atividade quanto à empresa com quem mantinha relação e com a qual formalizou o contrato escrito constante da alínea H) dos factos provados (empresa essa que foi quem contratou, que lhe fixou a retribuição e que lhe pagava).
No caso em análise apenas se pode afirmar uma situação de relação contratual interempresarial, inserida na atividade de ambas as empresas, e que teve real e efetiva execução e se configura como válida, para além de que não ficou demonstrada factualidade que permita concluir pela existência de subordinação jurídica entre a 1.ª Ré A... e a prestadora da atividade AA.
Na verdade, os elementos que poderiam apontar no sentido da subordinação jurídica são, afinal, consequência normal da execução do contrato celebrado entre as duas sociedades, não assumindo qualquer relevância na qualificação da relação entre a 1.ª Ré A... e AA.
Isto posto, opera no caso, repita-se, a presunção de laboralidade do artigo 12.º do CT/2009 acima reportada no que se refere à 2.ª Ré B..., Lda., pelo que competiria tal Ré/Recorrente o ónus de provar que, apesar disso, não estaremos perante um contrato de trabalho – demonstrando que, a despeito de se verificarem as caracteristicas apontadas, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme decorre do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, o que não logrou fazer.
Saliente-se que a observância do regime contributivo próprio dos trabalhadores independentes – cfr. ponto . dos factos provados -, no caso não assume grande relevo, pois, como se evidencia no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 5-11-2024[35], «(…) como se disse supra a propósito da forma como é intitulado o contrato pelas partes, na comunidade é conhecido por muitos o significado da adoção de um ou outro regime (junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social), pelo que bastas vezes o beneficiário da atividade faz (ou até exige, pois é a parte negocialmente mais forte, como se disse) por se verificar o regime adequado a evitar, ou tentar evitar, o enquadramento da relação na legislação laboral (dado o seu carácter vinculístico). E no mesmo âmbito insere-se (…) o não pagamento de subsídios de férias e de Natal (…) [pois, sendo conhecido por muitos andarem esses elementos associados ao regime de trabalho subordinado, só evitava, ou tentava evitar, o enquadramento da relação na legislação laboral, não os observando].».
Acresce que os factos provados não indiciam uma situação de efetiva não subordinação da prestadora da atividade em face da 2.ª Ré B..., Lda., beneficiária, no desenvolvimento da atividade daquela ao longo da execução contratual.
No caso, para além das caraterísticas que permitiram afirmar o preenchimento da presunção, resulta ainda dos factos provados que: a prestadora da atividade estava impedida pela 2.ª Ré B... de escolher a sexta-feira, o sábado e o domingo como dia de folga; caso a prestadora comunicasse alguma indisponibilidade à 2.ª Ré B..., depois de elaborada a escala semanal por parte desta empresa, tal Ré considerava falta; a 2.ª Ré B... controlava a localização, os trajetos, os tempos de espera e de recolha e entrega relativos à prestadora da atividade, sendo que lhe aplicava penalizações.
Este acervo factual adensa a conclusão no sentido da subordinação jurídica para com a 2.ª Ré B..., Lda., entendida nos moldes atrás definidos, sob o aspeto da submissão a uma organização e fins alheios e às regras impostas pelo titular da organização.
Por sua vez, a 2.ª Ré B..., lda. não logrou provar, quando o ónus sobre si impendia, factos dos quais resulte, de modo bastante, que, no caso, a relação não poderia ser tida como assumindo natureza laboral. Não logrou fazer prova de factos que constituam um indício relevante e consistente de autonomia da estafeta aqui em causa no desenvolvimento da sua atividade ao longo da execução contratual.
Por último, importa dizer que mesmo para a hipótese de, no caso, se poder configurar a aplicação da presunção prevista no artigo 12.º-A do CT/2009, no que não se concede, sempre o respetivo preenchimento não poderia ser afirmado em relação à Recorrente 1.ª Ré A..., mas tão só em relação à Recorrente 2.ª Ré B....
Em face do exposto, terá que reconhecer-se a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Ré B..., Lda., com início em 30 de maio de 2023 e até 23 de outubro de 2023 (data em que por sua iniciativa deixou de prestar atividade para a Ré B..., Lda – cfr. alínea CCC) dos factos provados).
Em conclusão, em sede de aplicação do direito
- Conclui-se que inexistiu contrato de trabalho entre a 1.ª Ré A... Unipessoal, Lda e AA, devendo, em consequência, ser o respetivo recurso julgado procedente e, em consequência, a mesma ser absolvida do pedido;
- Conclui-se que existiu um contrato de trabalho entre a 2.ª Ré B..., Lda. e AA, com início em 30 de maio de 2023 e até 23 de outubro de 2023 (data em que por sua iniciativa deixou de prestar atividade para a Ré B..., Lda), em consequência, improcedendo o respetivo recurso.
Custas em 1.ª instância e dos recursos a cargo da 2.ª Ré B..., Lda. (artigo 527.º do CPC).
V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam as Juízas Desembargadoras da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
- Na procedência parcial em sede da matéria de facto nos moldes decididos no presente acórdão no ponto IV 2, em julgar no mais procedente o recurso da 1.ª Ré A... Unipessoal, Lda, absolvendo-se tal Ré do pedido;
- Sem prejuízo da rejeição de parte da impugnação da matéria de facto apresentada, nos termos decididos em IV 2, em julgar improcedente no mais o recurso da 2.ª Ré B..., Lda., mantendo-se a sentença recorrida quanto ao reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre tal Ré e a estafeta AA, que se declara, com início em 30 de maio de 2023 e até 23 de outubro de 2023 (data em que por sua iniciativa deixou de prestar atividade para a Ré B..., Lda).
Custas em 1.ª instância e dos recursos pela Recorrente 2.ª Ré B..., Lda.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
Notifique e registe.
Porto, 3 de novembro de 2025
Germana Ferreira Lopes [Relatora]
Sílvia Gil Saraiva [1ª Adjunta]
Rita Romeira [2ª Adjunta]
______________
[1] Adiante designadas como Recorrente 1.ª Ré A... e Recorrente 2.ª Ré B..., por uma questão de simplificação e de melhor identificação já que a sentença recorrida na decisão da matéria de facto procede à identificação das Rés por recurso à designação de 1.ª e 2.ª.
[2] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[3] Adiante CPC.
[4] Adiante CPT.
[5] Consigna-se que se procedeu à sequencial identificação dos factos provados por alíneas (já que a 1ª instância não o fez), para perceção, identificação e organização em sede de conhecimento dos recursos. A Recorrente A... identificou também a matéria de facto por alíneas, tendo em conta que apresentou extensa impugnação da matéria de facto e doutro modo seria muito difícil a organização dessa impugnação.
Mais se consigna que será desde já feita menção em cada ponto, caso tenha ocorrido alteração ou eliminação, atenta a apreciação feita infra no ponto IV, 2 em sede da apreciação da impugnação da matéria de facto/intervenção oficiosa deste Tribunal.
[6] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, página 686.
[7] Processo n.º 3340/16.3T8VIS-A.C1.S2, Relator Juiz Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins. acessível in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[8] Processo n.º 434/14.4TTBRR.L1.S2, Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes.
[9] Cfr., entre outros, Acórdãos de 9-02-2017 (processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Tomé Gomes), de 8-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira).
[10] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão.
[11] Neste sentido, António Santos Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, págs. 200 e 201, que indica o elenco de situações que justificam a rejeição do recurso (total ou parcial), tendo por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo Supremo Tribunal de Justiça.
A propósito do cumprimento dos ónus em referência, importa ter presente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023, publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicada no DR, Série I, de 28-11-2023. De facto, apesar de apenas ter sido ficada jurisprudência a respeito da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o certo é que a fundamentação de tal Acórdão contém um conjunto de considerações que são inequivocamente relevantes quanto às demais exigências que resultarão do mesmo preceito como se mostra sintetizado no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2024 (Processo n.º 14580/21.3T8PRT.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Fernandes, no qual interveio como Adjunta a ora Relatora – ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos).
[12] Obra citada, págs. 201 e 202.
[13] Processo nº 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[14] Processo nº 1372/19.9T8VFR.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[15] Processo nº 1104/18.9T8LMG.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[16] Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 199.
[17] Processo n.º 10100/22.0T8SNT.L1.S1., Relator Conselheiro José Eduardo Sapateiro.
[18] Processo n.º 2015/23.1T8AVR.P1.S1, Relatora Conselheira Albertina Pereira.
[19] Processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Nelson Borges Carneiro.
[20] Processo n.º 2605/20.4L1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves.
[21] Processo n.º 125/22.1T8AVR.P1, relatado Desembargador Nelson Fernandes.
[22] Processo n.º 2202/20.4T8MAI.P1, relatado pela aqui Relatora.[23] Processo n.º 5140/23.5T8PRT.P1 relatado pela Juíza Desembargadora Maria Luzia Carvalho.
[24] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 12-03-2014 (processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Relator Juiz Conselheiro Mário Belo Morgado).
[25] cfr. ainda os Acórdãos desse mesmo Tribunal de 28-01-2016, (processo nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Relator Juiz Conselheiro António Leones Dantas), de 28-10-2021 (processo nº 4150/14.8T8VNG-A.P1.S1, Relator Juiz Conselheiro João Cura Mariano).
[26] Ainda que se lhe reportando como alínea Y), mas na verdade atendendo à sequência será alínea X) como adotado em III.
[27] Ainda que se reportando à primeira como alínea X), mas na verdade atendendo à sequência será alínea Y) como adotado em III.
[28] Adiante CT de 2009.
[29] Desse pressuposto, de que a entrada em vigor ocorreu no dia 1-05-2023, parte, aliás, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2025, prolatado por unanimidade, e que se debruçou sobre a aplicação no tempo da presunção contida no citado artigo 12.º-A [Relator Conselheiro Mário Belo Morgado, Processo n.º 1980/23.3T8CTB.C2.S1].
[30] Como também, em relação à presunção do artigo 12.º-A do CT/2009.
[31] Neste sentido, vejam-se os Acórdãos desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2017 e de 26-06-2023, processos n.ºs 1694/16.0T8VLG.P1 e n.º 11766/22.7T8PRT.P1, respetivamente.
[32] “Presunção de laboralidade: Nótula sobre o art. 12º do Novo Código do Trabalho e o seu âmbito temporal de aplicação”: Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, nº82, pág.165.
[33] Processo nº 9793/23.6T8VNG.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Nunes Fernandes – ao que se supõe não publicado, mas consultável no registo de acórdãos.
[34] Sobre esta temática podem ver-se: o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-05-2021 (processo n.º 10177/19.6T8LSB.L1-4, Relatora Desembargadora Albertina Pereira) e o recente Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 13-10-2025 (processo n.º 645/24.3T8VFR.P2, relatado pelo Desembargador António Costa Gomes) - este último ao que se julga ainda não publicado mas disponível no registo dos acórdãos.
[35] Processo nº 645/24.3T8VNG.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão, aqui 2.º Adjunto, e no qual teve intervenção a aqui Relatora como 1ª Adjunta – ao que se supõe não publicado, mas consultável no registo de acórdãos.