ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
Sumário

1 – O conceito de retribuição integra, no âmbito da LAT, todas as prestações que assumam caráter de regularidade e não se caracterizem por remunerar custos aleatórios.
2 – A norma da CCT que estabelece a obrigação de pagamento de ajudas de custo e exclui os valores assim pagos do conceito de retribuição não tem aplicação no âmbito da LAT.
3 – Não se tendo provado que as quantias pagas como ajudas de custo fossem para reembolsar a autora das despesas que efetuava, deve concluir-se que a empregadora não logrou provar que tais quantias se destinassem a compensar quaisquer custos, mormente aleatórios.

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

TRANSWHITE LDA., não se conformando com a sentença, que julgou parcialmente procedente a ação, dela pretende interpor recurso.
Pede que a sentença a quo, na parte posta em crise, seja revogada e substituída por outra decisão que fixe em € 19.009,44€ a retribuição da Autora/Recorrida a considerar para efeitos de ressarcimento do acidente de trabalho, considerando o valor totalmente transferido para a R. Companhia de Seguros e, absolva a R./Recorrente/Entidade empregadora dos pedidos.
Apresentou as seguintes conclusões:
1. Provado que, a autora sinistrada é motorista de pesados no transporte internacional rodoviários de mercadorias por estrada.
2. À relação laboral em análise, aplica-se o Contrato Coletivo (doravante designado CCT) celebrado entre a Antram e a Fectrans publicado in BTE nº 45 de 8-12-2019.
3. A autora/sinistrada auferia componentes retributivas fixas e variáveis previstas na CCTV que totalizavam a quantia de 18.322,51€ (ponto 10 da factualidade provada), totalmente transferidas para a R. Seguradora – estava transferido 19.009,44€ (ponto 14 da factualidade provada).
4. Nestas componentes está incluída a Ajuda de Custo Tir prevista na clª 64º da CCTV, conforme recibos de vencimento juntos aos autos.
5. Esta ajuda de custo TIR no montante mensal de 135€ (erradamente chamada na douta sentença de prémio TIR) é que cabe nos considerandos da douta sentença sobre o que é retribuição para efeitos de acidente de trabalho e, estava transferida para a seguradora.
6. Além desta ajuda de custo Tir recebia a autora uma ajuda de custo – diária prevista na clª 58ª da CCTV – conforme recibos de vencimento – ponto 12. da factualidade provada, que totalizaram nos 12 meses anteriores a média mensal de 630,46€€.
7. Que recebia com carater de irregularidade cfr recibos de vencimento – recebia quando estava deslocada no estrangeiro, não as recebendo em Portugal ou quando em férias – ponto 12 da factualidade provada.
8. As ajudas de custo pagas nos termos da clª 58º da CCTV eram pagas em função do número de dias passados no estrangeiro e de acordo com o disposto na CCTV do sector (a testemunha AA referiu-o expressamente) – sentença página 9.
9. Decidiu o Tribunal a quo que a R. não provou que fossem o reembolso dos custos suportados, seja por não ter sido feita qualquer prova do montante das mesmas, de modo a permitir o seu confronto com as ajudas pagas, seja por não ser exigido à autora, a qualquer motorista que as auferia, a apresentação de documentos comprovativos das mesmas.
10. O reembolso referido pela empregadora é o reembolso do sentido previsto na CCTV, a autora adianta e paga as despesas com as refeições – pequeno-almoço, almoço, jantar – ceia, banhos, dormidas – com marmita ou sem marmita, só um pão com manteiga por dia ou caviar a todas as refeições, sem tomar banho durante uma semana ou a tomar banho todos os dias e, no final do mês a R. reembolsa (sem necessidade de faturas porque a CCTV a partir de 2018 já não as prevê) e paga 36,40€ por cada noite que esteve deslocada no estrangeiro - em cumprimento da clª 58º da CCTV (porque a A. nunca disse que não chegava - a R. pagava o mínimo da CCTV – como nunca disse que sobravam - depois de fazer as marmitas – como competia à A.)
11. Salvo douta opinião em contrário, fundamentou mal o Tribunal a quo no sentido de considerar as ajudas de custo como retribuição e condenar a R./recorrente no Pagamento das ajudas de custo por onze meses nas diferenças por ITA`s e na pensão anual devida à sinistrada.
Venerandos Desembargadores:
12. Ao provar a factualidade dos pontos 11, 12 e 13 provada está a aleatoriedade e a irregularidade das despesas.
13. É vasta a citada Jurisprudência quer do STJ, quer do Tribunal da Relação quer de 1ª instância, que se referiu supra e se dá aqui por integralmente reproduzida, referentes a ajudas de custo – diárias recebidas pelos motoristas dos transportes internacionais e, para pagamento das despesas com alimentação, dormidas, banhos e outras.
14. Que é o caso destas ajudas de custo pagas à Autor, são para custos aleatórios, porque aleatórios são os valores do pequeno-almoço, almoço, jantar, ceia, banhos, dormidas e outros nos vários países da Europa onde está deslocada ao serviço da R.
15. Que é inclusive a posição recente do Tribunal da Relação do Porto de 28- 11-2022 que diz: IV - Pagando o empregador ao trabalhador, motorista internacional, em cumprimento de CCT aplicável, o valor neste fixado como mínimo diário por cada dia de trabalho para fazer face exclusivamente às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, acrescido da diferença se essas despesas fossem superiores, é de considerar que esse pagamento se destina a compensar o último por “custos aleatórios”, daí efeitos de cálculo das indemnizações ou pensões devidas por acidente de trabalho.
16. E que foi a decisão de um processo igual ao dos presentes autos – repete-se igual, por o sinistrado ter sido trabalhador da R./recorrente e ter sofrido também ele um acidente de trabalho, reivindicando também as quantias de ajudas de custo pagas nos termos da CCTV – clª 58º - como retribuição / ajudas de custos para efeitos de indemnização de ITA´s e pensão anual e a sua tese foi improcedente:
17. Acórdão de 2024-06-28 (Processo nº 648/22.2T8MTS.P1) in https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/648-2024-877824775
Emissor: Tribunal da Relação do Porto
Tipo: Acórdão
Data de Publicação: 2024-06-28
Processo: 648/22.2T8MTS.P1
Fonte Direito: JURISPRUDENCIA
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
(…)
SUMÁRIO
I - O conceito e retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, sendo mais lato que o estabelecido no Código do Trabalho, abarca todas as atribuições patrimoniais feitas com carácter de regularidade pelo empregador ao trabalhador, desde que não se destinem a cobrir custos aleatórios.
II - Cabe ao empregador o ónus de alegar e provar a natureza compensatória de custos aleatórios referentes a valores regularmente pagos.
III - Pagando o empregador ao trabalhador, motorista internacional, em cumprimento de CCT aplicável, o valor neste fixado como mínimo diário por cada dia de trabalho para fazer face exclusivamente às suas despesas em serviço com alimentação, dormidas e outras, é de considerar que esse pagamento se destina a compensar o último por “custos aleatórios”, daí decorrendo que as correspondentes quantias não devem ser consideradas para efeitos de cálculo das indemnizações ou pensões devidas por acidente de trabalho.
18. Por muitas considerações que a douta sentença faça do termo “ajudas de custos e reembolsos”, com o devido respeito, não há dúvidas de que esse pagamento de ajudas de custo era para despesas aleatórias e, não releva o facto se come um pão com manteiga por dia, se come no camião, se dorme no camião, se vai todos os dias ao restaurante ou se dorme todos os dias no hotel, se não toma banho, se em França um almoço custa 30€ e se na Alemanha só custa 20€ ou se tem um “estilo de vida de cabine de trator”.
19. A R./recorrente pagou as ajudas de custo para as despesas com alimentação, dormidas, banhos e outras que a Autora suportasse enquanto deslocado no estrangeiro, em cumprimento da CCTV.
20. Estas ajudas de custo NÃO são retribuição, estas ajudas de custo mesmo sem perder “autonomia” não entram no cálculo anual da retribuição da A./sinistrada para efeito de pensão anual ou indemnização por ITA.
Mais,
21. A Autora, como lhe competia, não provou que esse montante excedia essas despesas, ou que montante excedia (artº 260º nº1 al.a) última parte (enriquecimento sem causa) e Jurisprudência supracitada, violando a douta sentença este normativo.
22. Tinha a autora que provar (e não a R.) quais os montantes que não gastava, nas despesas de alimentação, dormidas, banhos e outras no estrangeiro..., e esse excedente é que seria considerado retribuição (artº 260º C.T)
Vide - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4212/18.2T8CBR.C1.S1 de 12-11-2020
III.— O trabalhador tem o ónus da prova de que estão preenchidos os pressupostos da segunda parte do art. 260.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho.
23. A douta sentença não aplicou corretamente o Direito aos factos dados como provados.
24. Ao considerar que o valor pago à Recorrido de ajudas de custo diárias a coberto da Claus. 58ª da CCTV, não se destinava a compensá-lo por despesas e custos aleatórios, a decisão a quo está inquinada de “error in judicando”, quanto à decisão de mérito da sentença, na parte que afeta a Recorrente, resultante de uma deficiente perceção da realidade factual, devido a incorreta apreciação da prova e da aplicação do direito.
25. Meritíssimos Juízes Desembargadores, se terá de concluir que o valor que foi pago ao Recorrido sobre a designação Claus. 58ª. Aj. Custo – no montante anual de 6.935,06€ não assume o carácter de retribuição, antes, tem a natureza de “reembolso” das despesas que a Recorrida suportou em virtude de se encontrar deslocada pelos vários países da Europa (factualidade provada 11,12 e 13).
26. O facto dado como não provado no que concerne à R. nada influencia a posição da recorrente, porque não existem dúvidas de que o salário e as ajudas de custo eram pagos no final do mês, são um reembolso ou outra expressão que queiram chamar.
27. Mas, com o devido respeito, que é muito, o desacerto da douta decisão, de que se recorre, não se ficou pelo supra avançado.
28. Pois, em boa verdade, à relação laboral em análise, se aplica como se referiu o Contrato Coletivo celebrado entre a Antran e a Fectrans, citado, mas não o aplicou.
29. Pelo que, padece de “error juris” e, por conseguinte, o decidido não corresponde à realidade normativa
30. Analisado tal Contrato Coletivo – o que, com o devido respeito, o Tribunal a quo não fez corretamente – logo se apura a existência da cláusula em dissenso, como aliás outras de carácter fixo, todas feitas constar dos recibos de vencimento do Recorrido.
31. E, por conseguinte, estando a atividade da Recorrente, abrangida pelo CCT em menção, não podem subsistir dúvidas que, aquela, estava obrigada a pagar ao trabalhador/recorrido uma ajuda de custo diária para fazer face às despesas de alimentação, dormidas e outras, por força do previsto na cláusula 58ª) (não precisando os trabalhadores de trazer as faturas das despesas para serem reembolsados)
32. Ora, apurando-se, como se apurou que a Recorrido era trabalhadora móvel, afeta, aos transportes internacionais e que estava deslocada em serviço nos países da Europa, facilmente se alcança que a Recorrente estava obrigada a pagar, como valor mínimo de ajuda de custo diária, em 2019 €35,00, e, em 2020, €36,40.
33. Tal como fixado no anexo III do CCT em menção, aplicável por remissão do nº. 3 da cláusula 58ª.
34. Sustentar tal asserção na fundamentação da douta sentença é violar o espírito do contrato coletivo aplicável ao setor de atividade da Recorrente.
35. Não sendo despiciendo salientar que, nos termos do nº. 8 da cláusula 58ª. do CCT em referência, “O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição.”.
36. Ora, a aplicação do regime legal previsto no CCT, o qual constitui fonte do Direito do Trabalho, nos termos do nº. 1 do Código do Trabalho, afasta a presunção de retribuição do artº. 258º. do Código do Trabalho, bem como a extensão do conceito geral do nº. 2 do artº. 71º. da Lei 98/2009.
37. Por conseguinte, a decisão a quo violou o espírito do CCT, supra devidamente identificado, concretamente a Cláusula 58ª., na redação do BTE nº 45 de 8/12/2019, bem como violou os artº. 258º. do Código do Trabalho e o artº. 71º. nº. 2 da Lei 98/2009.
38. E, por isso, deve tal sentença ser revogada, e, consequentemente, substituída por outra, que determine que a retribuição a considerar para efeitos de ressarcimento do acidente de trabalho se cifra em € 18.322,51€ (o valor inferior ao transferido para a R. Seguradora) e não em €25.257,57 conforme propugnado na douta sentença sob recurso, valor aquele que se encontra totalmente transferido para a R. Seguradora (pelo valor de 19.009,40€).
39. E, por conseguinte, se absolva a R. Recorrente dos pagamentos em que foi condenada, deixando de ter aplicação o nº 4 do artº 79º da LAT, por deixar de haver responsabilidade da Empregadora na reparação das consequências resultantes do acidente de trabalho sofrido pela A.
40. Ao considerar as ajudas de custo das diárias da clª 58º da CCTV como retribuição e condenar a Recorrente no pagamento da quantia de 7.558,37€ a título de diferenças de ITA`s e na pensão anual de 4.347,05€ a partir de 13-08- 2022, atualizada para 4.347,05€ a partir de 1-1-2023, 5.025,96€ a partir de 1-1- 2024 e 5.156,63€ a partir de 1-1-2025, violou todos os normativos em que se baseou, nomeadamente o artº 71º nº 2, 79º nº 4 da Lei 98/2009, 258º do C.T., 260º nº 1 alínea a) e 258º do C.T., a clª 58º nº 8 e 9 da CCTV in BTE nº 45 de 8-12-1019.
BB nos autos à margem indicados, tendo sido notificada das Alegações de Recurso da entidade empregadora, vem, em Resposta, defender que sentença deve ser mantida na íntegra.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer do qual emerge que o recurso não merece provimento.
*
Apresentamos, de seguida, um breve resumo dos autos:
A sinistrada veio intentar ação especial para efetivação de direitos emergentes de acidente de trabalho demandando Fidelidade – Companhia de Seguros, SA e Transwhite – Transportes Unipessoal, Lda., formulando o seguinte pedido de condenação:
“a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada, com todas as legais consequências, condenando-se as Rés na medida das suas responsabilidades no pagamento à A das seguintes quantias :
a)A pensão anual e vitalícia desde 13/08/2022, de € 18.538,44 (dezoito mil quinhentos e trinta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora até integral pagamento.
b) O subsídio de elevada incapacidade de € 5.792,29 (cinco mil setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos), acrescido de juros de mora até integral pagamento.
c) Subsídio para readaptação da habitação de € 5.850,24 (cinco mil oitocentos e cinquenta euros e vinte e quatro cêntimos).
d) Prestação suplementar para assistência a terceira pessoa com o limite mensal de € 560,19 (quinhentos e sessenta euros e dezanove cêntimos).
e) A diferença de indemnização por incapacidades temporárias no montante de € 9.044,03 (nove mil e quarenta e quatro euros e três cêntimos), acrescida de juros acrescido de mora até integral pagamento. f) O montante de € 40,00 (quarenta euros) devido a título de despesas de deslocação a esse Tribunal, acrescido dos respetivos juros de mora.”.
Alega que sofreu acidente quando executava a sua prestação laboral ao serviço da ré empregadora e auferindo uma remuneração anual de 26 483,49€, a qual não se encontrava totalmente transferida para a seguradora e determina a demanda da empregadora. Do acidente do qual resultaram lesões, as quais consolidaram com sequelas determinantes de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) com incapacidade permanente parcial (IPP) de 81,64%, a qual entende que deve ser objeto de aplicação do fator 1,5 previsto na TNI. Pretende ver reconhecido o direito à reparação em função da incapacidade que apresenta e que para além da pensão anual demanda adaptação do domicílio, ajudas de terceira pessoa, ajudas medicamentosas, ajudas técnicas, consultas de medicina física e reabilitação, reabilitação em Alcoitão, consultas de psiquiatria, veículo automóvel adaptado com caixa automática e especificidades técnicas ao quadro clínico e cadeira de rodas elétrica. Acresce que não está integralmente ressarcida dos períodos de incapacidade temporária pois apenas foi paga de tal prestação pela seguradora.
Vieram as RR. contestar.
A ré seguradora, reiterando a posição manifestada em sede de tentativa de conciliação, refere que aceita a ocorrência de acidente e a sua caracterização como acidente de trabalho, a medida de incapacidade fixada em exame médico-legal, aceitando e reconhecendo a obrigação de reparação mas apenas quanto ao valor de 19 009,44€ de remuneração anual que havia sido transferida no contrato de seguro celebrado com a co-ré, o pagamento de subsídio de elevada incapacidade, no mais referindo que já pagou 5 792,29€ para readaptação da habitação, tem vindo a pagar prestação de quatro horas de ajuda de terceira pessoa, atribuiu cadeira de rodas e custou a adaptação da viatura da autora.
Conclui pela sua absolvição parcial do pedido.
A ré empregadora sustenta que transferiu para a ré seguradora toda responsabilidade pelos danos emergentes do acidente, tendo mesmo transferido valor superior ao auferido pela autora. Recusa que as ajudas de custo que eram pagas, as quais a autora considera com referência a treze meses, sejam retribuição. Com efeito, sendo a autora motorista de transportes internacionais e andando a mesma em circulação por vários países da Europa os valores pagos com ajudas de custo destinavam-se a fazer face às despesas da autora com alimentação, dormidas e outras que surgissem, configurando uma forma de a ré reembolsar os custos da autora. A autora não alegou que os montantes de ajudas de custo excediam os custos que suportavam e o CCTV considera que as mesmas não são retribuição. Entende que não deve ser aplicado o fator 1,5 reclamado pela atora pois quando a mesma teve alta a ré alterou as suas funções para escriturária, adequou o local de trabalho à sua condição física, tendo a autora trabalhado durante algum tempo até entrar em situação de baixa médica.
Conclui pela improcedência da ação e pela sua absolvição.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que, considerando que a autora foi interveniente em acidente de trabalho no dia 07-12- 2020, quando auferia uma remuneração anual de 25 257,57€ (vinte e cinco mil, duzentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos), decide julgar ambas as rés responsáveis pela reparação e em consequência:
a) Considerar as sequelas do acidente determinantes de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) com incapacidade permanente parcial (IPP) de 100,00% (0,8164x1,5), desde 12-08-2022; b) Fixar a pensão anual e vitalícia devida à autora desde 13-08-2022 em 17 680,08€ (dezassete mil, seiscentos e oitenta euros e oito cêntimos), atualizada para 19 165,21€ (dezanove mil cento e sessenta e cinco euros e vinte e um cêntimos) a partir de 01-01- 2023, para 20 315,12€ (vinte mil, trezentos e quinze euros e doze cêntimos) a partir de 01-01-2024 e para 20 843,31€ (vinte mil, oitocentos e quarenta e três euros e trinta e um cêntimos) a partir de 01-01-2025.
c) Condenar Fidelidade Companhia de Seguros, SA a pagar à autora 75,26% da referida pensão anual, correspondente a 13 306,03€ (treze mil, trezentos e seis euros e três cêntimos) a partir de 13-08- 2022, atualizada para 14 423,74€ (catorze mil, quatrocentos e vinte e três euros e setenta e quatro) a partir de 01-01-2023, para 15 289,16€ (quinze mil, duzentos e oitenta e nove euros e dezasseis cêntimos) a partir de 01-01-2024 e para 15 686,68€ (quinze mil seiscentos e oitenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos) a partir de 01-01-2025, valores sobre os quais serão deduzidos os valores de pensão provisória entretanto pagos.
d) Condenar Fidelidade Companhia de Seguros, SA a pagar à autora a quantia de 5 792,40€ (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e quarenta cêntimos) a título de subsídio de elevada incapacidade;
e) Condenar Fidelidade Companhia de Seguros, SA a pagar à autora 0,11€ (onze cêntimos) de remanescente de subsídio de readaptação da habitação.
f) Condenar Fidelidade Companhia de Seguros, SA a pagar à autora prestação mensal de apoio de terceira pessoa, fixada em quatro horas diárias e ½ da remuneração mensal mínima garantida, desde 13-08-2022 no montante de 352,50€ em 2022, 380,00€ em 2023, 410,00€ em 2024 e 435,00€ em 2025, sem prejuízo da dedução dos valores a tal título que tenham sido pagos.
g) Condenar Fidelidade Companhia de Seguros, SA a pagar à autora a quantia de 40,00€ (quarenta euros) a título de despesas com deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos.
h) Condenar Fidelidade Companhia de Seguros, SA no pagamento dos juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre
1. O montante mensal de cada prestação da pensão anual vencido, ou remanescente de tal montante, desde a sua data de vencimento de cada prestação e até efetivo e integral pagamento.
2. O subsídio de elevada incapacidade desde 13-08-2022 e até efetivo e integral pagamento.
3. O remanescente de subsídio de readaptação desde 21-05- 2024 e até efetivo e integral pagamento.
4. O montante, ou remanescente do montante, de prestação suplementar para assistência de terceira pessoa desde a sua data de vencimento de cada prestação e até efetivo e integral pagamento.
5. O montante e despesas de deslocação desde 20-03-2024 e até efetivo e integral pagamento.
i) Condenar Transwhite – Transportes, Unipessoal, Lda. a pagar a pagar à autora 24,74% da referida pensão anual, correspondente a 4 347,05€ (quatro mil, trezentos e quarenta e sete euros e cinco cêntimos) a partir de 13-08-2022, atualizada para 4 741,47€ (quatro mil, setecentos e quarenta e um euros e quarenta e sete cêntimos) a partir de 01-01-2023, para 5 025,96€ (cinco mil, vinte e cinco euros e noventa e seis cêntimos) a partir de 01-01-2024 e para 5 156,63€ (cinco mil, cento e cinquenta e seis euros e sessenta e três cêntimos) a partir de 01-01-2025.
j) Condenar Transwhite – Transportes, Unipessoal, Lda. a pagar a pagar à autora a quantia de 7 558,37€ (sete mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e trinta e sete cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 08- 12-2020 e 12-08-2022.
l) Condenar Transwhite – Transportes, Unipessoal, Lda. no pagamento dos juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre
1. O montante mensal de cada prestação da pensão anual vencido desde a sua data de vencimento e até efetivo e integral pagamento.
2. O montante de indemnização por incapacidades temporárias sobre o valor em dívida na data de vencimento de cada período mensal e até efetivo e integral pagamento.
m) Condenar, na proporção os respetivos decaimentos, no pagamento das custas da ação autora e rés, sendo a responsabilidade destas últimas na proporção de 75,26% para a seguradora e 24,74% para a empregadora.
n) Fixar, nos termos dos artºs. 306º nº 1 do Código de Processo Civil e 120º nº 1 a 3 do Código de Processo do Trabalho, o valor da ação em 324 109,07€.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- As ajudas de custo não integram a retribuição para efeitos de cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho?
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FUNDAMENTAÇÃO:
OS FACTOS:
Estão provados os seguintes factos:
1.Em 07-12-2020 a autora encontrava-se a prestar a sua atividade de motorista de veículos pesados de mercadorias para a ré Transwhite Transportes, Unipessoal, Lda.
2. Atividade que exercia circulando por diversos países da Europa, onde pernoitava e se alimentava.
3. No referido dia 07-12-2020 a autora foi interveniente em acidente de viação no qual sofreu traumatismo vertebro-medular com fratura de L1 a L5 e quadro de paraplegia incompleta.
4. Lesões cuja consolidação demandou 613 dias de incapacidade temporária absoluta (ITA).
5. Consolidando em 12-08-2022 com paraplegia dos membros inferiores, perturbação de stress pós-traumático e perturbação de adaptação.
6. Determinantes de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e incapacidade permanente parcial (IPP) de 81,64% (correspondente aos coeficientes de 0,76, 0,15 e 0,10).
7. As sequelas da autora demandam consultas regulares de psiquiatria e psicoterapia, urologia e medicina física e reabilitação bem como da medicação que seja prescrita nas especialidades de psiquiátrica, urologia e fisiatria.
8. A autora necessita ainda de cadeira de rodas, material de apoio a transferências, colchão ortopédico anti-escaras, cadeira anti-escaras e fraldas.
9. Para assegurar a sua higiene pessoal e realização de rotinas diárias domésticas (limpeza e alimentação) a autora carece de auxílio de terceiros durante quatro horas/dia.
10.À data do evento e com referência aos doze meses anteriores a autora auferia uma remuneração mensal base de 700,00€, paga catorze vezes por ano, 352,80€ mensais de cláusula 61ª, pagos treze vezes por ano, 35,00€ mensais de cláusula 59ª, pagos treze vezes por ano, 70,00€ mensais de cláusula 63ª, pagos treze vezes por ano, 135,00€ mensais de prémio TIR pagos treze vezes por ano, 100,00€ anuais de cláusula 60ª e 681,11€ de cláusula 50ª.
11.A autora recebia ainda, mensalmente, quantitativos de ajudas de custo que nos doze meses que antecederam o mês do acidente tiveram um valor mensal médio de 630,46€.
12.As ajudas de custo eram pagas quando a autora se encontrava em exercício de funções no estrangeiro, por cada dia aí passado, não as recebendo quando em Portugal ou quando em férias.
13.Cada banho no estrangeiro tem um custo médio de 2,00€.
14.A empregadora da autora celebrara com a ré seguradora contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, com a apólice nº AT82618493, na modalidade de prémio variável, o qual compreendia a autora com referência a um valor anual de 19 009,44€.
15.Em 20-03-2024 a ré seguradora confessou-se devedora de 40,00€ de despesas efetuadas pela autora com deslocações obrigatórias a exame médico e a tribunal.
16.A ré seguradora pagou de 5 792,29€ a título de subsídio para readaptação de habitação.
17.A seguradora pagou 24 795,98€ a título de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 08-12-2020 e 12-08-2022 (613 dias).
18.A seguradora encontra-se a pagar e pagou, mensalmente, a quantia de 243,76€ em 2022 e 272,80€ em 2023 e 2024 a título de ajuda de terceira pessoa num período correspondente a quatro horas diárias.
19.A seguradora encontra-se a pagar pensão provisória desde 13-08- 2022 tendo pago entre essa data e 31-05-2024 a quantia de 26 415,98€.
20.A seguradora pagou 5 646,69€ de adaptação da viatura da autora.
21.A seguradora suportou a aquisição de cadeira de rodas para a autora.
22.Após a alta clínica a ré empregadora atribuiu à autora funções de escriturária no apoio ao tráfego.
23.Tendo procedido à adaptação do local de trabalho para o rés-do-chão de acordo com as limitações de mobilidade da autora.
24.A autora iniciou o exercício das novas funções em Setembro de 2023.
25.Passado algumas semanas de exercício de funções a autora iniciou período de baixa médica e posteriormente rescindiu o contrato com a ré empregadora.
26.A autora nasceu a 04-12-1990.
***
O DIREITO:
Detenhamo-nos, então, sobre a questão supra elencada, a saber, se as ajudas de custo não integram a retribuição para efeitos de cálculo das prestações decorrentes do acidente de trabalho.
Defende a Apelante que o reembolso referido pela empregadora é o reembolso do sentido previsto na CCTV - a autora adianta e paga as despesas com as refeições – pequeno-almoço, almoço, jantar – ceia, banhos, dormidas – com marmita ou sem marmita, só um pão com manteiga por dia ou caviar a todas as refeições, sem tomar banho durante uma semana ou a tomar banho todos os dias- e, no final do mês a R. reembolsa (sem necessidade de faturas porque a CCTV a partir de 2018 já não as prevê) e paga 36,40€ por cada noite que esteve deslocada no estrangeiro - em cumprimento da clª 58ª da CCTV. Assim, fundamentou mal o Tribunal a quo no sentido de considerar as ajudas de custo como retribuição e condenar a R./recorrente no pagamento das ajudas de custo por onze meses nas diferenças por ITA`s e na pensão anual devida à sinistrada. Estas ajudas de custo NÃO são retribuição, estas ajudas de custo mesmo sem perder “autonomia” não entram no cálculo anual da retribuição da A./sinistrada para efeito de pensão anual ou indemnização por ITA.
A Apelada, louvando-se na sentença, e no teor do Ac. do STJ de 18/06/2025, contrapõe com o bem fundado da decisão.
Consignou-se na sentença sob recurso:
A empregadora sustenta que as ajudas de custo eram pagas para a autora fazer face a despesas aleatórias com alimentação, dormida, banhos, etc, não são remuneração, como decorre do art.º 260º nº 1 do Código do Trabalho, o valor é pago em cumprimento do estabelecido no CCTV e no qual, em relação a esta concreta prestação de ajudas de custo, é expressamente consignado que a mesma não configura remuneração, o seu pagamento visava compensar a autora por despesas, com alimentação, banhos ou outras, que o mesmo tinha de suportar por se encontrar deslocado
Ao trabalhador sinistrado incumbe o ónus de provar os valores que auferiu e a periodicidade da sua liquidação – art.º 342º nº 1 do Código Civil –, e à empregadora incumbe o ónus de provar que as prestações patrimoniais, no caso denominadas de ajuda de custo diária, não constituíam uma prestação de natureza retributiva e, como tal, não devem ser consideradas no cômputo da retribuição anual – art.º 342º nº 2 do Código Civil e art.º 71º nº 2 da Lei 98/2009, de 04-09, -- e não o contrário como sustentado pela empregadora.
Em relação às ajudas de custo apurou-se que as mesmas eram pagas quando a autora se encontrava em exercício de funções no estrangeiro, por cada dia aí passado, não as recebendo quando em Portugal ou quando em férias.
Quanto ao seu enquadramento como compensação de custos com alimentação por estar deslocada a questão prende-se com a verificação, ou não, da exceção consagrada na parte final do nº 2 do art.º 71º da Lei 98/2009, de 4-9, “que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.
A atividade da autora era a condução de veículos, condução esta que, por via da subordinação que caracteriza a relação laboral, efetuava segundo instruções da sua empregadora e percorrendo os trajetos por esta definidos – ou dirigindo-se a locais por esta determinados e cujo trajeto lhe é apreensível --, o que se afigura obstar à consideração das despesas com alimentação, banhos ou outras – necessidades que não eram satisfeitas no contexto doméstico privado da autora -- uma despesa aleatória para efeitos do art.º 71º nº 2, parte final, da Lei 98/2009, de 04-09.
Os percursos, a sua duração e as condições logísticas nos mesmos são, num plano de normalidade de execução da prestação, perfeitamente previsíveis em função da concreta determinação de prestação de atividade definida pela empregadora designadamente em função do local de destino, do percurso a realizar e do tempo que o mesmo demanda.
Quanto à justificação normativa do pagamento que resulta da cláusula 58ª nº 1 do CCTV entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias - ANTRAM e outra e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações – FECTRANS e outros, publicado no BTE nº 45, de 8-12-2019, e aqui considerado por via da Portaria 49/2020, de 26-02, não se afigura que conduza, necessariamente, à exclusão das ajudas de custo do valor da remuneração para efeitos de reparação por acidente de trabalho.
Resulta da dita norma, com epígrafe de “Ajudas de custo diárias” que “1- Quando deslocados ao serviço da entidade empregadora, os trabalhadores móveis têm direito, para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras, a uma ajuda de custo, cujo valor será acordado com a empresa, mas que não ultrapasse os limites da isenção previstos anualmente em portaria a publicar pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública para o pessoal da Administração Pública.” Acrescentando o seu nº 8 que “O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição.” e o seu nº 9 que “A presente norma tem natureza interpretativa sobre legislação que regule a matéria das ajudas de custo”.
Esta exclusão legal tem, salvo melhor leitura, o mesmo relevo que possui a prevista no art.º 260º nº 1 al a) do Código do Trabalho, norma que, em face da maior amplitude e distinta conceptualização do conceito de remuneração para efeitos do art.º 71º da Lei 98/2009, de 4-9, se afigura não relevar para efeitos de determinação do valor de remuneração anual a considerar na reparação de acidente de trabalho.
Acresce a consagração constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho (art.º 59º nº 1 al f) da Constituição da República Portuguesa), conjugado com a indisponibilidade do direito à reparação por acidente de trabalho –art.ºs 12º e 78º da Lei 98/2009, de 04-09 ,-- que se afigura, nos termos do art.º 3º nº1 e nº 3 al l) do Código do Trabalho, afastar a interpretação/consagração restritiva consagrada na referida Cláusula 58ª e reiterada, para efeitos de reparação por acidente de trabalho, na Cláusula 82ª nº 2 do mesmo CCTV.
Depois, salvo melhor leitura, não é designação da prestação consignada no texto da norma que revela a sua finalidade concreta no caso, sendo certo que, do teor da mesma e da sua inserção sistemática -- Secção de Refeições e Deslocações --, conjugada com as outras normas que a precedem e se reportam ao pagamento de subsídio de refeição (Cláusula 55ª) ou ao pagamento de refeições, alojamento e deslocações no pais de residência (Cláusula 56ª) -- estas últimas “custeadas mediante a atribuição de ajudas de custo” nº 4) --, se afigura, quando aplicada a um motorista, estar mais relacionada com o modo de execução da atividade, a qual envolve necessariamente a deslocação, do que com qualquer despesa ou custo efetivamente suportado pelo motorista.
Pode-se argumentar que na base de tais normas se encontra uma forma de facilitar o pagamento de custos que o motorista tenha de suportar dispensando apresentação de contas – os recibos das despesas para cálculo do valor a entregar ao motorista para o compensar – mas, com respeito por distinta leitura, daí não resulta automaticamente que as quantias em causa sejam ajudas de custo, ou apenas ajudas de custo, a excluir da remuneração para efeitos do art.º 71º da Lei 98/2009, de 04-09. Para que tais quantias fossem excluídas teria de ser demostrado que as mesmas cobriam as despesas do motorista, no caso da autora, o que pressupunha a demonstração de qual o montante das despesas, demonstração que não teve lugar.
Por tal, não demonstrada a previsão legal de exceção prevista na parte final do nº 2 do art.º 71º, entende-se que o valor das ajudas de custo deve ser considerado, na sua totalidade, como retribuição para efeitos de determinação da reparação por acidente de trabalho.
O juízo assim efetuado não nos merece censura.
Vejamos porquê!
Da Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei 98/2009 de 4/09 – emerge específica concetualização para a retribuição a atender no cálculo e pagamento das prestações que decorram de evento infortunístico, assumindo-se que o conceito de retribuição aqui adotado é mais lato do que o do CT – nomeadamente o prescrito nos Artº 258º e 260º.
A retribuição atendível para efeitos de fixação das prestações decorrentes de acidente de trabalho é aquela a que reporta o Artº 71º da Lei 98/2009 de 4/09. Lei cujas disposições são, no que a esta matéria rege, inderrogáveis (Artº 12º).
Ali se dispõe que a indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente são calculadas com base na retribuição anual ilíquida devida ao sinistrado à data do acidente (nº 1).
Por outro lado, entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (nº 2).
O conceito de retribuição integra, neste âmbito, todas as prestações que assumam caráter de regularidade e não se caracterizem por remunerar custos aleatórios.
Daí que se entenda que “o artigo 71.º n.º 2 da LAT contém um conceito específico de retribuição mensal para efeitos de acidente de trabalho que se distingue do conceito previsto pelo Código do Trabalho por se bastar com a regularidade e não exigir que a quantia regularmente paga seja contrapartida do trabalho prestado. Destaque-se também que esta é matéria – cfr. artigo 3.º n.º 3 alínea l) do Código do Trabalho – em que a convenção coletiva só pode afastar-se da lei em sentido mais favorável para os trabalhadores pelo que o facto de uma convenção coletiva afirmar que uma prestação, embora regular não é retribuição, não é atendível neste domínio e para efeito de aplicação da norma já mencionada da LAT sobre retribuição mensal para o cálculo das prestações devidas ao sinistrado referidas no artigo 71.º n.º 1 da LAT.1
É, assim, irrelevante, para este efeito quanto se dispõe na Clª 58ª da Convenção Coletiva invocada, a saber:
Cláusula 58.ª (Ajudas de custo diárias), BTE 45, 8/12/2019
1- Quando deslocados ao serviço da entidade empregadora, os trabalhadores móveis têm direito, para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras, a uma ajuda de custo, cujo valor será acordado com a empresa mas que não ultrapasse os limites da isenção previstos anualmente em portaria a publicar pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública para o pessoal da Administração Pública.
(…)
8- O pagamento regular e reiterado de ajudas de custo, em caso de constantes deslocações, não é considerado retribuição.
9- A presente norma tem natureza interpretativa sobre a legislação que regule a matéria das ajudas de custo.
Isto mesmo também decorre do recente acórdão desta RLx., datado de 5/11/2025, Proc.º 1495/23.0T8BRR, relatado pela ora Relatora.
E é também irrelevante a jurisprudência citada a propósito do conceito de retribuição vigente fora do campo de aplicação da LAT.
Dir-se-á ainda que com a expressão regular a lei se refere a uma prestação constante, não arbitrária, permanente.
Por outro lado, é aleatório aquilo que está sujeito a contingências, dependente do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis.
Em presença do disposto no Artº 71º da LAT, provada que está a regularidade da prestação, caberia à Apelante convencer da aleatoriedade alegando e provando os pertinentes factos. O que não se mostra efetuado.
Provou-se apenas que à data do evento e com referência aos doze meses anteriores a autora auferia uma remuneração mensal base de 700,00€, paga catorze vezes por ano, 352,80€ mensais de cláusula 61ª, pagos treze vezes por ano, 35,00€ mensais de cláusula 59ª, pagos treze vezes por ano, 70,00€ mensais de cláusula 63ª, pagos treze vezes por ano, 135,00€ mensais de prémio TIR pagos treze vezes por ano, 100,00€ anuais de cláusula 60ª e 681,11€ de cláusula 50ª. A autora recebia ainda, mensalmente, quantitativos de ajudas de custo que nos doze meses que antecederam o mês do acidente tiveram um valor mensal médio de 630,46€. As ajudas de custo eram pagas quando a autora se encontrava em exercício de funções no estrangeiro, por cada dia aí passado, não as recebendo quando em Portugal ou quando em férias.
Qual o valor compreendido nas despesas aleatórias, que despesas foram essas e em que dia foram efetuadas?
Como já dito pelo Supremo Tribunal de Justiça a circunstância de uma prestação ser formalmente apelidada de ajuda de custo não significa que tenha essa característica2.
Em matéria de acidentes de trabalho procura-se compensar o trabalhador da falta ou diminuição da sua capacidade de ganho, pelo que o conceito de retribuição abrange todos os valores que o empregador satisfazia regularmente e em função do que o trabalhador programava a sua vida. Isto mesmo vem sendo permanente e consecutivamente afirmado pela jurisprudência dos Tribunais superiores3.
Deste modo, o conceito apenas não abarca prestações que têm uma causa específica e individualizável, distinta da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho e aquelas que não assumam regularidade.
Efetivamente, para este efeito o que importa verdadeiramente é a regularidade e não a fonte das prestações. Não se tendo provado que as quantias pagas como ajudas de custo, ou com essa designação, fossem para reembolsar a autora das despesas que efetuava, não resta senão concluir que a empregadora, ora Apelante, não logrou provar que tais quantias se destinassem a compensar quaisquer custos, mormente aleatórios.
Numa situação semelhante à que ora tratamos, o Supremo Tribunal afirmou que “Os valores pagos a título de “ajudas de custo operacionais”, que o eram regular e periodicamente e independentemente de o trabalhador ter ou não realizado uma qualquer despesa, maior ou menor, de alimentação, desde logo, num restaurante, não lhe sendo exigido qualquer prova da realização da despesa e mesmo do respetivo montante, integram o cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho, por não se destinarem a suportar custos aleatórios.4
Temos, assim, de considerar como retribuição regular da Apelada, para efeitos de cálculo de prestações devidas por acidente de trabalho, os montantes recebidos pela mesma como ajudas de custo, na sua totalidade, pois tal como no caso citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a Autora recebia aquele valor, independentemente de ter despendido qualquer valor na refeição ou não.
Termos em que improcede a apelação.
<>
As custas da apelação são da responsabilidade da Apelante, por ter ficado vencida (Artº 527º do CPC).
*
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pela Apelante.
Notifique.

Lisboa, 19/11/2025
MANUELA FIALHO
SUSANA SILVEIRA
CARMENCITA QUADRADO
_______________________________________________________
1. Ac. do STJ de 18/06/2025, Proc.º 2477/21.1T8VR
2. Ac. de 12/01/2023, Proc.º 4286/15.8T8LSB
3. Citam-se os seguintes exemplos: Ac. STJ de 17.03.2010, Processo n° 436/09.1YFLIS; Ac. do STJ de 31/10/2018, Proc.º 359/15.5STR; Ac. da RLx. de 26.03.2014; Ac. da RLx de 08.09.2010; Ac. da RLx. de 9.5.2018; Ac. da RLx. de 13/02/2019; Ac. de 4/12/2019, também da RLx.
4. Ac. STJ de 12/01/2023, Proc.º 4286/15.8T8LSB