ACIDENTE DE TRABALHO
INCIDENTE DE REVISÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
REFORMA
ACTUALIZAÇÃO DE PENSÃO
Sumário

I. Em sede de incidente de revisão da incapacidade fundamentado no agravamento das lesões/sequelas ou exaberbação das queixas por elas produzidas relevam dados ulteriores à fixação da inicial incapacidade mas que nesta se repercutam, tendo necessariamente por referência o conteúdo funcional associado à actividade profissional que o sinistrado exercia à data do acidente, a fim de aferir se, em função desses ulteriores dados, a capacidade para o seu exercício se mantém, ainda que com limitações porventura mais significativas, ou se pura e simplesmente é impeditiva da sua prossecução.
II. A lei, ao fixar a atribuição, nos casos de incapacidade absoluta para o trabalho habitual, de uma pensão anual e vitalícia não estabelece qualquer dies a quo a partir do qual esta deixe de ser devida, em particular a obtenção, pelo sinistrado, do estatuto de reformado.
III. A lei também não condiciona a possibilidade da propositura de incidente de revisão da incapacidade à manutenção de qualquer estatuto do sinistrado e nem o proscreve nas situações em que o sinistrado tenha porventura sido reformado (por invalidez ou por velhice), até porque o estatuto de reformado não é por via de regra impeditivo do exercício de actividade profissional.
IV. No âmbito de incidente de revisão, o juiz não está impedido de, concluindo pelo agravamento da incapacidade do sinistrado, atribuir-lhe incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual pelo simples facto de presumivelmente o mesmo deter o estatuto de reformado.
V. Para efeito de cálculo da pensão decorrente de incidente de revisão, quando do mesmo decorra alteração da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado determinante da atribuição de pensão anual e vitalícia, a pensão revista deverá reflectir os sucessivos coeficientes de actualização vigentes na ordem jurídica, como se estivesse a ser fixada desde o início, não obstante apenas ser devida desde a data do pedido de revisão.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Datada de 12 de Agosto de 2020, participou a seguradora “Caravela – Companhia de Seguros, S.A.” acidente de trabalho ocorrido no dia 22 de Novembro de 2019 com o sinistrado AA.
De acordo com os elementos então juntos pela seguradora, foi concedida alta ao sinistrado no dia 5 de Agosto de 2020, sendo-lhe atribuída IPP com coeficiente de desvalorização de 7,5% (5% x 1.5).
2. Iniciada a fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho, foi ordenada a sua instrução e, bem assim, a realização de perícia médica singular.
Realizada a perícia médica singular, foi nela atribuída ao sinistrado a IPP de 12% (8% x 1.5), desde 5 de Agosto de 2020 (data da consolidação médico-legal das lesões).
3. Realizou-se a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público na qual não se logrou a conciliação das partes em virtude de a seguradora discordar da avaliação médica constante da perícia médica singular.
4. Transitados os autos para a fase contenciosa, requereu a seguradora a realização de perícia por Junta Médica.
5. Realizada Junta Médica, que atribuiu ao sinistrado IPP com coeficiente de desvalorização de 6,52%1, foi proferida sentença que, louvando-se no laudo pericial, condenou a seguradora a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 1.214,02, devido desde 6 de Agosto de 2020.
6. Em 13 de Maio de 2024, o sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, requereu a revisão da sua incapacidade.
Fundamentou a sua pretensão e formulou quesitos.
7. Admitido o incidente de revisão, foi determinada a realização de perícia médica singular.
8. Realizada perícia médica singular, a Il. Perita Médica que à mesma presidiu concluiu no sentido do agravamento da IPP que era portador o sinistrado, atribuindo-lhe o coeficiente de desvalorização de 13,0392% (8,6928% x 1.5)2.
9. A seguradora e o sinistrado requereram a realização de perícia por Junta Médica, fundamentando as respectivas pretensões e formulando quesitos.
10. A Mm.ª Juiz a quo admitiu os requerimentos de ambas as partes, determinando, antes da realização da perícia por Junta Médica, a realização de Parecer ao IEFP a fim de aferir se o sinistrado está ou não afectado de IPATH e/ou se é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho.
11. O IEFP elaborou parecer, após o que a Mm.ª Juiz a quo designou data para realização de perícia por Junta Médica.
12. Realizada Junta Médica, pelos Ils. Peritos que a compuseram foi emitido laudo maioritário que, considerando o agravamento do estado sequelar do sinistrado, lhe atribuíram a IPP de13,0392% (8,6928% x 1.5), com IPATH.
O Il. Perito Médico em representação da seguradora, aderindo ao Parecer da Il. Perita Médica que presidiu ao exame singular de revisão, considerou não estar o sinistrado afectado de IPATH, mais considerando que deveria ser ordenada a realização Junta Médica da especialidade de Medicina do Trabalho.
13. A seguradora, notificada do auto de Junta Médica, requereu fossem solicitados esclarecimentos ao IEFP, ao Serviço de Saúde no Trabalho e aos Ils. Peritos Médicos que compuseram a Junta Médica.
14. A Mm.ª Juiz a quo indeferiu a pretensão da seguradora e proferiu despacho final no incidente de revisão, sendo o seguinte o teor do respectivo dispositivo:
«Face ao exposto, altera-se o coeficiente de incapacidade de que padece o sinistrado, considero-o afectado da uma IPP 13,0392% com IPATH, correspondente a uma incapacidade de 8.6928% bonificada pelo factor de 1,5, desde a data do pedido de revisão, 28-02-2024 e, consequentemente, condeno a responsável seguradora a pagar-lhe:
- a pensão anual e vitalícia de € 12.606,31, devida desde a data do pedido de revisão; adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título respectivamente, de subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora à taxa legal desde data vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento
- acrescida de subsídio por incapacidade absoluta no montante de €4.251,43, igualmente devida desde a data do pedido de revisão, acrescido de juros de mora à taxa legal até integral e efectivo pagamento.
Valor da causa: €132.093,17 (art. 120.º, do CPT)».
15. Inconformada, a seguradora interpôs recurso do despacho final identificado em 14., concluindo as suas alegações com a sua seguinte síntese final:
«1. O Tribunal “a quo” não podia tomar, factual e materialmente, da Decisão que tomou, na Sentença recorrida, designadamente, no que concerne à atribuição, ao Sinistrado, ora Recorrido, de 1 (uma) I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual).
2. O presente Recurso de Apelação incide sobre 2 (duas) questões: sobre o facto do Tribunal “a quo” ter indeferido 1 (um) conjunto de esclarecimentos requeridos pela Ré, ora Recorrente, violando, assim, o princípio (legal e constitucional) do contraditório e, consequentemente, a verdade material destes autos – 1.ª (primeira) questão – e sobre o facto de não ser admissível, ao Tribunal “a quo”, ter fixado, ao Sinistrado, ora Recorrido, nos moldes em que o fez, no âmbito deste seu pedido de revisão de incapacidade, 1 (uma) I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual), independentemente da sua grandeza e/ou dimensão) – 2.ª (segunda) questão.
Quanto à 1.ª (primeira) questão
3. No âmbito deste pedido de revisão de incapacidade, a Entidade Responsável, ora Recorrente, após ter ser notificada do Auto de Exame por Junta Médica, de fls. dos autos, tomou conhecimento que o Sinistrado, ora Recorrido, com 66 (sessenta e seis) anos de idade, estava reformado “desde há 1 ano, com reforma desde há 3 meses”, ou seja, que estava reformado, aproximadamente, desde o mês de Novembro de 2023.
4. Nesse mesmo momento (de tal notificação), tomou, também, conhecimento da Ficha de Aptidão para o Trabalho, de fls., subscrita pelo Médico do Trabalho, Dr. BB, datada de 10 de Outubro de 2024, considerando o Sinistrado, ora Recorrido, inapto definitivamente para a função proposta ou actual, a saber, carpinteiro de cofragem, bem como que tinha sido “solicitada avaliação pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional que considerou que não apresentava possibilidade de reconversão”.
5. A Entidade Responsável, ora Recorrente, constatou que o Parecer do I.E.F.P, (Instituto do Emprego e Formação Profissional) foi remetido aos autos (a fls. destes) em 16 de Outubro de 2024, pese embora, dele, incompreensivelmente, não tenha sido notificada.
6. Resumidamente, de tal Parecer, consta que, pese embora se reporte a acidente de trabalho ocorrido em 22 de Novembro de 2019, se encontra “fundamentado na análise da entrevista de estudo de posto de trabalho ao sinistrado realizada em 28.12.2018”, “em informação conhecida acerca das exigências da actividade laboral habitual do sinistrado”, mais se referindo que “atendendo à data da junta médica, 16.10, e à impossibilidade do IEFP convocar o sinistrado para nova entrevista, devido à ausência de resposta do mesmo, entendemos que os dados existentes são bastantes para elaborar o parecer solicitado”.
7. E que, no que concerne à situação profissional actual do Sinistrado, ora Recorrido, mesmo “após a alta clínica, em 05.08.2020, voltou a exercer a actividade habitual de carpinteiro de cofragens até 2023. Desde maio de 2024 que se encontra reformado.”.
8. Acrescentando que o Sinistrado, ora Recorrido, regista outros (diferentes) acidentes de trabalho, prévios, em 2012, 2015 e 2018.
9. Resulta evidente que (i) o Instituto do Emprego e Formação Profissional (I.E.F.P.) emite o seu Parecer tendo por base a análise de 1 (um) posto de trabalho que, na verdade, já não existe, uma vez que, de acordo com informação prestada durante o Exame de Junta Médica, o Sinistrado, ora Recorrido, estará reformado há cerca de 1 (um) ano (ou seja, final do ano de 2023) e que (ii) o Sinistrado, ora Recorrido, sofreu acidentes de trabalho prévios, em 2012, 2015 e 2018.
10. Desse modo, não é possível concluir, da análise dos elementos existentes nos presentes autos, (i) qual a avaliação do posto de trabalho e eventual incapacidade do Sinistrado, ora Recorrido, para o trabalho habitual, à data actual; (ii) quais as sequelas dos acidentes de trabalho prévios, sofridos, pelo mesmo, em 2012, 2015 e 2018; (iii) desde quando o mesmo se encontra reformado e qual o motivo da sua passagem à reforma.
11. Perante toda esta factualidade, e antes de ser proferida a Sentença recorrida, o Instituto do Emprego e Formação Profissional (I.E.F.P.), o Serviço de Saúde no Trabalho e o Médico do Trabalho, Dr. BB e os Senhores Peritos Médicos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. (que realizaram o Exame por Junta Médica ao Sinistrado, ora Recorrido) deveriam ter prestado, aos presentes autos, diversos e complementares esclarecimentos.
12. Foi, precisamente, tudo isto que a Entidade Responsável, ora Recorrente, suscitou e requereu, em 9 de Dezembro de 2024, ao Tribunal “a quo”, através de Requerimento, com a referência do portal/sistema “Citius” 50726548, de fls., o qual se dá, aqui e agora, por, integralmente, reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
13. Surpreendentemente, o Tribunal “a quo”, tudo isto indeferiu, na Sentença recorrida, proferindo, de imediato, a sua Decisão final deste pedido de revisão de incapacidade.
14. O Tribunal “a quo” violou, dessa forma, o princípio do contraditório e, sobretudo, impediu, sem qualquer fundamentação factual e/ou legal, a prestação de esclarecimentos por parte das diversas entidades e/ou pessoas que emitiram, nestes autos, Pareceres e/ou Declarações e/ou Autos de Exame por Junta Médica.
15. Evidencie-se e realce-se que a Entidade Responsável, ora Recorrente, nunca foi sequer notificada, pelo Tribunal “a quo”, de 1 (um) desses documentos (Parecer do I.E.F.P.), sendo que, como se pode constatar pela sua leitura e análise, tal Parecer foi feito sem sequer ter sido ouvido o Sinistrado, ora Recorrido, pois, no seu âmbito, não houve qualquer entrevista ao mesmo!
16. O mesmo é feito com base em meros relatos e num suposto e alegado conhecimento de factos anteriores (e não presentes) a este pedido de revisão e (pasme-se!) até ao próprio acidente de trabalho!
17. O Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, vedou, negou, pois, à Entidade Responsável, ora Recorrente, o direito a pedir esclarecimentos acerca do teor e das conclusões do Auto de Exame por Junta Médica (elaborado pelos Peritos Médicos), bem como o direito de exercer o contraditório relativamente ao relatado na Ficha de Aptidão para o Trabalho, subscrita pelo Médico do Trabalho, Dr. BB, bem como o direito a pronunciar-se sobre o Parecer do I.E.F.P. (Instituto do Emprego e Formação Profissional)!
18. O que faz com que a Sentença recorrida tenha sido proferida, pelo Tribunal “a quo”, sem o devido e o necessário enquadramento factual do real estado físico do Sinistrado, ora Recorrido, sem se conhecer, com precisão, as suas efectivas incapacidades.
19. Para que não haja quaisquer dúvidas e/ou incertezas sobre as mesmas, estes autos têm, pois, que ser, clara e totalmente, esclarecidos das questões suscitadas, pela Entidade Responsável, ora Recorrente, naquele seu Requerimento.
20. Pelo que, antes de tudo e demais, deve a Sentença recorrida ser revogada, e em consequência, deve ser determinada a baixa dos autos ao Tribunal “a quo”, para que este dê cumprimento ao requerido naquele Requerimento apresentado, em 9 de Dezembro de 2024, pela Entidade Responsável, ora Recorrente, e sejam prestados, pelas pessoas/entidades, ali, identificadas, os esclarecimentos, nele, solicitados, em estrita(o) observação e cumprimento do princípio do contraditório e da verdade material!
21. Após tal instrução processual, o Tribunal deve, então, proferir nova Sentença, nova Decisão final, no âmbito deste pedido de revisão de incapacidade.
Quanto à 2.ª (segunda) questão
22. Ainda assim e sem conceder, o certo é que, jamais, o Tribunal “a quo” poderia ter tomado a Decisão que tomou, na Sentença recorrida, designadamente, no que concerne à I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual) do Sinistrado, ora Recorrido.
23. Como resulta dos autos e deste Recurso de Apelação, a Entidade Responsável, ora Recorrente, só apenas quando foi notificada do resultado do Exame por Junta Médica, a que aquele foi submetido, tomou conhecimento (e, tempestivamente, o suscitou) de que o mesmo estava (pasme-se!) reformado há cerca de 1 (um) ano.
24. O Sinistrado, ora Recorrido, encontra-se, pois, na situação de reformado desde finais (Novembro) do ano de 2023 e apresentou este seu pedido de revisão de incapacidade em 28 de Fevereiro de 2024!
25. Nesse contexto, é inexplicável a atribuição de 1 (uma) I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual) por parte do Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida.
26. Decisão, essa, suportada pelo Parecer do I.E.P.F. (Instituto do Emprego e Formação Profissional), pela Ficha de Aptidão para o Trabalho, subscrita pelo Dr. BB (Médico), e pelo consequente Auto de Exame por Junta Médica.
27. Sendo que, como se verificou, relativamente a toda esta documentação, o Tribunal “a quo” não permitiu que a Entidade Responsável, ora Recorrente, reagisse, nos termos legais e processuais.
28. Que avaliação é possível fazer ao posto de trabalho de 1 (uma) pessoa que, já, se encontra na situação de reforma?
29. De facto, não é!
30. Através da Sentença recorrida – e de toda a documentação junta aos presentes autos – não é possível saber a razão que determinou a passagem à reforma do Sinistrado, ora Recorrido, e em que, efectiva e concreta, data (julga-se no mês de Novembro de 2023).
31. Mais: esta incidente/pedido de revisão de incapacidade é deduzido (28 de Fevereiro de 2024) muito depois do Sinistrado, ora Recorrido, se ter reformado (Novembro de 2023).
32. Não se sabendo, dessa forma, em que medida (esta situação de reforma do Sinistrado, ora Recorrido) poderá estar relacionada com o agravamento das sequelas decorrentes de tal acidente de trabalho.
33. Não era possível, ao Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, nem a qualquer outra das entidades, já, referidas, ter concluído pela I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual) do Sinistrado, ora Recorrido, decorrente do referido acidente de trabalho, quando este, já, está, reformado e, logo, a não exercer a sua habitual profissão (de carpinteiro de cofragem).
34. Não há, nos autos, qualquer prova que a sua, alegada e suposta, I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual) está relacionada com aquele acidente de trabalho.
35. O Tribunal “a quo”, em toda a Sentença recorrida, “passou ao lado” dessa crucial, importante e determinante questão para a boa decisão do presente pedido de revisão de incapacidade.
36. Na Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” deveria ter relevado e dado como provado esse elementar facto, o que, efectivamente, não sucedeu!
37. Incompreensivelmente, o Tribunal “a quo”, na Sentença ora recorrida, pura e simplesmente, ignorou tal materialidade, não a teve em consideração, não a atendeu, omitiu-a e desprezou-a!
38. O que, aqui e agora, se requer, em conformidade, ou seja, que se considere como provado o seguinte facto: “O Sinistrado encontra-se na situação de reformado desde finais do ano de 2023 (Novembro desse ano)”.
39. Dado esse facto como provado, e com a fundamentação/argumentação aduzida neste Recurso de Apelação, o Tribunal “a quo” não pode (como o fez), em nova Decisão final (Sentença) a proferir, atribuir, ao Sinistrado, ora Recorrido, 1 (uma) I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual), decorrente do mencionado acidente de trabalho.
40. É que, tal como no caso de "exame médico singular" previsto no artigo 105.º do Código de Processo do Trabalho, na verificação de "exame por junta médica' do artigo 139.° do mesmo diploma legal, a operação de graduação, em percentil e natureza, da incapacidade permanente dum qualquer Sinistrado por acidente de trabalho para efeitos da tipologia prevista no artigo 19.º, n.º 3, da Lei de Acidentes de Trabalho (L.A.T.) – Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro –, há-de subsumir-se no respeito às regras e aos pressupostos legais enunciados pelos n.ºs 1 a 3 do artigo 21.º desse mesmo compêndio normativo.
41. O que equivale por dizer que, num concreto “modus operandi” integrado num específico incidente de revisão de incapacidade, a decisão final exigida no artigo 145.º, n.º 6, do Código de Processo do Trabalho há-de contemplar, inter alia et ex lege, aquela que seja, aí, a profissão que se demonstre ser a ocupação profissional desse Sinistrado por acidente de trabalho.
42. E é assim, como ratio desses dispositivos legais, porquanto o iter que subjaz à reparação dum qualquer acidente de trabalho assenta, como seu desiderato último, na sua capacidade de trabalho ou de ganho e na recuperação da vítima para a vida activa, como, expressamente, consta, conjugadamente, nos artigos 8.º, n.º 1, e parte final do 23.º, alínea a) daquela Lei de Acidentes de Trabalho (L.A.T.) – Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
43. No caso sub judice, o Tribunal "a quo” tomou conhecimento (tal como a Entidade Responsável, ora Recorrente) que, ao momento do enxerto, neste pedido de revisão de incapacidade, do inicial Requerimento previsto no artigo 145.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, já, aí, o apresentante Sinistrado, ora Recorrido, se encontrava, permanente e duradouramente, na situação de reformado.
44. Estava, há já muito tempo, sem o exercício de concreta profissão, já não mais integrado na vida activa.
45. Tivesse o Tribunal "a quo” acolhido, probatoriamente, esse relevante facto – o que não o fez, antes o irrelevou, por completo! –, e, apesar do que saísse no entendimento autorizado dos Peritos Médicos intervenientes no Exame de Revisão por Junta Médica (e, até, das outras entidades, supra, referidas), aquando da prolacção do despacho/decisão final a que alude o final do citado artigo 145.º, n.º 6 do Código de Processo do Trabalho, nunca se incluiria essa putativa "alteração de incapacidade" como subsumível enquanto caso de I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual) contemplada no elenco do artigo 19.º, n.º 3, da Lei de Acidentes de Trabalho (L.A.T.) – Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro –, por relevância objectiva, definitiva e negativa, da situação de reformado, pelo Sinistrado, ora Recorrido.
46. Aí e então, não "se verifica uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado" – Sinistrado, ora Recorrido –, no legal pressuposto contemplado no artigo 70.º, n.º 1, da Lei de Acidentes de Trabalho (L.A.T.) – Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro –, que justifique a estatuição contemplada no artigo 145.º, n.º 6, do Código de Processo do Trabalho, isto é, "o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão''.
47. Preterindo tal preceito legal imperativo, por via do entendimento de que aquela concreta pensão anual do Sinistrado, ora Recorrido, é credor constitui "pensão vitalícia', no sentido de que não remível, como fez transpor na Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” não acatou, pois, o iter do balizamento a que alude o artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao mesmo tempo que ultrapassa a legal qualificação e adequados procedimentos previstos nos artigos 75.° e 76.° da Lei de Acidentes de Trabalho (L.A.T.) – Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
Configura-se, pois, in casu, desmerecimento dos exigidos e legais pressupostos do enunciado no artigo 21.º, n.º 1, para o alcance e concreta opção do elenco previstos no artigo 19.º, n.º 3, ambos daquela Lei de Acidentes de Trabalho (L.A.T.) – Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro –, de molde que a Sentença recorrida, proferida pelo Tribunal “a quo”, para os fins próprios do artigo 145.º, n.º 6 do Código de Processo do Trabalho, obnubila que o Sinistrado, ora Recorrido, não exerce qualquer profissão (é e está reformado!).
48. Com isso, o Tribunal “a quo” preteriu, na Sentença recorrida, o poder-dever de justa aplicação do direito aos factos relevantes, como lhe é, aliás, imposto e exigido pelos artigos 5.º, 152.º, n.º 1, e 607.º, n.º 4, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho.
49. O Sinistrado, ora Recorrido, não pode, assim e de forma alguma, estar afectado de 1 (uma) I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual).
50. Impondo-se, desse modo, que a Sentença recorrida seja, de imediato, revogada, e, em consequência, que seja substituída por outra (Decisão final) que decida pela não atribuição, ao Sinistrado, ora Recorrido, de qualquer I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual), mantendo-se, naturalmente, as sequelas pontuáveis na sua I.P.P. (Incapacidade Permanente Parcial)».
E conclui a seguradora no sentido de dever «ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação, revogando-se e alterando-se a Sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos, supra, alegados».
16. O sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, ofereceu contra-alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«1.ª - A sentença recorrida não merece qualquer reparo, merecendo a total adesão do sinistrado;
2.ª - Atentas as conclusões do recurso que definem o objeto do mesmo, resulta que a Recorrente (conforme por si indicado) assenta a sua discordância, em 2 (duas) questões, a saber:
1ª questão: “(…) sobre o facto do Tribunal “a quo” ter indeferido 1 (um) conjunto de esclarecimentos requeridos pela Ré, ora Recorrente, violando, assim, o princípio (legal e constitucional) do contraditório e, consequentemente, a verdade material destes autos; (…)
2ª questão: “(…) sobre o facto de não ser admissível, ao Tribunal “a quo”, ter fixado, ao Sinistrado, ora Recorrido, nos moldes em que o fez, no âmbito deste seu pedido de revisão de incapacidade, 1 (uma) I.P.A.T.H. (Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual), independentemente da sua grandeza e/ou dimensão).” (sic).
3ª – Insurge-se, desde logo, contra a tomada de decisão do tribunal a quo em despacho prévio entendeu não relevar para a decisão do incidente de revisão em apreço as “deficiências” que a Recorrente invocou quer em relação à Junta Médica quer em relação ao parecer do IEFP.
4ª - Não tem, no nosso entendimento, a recorrente razão, nada havendo a apontar à decisão prévia nem à subsequente sentença proferida e posta em crise.
5ª - Veio o Tribunal a quo (e, em nosso modesto entender, bem) no âmbito da livre apreciação da prova pericial produzida nos autos à margem referenciados, a acolher o laudo da maioria dos peritos que intervieram na junta médica (à exceção do Sr. Perito da Recorrente) em posição concordante do Parecer do IEFP, e por considerar desnecessário a recolha de mais elementos para além dos já constantes dos autos, a prolatar a decisão final ora em crise.
6ª – Em nosso entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária (que, aliás, é muito), labora a Recorrente em manifesto equívoco ao atender à “data atual” para apreciar se um sinistrado pode ou não retomar o exercício de funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que assumia antes da data do acidente bem como incorre em manifesto equivoco quando considera que uma pessoa reformada não pode jamais exercer qualquer atividade subordinada remunerada, ou seja, ter uma vida profissional ativa. Por tal, falece por completo a posição sustentada pela Recorrente em sede de recurso a que ora se responde.
7ª - Pelo que, não pode colher o entendimento da Recorrente quando apelida de “inexplicável” (sic) a atribuição de uma I.P.A.T.H. por parte do Tribunal a quo na sentença em sindicância.
8ª - Mais, contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer crer é totalmente irrelevante se à data atual (à data do pedido de revisão de incapacidade) o sinistrado está ou não reformado. Primeiro porque a data que releva para efeitos de apreciar se é ou não viável ao sinistrado retomar as exatas funções que desempenhava em momento imediatamente anterior ao acidente de trabalho é por isso mesmo a data situada em momento anterior ao acidente.
9ª - Mas ainda que assim não fosse veja-se que a lei vigente permite aos reformados por velhice ou com idade superior a 70 anos exercer atividade profissional subordinada mediante vínculo jurídicolaboral (veja-se, art.º 348.º do Código do Trabalho).
10ª - Mais, e como bem decidido pelo douto Tribunal a quo, é lícito às partes, notificadas que sejam do auto de exame por junta médica, reclamar do mesmo, mas tal não legitima toda e qualquer sindicância para o efeito. Como sabido, podem fazê-lo, alegando, de forma fundamentada e sustentada, qualquer deficiência, obscuridade ou contradição do relatório pericial ou quando as conclusões não se mostrem devidamente fundamentadas – tudo nos termos do art.º 485.º, do CPCivil ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a) do CPTrab. Ora, in casu, tal não sucedeu.
11ª - A interpretação vertida em sede de sentença ora em crise é a que se apresenta lógica e, sem dúvida, fiel às normas e princípios do sistema jurídico. Assim, não se vislumbra que tenha sido violada qualquer norma das invocadas.
12ª - Assim, e ao contrário do que pretende fazer crer a Recorrente, o Tribunal a quo atendeu a todos os requisitos previstos na lei, à lei aplicável in casu, fazendo correta interpretação e aplicação da mesma ao caso concreto, sendo que a Douta decisão não nos parece enfermar de qualquer vício ou nulidade e muito menos os invocados.
13ª - Em suma, e por tudo o exposto, deve o recurso ser julgado improcedente in totum e, consequentemente, ser decidido manter-se integralmente a decisão recorrida, porquanto conclui-se que a decisão recorrida é formal e materialmente correta, tendo sido prolatada em rigoroso cumprimento de todas as imposições legais, devendo merecer inteira confirmação, pelo que, tem de improceder o recurso interposto.
14ª - Alega ainda, por mais do que uma vez, não ter sido notificada do Parecer do IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional).
15ª - Quanto à apontada “deficiência” da falta da notificação do parecer do IEFP à Recorrente, vejamos que o mesmo data de 16 de outubro de 2024, aliás, como alegado pela própria. Primeiramente, se refira que, em 30-09-2024 (refª citius 153102805) foi a recorrente notificada do despacho judicial que determinou que fosse solicitado ao IEFP o aludido parecer (despacho de 18-09-2024, refª citius 1592919858), pelo que não se pode defender ter a recorrente sido confrontada com uma decisão surpresa.
16 - Mais, atenta a viabilidade de consulta via citius do processo, logo a recorrente e qualquer interveniente pode tomar conhecimento, aliás, em tempo, real, da tramitação dos autos.
17.ª - Acresce que, à data da interposição do recurso a que ora se responde, largamente se mostrava ultrapassado o prazo de 10 dias para invocar a nulidade de qualquer ato por violação do princípio do contraditório porquanto a recorrente revela ter tomado conhecimento de tal em momento anterior (pelo menos já em momento anterior a 9 de dezembro de 2024, quando apresentou requerimento via citius, refª citius 50726548). Assim, largamente ultrapassado o prazo de 10 dias desde o momento em que a Recorrente tomou conhecimento da prática / teor do aludido Parecer, sem ter invocado qualquer vicio ter-se-á que ter o mesmo por sanado – art.º 195.º do CPCivil, não colhendo a invocação que encerra na motivação e conclusões de recurso a que ora se responde.
18.º - Pelo que improcede o “indicado vicio”, por não fundamentando e, sempre dirá, que a sua alegação seria extemporânea, devendo manter-se in totum a sentença recorrida».
16. O recurso foi admitido por despacho datado de 24 de Junho de 2025.
17. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foi cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, sendo que, no decurso da discussão foram as partes notificadas do despacho proferido a 25 de Setembro de 2025, para, em prazo que lhes foi concedido, sobre ele se pronunciarem.
É o seguinte o teor do referido despacho:
«No decurso da discussão do objecto do presente recurso, suscitaram-se as seguintes questões que, atendendo à natureza indisponível dos direitos em presença, poderão porventura demandar o conhecimento por parte deste tribunal.
São elas as seguintes:
i. O equívoco valor da pensão fixada ao sinistrado que, mesmo ponderando a fórmula eleita pela Mm.ª Juiz a quo, ascende a € 13.993,69 e não a € 12.606,31, sendo aquele primeiro valor também o que resulta do cálculo a que alude o art. 48.º, n.º 3, al. b), da LAT;
ii. A ausência de concretização do modo como a dedução do capital de remição antecedentemente auferido sinistrado se projecta no valor devido em razão do agravamento das sequelas que é portador;
iii. A ausência de reflexo no valor da pensão das actualizações a que teria sido sujeita caso, ab initio, a causa que lhe deu origem tivesse sido a mesma, sem prejuízo de o seu pagamento apenas ser devido a partir do agravamento sequelar».
Ambas as partes se pronunciaram:
i. O sinistrado, representado pelo Ministério Público, referindo que o valor da pensão é de € 13.993,69 (valor da pensão calculada para uma IPP de 13,0392% com IPATH), que a esta pensão deverá ser deduzida a que foi já remida, no valor de € 1.214,02, e que sobre a pensão revista, resultante da alteração da incapacidade, deverão incidir os coeficientes de atualização, como se a mesma estivesse a ser fixada desde o início, não obstante a nova pensão apenas ser devida desde a data da apresentação do requerimento de revisão;
ii. A seguradora pronunciou-se apenas quanto ao valor da pensão, referindo que o seu valor ascende a € 13.993,69, em vez de € 12.606,31.
18. Realizada a Conferência, cumpre decidir.
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II. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente – art. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a conhecer, pela seguinte ordem de precedência lógica que entre elas intercede: (i) do indeferimento do pedido de esclarecimentos e consequente violação do princípio do contraditório; (ii) da impossibilidade de atribuição, ao sinistrado, de Incapacidade Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH) por virtude de estar reformado.
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III. Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a apreciação da questão suscitada pela apelante são os que derivam do relatório que antecede.
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IV. Fundamentação de Direito
Deflui da enunciação do objecto do recurso as questões que nele se integram: traduzem-se elas na irresignação da apelante face ao despacho que indeferiu o pedido de esclarecimentos que formulou e na sua discordância quanto ao facto de ao apelado ter sido atribuída IPATH. Dizer, pois, quanto a esta última questão, que a apelante não discordará do facto de ao apelado ter sido reconhecida IPP superior à que lhe fora, no pretérito, atribuída, com fundamento no agravamento do seu estado sequelar, circunscrevendo-se, pois, o objecto do recurso, nesta parte, ao facto de a incapacidade absoluta para o trabalho habitual ter sido atribuída a despeito do estatuto de reformado do apelado.
1. O acidente de trabalho que vitimou o sinistrado ocorreu no dia 22 de Novembro de 2019, sendo convocável para a apreciação da questão que nos é trazida a juízo, posto que inserida em contexto de incidente de revisão, o regime substantivo constante da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro33 (cfr., o seu art. 197.º, n.º 1).
2. A apelante inscreve na violação do princípio do contraditório o indeferimento do pedido de esclarecimentos que endereçou seja ao IEFP, seja à Junta Médica, seja ao médico/serviços de Medicina do Trabalho subscritores da ficha de aptidão para o trabalho junta a fls. 36, dos autos. Isto é, sem prejuízo de, em bom rigor, a apelante discordar do indeferimento do seu pedido de esclarecimentos, entende caracterizá-lo na violação do dito princípio.
O princípio do contraditório é, como se sabe, um princípio estruturante, de entre o mais, do nosso direito processual, tendo a sua expressão, na lei processual civil, nos arts. 3.º, n.º 3, e 4.º, do Código de Processo Civil, traduzindo-se na possibilidade conferida às partes de exercerem o seu direito de defesa e exporem as suas razões no processo antes de ser proferida decisão. É, também, função do dito princípio que às partes é garantida a sua efectiva participação no processo, num contexto de equilíbrio e lealdade processuais, e é assegurado o envolvimento na acção até que seja proferida a decisão. Proíbe, pois, este princípio, que o tribunal tome conhecimento de questões, ainda que de apreciação oficiosa, sem que as partes – ambas – tenham tido a prévia oportunidade de sobre elas se pronunciarem, a não ser que a sua audição se revele manifestamente desnecessária.
2.1. Presente, pois, o citado princípio e os direitos que, para as partes, dele derivam, é, para nós clara, com todo o respeito, a inexistência de fundamento para a questão que, assim, foi suscitada pela apelante. Na verdade, a apelante parece confundir a violação do dito princípio com a decisão judicial que indefere a sua pretensão, por considerar não haver de fundamento que a justifique. Conferir, neste conspecto, razão à apelante significaria, em bom rigor, reconduzir à figura da violação do princípio do contraditório toda e qualquer decisão judicial que fosse contrária ao interesse ou pretensão de uma das partes.
Distinta da decisão que porventura seja proferida sem que às partes seja facultada a possibilidade de, antes, tomarem posição sobre os pressupostos, de facto ou de direito, que lhe subjazem, é a decisão que, tendo-os todavia em conta, considera não serem eles idóneos ao desiderato pretendido pela parte.
Não se verificando, no caso, a primeira situação, uma vez que a apelante, notificada do auto de perícia médica e de um documento que aí foi junto, bem como ciente do Parecer do IEFP que, previamente, fora junto aos autos, teve oportunidade de, quanto a uns e outros, se pronunciar, requerendo o que, para si, era relevante, parece-nos evidente que a discordância da parte quanto aos fundamentos da decisão não terá cabimento no estrito âmbito do citado princípio, antes se enxertando no quadro do prejuízo que para si deriva da decisão que foi acolhida pelo tribunal a quo e cujo conhecimento se nos imporá por, em bom rigor, ser essa a sua pretensão.
Não deixará, no entanto, de se observar o seguinte, visto a apelante expressar, bastas vezes, não ter sido notificada do Parecer do IEFP.
É uma evidência que tendo esse Parecer sido junto ao processo não foi ele notificado a nenhuma das partes, embora ambas fossem conhecedoras da sua solicitação. Todavia, não se antevê que essa ausência de notificação se traduza, em si mesma, na violação do dito princípio do contraditório na medida em o mesmo não condicionou qualquer decisão judicial que se lhe sucedesse. Ao invés, à junção do dito parecer seguiu-se a realização da perícia por Junta Médica, a notificação, às partes, do respectivo auto, sendo que a apelante, pese embora não notificada daquele parecer, foi conhecedora do seu teor, o que se evidencia pelo requerimento que ajuizou aos 9 de Dezembro de 2024. E é neste momento processual que adquire relevo, de entre o mais, o referido parecer, sendo que tendo a apelante tido conhecimento do seu teor pode, como fez, tomar quanto a ele posição.
Ainda que porventura se equacionasse que a ausência de notificação do parecer consubstanciasse uma nulidade processual, então deveria a apelante tê-la arguido no tribunal a quo, o que manifestamente não fez, tal como nitidamente se colhe do requerimento a que, antes, fizemos alusão. E não o tendo feito não pode, agora, por via de recurso, pretender desencadear a pronúncia deste tribunal acerca de questão que, em rectas contas, não colocou à apreciação do tribunal a quo que, por conseguinte, sobre ela não emitiu qualquer pronuncia.
Nesta medida e pelos fundamentos expostos, improcede a apelação, na estrita parte da violação do princípio do contraditório.
3. A essência da pretensão recursória da apelante traduz-se no seu inconformismo com o despacho que indeferiu o seu pedido de esclarecimentos ao IEFP, à Junta Médica e ao médico/serviços de Medicina do Trabalho responsáveis pela elaboração da ficha de aptidão para o trabalho junta a fls. 36, dos autos.
3.1. No requerimento4 que ajuizou no dia 9 de Dezembro de 2024, solicitou a apelante que o IEFP, a Junta Médica e os Médico/Serviços de Medicina do Trabalho prestassem os seguintes esclarecimentos:
- a clarificação, pelo IEFP, «dos elementos a que teve acesso, com data posterior à data do acidente sub judice, a saber, 22 de Novembro de 2019», bem como a junção de «documentos comprovativos da data da passagem do Sinistrado à situação de reformado e respectivo fundamento»;
- também que o IEFP concretizasse os fundamentos do parecer quando nele se refere a impossibilidade de reconversão do sinistrado, «tendo presente que, de acordo com o Auto de Exame por Junta Médica, entre a alta clínica (05 de Agosto de 2020) e 2023 (crê-se que até à reforma), o Sinistrado terá desempenhando a sua actividade profissional o que, por si só parece evidenciar a possibilidade de reconversão;
- que os serviços de saúde no trabalho e o médico do trabalho, Dr. BB, remetessem aos autos os elementos a que tiveram acesso à data da «elaboração da Ficha de Aptidão – 10 de Outubro de 2024 –, quanto às funções actualmente desempenhadas pelo Sinistrado»;
- que fossem juntas aos autos as Fichas de Aptidão para o Trabalho emitidas entre a data do acidente – 22 de Novembro de 2019 – e a presente data (com excepção desta última, datada de 10 de Outubro de 2024, já constante dos Autos);
- que os peritos médicos que compuseram a Junta Médica indicassem também os «elementos a que tiveram acesso, quanto às funções desempenhadas pelo Sinistrado, entre a data do acidente – 22 de Novembro de 2019 – e a presente data», a que elementos que tiveram acesso relativamente aos acidentes de trabalho anteriores, sofridos em 2012, 2015 e 2018 e, finalmente, quais os «os elementos a que tiveram acesso quanto à situação de reforma do Sinistrado e respectivo fundamento».
No ver da apelante, os enunciados esclarecimentos justificar-se-iam pelo facto de «parece[r] resultar evidente que (…) o IEFP emite o seu Parecer tendo por base a análise de um posto de trabalho que, na verdade, já não existe, uma vez que, de acordo com informação prestada durante o Exame de Junta Médica, o Sinistrado estará reformado há cerca de 1 ano (final de 2023)» e de o sinistrado ter sofrido «acidentes de trabalho prévios, em 2012, 2015 e 2018». Conclui a apelante não ser possível «concluir, da análise dos elementos existentes nos Autos: (i) qual a avaliação do posto de trabalho e eventual incapacidade do sinistrado para o trabalho habitual, à data actual; (ii) quais as sequelas dos acidentes de trabalho prévios, sofridos em 2012, 2015 e 2018; (iii) desde quando o Sinistrado se encontra reformado e qual o motivo da sua passagem à reforma».
3.2. A Mm.ª Juiz a quo indeferiu a pretensão da apelante, por entender inexistir fundamento legal que a sustentasse, tendo aduzido, em abono do juízo decisório que alcançou, a seguinte argumentação:
«Conforme jurisprudência uniformizada pelo acórdão do STJ n.º 10/2014:
“A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.”
Assim sendo, releva apenas o juízo que foi feito, em especial pelos Srs. Peritos Médicos, no que diz respeito ao ser o sinistrado reconvertível em relação ao posto de trabalho que ocupava até à data do acidente, e não, actualmente.
É lícito às partes, notificadas que foram do auto de exame por junta médica, reclamar do mesmo, mas apenas o poderão fazê-lo alegando, de forma fundamentada e sustentada, qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas – art. 485.º, do CPCivil, aplicável ex vi do disposto no art. 1.º, n.º2, al. a), do CPTrabalho.
De acordo com o n.º 3, do art. 485.º, do CPCivil, pode o juiz, mesmo oficiosamente determinar a prestação de esclarecimentos ou aditamentos previstos no n.º 2, do art. 485.º, do CPCivil.
Ademais, pode o juiz, se o considerar necessário, determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos - art. 145.º do Código de Processo do Trabalho.
Ora, a deficiência que a responsável invoca, quer no que diz respeito à Junta Médica e ao Parecer do IEFP, reporta-se ao facto de da análise dos mesmos não ser possível concluir qual a avaliação do posto de trabalho e eventual incapacidade do sinistrado para o trabalho habitual, à data actual; (ii) quais as sequelas dos acidentes de trabalho prévios, sofridos em 2012, 2015 e 2018; (iii) desde quando o Sinistrado se encontra reformado e qual o motivo da sua passagem à reforma.
Porém, o invocado não releva para a decisão do presente incidente, na medida em que, conforme se deixou supra referido, para aferir se o sinistrado se encontra afectado de IPATH, há que aquilatar se o mesmo, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava até à data do acidente.
Assim sendo, como efectivamente é, indefere-se o requerido por falta de fundamento legal».
4. No recurso que interpôs, reedita a apelante as razões que ditaram o pedido de esclarecimentos junto do tribunal a quo, considerando a sua essencialidade para a determinação da incapacidade que o apelado se encontra realmente afectado.
4.1. Estatui o art. 70.º, n.º 1, da LAT, que «[q]uando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada».
A revisão pode ser desencadeada uma vez em cada ano civil, seja pelo próprio sinistrado, seja pela entidade responsável (ns. 2 e 3 do mesmo art. 70.º).
Consente este preceito, à semelhança do que era já consentido nos pretéritos regimes que dispuseram em matéria de acidentes de trabalho5, que o sinistrado requeira, após a fixação da sua incapacidade para o trabalho e a atribuição da consequente pensão/capital por decisão judicial, a alteração da incapacidade inicialmente fixada sempre que se verifique uma modificação substancial do seu estado de saúde, mormente nos casos que exista agravamento ou exacerbação das queixas associadas às lesões e/ou sequelas sofridas em consequência do acidente de trabalho.
Sendo esta a natureza do incidente de revisão, naturalmente que nele se não irá discutir nem a essência do evento que causador das lesões e das sequelas, nem a actividade profissional que, então, o sinistrado exercia, por se tratarem ambas de questões já adquiridas no processo e que, em função disso mesmo, serão condicionantes de toda e qualquer subsequente apreciação, designadamente em contexto de incidente de revisão. Queremos com o exposto significar, até pela natureza complexa do conceito de acidente de trabalho, que a alteração que porventura se verifique na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado se há-de aferir em função do concreto circunstancialismo em que ocorreu o evento que desencadeou a inicial atribuição de incapacidade e não em função de vicissitudes que se lhe sigam, designadamente o exercício de outras funções ou até mesmo uma situação de reforma (seja qual for a sua etiologia: idade ou invalidez), já que a lei não condiciona o pedido de revisão da incapacidade à subsistência da mesma profissão nem à ausência da condição de reformado do sinistrado.
Em sede de incidente de revisão da incapacidade fundamentado no agravamento das lesões/sequelas ou exaberbação das queixas por elas produzidas relevam, outrossim, dados ulteriores à fixação da inicial incapacidade mas que nesta se repercutam, tendo necessariamente por referência o conteúdo funcional associado à actividade profissional que o sinistrado exercia à data do acidente, a fim de aferir se, em função desses ulteriores dados, a capacidade para o seu exercício se mantém, ainda que com limitações porventura mais significativas, ou se pura e simplesmente é impeditiva da sua prossecução.
4.2. Ponderando as considerações que se deixaram expostas e vista a essência do pedido de esclarecimentos que foi formulado pela apelante estamos em crer, dizemo-lo já, não merecer censura a decisão que, a esse propósito, foi proferida pelo tribunal a quo.
Sem discutir, por ser inútil nesta sede, a natureza do parecer do IEFP, mas ainda que se parta do pressuposto que partilha da mesma natureza da Junta Médica, há que dizer que a apelante não aponta a nenhum deles – ao dito parecer e à Junta Médica – os vícios que, na verdade, lhe consentiriam deles reclamar, solicitando, por isso, os esclarecimentos que entendia serem essenciais. Na verdade, a apelante não aponta a nenhum dos actos os vícios de deficiência, de obscuridade ou de contradição (art. 485.º, do Código de Processo Civil), daí que, neste estrito âmbito, carecesse de fundamento legal a sua pretensão.
Isto por um lado.
Por outro, ainda que fosse de inscrever a pretensão da apelada no âmbito da deficiente fundamentação do parecer do IEFP e da Junta Médica há que dizer que os pedidos de esclarecimentos endereçados a um e outra extravasam, em larga medida, o âmbito da sua intervenção, daí que, em bom rigor, se não traduzam em quaisquer esclarecimentos com vista a dotá-los de suficiente sustentação.
Clarificando o que vimos de expor. Ao IEFP foi solicitado, tal como se colhe do despacho de fls. 27, datado de 18 de Setembro de 2024, que emitisse parecer «destinado a aferir se o/a sinistrado/a se encontra ou não afectad[o] de IPATH e/ou se é reconvertível ao seu posto de trabalho, devendo para o efeito avaliação do posto de trabalho e a emissão de parecer sobre a eventual incapacidade do sinistrado para o trabalho habitual, atenta a natureza das funções desempenhadas e considerando as lesões e sequelas decorrentes do acidente dos autos».
Ao IEFP não foi, portanto, solicitado nem que se pronunciasse sobre a actual condição do apelado, a dar-se por boa a informação que se encontrará reformado, nem, tão-pouco, que se pronunciasse sobre as tarefas que terá desempenhado desde a data da alta – ocorrida em 5 de Agosto de 2020 – e a data da passagem à reforma ou sobre a repercussão de outros acidentes de trabalho na capacidade de trabalho do apelado. Ao IEFP foi singelamente pedido que, ponderando as funções associadas à profissão do apelado e as lesões/sequelas que se mostra afectado em consequência do acidente objecto destes autos, pode, ou não, actualmente, isto é, ponderando a data do pedido de revisão, continuar a exercer aquelas funções. E a esta questão respondeu o IEFP, elencando, com objectividade e transparência, os elementos a que teve acesso a fim de emitir o seu parecer, sendo que a resposta que pretende a apelante, relativa aos elementos a que teve acesso o IEFP, já foram por este indicados. Dizer, ainda, que a apelante parece confundir o superveniente estado de saúde do apelado, fundamentador do seu pedido de revisão, com aquele outro que sobreveio após a inicial fixação da IPP, sendo indiferente, por isso, que o IEFP se pronunciasse sobre as funções que o apelado exerceu após a data da alta até 2023, já que, como não desconhece a apelante, ao apelado não foi, então, atribuída IPATH, sendo que o reconhecimento desta última apenas se desencadeou por via do incidente de revisão, ajuizado em Fevereiro de 2024.
O que vem se ser dito é inteiramente transponível para os esclarecimentos que pretendia fossem sujeitos à Junta Médica. O âmbito da perícia por Junta Médica foi definido pelos fundamentos e quesitos que lhe foram sujeitos pelas partes, incluindo os formulados pela apelante. Nestes, a apelante não incluiu nenhum dos esclarecimentos que agora pretende sejam prestados, sendo que só é susceptível de ser esclarecido o que, antes, foi questionado e que, por qualquer razão, padece de deficiente ou insuficiente sustentação. Daí que a Junta Médica não tivesse nem que se pronunciar sobre a actual condição de reformado do apelado, nem sobre as funções que desempenhou entre a data da alta e a data do pedido de revisão, ainda que se considerasse que no seu objecto se pudesse inscrever a tipologia de questões em presença.
No que se refere aos acidentes de trabalho sofridos pelo apelado nos anos de 2012, 2015 e 2018, há que dizer que os mesmos constam dos autos desde o momento da inicial fixação da incapacidade e estão sumariados no auto de Junta Médica datado de 19 de Maio de 2021. Naturalmente que a eles acederam os Ils. Peritos Médicos que compuseram a perícia por Junta Médica, caso contrário não teriam relevado a capacidade restante de 72,44%. Salientar, ainda neste conspecto, que de nenhum desses acidentes resultou para o apelado lesão e sequela que tenha afectado a mesma região anatómica identificada nestes autos.
Finalmente e no que respeita à ficha de aptidão, há a relevar ter sido a mesma junta pelo apelado aquando da realização da perícia por Junta Médica.
A ficha de aptidão, elaborada pelo Médico do Trabalho, constitui documento emitido findo o exame médico a que todo e qualquer trabalhador tem que sujeitar-se aquando da sua admissão, periodicamente ou ocasionalmente, inscrevendo-se no âmbito das regras que disciplinam em matéria segurança e saúde do trabalho. É, de resto, obrigação dos empregadores a sujeição dos seus trabalhadores a exames de saúde – de admissão, periódicos ou ocasionais (art. 108.º a 110.º, da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro) – visando a avaliação da aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua actividade, bem como a repercussão desta e das condições em que é prestada na saúde do mesmo.
Neste enquadramento, afigura-se-nos redundante que os serviços de saúde no trabalho ou o médico do trabalho subscritor da ficha de aptidão tenham que elucidar sobre os elementos que consultaram ou deixaram de consultar a propósito do que justamente deverão ter em consideração na elaboração da ficha de aptidão, já que na sua génese estarão a avaliação da capacidade do trabalhador para o exercício das funções associadas ao seu posto de trabalho e as características e exigências deste último.
No que respeita ao pedido de junção das fichas de aptidão para o trabalho elaboradas desde Novembro de 2019 até 10 de Outubro de 2024 há que dizer que um tal esclarecimento apenas se revelaria importante caso existisse dúvida quanto ao momento a partir do qual se entendeu estar o apelado afectado por IPATH, designadamente, se a Junta Médica houvesse considerado que se justificava a sua atribuição em momento anterior ao pedido de revisão de incapacidade. Não sendo esse o caso, é indiferente, para a boa decisão do incidente, a junção das antecedentes fichas de aptidão e muito menos de todas as elaboradas desde a data do acidente. O que importa aquilatar no incidente de revisão é se existe agravamento do estado sequelar do sinistrado e, em caso afirmativo, em que é que ele se traduz, não olvidando que o seu impacto na capacidade de trabalho e de ganho do sinistrado tem que, por necessário, ser aferido em função da concreta actividade que exercia aquando do acidente e não em função da actividade que actualmente prossiga.
Ante o exposto e não se antevendo razão válida ou objectiva que imponha a alteração do julgado na 1.ª instância, improcede, neste conspecto, o recurso.
5. A apelante insurge-se também quanto à atribuição, ao apelado, de IPATH, sustentando que o seu estatuto de reformado, que presumivelmente se reportará a Novembro de 2023, será impeditiva da consideração daquela tipologia de incapacidade. Da argumentação tecida pela apelante parece resultar, se bem se alcança o seu sentido, estar vedada a possibilidade de reconhecer a afectação de um sinistrado com IPATH nas situações em que o mesmo passe à situação de reforma, no pressuposto que, nesta situação, o sinistrado estará já afastado da vida activa e, portanto, sem posto de trabalho susceptível de ser avaliado e que, de todo o modo, tal situação impede a constatação da redução da capacidade de trabalho ou de ganho.
5.1. A Lei dos Acidentes de Trabalho regula, como se sabe e no que ora releva, as várias modalidades das prestações reparatórias por acidente de trabalho.
Cotejadas as prestações em dinheiro, previstas nos arts. 23.º, al. b), 47.º, n.º 1, e 48.º, n.º 2, da LAT, nelas encontramos, no que ora releva, a indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente para o trabalho, destinando-se uma e outra a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, diz-nos a al. b) do n.º 3 do art. 48.º da LAT que o sinistrado terá direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível. O mesmo é dizer, pois, que a lei, ao fixar a atribuição, nestes casos, de uma pensão anual e vitalícia, não estabelece qualquer dies a quo a partir do qual esta deixe de ser devida, em particular a obtenção, pelo sinistrado, do estatuto de reformado. E, coerentemente, reconhece a lei que o direito à pensão é cumulável com qualquer outra pensão (art. 51.º, n.º 2, da LAT) e que só caducará com a morte do sinistrado, sem prejuízo de, ainda assim, a entidade responsável ter que requerer a sua declaração (art. 152.º, do Código do Trabalho).
Doutro passo e no que especificamente respeita ao incidente de revisão, a lei também não condiciona a possibilidade da sua propositura à manutenção de qualquer estatuto do sinistrado e nem o proscreve nas situações em que o sinistrado tenha porventura sido reformado (por invalidez ou por velhice). Diversamente, o incidente de revisão, quando fundamentado no agravamento das lesões/sequelas produzidas pelo evento infortunístico, vista apenas a averiguação do imprescindível nexo entre este último e aquelas, isto é, o agravamento terá que reportar-se às lesões/sequelas produzidas pelo acidente, sem interferência de qualquer outro factor que supervenientemente possa ter tido repercussão no estado de saúde do sinistrado, a averiguar, por necessário, no âmbito das perícias médicas que tenham lugar.
Acresce que ao contrário do que sucedia nos pretéritos regimes, sequer qualquer limite temporal agora se impõe para a possibilidade de requerer a revisão da incapacidade.
Finalmente, e como salienta o Ministério Público nas contra-alegações, a situação de reforma do sinistrado, embora possa ser causa de caducidade do contrato de trabalho, não é incompatível com a sua subsistência (arts. 343.º, al. c), e 348.º, ambos do Código do Trabalho), além do que o estatuto de reforma não é, por via de regra, incompatível com o subsequente desempenho de actividade profissional, conforme deflui do regime constante do DL n.º 16-A/2021, de 25 de Fevereiro.
5.2. Transpondo, pois, os considerandos que se deixaram expostos para o concreto destes autos, logo se antevê, com todo o respeito, não se poder dar procedência à argumentação tecida pela apelante.
Nos termos da lei, os direitos que derivem da atribuição de IPATH – pensão anual e vitalícia –, seja ela atribuída ab initio, seja ela atribuída por consequência de revisão da incapacidade, não são incompatíveis com um superveniente estatuto de reforma, visto não supor esta, por via de regra, a impossibilidade de o sinistrado se manter activo do ponto de vista laboral.
Por outro lado, ainda que se dê por boa a informação, prestada pelo sinistrado, relativa ao facto de estar, entretanto, reformado, há que reconhecer a total irrelevância desse estatuto e da sua causa na economia do presente incidente de revisão. Já o dissemos e repetimos: a lei não o condiciona à subsistência de qualquer condição na esfera jurídica do sinistrado e também não o proscreve caso este tenha, entretanto, sido reformado. Ainda que reputando a apelante ser essencial a averiguação da causa fundamentadora do estatuto de reforma do apelado e que a sua omissão impede o estabelecimento do necessário nexo causal entre as lesões/sequelas e a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, sugerindo que esta última poderá ter etiologia distinta, há que reconhecer que do auto de perícia médica singular ou de Junta Médica se não retira, nem mesmo remotamente, que o agravamento do estado de saúde do apelado provenha da interferência de um qualquer factor estranho às lesões/sequelas produzidas pelo acidente de trabalho e que seja este factor o determinante da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual. Não é exacto, pois, como refere a apelante, que o reconhecimento da afectação do sinistrado com o indicado grau de incapacidade não esteja relacionado com as lesões e sequelas produzidas pelo evento infortunístico, já que esse nexo é unanimemente estabelecido em ambas as perícias realizadas no presente incidente de revisão. Situamo-nos, em face do exposto, em dois planos distintos: um relativo à possibilidade de requerer a revisão da incapacidade; um outro relativo ao nexo causal que por necessário terá que existir entre o evento infortunístico e o agravamento das lesões/sequelas por ele produzidas. Com respeito ao primeiro, já vimos que a lei o não impede. Com respeito ao segundo, a interferência de um qualquer factor estranho no actual estado de incapacidade do sinistrado terá que, por necessário, ser aferido do ponto de vista médico-científico, sendo independente, pois, do superveniente estatuto jurídico do sinistrado. Nesta medida, sempre se revelaria inócua toda e qualquer averiguação que a respeito da reforma do apelado e da sua causa fosse ordenada por ser a mesma insusceptível de colidir ou prejudicar, por si só, a responsabilidade da seguradora na reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho.
Acresce dizer, de todo o modo, não ser líquido que o estatuto de reforma do apelado, a existir, seja anterior à dedução do incidente de revisão, posto que no exame singular de revisão o sinistrado referiu estar reformado desde Maio de 202466, isto é, desde data posterior ao requerimento de revisão da incapacidade, sendo, no mais, inconclusiva a informação que prestou aquando da Junta Médica, na qual refere estar reformado há um ano, mas com reforma desde há três meses (o que, ponderando a data da Junta Médica, se reportará a Julho/Agosto de 2024, isto é, também a data posterior ao incidente de revisão).
Dir-se-á, ainda e por fim, que volta a apelante a confundir a análise do posto de trabalho com a presumível e actual condição sócio-profissional do sinistrado, esquecendo que aquela se reporta ao posto de trabalho que este ocupava aquando do acidente, sendo em função dela e das exigências que lhe estão associadas que cumprirá averiguar se as lesões/sequelas que o afectam no presente são ou não compatíveis com o exercício do núcleo essencial das tarefas inerentes àquele posto de trabalho. O posto de trabalho não “desaparece” por via da actual e presumida situação de reforma do sinistrado, não decorrendo desta última vicissitude qualquer impossibilidade de análise do posto de trabalho à data da eclosão do acidente de trabalho e do impacto que as lesões/sequelas agora verificadas ou reconhecidas assumem na (in)capacidade de prossecução das tarefas que àquele inerem.
Nesta conformidade e pela ordem de razões exposta, improcede o recurso, mantendo-se a sentença recorrida na parte que decidiu atribuir ao apelado a incapacidade absoluta para o trabalho habitual.
6. Resta, assim, apurar o quantitativo da pensão que é devida ao apelado, com efeitos desde a data do pedido de revisão, ponderando, na linha do que se deixou exarado no despacho identificado no ponto I.17., do presente acórdão, que a pensão calculada na 1.ª instância padece de lapso de cálculo, não se repercutiu, nela, o valor da pensão entretanto remida e nem os índices de actualização da pensão.
6.1. De acordo com o estatuído na al. b) do n.º 3 do art. 48.º da LAT, sendo atribuída ao sinistrado IPATH tem este direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
À data do acidente, o apelado auferia a retribuição anual € 26.600,00 (€ 1.900,00 x 14 meses), daí que o quantitativo da pensão ponderando a atribuição de IPATH ascenda a € 13.993,69 [(€ 1.900,00 x 70%) – (€ 1.900,00 x 50%) x 13,0392% + € 13.300,00].
Ao apelado, contudo e em consequência do presente acidente de trabalho, fora já atribuída, com efeitos desde 5 de Agosto de 2020, a pensão de € 1.214,02, entretanto remida.
Nesta conformidade, ao apurado valor de € 13.993,69 terá que ser subtraído o valor da pensão remida, daí que a pensão assim calculada ascenda a € 12.779,67 (€ 13.993,69 - € 1.214,0)7.
Ao apurado valor de € 12.779,67 terão que ser imputados os coeficientes de actualização vigentes no nosso ordenamento jurídico desde a data da fixação da pensão, pese embora a mesma só seja devida desde a data do pedido de revisão. Com efeito e conforme se ponderou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 201088, para efeito do cálculo da pensão decorrente de incidente de revisão – quando do mesmo decorra alteração da capacidade de ganho do sinistrado – são ponderados, exactamente, os mesmos critérios que o foram aquando do cálculo inicial, fixando-se a nova pensão (revista) tal-qual o fosse à data da alta. E, por respeito ao princípio da unidade do sistema jurídico, constante do art. 9.º, do Código Civil, se a pensão revista deve ser calculada do mesmo modo que o foi a pensão inicial então os coeficientes de actualização devem sobre a mesma incidir como se estivesse a ser fixada desde o início, não obstante apenas ser devida desde, no caso, a data em que é fixada a IPATH. Uma tal operação constitui, no nosso ver, a única forma de a pensão fixada em resultado de exame de revisão traduzir a entretanto verificada desvalorização da moeda.
Desta feita, sobre a pensão acima apurada de € 12.779,67 (cujo valor resulta a operação supra descrita) deverão incidir todas as actualizações subsequentes a 5 de Agosto de 2020, data da fixação inicial da pensão e que são as seguintes:
- € 12.779,67 x 1% = € 12.907,47 (cfr., a Portaria n.º 6/2022, de 4 de Janeiro, correspondente à actualização vigente desde 1 de Janeiro de 2022);
- € 12.907,47 x 8,4% = € 13.991,70 (cfr., a Portaria n.º 24-A/2023, de 9 de Janeiro, correspondente à actualização vigente desde 1 de Janeiro de 2023);
- € 13.991,70 x 6% = € 14.831,20 (cfr., a Portaria n.º 423/2023, de 11 de Dezembro, correspondente à actualização vigente desde 1 de Janeiro de 2024).
A pensão devida ao apelado ascende assim, desde 28 de Fevereiro de 2024, a € 14.831,20, actualizada, desde 1 de Janeiro de 2025, para o valor de € 15.216,81 (actualização de 2,60%, vigente desde 1 de Janeiro de 2025 por força da Portaria n.º 6-A/2025/1, de 6 de Janeiro).
7. Na medida em que ficou vencida no recurso, a lei faz recair sobre a apelante o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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V. Dispositivo
Por tudo quanto se deixou exposto:
i. Nega-se provimento ao recurso;
ii. Altera-se oficiosamente a sentença da 1.ª instância no que respeita ao quantitativo da pensão devida pela apelante ao apelado, fixando o seu valor, desde 28 de Fevereiro de 2024, em € 14.831,20 (catorze mil oitocentos e trinta e um euros e vinte cêntimos), actualizada, desde 1 de Janeiro de 2025, para o valor de € 15.216,81 (quinze mil duzentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos);
iii. No mais, mantém-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da apelante.

Lisboa, 19 de Novembro de 2025
Susana Martins da Silveira
Alda Martins
Cristina Martins da Cruz
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1. Relevando a incapacidade restante de 72,44% porquanto o sinistrado fora vítima de três acidentes de trabalho prévios e dos quais resultou a atribuição de IPP.
2. Assim procedendo relevando, também, a incapacidade restante de 72,44%.
3. De ora em diante identificada como LAT.
4. Ref.ª 50726548.
5. A título exemplificativo, a Base XXII, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1969, e o art. 25.º, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
6. Donde não ser exacto, como refere a apelante, que só disso haja tido conhecimento aquando da notificação do auto de junta médica.
7. Cfr., a título exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21 de Dezembro de 2017, proferido no Processo n.º 308/12.2TTTMR.E1.
8. Proferido na Revista n.º 14/05.4TTVIS.C2.S1, acessível em www.dgsi.pt.