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CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
Sumário
I - A lei, ante a extrema variabilidade das situações da vida, e reconhecendo a manifesta dificuldade em surpreender em muitos casos os elementos que permitam a subsunção jurídica a uma realidade laboral, criou uma presunção de laboralidade a partir de indícios reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como integrando essa realidade, devendo o julgador começar por aferir se se encontram preenchidos os factos índice que fazem accionar a presunção. II – A presunção da existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º do CT basta-se com o preenchimento de duas das características ali previstas (“se verifiquem algumas das seguintes características”). III – Estando provados factos que preenchem as alíneas a) e b) do n.º 1 do referido artigo 12.º, presume-se a existência de um contrato de trabalho. IV – Cabe à entidade beneficiária da actividade ilidir a presunção legal mediante prova em contrário, o que não acontece se não conseguir demonstrar que o colaborador age com autonomia ou que não está sujeito ao seu poder de direcção.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou a presente ação de reconhecimento da existência de
contrato de trabalho, a seguir a forma de processo especial, contra XX & YY, Ld.ª, com a denominação social de XX & YY - Trabalho Temporário, Ld.ª, peticionando seja reconhecida a existência de contrato de trabalho sem termo, celebrado entre a ora Ré e o(a) trabalhador(a) AA, desde, pelo menos, Setembro de 2019.
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Citada, a Ré XX & YY, Ld.ª contestou, impugnando parcialmente os factos e concluindo pela improcedência do pedido.
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Por despacho de 25.03.2025, foi determinada a apensação das ações pendentes no Juízo do Trabalho de Lisboa, tendo por objeto os colaboradores que prestavam a sua atividade no âmbito do setor da distribuição (3227/24.6T8LRS, 3229/24.2T8LRS, 3232/24.2T8LRS, 3238/24.1T8LRS, 3489/24.9T8LRS, 3492/24.9T8LRS, 3494/24.5T8LRS, 3500/24.3T8LRS, 3503/24.8T8LRS, 3509/24.7T8LRS, 3510/24.0T8LRS, 3514/24.3T8LRS, 3518/24.6T8LRS, 3519/24.4T8LRS, 3222/24.5T8LRS, 3224/24.1T8LRS, 3231/24.4T8LRS, 3233/24.0T8LRS, 3235/24.7T8LRS, 3237/24.3T8LRS, 3243/24.8T8LRS, 3247/24.0T8LRS, 3484/24.8T8LRS, 3490/24.2T8LRS, 3493/24.7T8LRS, 3501/24.1T8LRS, 3502/24.0T8LRS, 3507/24.0T8LRS, 3511/24.0T8LRS, 3512/24.7T8LRS, 3515/24.1T8LRS e 3520/24.8T8LRS.
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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 186.º-L, nº 4, do CPT, o(a)
trabalhador(a) não deduziu qualquer pretensão, nem interveio por qualquer forma nos autos.
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Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.
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A sentença decidiu julgar “procedente a presente ação e, em consequência:
1. Declarar que entre AA e XX & YY, LD.ª foi celebrado contrato de trabalho por tempo indeterminado;
2. Declarar que o referido contrato de trabalho teve início em 14 de dezembro de 2019; 3. Condenar a Ré XX & YY, LD.ª a reconhecer a vigência do contrato de trabalho nos termos referidos em 1.º e 2.º.”
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Inconformada, a Ré interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que:
“a) Da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e contrariamente ao defendido pela sentença ora recorrida, não se poderá considerar que a relação entre recorrente e o prestador em causa se desenvolvesse num quadro de subordinação jurídica;
b) Não resultando demonstrados nos presentes autos quaisquer dos elementos típicos do contrato de trabalho;
c) Quanto ao alegado horário de trabalho definido pela recorrente não resulta da prova produzida que fosse a recorrente a determinar um horário de entrada do(a) prestador(a);
d) Pelo contrário, dos depoimentos das testemunhas BB, CC e das declarações de parte do legal representante da recorrente, DD, resulta demonstrado que a recorrente não determinou qualquer horário de trabalho, quer quanto à hora de entrada, quer quanto à hora de saída do(a) prestador(a) em apreço;
e) Sendo, unicamente, indicado pela recorrente aos distribuidores que podem dirigir-se às instalações dos CTT Expresso no MARL a partir das 7h00- altura em que esta entidade começa a disponibilizar os objetos destinados a entrega, para organizarem o seu serviço, da forma que entenderem ser-lhes mais conveniente;
f) Podendo os distribuidores, mormente o(a) prestador(a) em apreço, adequar a hora de início da prestação de atividade de entrada conforme o serviço de entregas que se dispõem a fazer;
g) Devendo, como tal, o ponto 9. dos factos provados (do requerimento inicial) ser dado como não provado;
h) Os distribuidores não têm uma hora de fecho de atividade definida, estando unicamente dependentes da carga que se comprometem a distribuir e das recolhas que aceitam fazer, bem como, das janelas horárias determinadas em função de compromissos assumidos pelos CTT expresso com os seus clientes.
i) E não de uma imposição da recorrente;
j) Inexistindo, como tal, um horário de trabalho definido pela recorrente, mas sim um período que decorre entre as 7h00 e as 22h00, durante o qual os distribuidores, mormente o(a) prestador(a) em causa, podem gerir com grande autonomia o período de duração diária do seu serviço; k) Quanto à alegada subordinação a ordens, diretrizes e instruções da entidade empregadora, resulta provado que muito embora o trabalhador da recorrente CC tivesse a seu cargo a efetiva coordenação da operação de distribuição em causa nos autos, não dava quaisquer ordens de serviço ao prestador em apreço;
l) Mormente quanto ao volume de encomendas a distribuir e recolher, através de PDA, ou efetuando correções em caso de deficiente execução do serviço por parte dos distribuidores;
m) Sendo unicamente a função de CC dar apoio aos prestadores de serviço de forma que todos os objetos colocados para entrega pelos CTT Expresso fossem, efetivamente, expedidos, funcionando, igualmente, como interlocutor da recorrente junto dos CTT Expresso.
n) Não era imposto pelo Sr. CC ao(à) prestador(a) em apreço, qualquer limite máximo ou mínimo de objetos a carregar, designadamente através do instrumento designado por PDA.
o) Tendo os prestadores autonomia para selecionar os objetos que entendem poder distribuir;
p) Quanto ao instrumento designado por PDA, na altura em que foi efetuada a ação inspetiva do ACT, eram os próprios distribuidores, nomeadamente o(a) trabalhador (a) em apreço nos presentes autos, que efetuavam o carregamento deste aparelho, com os objetos que pretendiam distribuir;
q) Não tendo o Sr. CC qualquer intervenção neste processo de seleção;
r) O Sr. CC não tem qualquer intervenção no processo de atribuição ou redistribuição dos vários percursos atribuídos aos distribuidores, dentro de cada código postal (designados por giros); s) Os distribuidores, incluindo a(a) prestador(a) em causa nos presentes autos estes têm autonomia para alterarem os giros inicialmente atribuídos, redistribuindo, entre si, os objetos a entregar.
t) Resulta, igualmente demonstrado nos presentes autos que o trabalhador da recorrente, EE é o chefe de frota, assegurando a gestão das viaturas quer a nível da sua afetação aos distribuidores quer a nível da sua manutenção;
u) Não dando quaisquer ordens de serviço aos distribuidores, mormente, quanto às encomendas a distribuir e recolher.
v) Devendo, como tal, os pontos 23. e 24. dos factos provados (do requerimento inicial) serem considerados como não provados.
w) Mantendo-se, apenas, como provado, neste último ponto que CC, coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da Ré.
x) Ficou, assim, demonstrada a efetiva autonomia por parte do(a) prestador(a) quer relativamente ao seu período diário de prestação de atividade quer quanto à gestão da execução da mesma, mormente quanto ao volume de objetos a entregar.
y) Caso entendessem que a carga de objetos a entregar no seu código postal assim o justificava, os distribuidores podiam sugerir à recorrente a entrada de novos colaboradores;
z) Criando verdadeiras subequipes cuja atividade coordenavam diretamente.
aa) Devendo, assim, o ponto 1 dos factos não provados (da contestação), da sentença ora recorrida, ser considerado como provado.
bb) Contrariamente ao defendido pela sentença ora recorrida, a recorrente logrou apresentar prova no sentido de afastar os factos índices de laboralidade em apreço nos presentes autos. cc) Quanto à atividade realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado, muito embora a prestação de atividade do(a) colaborador(a) em apreço se inicie nas instalações da CTT Expresso, tal não decorre de determinação da recorrente, mas sim pela natureza do serviço a prestar;
dd) Os objetos a carregar começavam a ser disponibilizados pelos CTT Expresso, nas suas instalações, a partir das 7h30 da manhã.
ee) O(a) prestador(a) em apreço dispunha de grande autonomia para alterar os percursos a efetuar no âmbito da distribuição dos objetos por si assumida- mesmo que anteriormente definidos;
ff) Nem a recorrente, nem os CTT têm qualquer intervenção na alteração destes percursos.
gg) Para além da viatura, principal instrumento de trabalho dos distribuidores, a utilização de todos os demais equipamentos de trabalho não resulta de qualquer imposição da recorrente, mas sim, de normas de segurança e de identificação dos prestadores junto dos clientes dos CTT Expresso, inerentes à prestação do serviço de distribuição.; hh) O distribuidorem apreço tinha a possibilidade, caso assim entendesse de adquirir a viatura que lhe estava afeta;
ii) Sendo ele a suportar o custo do combustível despendido com a utilização da viatura por si utilizada na prestação da atividade em causa;
jj) Não poderá deixar de se considerar como não verificado este facto-índice de laboralidade;
kk)Não foram demonstrados nos presentes autos os elementos típicos do contrato de trabalho, como sendo, a existência de um local e horário de trabalho determinados pela ora recorrente, pagamento de remuneração certa, exercício de poder disciplinar e subordinação a ordens, diretrizes e instruções. ll) Tendo, por seu lado, a recorrente logrado demostrar que toda a atividade do(a) prestador(a) em apreço nos presentes autos se desenvolvia num quadro de autonomia, não estando sujeito(a) ao poder de direção e autoridade da recorrente;
mm) Face a todo o supra exposto deveria a sentença recorrida ter considerado como não verificado o vínculo laboral entre a recorrente e o(a) prestador(a) de atividade em apreço.
nn)Mas outrossim reconhecer a existência de contrato de trabalho sem termo entre o(a) prestador(a) de atividade e os CTT Expresso.
oo) Ao não ter decidido conforme supra exposto, a sentença ora recorrida viola o disposto no art.º 11.º e 12.ºdo Código do Trabalho e 1154.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos demais de direito deverão V. Exas. Julgar procedente o presente recurso, revogando a sentença do Tribunal a quo, substituindo-a por outra que:
a) declare não existir contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a recorrente e o(a) trabalhador(a) em apreço, desde a data indicada, absolvendo a recorrente do respetivo reconhecimento; b) declara a existência de contrato de prestação de serviços entre a recorrente e o(a) trabalhador(a) em apreço, desde a data indicada.”
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O Ministério Público contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
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Os autos foram aos vistos às Exmas Desembargadoras Adjuntas.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar e decidir:
- se o tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto quanto aos factos impugnados;
- da natureza jurídica da relação contratual entre o prestador de actividade AA e a Ré;
- se deverá reconhecer-se a existência de um contrato de trabalho sem termo entre AA e a CTT-Expresso, S.A.
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III – Fundamentação de Facto
A – Factos Provados
São os seguintes os factos considerados provados pela 1ª instância (expurgados da referência aos articulados, aos meios de prova ou à natureza do facto):
1. Pela Ap. 105/20100727, foi registada na Conservatória do Registo Comercial competente a constituição da sociedade comercial XX E YY, LDA, com o objeto social de transporte de mercadorias e logística.
2. XX & YY, Ld.ª, passou a ter a denominação social de XX & YY - TRABALHO TEMPORÁRIO, Ld.ª, a partir de 7 de Dezembro de 2023 e tem atualmente por objeto social “Cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros, transporte de mercadorias, distribuição e logística”, sendo seus sócios gerentes DD, com o NIF ..., e BB, NIF ..., ambos residentes na Rua 1.
3. XX & YY, Ld.ª desenvolve a sua atividade em regime de prestação de serviços a entidades terceiras, tendo celebrado com CTT Expresso- Serviços Postais e Logística, S.A. um “Contrato de prestação de Serviços, de Transporte, distribuição e recolha de objetos EMS, banca e Outsourcing”, para prestação de serviços no “Ponto CTT – MARL” (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa) nos termos que constam do documento nº 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Este Centro Operacional funciona em todos os dias da semana, 24 horas por dia, com
interregno entre as 16 horas de sábado e as 16 horas de domingo.
5. Nele são efetuadas a divisão e receção de encomendas e também é efetuada a distribuição de encomendas a partir deste local.
6. A distribuição funciona entre as 7h e as 17:30h, podendo as entregas ser efetuadas no domicílio dos clientes até às 21h.
7. Em serviços de inspeção realizados pela ACT, no dia 12 de Dezembro de 2023 (entre as 15h30 e as 19h), no Centro Operacional da CTT Expresso - Serviços Postais e Logística, S.A. designado de “Ponto CTT - MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa)”, sito em Lugar do Quintanilho, 2660-998 São Julião do Tojal, foi verificado que AA, com o NISS ... e NIF ..., se encontrava a prestar a sua atividade de distribuidor/recolha de objetos.
8. Entre XX & YY, Ld.ª e o(a) referido(a) colaborador(a) foi celebrado, verbalmente, em 14 de Dezembro de 2019, um contrato que denominaram de contrato de prestação de serviços.
9. É necessário que os distribuidores compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição. Alterado conforme decisão infra.1
10. O colaborador iniciava a sua atividade, começando por selecionar as encomendas correspondentes ao seu giro (zona de entrega), seguidamente carregava a carrinha com as encomendas e, cerca das 09h, partia para a respetiva distribuição no destino final.
11. A atribuição do giro era efetuada pela CTT Expresso, que associava cada prestador a um Código Postal e uma letra.
12. Para além das tarefas de distribuição de encomendas, a actividade do colaborador abrangia as tarefas de recolha que consistiam em levantar encomendas junto de clientes da CTT Expresso (que vendem on line), as quais transportavam nas ditas viaturas até ao Centro Operacional do MARL onde se seguia o procedimento normal para posterior distribuição.
13. Em regra, o colaborador finda a jornada de trabalho cerca das 17h.
14. Fruto de alterações introduzidas pela CTT Expresso, desde há cerca de dois meses, os distribuidores deixaram de efetuar a separação das encomendas, limitando-se a carregar a mercadoria no respetivo veículo, no horário que lhes foi atribuído, sendo a seleção das encomendas feita previamente pelos funcionários da CTT Expresso, e constando a respetiva lista de um PDA atribuído a cada um dos colaboradores.
15. O colaborador exerce a sua atividade de segunda a sexta e também aos sábados e feriados.
16. No exercício das suas funções, o/a trabalhador/a em causa utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho da entidade com quem a Ré celebrou contrato de prestação de serviços (i.é. fornecidos pelos CTT – Correios de Portugal, S.A.), quer pela Ré.
17. O colaborador utiliza, nomeadamente, um equipamento eletrónico (“PDA”) do qual é proprietária a CTT Expresso, SA e com o qual executa o registo das encomendas que entrega e verifica os giros das entregas e recolhas de encomendas.
18. As viaturas conduzidas pelos colaboradores da Ré são idênticas às da CTT Expresso nas marcas, modelos e tamanho e ostentam, tal como as dos CTT Expresso, o logótipo da CTT muito embora pertençam à Ré XX & YY.
19. Os colaboradores da XX & YY, incluindo o/a acima identificado/a, são detentores de um cartão de identificação que foi fornecido pela CTT Expresso, onde consta o nome, foto e número de trabalhador, o qual inicia com as letras SC, seguidas de 5 algarismos, tendo o/a trabalhador/a o n.º SC232225.
20. No primeiro ano de vigência do contrato, a Ré pagava ao referido colaborador um valor mensal certo de € 700,00 por mês.
21. Após a referida data, o colaborador passou a ser remunerado pelo valor de € 1,08 por cada ponto de entrega de encomendas.
22. Em contrapartida pelas importâncias recebidas, o/a trabalhador/a emitiu recibos eletrónicos.
23. AA tomava conhecimento das encomendas a distribuir e a recolher através do PDA, disponibilizado pela Ré. – Alterado conforme decisão infra.2
24. CC coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, determina a eventual alteração ou redução do giro, com o acordo da CTT Expresso, determina as medidas a adotar em caso de avaria do PDA, e impõe o uso de equipamentos de proteção, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da Ré.
25. CC tem ainda a seu cargo as tarefas de recrutar/selecionar
trabalhadores.
26. EE, trabalhador da Ré, assume funções de “chefe de frota”, tratando dos assuntos relacionados com os veículos, designadamente, a manutenção.
27. Em caso de entrega do objeto fora da janela horária determinada pelos CTT, recolha não efetuada, cobrança não executada, entrega errada, extravio, furto ou dano, transporte de objetos não mencionados na lista de entrega, entrega de objetos Banca e Outsourcing fora do horário estabelecido, inexistência de assinatura do cliente na lista de entrega, não utilização do PDA, ou outros desvios descritos no Anexo II do Caderno de Encargos, os distribuidores sofriam uma penalização, aplicada no final do mês.
28. Para a Ré era relevante quer a disponibilidade dos distribuidores, quer o resultado da atividade prestada.
29. A Ré tem trabalhadores por si contratados com contrato de trabalho para o exercício de funções como distribuidores, ou seja, as mesmas que o/a colaborador/a identificado exerce.
30. Para os seus colaboradores, a Ré tem vários modelos de contratação e respetivos montantes de pagamento, designadamente:
a. 6,50€ por dia correspondentes ao designado “arranque de carrinha” + 0,70€ (nuns casos) e 0,90€ (noutros casos) por dia, por cada encomenda/objeto entregue + pelo menos 0,80€ relativos a encomendas de entrega a partir das 19 horas;
b. 50€ por dia de trabalho;
c. 900€ por mês.
31. A Ré foi notificada pela ACT para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do colaborador suprarreferido ou pronunciar-se sobre o que entendesse por conveniente.
32. A Ré pediu sucessivas prorrogações de prazos, que lhe foram concedidos, tendo remetido em 23/02/2024 uma exposição à ACT de que resultou, em suma, que: “Antes desta ação inspetiva esta empresa atuava com a convicção de que, face à natureza ocasional e inconstante do serviço prestado e a execução de objetivos concretamente definidos pela CTT Expresso, a relação com os seus colaboradores se inseria no âmbito de uma prestação de serviços. O recurso à contratação temporária de recursos humanos, dentro do regime jurídico que lhe é aplicável, surge, assim, como via para regularização da atividade da empresa e como melhor forma de adequação da sua atividade à legislação laboral aplicável, em respeito pelos direitos dos seus trabalhadores”.
33. Após a realização da suprarreferida inspeção, a Ré alterou o seu objeto social de forma incluir “Cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiro”.
34. Na sequência da constatação de tais factos foi levantado o respetivo auto de notícia pela prática de contraordenação, com base na utilização indevida, em relação ao/à aludido/a trabalhador/a, do contrato de prestação de serviços.
35. O colaborador não iniciou atividade como trabalhador independente, pelo que não emitiu quaisquer recibos a favor da Ré em contrapartida pela remuneração que auferia.
36. Os colaboradores tinham que observar, ao longo do dia, horários de entrega de encomendas, nos casos em que os clientes da CTT Expresso tivessem comprado janelas horárias para a entrega de objetos postais.
37. Quando terminavam as suas entregas e recolhas diárias pré-definidas, estas indicadas pela CTT Expresso diretamente ao distribuidor, os colaboradores da Ré regressavam ao CTT Marl para entrega do PDA e fecho de contas.
38. É o colaborador que suporta o custo do combustível da viatura, abastecendo com o cartão da empresa, e sendo-lhe descontado o valor no final do mês.
39. Por acordo com a Ré, o colaborador paga àquela € 250,00 por mês para aquisição em prestações do veículo onde circula habitualmente, sendo este valor descontado do montante mensal que aufere.
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B – Factos Não Provados
A 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
1. Todos os distribuidores têm autonomia para decidirem qual a sua carga horária e volume de objetos a entregar, tendo, unicamente, de ser por estes assegurado as efetivas entregas de todos os objetos, não dependendo de quaisquer instruções por parte da R.
2. O prestador de serviços em apreço, assim como todos os distribuidores, podem livremente escolher quantos dias por semana pretendem executar a sua atividade.
3. Os pagamentos dos serviços são efetuados de acordo com a classificação feita pelos CTT Expresso, e da seguinte forma: a) Primeira unidade quando se efetua a entrega no mesmo destinatário de um a dez objetos, e; b) Segunda unidade todos os objetos entregues para além do décimo no mesmo destinatário.
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IV – Apreciação do Recurso
A – Da Impugnação da Matéria de Facto
A Apelante expressa impugnar os factos 9, 23 e 24 dos provados e 1 dos não provados.
Cumpriu os ónus a que alude o artigo 640º do CPC. Facto 9 - Por determinação da Ré, o colaborador devia comparecer diariamente, cerca das 07:30h nas instalações do seu cliente CTT Expresso, sitas no Centro Operacional da CTT Expresso, localizado no MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa).
A Apelante, verdadeiramente, apenas impugna que tivesse sido por sua determinação que o colaborador devia comparecer as instalações dos CTT-Expresso no horário referido no facto. Alega, para tal, que a única coisa que indicou aos distribuidores foi para se dirigirem às instalações dos CTT-Expresso a partir daquela hora, para organizarem o seu serviço da forma que entendessem ser-lhes mais conveniente, não impondo que comparecessem diariamente pelas 07.30 horas. Indica para prova do referido as declarações de parte da Ré, na pessoa do seu legal representante, DD, de BB e CC.
É a seguinte a fundamentação da 1ª instância quanto ao facto em causa: “O facto descrito em 9.º (“Por determinação da Ré, o colaborador devia comparecer diariamente, cerca das 07:30h nas instalações do seu cliente CTT Expresso, sitas no Centro Operacional da CTT Expresso, localizado no MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa”) encontra-se parcialmente assente por acordo das partes (quanto ao local e hora de início da prestação da atividade – cf. art. 14.º da contestação “Sendo, apenas necessário que os distribuidores compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA ecarregamento de carga para distribuição” – obrigação que é um reflexo da obrigação contratualmente assumida pela Ré perante os CTT na cláusula 22ª, al. b) e 23.º, nº 6, do contrato junto como documento nº 1 com a contestação). Considerou-se, no entanto, o depoimento do colaborador na parte em que referiu que habitualmente entrava pelas 08h, uma vez que o início do dia era muito concorrido e havia poucos cais, dando prioridade no carregamento dos veículos aos funcionários mais antigos.”.
Ou seja, e quanto ao facto ora impugnado “a determinação da Ré”, a 1ª instância fundamentou-o no documento junto aos autos, a saber, o “contrato de prestação de serviços de transporte, distribuição e recolha de objectos EMS, banca e outsoursing”, concretamente as cláusulas 22ª b) e 23ª nº6 cujo teor é o seguinte:
Cláusula 22ª b), com a epígrafe “obrigações da segunda contraente” (sendo a segunda contraente a apelante): “No que diz respeito ao cumprimento do objeto do presente Contrato e de forma assegurar a sua operacionalidade, constituem obrigações da Segunda Contraente: (…) b) assegurar operações de carga, transporte e entregas domiciliárias bem como recolha nos clientes e lojas e/ou CDP’s (Centros de Distribuição Postal) e descarga no Centro de Operações e/ou noutro local indicado pela CTT Expresso dentro dos códigos postais no âmbito deste Concurso.” E a cláusula 23ª n.º 6, com a epígrafe “distribuidores”: “devem ser sempre asseguradas pelos distribuidores todas as operações de carga e descarga nas instalações da CTT Expresso, ou nos locais por ela indicados, devendo, ainda, preencher toda a documentação associada à execução das diferentes tarefas”.
Ora, a análise destas cláusulas permite apenas concluir que, segundo o acordado entre as partes desse contrato, a ora Ré e a CTT-Expresso, a primeira obrigou-se a dotar a operação da segunda de meios humanos necessários e imprescindíveis à execução dessa operação. Daqui não é possível concluir, por si só, que a Ré determinava as horas de entrada das pessoas que colocava a trabalhar nos CTT-Expresso.
Da demais prova produzida, e este tribunal, para além das testemunhas indicadas pela Apelante, considerou também o depoimento de AA, o prestador da actividade a que se referem os autos, não é possível retirar o facto provado de que, “por determinação da Ré”, o prestador devia comparecer no horário referido em 9 nas instalações dos CTT-Expresso.
De facto, nem o representante legal da Ré nem as testemunhas o referiram. E AA, que já está neste serviço desde Maio de 2019, o que declarou foi que os objectos para distribuir estavam prontos para tal pelas 08.00 horas e, portanto, os distribuidores tinham de chegar às instalações dos CTT-Expresso atempadamente para arrumar a carrinha e sair para a distribuição. Declarou também que aconteceu, noutras ocasiões, chegar às 09.00 horas por haver menos serviço.
DD, o legal representante da Ré, declarou que a gestão do tempo de trabalho é feita pelos CTT-Expresso, e que o que é dito aos colaboradores pela Ré é que a partir de determinada hora podem receber a carga, sendo que eles têm interesse em estar lá todos à mesma hora porque competem pela carga, mas que os colaboradores dirigem-se ao serviço quando querem e organizam-se como querem. Esclareceu ainda que estes prestadores são afectos ao desdobramento de serviço criado pelos CTT, por os seus prestadores, os que têm contratos com a CTT-Expresso, não conseguirem escoar toda a mercadoria.
BB, sócia da Ré e sua Directora de Recursos Humanos, esclareceu que os contratados distribuem os objectos que os prestadores de serviços da CTT-Expresso não conseguem distribuir, e não têm horário definido, entrando no horário que mais lhes convém sendo que a janela horária é definida pelos CTT-Expresso. O seu depoimento foi secundado pelas declarações de CC, trabalhador da Ré, distribuidor dos CTT-Expresso que coordena a operação de distribuição, e que declarou que não existia um horário definido para os prestadores alocados aos CTT-Expresso pela Ré e estes entravam após os prestadores de serviço.
Ou seja, da prova produzida não é possível concluir que a Ré determinava as horas de entrada do Autor nas instalações da CTT-Expresso, e, portanto, nesta parte, tem procedência o recurso. No entanto, consideramos que o restante que resulta do ponto 9 dos factos provados não deve ser considerado não provado, como preconiza a Apelante, pois, no artigo 14º da contestação a mesma refere, a este propósito, que “Sendo, apenas necessário que os distribuidores compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição;”, antes provado por acordo, e que, aliás, é o que é possível retirar da prova que foi produzida em audiência de julgamento, pelo que o facto 9 passará a ter a seguinte redacção “É necessário que os distribuidores compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição.” Facto 23 - O colaborador AA e os restantes colaboradores da XX & YY, recebem ordens concretas de serviço transmitidas pelo trabalhador da Ré CC (com contrato de trabalho) e da CTT Expresso, quanto às encomendas a distribuir e a recolher no cliente, através do PDA. Facto 24 - CC coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, determina a eventual alteração ou redução do giro, com o acordo da CTT Expresso, determina as medidas a adotar em caso de avaria do PDA, e impõe o uso de equipamentos de proteção, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da Ré.
A Apelante pretende se considere o facto 23 como não provado, e pretende que quanto ao facto 24 apenas resulte provado que “CC, coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da Ré.”.
Alega que “CC, funcionário da recorrente tem por incumbência a efetiva coordenação da operação de distribuição prestada pela recorrente aos CTT Expresso, operação essa, assegurada quer pelos prestadores de serviços, entre os quais se enquadra o(a) prestador (a) em causa nos presentes autos, quer pelos distribuidores vinculados à recorrente por contrato de trabalho sem termo, sendo que, só quanto a estes últimos CC dá ordens de serviço.”.
Fundamenta estes desideratos nas declarações do legal representante da Ré, DD, e nos depoimentos das testemunhas BB e CC.
É a seguinte a fundamentação da 1ª instância quanto aos factos em questão: “Os factos descritos em 23.º a 26.º (sendo o art. 23.º, in fine, o art. 24.º, e o art. 26.º factos instrumentais apurados no decurso do julgamento da causa e incluídos nos factos provados ao abrigo do disposto no art. 5.º, nº 2, a), do C. de Processo Civil tratando-se de factos concretizadores da matéria alegada na petição inicial) resultaram provados com base nos seguintes meios de prova:
- Declarações da testemunha AA, que referiu que “recebe ordens de
EE e de CC”, sobre “o que precisa fazer, como deve proceder” (ex. “se foi notificado de uma recolha e não viu e estiver a ir embora, CC vai dizer para ter atenção ao PDA. Vê-o como um supervisor, alguém que está acima de si.”). Esclareceu, todavia, que, com o tempo, as instruções vão-se tornando desnecessárias, pois sabe exatamente como tem de proceder. Com relevância, referiu ainda que, desde que foi admitido a trabalhar no Centro Operacional Marl, o seu giro foi reduzido uma vez pela empresa NPL, que entendeu, analisada a carga de trabalho, que, para prestar um bom serviço teria que contratar mais pessoal.
Mais declarou que, em caso de falta, comunica a CC ou EE (ou, ultimamente, à administrativa da Ré NPL, FF).
Por último, referiu que, por vezes participa em reuniões com os supervisores dos CTT. - Declarações da testemunha CC, que referiu que a sua função era coordenar os distribuidores contratados pela Ré NPL, garantindo “que o armazém ficasse sem objetos; que toda a carga saia para a rua”, se necessário recorrendo a uma equipa de apoio; confirmou que é ele próprio que transmite a obrigatoriedade de usar colete e botas, os quais faculta aos distribuidores; referiu que as rotas atribuídas aos distribuidores, por vezes, são reajustadas, nomeadamente por determinação sua (comosucedeu por força da ausência prolongada de um distribuidor, que depois regressou e a quem atribuiu uma nova rota), ou quando é necessário reorganizar o esquema da distribuição em virtude do acréscimo do serviço; confirmou ainda que, em determinado dia, quando o sistema informático do PDA não estava a funcionar, deu ordens aos distribuidores para prosseguirem com as entregas, anotando numa folha ou tirando uma fotografia (no seguimento das indicações dadas pelos supervisores dos CTT), tendo na sequência da recusa de um distribuidor transmitido que este estava dispensado(definitivamente); de relevante, referiu ainda que as faltas lhe são comunicadas pelos distribuidores a si, pois é ele que coordena o serviço. - Declarações da testemunha GG, Engenheiro industrial, que desempenhou funções na empresa CTT, de 2022 até início de 2024, tendo sido «responsável máximo» pela operação dos CTT MARL, que referiu que o Centro Operacional do MARL tinha duas grandes atividades: uma atividade de tratamento de encomendas (receção de encomendas e divisão de encomendas de acordo com o Código Postal) e uma atividade de distribuição de encomendas ao cliente final. Mais referiu que “Todo o modelo de entrega dos CTT é digitalizado, implica um registo feito através de um equipamento que está atribuído a uma determinada pessoa, que permite não só ter visibilidade dos resultados, mas assegura a rastreabilidade da encomenda; Pertence aos CTT e é cedido como parte do contrato às empresas que trabalham consigo. O PDA é um equipamento que está em stock e o distribuidor usa um código para efetuar o login”. Do PDA consta ainda as atividades de recolha de objetos junto dos clientes (informação que era disponibilizada no início do dia no PDA, ou ao longo do dia se houvesse mais pedidos). Como explicitou ainda, a atividade começa no inicio da manhã com a recolha da mercadoria. Os CTT organizavam-se para colocar a mercadoria à disposição dasempresas. Têm horários de abertura e de fecho. Antes das 07h não se levantavam encomendas porque chegavam camiões de Espanha. E no fim do dia, no limite, podia-se regressar ao Centro até às 23h. A responsabilidade dos supervisores era a de que as mercadorias fossem entregues. No fim da distribuição era obrigatório regressar ao MARL para entregar o PDA e carregar o fecho do dia e devolver a mercadoria não entregue. Mais referiu que, por força do contrato celebrado entre a NPL e os CTT, os distribuidores usavam um equipamento para identificação junto dos clientes (coletecom logótipo dos CTT) e no Centro Operacional do Marl, um colete com a designação NPL (por indicação da equipa de segurança).
- Declarações da testemunha BB, que referiu que CC tem a seu cargo a tarefa de coordenação, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição (conforme obrigação contratual estabelecida com a CTT Expresso), e EE estava afeto à gestão de frota (avarias, manutenções, assistência, efetuar a afetação das viaturas ao grupo de contratados), ajudando ainda o CC a verificar no armazém, do período da manhã, se a carga estava toda distribuída ou escoada, esclarecendo alguma dúvida necessária (ex. objeto danificado). Com relevância esclareceu ainda que alguns clientes têm janelas de horário contratadas, sendo essa informação transmitida aos distribuidores no PDA (que estes têm que cumprir). Em termos de instruções, referiu que “passam aos prestadores as regras básicas; ex. quando há uma alteração de procedimentos”.
- Contrato de prestação de Serviços, de Transporte, distribuição e recolha de objetos EMS, banca e Outsourcing junto como documento nº 1, do qual decorre para a Ré a obrigação de garantir que os distribuidores cumprem um conjunto de obrigações inerentes à atividade que exercem, designadamente, obrigação de proteção de dados, confidencialidade, segurança no transporte, fardamento, obrigações de guarda de objetos, comunicação de reclamações dos clientes, obrigação de estarem contactáveis por telemóvel, cumprimento de normas de segurança rodoviárias – vide cláusula 23ª – entre outras. A Ré obrigou-se ainda contratualmente a elaborar o índice de qualificação de subcontratados, mantendo um índice semestral de objetos não entregues, incumprimento do padrão de entrega, cobranças não efetuadas, falta de recolha, entrega errada ou extravio, não utilização de fardamento, não comparência para a execução do circuito, atraso na partida/chegada do circuito – cláusula 27ª. Do contrato decorre ainda para a Ré – e correlativamente para os prestadores de serviço – um conjunto de penalidades descritas no Anexo II do Contrato, que têm subjacentes um conjunto de obrigações aplicáveis a estes colaboradores, designadamente, comparecer ao serviço; entregar, recolher e efetuar as cobranças; transportar apenas os objetos mencionados na lista de entregas; entregar os objetos no horário previsto; recolher as assinaturas dos clientes e fazer constar a hora de entrega; utilizar o vestuário de serviço CTT Expresso; utilizar cartão de identificação; manter a viatura em bom estado; efetuar carga e descarga de objetos unicamente nas instalações CTT Expresso; utilizar a plataforma de otimização de rotas ou outra exigida pela CTT Expresso; usar cartão de cidadão; reportar reclamações; manter uma boa conduta e uma condução cuidadosa, entre outras obrigações previstas – sob pena de serem aplicadas penalizações. - DECLARAÇÕES DE PARTE do legal representante da Ré, DD, que referiu que a atribuição do código postal a cada distribuidor compete à NPL, sendo que, dentro do Código Postal indicado, é atribuído pela CTT Expresso um giro específico que o colaborador executa diariamente (identificado pelo CP7 e por uma letra; cada letra corresponde a um giro, e cada giro corresponde a uma zona ou conjunto de ruas). Esclareceu ainda que a CTT Expresso dispõe de um mapa de giros, dividindo os códigos postais por zonas, a que correspondem letras, que a NPL pode alterar em concordância com aquela empresa. De relevante, referiu ainda que os distribuidores podem receber pedidos de recolha de mercadoria ao longo do dia (para além das recolhas previstas no início do dia e que constam do PDA), sendo para o efeito contactados via PDA (que funciona igualmente como telemóvel) e que no final da distribuição têm que regressar ao MARL, mas não o podem fazer antes das 15h, pois não estará ninguém para os receber. Os pedidos de recolha podem ser efetuados até às 16h. De tudo o exposto resulta que: i) quer pela imposição de ordens de serviço pelo supervisor da Ré CC (a quem incumbia coordenar a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria saía do armazém para distribuição, alocar recursos onde era necessário, determinar a eventual alteração ou redução do giro, com o acordo da CTT Expresso, determinar as medidas a adotar em caso de avaria do PDA, resolver problemas) e por EE, a quem incumbia tratar de todos os assuntos relacionados com a frota ii) quer pela atribuição das rotas/giros aos distribuidores efetuada pela CTT Expresso (cliente da Ré, por conta e no interesse de quem esta efetua o transporte de objetos, e que gere a operação logística do CTT Marl) iii) quer pela gestão das encomendasefetuada informaticamente pelo PDA disponibilizado pela CTT Expresso, que condensava diariamente a lista de encomendas a distribuir por zonas ou códigos postais (substituindo uma ordem diretamente emanada de um superior hierárquico), e transmitia ao longo do dia alterações ao plano de distribuição programado (ex. indicando necessidade de recolha no domicílio de um determinado cliente não inicialmente prevista), determinando assim o local de desempenho do trabalho dentro das rotas ou zonas predefinidas e o tempo de trabalho, iv) quer pela definição do cumprimento de janelas de horário concretas relativamente a determinadas encomendas, ou horário fixos de recolha em determinados clientes, com impacto no tempo de trabalho do colaborador v) quer pela necessidade de informar o supervisor da Ré da impossibilidade de comparência (ainda que não lhe fosse exigida a apresentação de justificação), vi) quer pela necessidade de usar os equipamentos de proteção individual e instrumentos de trabalho determinados quer pela Ré, quer pela CTT Expresso, vii) quer, finalmente, pela obrigação de cumprimento de um conjunto amplo de obrigações inerentes à atividade melhor descritas no contrato celebrado entre a Ré e a CTT Expresso (visando especificamente os distribuidores), verifica-se que, efetivamente, o(a) colaborador(a) em causa cumpria as instruções e ordens de serviço diretamente emitidas pela Ré – sobretudo no início da relação contratual, mas igualmente no seu decurso – e instruções quanto às específicas tarefas a realizar pela CTT Expresso, via PDA (sendo que tal sucedia com a concordância da Ré NPL e por força do contrato celebrado entre estas entidades).”
Vejamos:
Relativamente ao ponto 23, o que resulta da prova produzida, a saber, das declarações de CC e de AA, é que a carga, ou seja, os objectos a distribuir, já vêm pré atribuídos pelos CTT no PDA entregue ao prestador. AA, que declarou que desconhece a quem pertence o PDA, se à Ré se aos CTT-Expresso, no entanto declarou que é através do PDA que sabe e o que tem de distribuir e recolher. É também o que resulta do ponto 17 dos factos provados, que não foi impugnado, e de onde resulta que o colaborador utiliza um equipamento eletrónico (“PDA”) do qual é proprietária a CTT Expresso, SA e com o qual executa o registo das encomendas que entrega e verifica os giros das entregas e recolhas de encomendas. E o carregamento do PDA, como referiu AA, é feito de manhã, mas também pode ser feito ao longo do dia com mais objectos a distribuir ou a recolher.
Do exposto resulta que a prova produzida são suporta o facto tal como ele resulta provado. Aliás, também não importa ao caso, e, portanto, será retirada do facto, a referência aos demais colaboradores, aos quais não se referem os presentes autos, mas tão só a AA.
Assim sendo, o facto passará a ter a seguinte redacção: “AA tomava conhecimento das encomendas a distribuir e a recolher através do PDA, disponibilizado pela Ré.”.
Já quanto ao ponto 24 dos factos provados, desde já se diga que o mesmo é o espelho da prova que foi produzida.
A testemunha CC, em sede de julgamento, declarou que não dá ordens aos prestadores, limitando-se a transmitir as informações que recebe dos CTT-Expresso, ou seja, dá-lhes indicações mas não ordens. É certo que, tal como o próprio AA referiu, o mesmo já conhece bem o trabalho e sabe o que há-de fazer, mas CC, e também EE, responsável pela frota, como o próprio AA refere, são os seus chefes e, quando tem dúvidas é com eles que contacta, e quando não sabe executar o trabalho foram eles que lhe disseram como fazer. Ou seja, falar-se em indicações, instruções ou coordenação no contexto da prestação em causa é irrelevante e não é de molde a que o tribunal forme uma outra convicção diversa da 1ª instância. Cumpre aliás não esquecer que CC faz a ponte entre a Ré e os CTT-Expresso, pelo que toda a fundamentação referida pela 1ª instância é o reflexo preciso do que resultou da produção de prova, considerada esta no seu conjunto. E o que resulta da prova é que o prestador tem a sua actividade blindada por ordens, indicações e procedimentos que são definidos pelos CTT e pela Ré na pessoa de CC. Mesmo a quantidade variável de objectos a distribuir está naturalmente dependente da capacidade do veículo afecto ao prestador e das próprias características do giro, bem como as encomendas carregadas no PDA, sendo que qualquer alteração tem de obter a anuência de CC, que pode carregar informação no PDA do prestador a partir do seu próprio PDA.
Em face do exposto, não merece censura a resposta ao ponto 24 da matéria de facto, que assim se mantém nos seus precisos termos. Facto 1 dos não provados - Todos os distribuidores têm autonomia para decidirem qual a sua carga horária e volume de objetos a entregar, tendo, unicamente, de ser por estes assegurado as efetivas entregas de todos os objetos, não dependendo de quaisquer instruções por parte da Ré.
Pretende a Apelante que o facto seja ajuizado de provado, por considerar existir “uma efectiva autonomia por parte do prestador quer relativamente ao seu período diário de prestação de atividade quer quanto à gestão da execução da mesma, mormente quanto ao volume de objetos a entregar. Demonstrativo dessa mesma autonomia na prestação da atividade é o facto que, caso os distribuidores entendessem que a carga de objetos a entregar no seu código postal assim justificasse, poderiam sugerir à recorrente a entrada de novos colaboradores.”
Fundamenta esse desiderato nas declarações do representante legal da Ré e ainda nos depoimentos de BB e de CC.
É a seguinte a fundamentação do facto pela 1ª instância: “No que concerne à MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA, não resultou provado o facto descrito em 1.º (Todos os distribuidores têm autonomia para decidirem qual a sua carga horária e volume de objetos a entregar, tendo, unicamente, de ser por estes assegurado as efetivas entregas
de todos os objetos, não dependendo de quaisquer instruções por parte da Ré), tendo em conta a própria afirmação da Ré de que os distribuidores têm que assegurar as efetivas entregas de todos os objetos, o que significa que esta obrigação apenas tem como limite a capacidade física de cada distribuidor para proceder à distribuição de um certo número de encomendas e não a sua vontade.
Acresce que, a forma de remuneração por ponto de entrega promove a distribuição do maior número de encomendas possível por cada distribuidor, tendo em vista obter a maior retribuição no final de cada mês, retirando assim autonomia ao colaborador na decisão do número de encomendas a distribuir no seu giro. Como referiu a este propósito CC, o que cada um carrega, depende da capacidade e da vontade de cada um. E da necessidade. É, de facto, a capacidade e a necessidade que estabelecem o limite de encomendas que cada distribuidor efetua (tendo em vista obter a máxima remuneração possível), tornando desnecessária a intervenção da Ré.
Por outro lado, não se afigura credível que os distribuidores tivessem autonomia para estabelecer o volume de encomendas a distribuir, considerando os termos exigentes do contrato de prestação de serviços celebrado com a CTT Expresso e as declarações de CC e BB no sentido de que este devia garantir diariamente que todo o produto saía do armazém para distribuição. Ainda que subsista uma equipa de apoio que assume a distribuição das encomendas que os prestadores de serviço não conseguem realizar, o sistema não funciona se não assegurar previsibilidade e estabilidade, o que não se compagina com a arbitrariedade dos distribuidores quanto ao volume de encomendas que se propõem diariamente distribuir. Tendo, aliás, em conta a monitorização constante do grau de eficiência dos serviços prestados pela Ré a CTT Expresso, e que resultam do contrato de prestação de serviços celebrado, não se afigura que fosse possível assegurar a boa execução do contrato com o recurso a prestadores de serviço completamente autónomos e alheios ao funcionamento da rede de distribuição estabelecida pela Ctt Expresso (giros).
De resto, as últimas alterações introduzidas pela CTT Expresso ao nível da distribuição, e que se traduziram na inserção automática da lista de encomendas diária de cada distribuidor, tendo em conta o respetivo código postal e o giro atribuído (identificado por letras do alfabeto associadas ao CP7, ou seja, ao código postal com 7 algarismos) – vide declarações de parte do legal representante da Ré – , vêm precisamente corroborar a conclusão exposta de que cada distribuidor não era livre de escolher o numero de encomendas que distribuía, visando intervir naquilo que é nevrálgico na organização e que é o de assegurar uma cobertura total e eficiente do serviço de distribuição, sem lacunas, sem falhas diárias, sem acontecimentos imprevisíveis e sem atrasos. Por tudo o exposto, concluímos pela não demonstração do facto alegado.”
Desde logo dizer que parte da matéria que compõe o referido ponto 1 dos não provados é conclusiva, a saber a asserção “têm autonomia para decidirem”, que corresponde à característica que se procura para determinar se a relação contratual configura ou não uma relação laboral, ou seja, trata-se de expressão que comporta em si juízos de valor que deveriam ser extraídos de factos concretos, sendo que apenas estes podem ser objecto de prova.
Nos termos do disposto no artigo 5º nº3 do CPC, compete ao juiz apreciar da correcção do alegado pelas partes, quanto ao juízo de qualificação de uma expressão como conclusiva, por tal envolver a indagação, interpretação e aplicação de regras de direito. Só os factos concretos podem ser objecto de prova, o que exclui “os juízos de valor que sejam resultado de operações de raciocínio conducentes ao preenchimento de conceitos, que, de algum modo, possam representar, directamente, o sentido da decisão final do litígio”3..
Como vem afirmando a jurisprudência, “Só os factos concretos podem ser objecto de prova, pelo que as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o Tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.”4, e ainda (no mesmo aresto) “É assim, como se observou no Acórdão deste Supremo de 23 de Setembro de 2009, publicado em www.dgsi.pt (Processo n.º 238/06.7TTBGR. S1), «[n]ão porque tal preceito5, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.»
E, portanto, integrando a referida expressão o thema decidendum, não lhe cumpre dar resposta.
Analisada a prova produzida, e na sequência do que referimos em relação aos demais factos impugnados, se é certo que não resultou provado que era a Ré quem definia o horário de trabalho do Autor, também é certo que não podemos face à prova produzida, concluir pelo facto contrário, ou seja, que o Autor podia definir o seu próprio horário. Cumpre não esquecer que entre a Ré e os CTT-Expresso existia um contrato em que aquela se comprometeu a assegurar o escoamento diário das encomendas do armazém numa operação organizada ao detalhe, com fluxos horários pré-definidos, e com e tarefas impostas aos distribuidores, a saber, a necessidade de recolha de objectos, que podiam ser sinalizados a meio do dia, a prestação de contas ao fim do dia. E quanto ao volume de objectos a distribuir estava sujeito ao que resultava carregado no PDA, sendo que os distribuidores não tinham forma de alterar esses dados, a não ser com autorização e por via do PDA de CC.
Ou seja, não foi demonstrado pela prova produzida, mormente tendo em consideração as declarações de AA, de GG, responsável pela operação de distribuição a que se referem os autos, de CC, e pelas declarações do representante legal, DD, que o Autor não necessite de quaisquer instruções da Ré para exercer as suas tarefas.
Improcede, assim, o recurso nesta parte, mantendo-se a matéria factual em causa no acervo dos factos não provados.
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2. Da qualificação do contrato entre AA e a Ré
A questão a decidir é da qualificação do vínculo jurídico estabelecido entre AA e a Ré, XX & YY, Ld.ª, cumprindo aquilatar se o mesmo reveste as necessárias características de laboralidade para ser definido como um contrato de trabalho à luz do Código do Trabalho (CT).
Nos termos da lei, o contrato de trabalho “é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.” (sic art. 11º do CT e art.1152º do C.Civil).
Estaremos perante um contrato de trabalho se:
- quanto ao objecto: uma das partes se obrigar a prestar a sua actividade à outra;
- relativamente à retribuição: se existir retribuição;
- relativamente à forma de prestação do trabalho: se existir um vínculo de subordinação jurídica.
A demonstração da subordinação jurídica pode ser feita através da prova directa de factos que a atestem, a saber, da existência de ordens, directivas e instruções, ou, dado que a prova directa não é fácil, é, quase sempre, através de prova indirecta ou indiciária, que se apura a existência do vínculo. Trata-se nestes casos, que são a maioria, de recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios, sendo que nenhum deles é absolutamente decisivo, revestindo-se, de per se, de patente relatividade dado que cada um pode assumir um valor significante, diverso de caso para caso, para além de que alguns dos indícios aparecem tanto em contratos de trabalho como em contratos em que o pendor é a autonomia da prestação, exigindo-se sempre um juízo global de valoração relativamente ao tipo de contrato enunciado.
Muitas vezes, só mesmo a execução efectiva do contrato permite determinar a vontade das partes que o celebraram, prevalecendo a qualificação jurídica dos factos efectivamente acontecidos.
Tendo presentes as regras de repartição do ónus da prova, é ao trabalhador, ou, no caso, ao Ministério Público, que compete alegar e provar a existência do contrato de trabalho, caso assente nesse pressuposto a sua pretensão, como acontece no caso sub judice (cfr. art. 342º nº1 do C.Civil).
A lei, ante a extrema variabilidade das situações da vida, e reconhecendo a manifesta dificuldade em surpreender em muitos casos os elementos que permitam a subsunção jurídica a uma realidade laboral, criou uma presunção de laboralidade a partir de indícios reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como integrando essa realidade.
Assim, o CT/2009 no artigo 12º estabelece a seguinte presunção de laboralidade: “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…)”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz e apenas tem de provar o facto que lhe serve de base, cabendo à parte contrária ilidir a presunção legal mediante prova em contrário, salvo se a lei o proibir (art. 350º do Código Civil).
No presente caso, a 1ª instância considerou verificados os factos índice a que aludem as alíneas a) e b) do referido artigo 12º do CT, e considerou ainda que a Ré não logrou ilidir tal presunção.
A Apelante não põe em causa os dois factos índice considerados pela 1ª instância, mas impugna factualidade com potencial relevância para integrar o facto índice a que alude a alínea c) do nº1 do artigo 12º do CT, e outra factualidade com potencial relevância para, na perspectiva da Apelante, ilidir a referida presunção. De notar que os dois factos índice presuntivos considerados pela primeira instância, só por si, e não sendo ilidida a presunção, são suficientes para concluir pela laboralidade do contrato. De facto, o artigo 12º do CT, exige apenas a presença de “algumas” das referidas características, a saber, índices de laboralidade estejam preenchidos, ou seja, basta o preenchimento de dois desses índices.
Argumenta a Apelante, pretendendo ilidir a presunção, que a actividade realizada em lugar pertencente ao beneficiário ou em lugar por si determinado, não decorre de determinação da Apelante antes resulta da natureza do serviço a prestar, o que também acontece com os instrumentos de trabalho que lhe pertencem, o que é imposto por normas de segurança e de identificação dos prestadores junto dos clientes dos CTT-Expresso, e assim desvaloriza ambos os índices presuntivos e considera que a ponderação global dos factos conduz à ilisão da presunção. No entanto, o legislador considera ambos os índices objectivamente, prescindindo das razões da sua existência em concreto, pelo que não oferecem relevância os referidos argumentos avançados pela Apelante. E assim sendo, não restam dúvidas acerca da operância, in casu, da presunção de laboralidade associada à relação contratual que une o prestador, AA, e a Ré.
Defende ainda a Apelante que o prestador age com autonomia, e estando assim ilidida a presunção em causa.
Vejamos:
Desde logo referir que a Apelante fundamenta a sua pretensão de ver ilidida a presunção, em parte, em factos que não resultam demonstrados, como terem os prestadores autonomia para selecionar os objetos que entendem poder distribuir, serem os distribuidores quem carrega o PDA com os objectos que pretendem distribuir, terem os distribuidores, incluindo o prestador em causa nos presentes autos, autonomia para alterarem os giros inicialmente atribuídos, redistribuindo, entre si, os objetos a entregar, caso os distribuidores entendam que a carga de objetos a entregar no seu código postal assim o justifica, podem sugerir à recorrente a entrada de novos colaboradores, criando verdadeiras subequipes cuja atividade coordenam diretamente.
Resulta provado, com interesse para esta questão, que: é necessário que os distribuidores, entre os quais AA, compareçam no Centro Operacional dos CTT Expresso entre as 07h00 e as 7h30, para organização de encomendas, picagem com PDA e carregamento de carga para distribuição (facto 9); AA toma conhecimento das encomendas a distribuir e a recolher através do PDA disponibilizado pela Ré (facto 23); AA inicia a sua atividade, começando por seleccionar as encomendas correspondentes ao seu giro (zona de entrega), seguidamente carrega a carrinha com as encomendas e, cerca das 09h, parte para a respetiva distribuição no destino final (facto 10); a atribuição do giro é efetuada pela CTT Expresso, que associa cada prestador a um Código Postal e uma letra (facto 11); para além das tarefas de distribuição de encomendas, a atividade de AA abrange as tarefas de recolha, que consiste em levantar encomendas junto de clientes da CTT Expresso (que vendem on line), as quais transporta nas ditas viaturas até ao Centro Operacional do MARL onde se segue o procedimento normal para posterior distribuição (facto 12); em regra, AA finda a jornada de trabalho cerca das 17h (facto 13); no exercício das suas funções, o trabalhador em causa utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho da entidade com quem a Ré celebrou contrato de prestação de serviços (i.é. fornecidos pelos CTT – Correios de Portugal, S.A.), e também fornecidos pela Ré (facto 16); AA utiliza, nomeadamente, um equipamento eletrónico (“PDA”) do qual é proprietária a CTT Expresso, SA e com o qual executa o registo das encomendas que entrega e verifica os giros das entregas e recolhas de encomendas (facto 17); no primeiro ano de vigência do contrato, a Ré pagava ao referido colaborador um valor mensal certo de € 700,00 por mês, passando depois a ser pago por cada ponto de entrega de encomendas (factos 20 e 21); CC coordena a atividade dos distribuidores da Ré, garantindo que toda a mercadoria sai do armazém para distribuição, aloca recursos onde é necessário, determina a eventual alteração ou redução do giro, com o acordo da CTT Expresso, determina as medidas a adotar em caso de avaria do PDA, e impõe o uso de equipamentos de proteção, sendo visto pelas chefias da CTT Expresso e pelos colaboradores como supervisor dos distribuidores da Ré (facto 24); EE, trabalhador da Ré, assume funções de “chefe de frota”, tratando dos assuntos relacionados com os veículos, designadamente, a manutenção (facto 26); os colaboradores têm que observar, ao longo do dia, horários de entrega de encomendas, nos casos em que os clientes da CTT Expresso tenham comprado janelas horárias para a entrega de objetos postais (facto 36); quando terminam as suas entregas e recolhas diárias pré-definidas, estas indicadas pela CTT Expresso diretamente ao distribuidor, os colaboradores da Ré regressam ao CTT MARL para entrega do PDA e fecho de contas. (facto 37).
Resulta dos referidos factos, considerados no seu conjunto, que AA está inserido na estrutura organizativa da Ré, e sujeito às contingências inerentes ao contrato de prestação de serviços que a Apelante celebrou com a CTT-Expresso, que, como salientado pela Mma juíza a quo contém uma minuciosa regulamentação com vista a assegurar os recursos humanos para a operação de distribuição desta empresa . No âmbito dessa operação, a actividade de AA é determinada pela Ré através do seu trabalhador CC, e também de EE, “chefe de frota” e responsável pelos assuntos relacionados com as viaturas, que exercem o seu poder de direcção sobre o prestador de trabalho, garantindo a execução eficaz da operação, apresentando-se a actividade do mesmo balizada pelos horários de entrega das encomendas, devendo apresentar-se no MARL no início e no fim da prestação diária, actividade portanto sujeita a uma série de procedimentos, que começam pela necessidade de utilização do PDA.
Acresce a isto, a manifesta dependência económica do prestador, que resulta do facto de trabalhar de segunda a sexta e também aos sábados e feriados (facto 15) e recebendo uma contrapartida em função das entregas que efectue.
Ante a verificação de um verdadeiro vínculo de subordinação jurídica traduzido na sujeição a ordens e instruções por parte de CC (e EE), não só não aparece atenuado o valor dos factos índice referidos em a) e b) do artigo 12º do CT - devido a razões de organização, não podendo a actividade deixar de estar concentrada num determinado local, como, por razões de racionalidade, os instrumentos pertencerem à Ré – como não descortinamos como poderemos considerar que AA goza de autonomia, relevante para afastar a natureza laboral da relação contratual estabelecida com a Ré.
E assim, no contexto desta relação contratual triangular – Ré, CTT-Expresso e AA - não se mostra ilidida a presunção de laboralidade a que alude o artigo 12º do CT, donde deve concluir-se pela existência entre AA e a Ré de um contrato de trabalho desde 14 de Dezembro de 2019.
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3. Da existência de um contrato de trabalho sem termo entre AA e a CTT-Expresso, S.A.
Pretende a Apelante se considere que entre AA e os CTT-Expresso existe um contrato de trabalho. Esta questão não foi invocada nos articulados, e, portanto, trata-se de uma questão nova.
O tribunal de recurso apenas pode substituir-se ao tribunal recorrido nos casos expressamente previstos. É o que resulta do disposto nos art. 608º nº 2, in fine, e 665º nº 2, ambos do CPC, e constitui doutrina e jurisprudência dominantes.
De facto, como afirma António Abrantes Geraldes, “A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha todos os elementos imprescindíveis».6 Também a jurisprudência vem decidindo nesse sentido. Assim, entre outros, vide Acórdão do STJ de 21-03-20127, nos termos do qual “a função do recurso no quadro institucional que nos rege é a de remédio para correcção de erros in judicando ou in procedendo, em que tenha incorrido a instância recorrida, processo de reapreciação pelo tribunal superior de questões já decididas e não de resolução de questões novas, ainda não suscitadas no decurso do processo. E o Acórdão desta Relação de 11-09-20128, “III - Os recursos destinam-se a permitir a reapreciação de decisões tomadas com base no acervo dos factos alegados pelas partes e não a alegar factos novos nem a suscitar questões novas. IV - As questões não colocadas pelas partes em momento processualmente adequado só podem ser apreciadas em fase de recurso na exacta medida em que delas o Tribunal possa ainda conhecer oficiosamente.”(sic)
Face ao exposto, e sem necessidade de outros considerandos, não se conhece da referida questão trazida à apreciação deste tribunal, mantendo-se a decisão recorrida.
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V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso interposto por XX & YY, Ld.ª, mantendo integralmente a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Apelante.
Registe.
Notifique.
Lisboa, 19-11-2025,
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Celina Nóbrega
Alda Martins
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1. Tinha a seguinte redacção: Por determinação da Ré, o colaborador devia comparecer diariamente, cerca das 07:30h nas instalações do seu cliente CTT Expresso, sitas no Centro Operacional da CTT Expresso, localizado no MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa).
2. Tinha a seguinte redacção: O colaborador AA e os restantes colaboradores da XX & YY, recebem ordens concretas de serviço transmitidas pelo trabalhador da Ré CC (com contrato de trabalho) e da CTT Expresso, quanto às encomendas a distribuir e a recolher no cliente, através do PDA.
3. Acórdão do STJ de 21-10-2009 – Processo 272/09.5YFLSB.
4. Mesmo acórdão referido na nota 1.
5. Está a referir-se ao artigo 644º do anterior CPC – “Relação entre a actividade das partes e a do juiz” – “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º”. Este preceito corresponde ao actual artigo 5º nº3 do CPC, com a diferença de que os factos que sejam concretização dos alegados podem ser considerados oficiosamente pelo juiz. – Nota da relatora.
6. Cfr Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2ª edição, pág. 94 e Recursos no Processo do Trabalho – Novo Regime, 2010, pág. 65.
7. Proc 130/10.0JAFAR.F1.S1, 3º Secção, disponível in www.dgsi.pt.
8. Proc 4336/07.1TVLSB.L2-1, disponível in www.dgsi.pt.