ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
CADUCIDADE
Sumário

1-Deverá ser permitida a revisão da incapacidade para além dos 10 anos previstos no art. 25.º, n.º 2 da lei 100/97, de 13/09 sempre que a situação clínica do sinistrado não estiver estabilizada.
2- É esta a interpretação mais conforme com o direito constitucional à assistência e justa reparação do sinistrado quando vítima de acidente de trabalho previsto na alínea f) do n.º 1 do art. 59.º da Constituição da República Portuguesa.
3-O acompanhamento médico pela seguradora, mediante consultas e prescrição de medicação, permite abalar, no caso em apreço, a presunção de estabilização da situação clínica da sinistrada.

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa :

I-Relatório
No presente incidente para revisão de incapacidade resultante de acidente de trabalho instaurado por AA ( com o patrocínio do Ministério Público) contra “Generali Seguros, S.A.”, foi proferido o seguinte despacho :
« A Generali Seguros, SA veio requerer que seja dado sem efeito o presente (novo) pedido de revisão de incapacidade, uma vez que o mesmo é manifestamente extemporâneo alegando para o efeito que tendo em consideração que a alta inicial foi a 2008, e data da decisão do último incidente de revisão foi em 29/04/2013, e o direito do sinistrado requerer a revisão da sua pensão caducou porquanto decorreram mais de 10 anos sem que tal pensão tivesse sido objeto de qualquer outro pedido de revisão.
O Ministério Público no exercício do patrocínio da sinistrada pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido pela companhia de seguros porquanto a sinistrada foi recebendo assistência médica por parte dos serviços clínicos da seguradora pelo menos desde meados do ano de 2014 até abril de 2017, por “efeitos tardios de esmagamento” da tibiotársica esquerda.
Nesse período foi submetida a múltiplas intervenções entre 2005 e 2007 e em 2011.
Foi submetida a 8 intervenções cirúrgicas tal como decorre do boletim datado de 22/10/2014.
Sendo assim notório que a situação não se pode ter por consolidada nesse período de 10 anos.
Cumpre apreciar.
Dos autos principais resulta que o acidente de trabalho em causa nos autos ocorreu no dia 25/08/200511, tendo sido fixada uma IPP de 17,83% por sentença homologatória de 17 de outubro de 2008.
A sinistrada AA veio, em 16 de novembro de 2012, veio requerer a reavaliação da incapacidade de que se encontra afetada tendo no incidente sido proferida decisão, a manter essa IPP, datada de 26.04.2013.
A sinistrada AA veio, em 12 de julho de 2024, veio requerer a reavaliação da incapacidade de que se encontra afetada alegando para o efeito que as lesões sofreram agravamento significativo, e a sua capacidade de ganho residual tem-se modificado.
Não consegue estar muito tempo de pé, pois fica com muitas dores no pé, que fica muito inchado.
Acresce que perdeu a sensibilidade na parte inferior do pé.
As queixas que apresenta dificultam o exercício da atividade profissional.
Juntou um documento como resumo clínico da Tranquilidade (Generali) com diário clínico do GIGA - Grupo Integrado de Gestão de Acidentes, S.A. com a 1.ª consulta de avaliação do dano corporal em 15.10.2014 onde consta “Doente com sequelas de esmagamento da tibiotársica esquerda em 2005. Múltiplas intervenções entre 2005 e 2007.
Última intervenção 2011 Dr. BB. Cirurgias de Retalhos e desbridamentos a nível da face interna retropé. Ultima cirurgia terá retirado neuroma (?) Tem IPP 17% Volta por quadro de recaída por dor intensa no bordo inferior do retalho. como há 3 anos. Dor irradia para o restante pé.(…)”.
Em 1.9.2015 teve nova consulta de avaliação do dano onde, nomeadamente, consta que a sinistrada teve “recaída por dor intensa no bordo inferior do retalho em Outubro 2014 -cor irradia para o restante pé. Foi pedida reavaliação por Cirurgia Plástica - RMN -recidiva de neuroma de Morton? A doente já foi operada 8 vezes.(…)”.
Foi acompanhada com regularidade em consultas de avaliação do dano e de seguimento de ortopedia, anestesiologia e de cirurgia plástica pelo referido GIGA entre 15.10.2014 e 10.4.2017, data em que lhe foi dada alta, mas onde consta do parecer da médica (Dr.ª CC) “Tendo em conta os sucessivos e frequentes episódios de recaída, penso que será de ponderar assistência vitalícia. Aguarda revisão de processo ITA”.
Este documento foi junto pela sinistrada com o seu requerimento de revisão em 12.7.2024 e tendo sido notificada à companhia de seguros, nada foi dito.
Consta um requerimento nos autos principais da sinistrada (apresentado nos autos em 12.7.2024) datado de 30.4.2024 a requerer ser observada pelos serviços clínicos da seguradora e fazer exames em face de alegada recaída, o que lhe foi indeferido.
Por insistência do tribunal para que fosse agendada consulta à sinistrada veio a companhia de seguros responder por e-mail de 23.9.2024 que “o direito à prestação em espécie mantém-se, apenas e só, caso se verifique um agravamento e/ou recidiva.
Ora, este processo clínico foi recentemente alvo de reanálise por parte dos seus serviços clínicos, sendo certo que é entendimento dos mesmos que não se verifica qualquer agravamento e que as queixas referidas presentemente consubstanciam um quadro clínico idêntico àquele que já se verificava à data da atribuição da alta e que oportunamente foram valorizadas e indemnizadas em sede judicial.
Mais se esclarece que é parecer clínico desta Seguradora que foi atingido o potencial máximo de recuperação, portanto, não se prevendo melhorias com a continuidade de qualquer tratamento.
Esta mesma informação foi, de resto, já transmitida à sinistrada, no qual comunicámos a opinião do nosso Conselho Médico face ao pedido por si formulado e que agora reiteramos.
Pelo exposto, caso a sinistrada não concorde com este entendimento poderá sempre suscitar o respetivo incidente de revisão”.
Em face da data do acidente a lei que se encontrava então em vigor para os acidentes de trabalho era a Lei nº 100/97 de 13/09, pelo que a revisão deverá ser analisada com base no critério da aludida lei ( art. 187º nº1 da Lei nº 98/2009 de 4/09).
É certo que a Lei atualmente vigente que estabelece o âmbito do regime de reparação dos acidentes de trabalho - Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro - ao contrário do que acontecia com a citada Lei n. ° 100/97 (que estabelecia o limite de 10 anos para a revisão), já não estabelece prazo que limite a possibilidade de revisão da incapacidade. Contudo também é seguro que este regime, por determinação expressa do legislador, só se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor desse mesmo diploma, que ocorreu no dia 1 de Janeiro de 2010 (cfr. arts 187.° e 188.º).
Acontece que mais recentemente pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu Ac. de 29.3.2023, Proc. n.º 825/08.9TTBRG.2.G1.S1 in www.dgsi.pt no sentido do “art.º25.º, n.º 2, da Lei no 100/97, de 13 de Setembro, ao fixar o prazo legal de 10 anos para revisão de incapacidade, estabelece uma presunção de estabilização da situação de incapacidade resultante do acidente de trabalho, já que o mesmo prazo se revela, na generalidade e segundo a normalidade das coisas, um prazo suficientemente dilatado para permitir considerar como consolidada a situação clínica do sinistrado;
II - Esse artigo 25.º, n.º 2, da Lei no 100/97, de 13 de setembro, é inconstitucional por violação do artigo 59.º, no 1, alínea f), da Constituição, quando interpretado no sentido de o prazo preclusivo de 10 anos se aplicar também a situações em que a situação clínica do sinistrado não se pode presumir de estabilizada;
III- Deve considerar-se insubsistente a presunção de estabilização da situação clínica numa situação em que, dentro do referido prazo, o Tribunal condenou a seguradora a prestar ao sinistrado, de forma regular, consultas de urologia, na sequência de solicitação do sinistrado do agendamento dessas consultas médicas, o que lhe foi sempre deferido”.
Nesse Acórdão do STJ faz-se referência ao teor do acórdão do Tribunal da Relação em apreciação e deste consta com a concordância do STJ nomeadamente a seguinte fundamentação: “ (…) Em consonância, diversos arestos do Tribunal Constitucional concluem pela inconstitucionalidade da norma, caso existam circunstâncias que indiciam a não estabilização da lesão no decurso do prazo legal de 10 anos. São disso exemplo a ocorrência de revisões intercalares da pensão fixada ou de outro circunstancialismo que possa indiciar uma evolução desfavorável pelo agravamento, ou favorável pela melhoria da lesão. Se a impossibilidade de pedir a revisão após aquele prazo tem a sua razão de ser na presunção de que, findo aquele período, se dá a consolidação da lesão, consequentemente, nos referidos contextos, a presunção está ilidida - Acórdãos do Tribunal Constitucional nos: 147/2006, de ...; 59/07, de 30-01;161/09, de ...; 583/2014, de ....(...)
Na decisão recorrida ignorou-se por completo que o próprio tribunal, anteriormente, aquando da fixação da pensão, condenou a seguradora a prestar ao autor, de forma regular, consultas de urologia e que este, por três vezes, a última delas datada de .../.../2016, veio a tribunal solicitar o agendamento de consultas médicas e agilização do respectivo processo através de atribuição pela seguradora de uma credencial, o que lhe foi sempre deferido, a última vez por despacho de .../.../2016 (remete-se para o relatório, onde consta pormenorizadamente a cronologia destes pedidos).
Ora, o facto de, por decisão judicial, se ter condenado a seguradora em prestações em espécie e de o sinistrado, por diversas vezes, ter vindo aos autos reclamar o agendamento de consultas médicas afasta a presunção de estabilização das lesões. Ainda que não tivesse havido revisão da pensão, não se pode considerar, perante esta factualidade, que as lesões estavam estabilizadas. Se assim fosse, o sinistrado não teria vindo a tribunal pedir o agendamento de consultas/tratamentos médicos que logo foram inicialmente determinadas, a seguradora a tal se teria oposto (o que não aconteceu) e o tribunal não teria deferido os pedidos.(...)
Similarmente, no presente caso se conclui que a instabilidade da situação clínica do sinistrado aferida pelas ordens judiciais para a seguradora prestar o acompanhamento médico necessário, infirma a presunção de estabilidade das lesões. É desajustado invocar, em contrário, razões de segurança jurídica, porquanto a seguradora tinha conhecimento desse acompanhamento, além deste princípio não ter carácter absoluto e, no caso, dever ceder perante outro com igual importância na hierarquia constitucional.
Pelo que se entende que, no caso, a efetivação do direito constitucional à justa reparação dos danos advinda de acidente de trabalho (59º,1, alínea f), da CRP), não se mostra adequadamente assegurada somente pela primeira fixação de pensão por incapacidade, se entendida em termos irrevogáveis ou imodificáveis e decorrido que esteja o prazo legal de dez anos (25º, 2, da LAT) para o pedido da respetiva revisão. Razão pela qual a de inconstitucionalidade a norma em causa, quando interpretada no sentido de estabelecer um prazo preclusivo não obstante as particularidades referidas, pelo que se desaplica a mesma”.
Do mesmo modo, veja-se o Ac. do TRC de 9.11.2022, Proc. n.º 271/14.5TTLMG- B.C1 in www.dgsi.pt“I – É inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma contida nos n.ºs 1 e 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, quando interpretada no sentido de estabelecer um prazo preclusivo de dez anos, contados da fixação original da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento superveniente de lesões sofridas, nos casos em que, desde a fixação da pensão e o termo desse prazo de dez anos, apesar de mantida a incapacidade, a entidade responsável fique judicialmente obrigada a prestar tratamentos médicos ao sinistrado.
II – Deve ter-se por afastada a presunção de estabilização das sequelas causadas por acidente de trabalho, presunção que deve ser a referência para a ponderação da caducidade do pedido de revisão – na conformidade constitucional –, no caso em que foi logo desde o início da fixação inicial da incapacidade – e depois mantida e agravada nos anos seguintes –a prestação de cuidados médicos e ortopédicos ao sinistrado
III – Por conseguinte, no mesmo caso deve ser admitido o pedido de revisão ainda que tenham decorrido mais de dez anos sobre a última fixação judicial do grau de incapacidade decorrente das lesões sofridas em acidente de trabalho.”
Finalmente, ainda com relevância, decidiu-se no Ac. do TRG de 15.12.2022, Proc. n.º 854/08.2TTBRG.2.G1 in www.dsgi.pt que “A norma do n.º 2, do artigo 25.º, da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, não está ferida de inconstitucionalidade, quando interpretada no sentido de consagrar um prazo preclusivo de 10 anos para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, a contar da originária fixação da pensão, se entre essa data e o pedido de revisão, ocorrido após o decurso de 10 anos -, não tiver ocorrido revisão da incapacidade nem tiver a seguradora prestado tratamentos ao sinistrado, não resultando ilidida a presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado.”
Ora, da prova junta aos autos com o requerimento de revisão foi junto um documento como resumo clínico da Tranquilidade (Generali) com diário clínico do GIGA – Grupo Integrado de Gestão de Acidentes, S.A. com a 1.ª consulta de avaliação do dano corporal em 15.10.2014 onde consta “Doente com sequelas de esmagamento da tibiotársica esquerda em 2005. Múltiplas intervenções entre 2005 e 2007. Última intervenção 2011 Dr. BB. Cirurgias de Retalhos e desbridamentos a nível da face interna retropé. Ultimacirurgia terá retirado neuroma (?) Tem IPP 17% Volta por quadro de recaída por dor intensa no bordo inferior do retalho. como há 3 anos. Dor irradia para o restante pé.(…)”.
Em 1.9.2015 teve nova consulta de avaliação do dano onde, nomeadamente, consta que a sinistrada teve “recaída por dor intensa no bordo inferior do retalho em Outubro 2014 -dor irradia para o restante pé. Foi pedida reavaliação por Cirurgia Plástica - RMN -recidiva de neuroma de Morton? A doente já foi operada 8 vezes.(…)”.
Foi acompanhada com regularidade em consultas de avaliação do dano e de seguimento de ortopedia, anestesiologia e de cirurgia plástica pelo referido GIGA entre 15.10.2014 e 10.4.2017, data em que lhe foi dada alta, mas onde consta do parecer da médica (Dr.ª CC) “Tendo em conta os sucessivos e frequentes episódios de recaída, penso que será de ponderar assistência vitalícia. Aguarda revisão de processo ITA”.
Assim, verifica-se que entre 15 de outubro de 2014 e 10 de abril de 2017 a sinistrada recorreu com regularidade aos serviços clínicos da seguradora para acompanhamento dos seus cuidados de saúde com consultas de avaliação do dano e de seguimento de ortopedia, anestesiologia e de cirurgia plástica pela seguradora derivado do acidente ocorrido em 25/08/2005 e em consequência de uma recaída relacionada com o acidente, porquanto lhe foi diagnosticado em 15.10.2014 “um quadro de recaída por dor intensa no bordo inferior do retalho com dor a irradiar para o restante pé”.
Em face das queixas e recaída apresentada pela sinistrada em 15.10.2014, do acompanhamento dos cuidados de saúde que a mesma teve pela seguradora de 15.10.2014 até 10.4.2017, não se pode presumir a situação clínica da sinistrada como estabilizada, pelo que, atendendo a que o requerimento de revisão foi apresentado em 12.7.2024, não se pode considerar caducado o direito de a mesma solicitar a revisão.
Pelo exposto, mantém-se o já admitido incidente de revisão de incapacidade requerido pela sinistrada, indeferindo-se o requerido pela companhia de seguros.»
*
A R. recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões:
1 – A decisão recorrida violou o preceituado no artigo 25º, nº 2 da Lei nº 100/97, de 13 de setembro, bem como no disposto nos artigos 12º, nº 1 e 333º, nº 1 do CC e no artigo 187º da Lei nº 98/2009 de 4.9;
2 - O acidente dos autos ocorreu em 25.08.2005 e do mesmo resultou uma IPP de 17,83%, tendo em consequência sido fixada a pensão anual e vitalícia correspondente por sentença de 17 de outubro de 2008;
3 - Posteriormente, em 16.11.2012, a sinistrada veio aos autos apresentar um incidente de revisão da incapacidade por alegado agravamento, o qual foi julgado improcedente, mantendo-se a IPP inicial;
4 - Apesar de ter tido acompanhamento clínico entre 2014 e 2017, nunca o mesmo se traduziu na constatação de qualquer modificação do quadro clínico e nunca a
sinistrada requereu qualquer novo incidente de revisão;
5 - Veio apenas em 12.07.2024 a sinistrada apresentá-lo, numa altura em que tinham decorrido mais de 10 anos desde o último incidente, o qual, repita-se, não foi procedente, tendo-se considerado que o quadro clínico não tinha sofrido qualquer agravamento;
6 - O direito que se pretende exercer com um pedido de revisão é um direito que nasce na data e por efeito do acidente de trabalho, sendo o alegado e pretenso agravamento a condição legalmente prevista para o reconhecimento do direito a uma prestação pecuniária, ou a uma de montante mais elevado, tendo em conta que as pensões se baseiam no coeficiente de incapacidade e no montante do salário auferido na data do acidente;
7 - Nos termos do nº 2 do artigo 25º da Lei nº 100/97, “A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.”
8 - Haverá que distinguir quando o sinistrado requeira diversos exames de revisão nos primeiros 10 anos sobre a data da fixação inicial da incapacidade, ou da alta, e possa prosseguir, após o termo desses 10 anos, no requerimento de novos exames de revisão (como se não houvesse qualquer prazo), daquelas outras situações em que o sinistrado nunca requereu exame de revisão, no prazo inicial de 10 anos, ou em qualquer caso estando mais de 10 anos sem formular qualquer pedido de revisão, considerando o último pedido apresentado;
9 - Se a sinistrada não exerceu tal direito durante esse prazo, tal inércia só pode, pelo menos, indiciar uma estabilidade e consolidação da sua situação clínica;
10 - Quanto à assistência médica solicitada pela sinistrada entre 2014 e 2017, diremos que a mesma jamais poderá, só por si, ter a virtualidade de interromper o prazo de caducidade do direito legalmente previsto - a sinistrada tem uma incapacidade atribuída de 17,83%, pelo que tem, evidentemente, as correspondentes limitações inerentes. É natural pois, que sinta necessidade de procurar assistência médica decorrente (ou não) de tais limitações, sem que tal consubstancie uma alteração do quadro clínico;
11 - O quadro clínico está, como estava em 2013, no contexto do primeiro incidente de revisão apresentado, consolidado, conforme parecer do Conselho Médico da ora Recorrente mencionado na decisão e o parecer da Dra. CC, igualmente referido na decisão recorrida, não permite concluir em sentido contrário;
12 - A sinistrada tem queixas, como sempre teve e terá, mas a ausência de agravamento em 2013 e a inexistência de novos incidentes de revisão desde então até 2024, confirmam a presunção legal de estabilização da lesão, decorridos que estão mais de 10 anos;
13 - De resto, a jurisprudência citada na decisão recorrida respeita a situações diversas da analisada nos presentes autos, uma vez que aborda casos em que foi fixada judicialmente a obrigação de prestação de tratamentos médicos aos sinistrados aquando da fixação inicial da incapacidade, o que não se verificou no presente caso;
14 - A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão é, clara: Se até um dado momento, não ocorreu qualquer evolução da lesão, seja pelo agravamento, seja pela melhoria, uma vez ultrapassado esse momento dificilmente ela virá a ocorrer.
Esse momento a partir do qual se presume que já não vai haver evolução fixou-o o legislador no termo dos dez anos após a fixação da pensão. Considerou, por isso razoável que já não seja possível pedir a revisão da pensão;
15 - Com efeito, o grupo de casos em que foram produzidos juízos de inconstitucionalidade da norma que estabelece o prazo de caducidade de dez anos, reportam-se a situações de facto em que, a certo momento do período de dez anos, ocorreram revisões da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado;
16 - Nestas condições, em que se verifica uma circunstância que indicia a não estabilização da lesão no decurso daquele prazo, o Tribunal entendeu que era inconstitucional não permitir a revisão da pensão;
17 - Já no grupo de casos em que se julgou não inconstitucional a norma do artigo 25.º, n.º 2, da Lei nº 100/97, estavam em causa situações em que o prazo de dez anos decorreu sem que tivessem ocorrido quaisquer revisões da pensão (seja porque não
foram formulados pedidos de revisão, seja porque foram indeferidos). Aqui o entendimento do Tribunal assentou no pressuposto de que, nessa circunstância, não havia qualquer razão para deixar de presumir a estabilização da lesão. Como tal, o Tribunal considerou que não existiam motivos para manter o juízo de inconstitucionalidade que havia formulado nos arestos do grupo supra referido, neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 219/2012 e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 694/2014;
18 - Em conclusão, a decisão recorrida deverá ser revogada pelos seguintes motivos atinentes ao caso concreto que o distinguem das situações abordadas na jurisprudência citada pelo Tribunal a quo:
- O acidente ocorreu em 2005, com a fixação de uma IPP de 17,83% homologada por sentença, sem a fixação judicial de assistência médica futura à sinistrada;
- O incidente de revisão apresentado pela sinistrada em 2013 foi julgado improcedente, concluindo-se pela inexistência de agravamento;
- Decorreram mais de 10 anos entre o acidente e o actual incidente de revisão e mostra-se igualmente esgotado esse prazo, considerando o incidente de revisão de 2013;
- A sinistrada, dada a sua limitação, inerente à incapacidade fixada (que não é irrelevante), tem naturalmente queixas e procurou assistência médica entre 2014 e 2017, mas essa circunstância só por si e desacompanhada da verificação dos três pontos anteriores, não pode ter a virtualidade de elidir a presunção de estabilização das sequelas.
19 - Termos em que deverá proceder a caducidade do direito invocada pela ora Recorrente, não sendo admitido o incidente de revisão apresentado, sob pena de violação dos mais elementares princípios de segurança e certeza jurídicas concedidos
pela norma do nº 2 do artigo 25º da Lei nº 100/97.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao recurso apresentado e ser a douta decisão revogada.
A recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusõe :
1- O acidente de trabalho em causa nos autos ocorreu no dia 25/08/2005, na vigência da Lei nº 100/97 de 13/09, pelo que a revisão deverá ser analisada com base no critério da aludida lei (art. 187º nº1 da Lei nº 98/2009 de 4/09).
2- É verdade que decorreram mais de 10 anos entre a data da fixação da incapacidade e o pedido de revisão de pensão, posto que a IPP foi fixada no dia 17/10/2008, e o pedido de revisão está datado 12 de julho de 2024.
3- Antes, a incapacidade fora reavaliada por requerimento de 16/11/2012, resultando a manutenção da IPP ( decisão de 26/04/2013).
4- Acontece que, desde 2005 que, em consequência do acidente que sofreu, a sinistrada tem vindo a receber assistência médica por parte dos serviços clínicos da seguradora.
5- O que aconteceu também entre 15/10/2014 e pelo menos 10/04/2017.
5- Por causa das lesões resultantes do acidente, a sinistrada foi submetida a 8 cirurgias.
6- O próprio médico da entidade seguradora reconheceu existir agravamento quando fez constar no boletim médico de 10/04/2017: “Tendo em conta os sucessivos e frequentes episódios de recaída, penso que será de ponderar assistência vitalícia”.
7- Não obstante as recaídas, a recorrente tem recusado ultimamente prestar assistência à sinistrada, apesar de a isso estar obrigada nos termos dos arts. 23º e 24º da
LAT.
8- É notório que a situação não se pode ter por consolidada no período de 10 anos previsto no art. 25º da Lei nº 100/97.
9- O art. 59º nº1 al. f) da Constituição da República Portuguesa estabelece o direito fundamental dos trabalhadores à assistência e à justa reparação quando são vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
10- O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a questão tendo considerado inconstitucional a interpretação do nº 2 do art. 25º da Lei nº 100/97 quando interpretado no sentido de considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas , e ao não permitir, em caso algum, a revisão da pensão.
11- A situação não se pode ter por consolidada no período de 10 anos referido no art. 25º da Lei 100/97, pelo que deverá o incidente de revisão da incapacidade ser admitido, sob pena de violação do direito à justa reparação previsto no art. 59º nº1 al. f) da Constituição da República Portuguesa
12- O Mmº Juiz fez uma correta subsunção da lei, pelo que o douto despacho não merece qualquer reparo.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso em apreço, confirmando-se, assim, a douta decisão recorrida.
*
II- Importa solucionar no âmbito do presente recurso se deve ser revogada a decisão recorrida que julgou improcedente a excepção de caducidade.
*
III- Apreciação
Os factos com interesse para a decisão são os seguintes :
-O acidente de trabalho em causa nos autos ocorreu no dia 25/08/2005, tendo sido fixada uma IPP de 17,83% por sentença homologatória de 17 de outubro de 2008;
-A sinistrada AA veio, em 16 de novembro de 2012, veio requerer a reavaliação da incapacidade de que se encontra afetada tendo no incidente sido proferida decisão, a manter essa IPP, datada de 26.04.2013;
-A sinistrada AA veio, em 12 de julho de 2024, veio requerer a reavaliação da incapacidade de que se encontra afetada alegando para o efeito que as lesões sofreram agravamento significativo, e a sua capacidade de ganho residual tem-se modificado;
- Mais refere a sinistrada que :
-Não consegue estar muito tempo de pé, pois fica com muitas dores no pé, que fica muito inchado;
-Acresce que perdeu a sensibilidade na parte inferior do pé;
-As queixas que apresenta dificultam o exercício da atividade profissional;
-Juntou um documento como resumo clínico da Tranquilidade (Generali) com diário clínico do GIGA - Grupo Integrado de Gestão de Acidentes, S.A. com a 1.ª consulta de avaliação do dano corporal em 15.10.2014 onde consta “Doente com sequelas de esmagamento da tibiotársica esquerda em 2005. Múltiplas intervenções entre 2005 e 2007. Última intervenção 2011 Dr. BB. Cirurgias de Retalhos e desbridamentos a nível da face interna retropé. Ultima cirurgia terá retirado neuroma (?) Tem IPP 17% Volta por quadro de recaída por dor intensa no bordo inferior do retalho, como há 3 anos. Dor irradia para o restante pé.(…)”;
-Em 01.9.2015 teve nova consulta de avaliação do dano onde, nomeadamente, consta que a sinistrada teve “recaída por dor intensa no bordo inferior do retalho em Outubro 2014 -cor irradia para o restante pé. Foi pedida reavaliação por Cirurgia Plástica - RMN -recidiva de neuroma de Morton? A doente já foi operada 8 vezes.(…)”;
-Foi acompanhada com regularidade em consultas de avaliação do dano e de seguimento de ortopedia, anestesiologia e de cirurgia plástica pelo referido GIGA entre 15.10.2014 e 10.4.2017, data em que lhe foi dada alta, mas onde consta do parecer da médica (Dr.ª CC) “Tendo em conta os sucessivos e frequentes episódios de recaída, penso que será de ponderar assistência vitalícia. Aguarda revisão de processo ITA”;
-Consta um requerimento nos autos principais da sinistrada (apresentado nos autos em 12.7.2024) datado de 30.4.2024 a requerer ser observada pelos serviços clínicos da seguradora e fazer exames em face de alegada recaída, o que lhe foi indeferido pela Seguradora;
-Por insistência do tribunal para que fosse agendada consulta à sinistrada veio a companhia de seguros responder por e-mail de 23.9.2024 que “o direito à prestação em espécie mantém-se, apenas e só, caso se verifique um agravamento e/ou recidiva. Ora, este processo clínico foi recentemente alvo de reanálise por parte dos seus serviços clínicos, sendo certo que é entendimento dos mesmos que não se verifica qualquer agravamento e que as queixas referidas presentemente consubstanciam um quadro clínico idêntico àquele que já se verificava à data da atribuição da alta e que oportunamente foram valorizadas e indemnizadas em sede judicial.
Mais se esclarece que é parecer clínico desta Seguradora que foi atingido o potencial máximo de recuperação, portanto, não se prevendo melhorias com a continuidade de qualquer tratamento.
Esta mesma informação foi, de resto, já transmitida à sinistrada, no qual comunicámos a opinião do nosso Conselho Médico face ao pedido por si formulado e que agora reiteramos.
Pelo exposto, caso a sinistrada não concorde com este entendimento poderá sempre suscitar o respetivo incidente de revisão”.
Ao abrigo do disposto no art. 607º, nº 4 e 663º, nº2, do CPC, importa ainda aditar o seguinte facto:
-Resulta ainda do documento junto com o presente incidente de revisão que no período de a que reporta o indicado resumo foi revista pelos serviços clínicos da seguradora a medicação da sinistrada, designadamente em 22.10.2014, 27.11.2014 e 18.12.2014, conforme resumo clínico acima indicado cujo teor damos por reproduzido.
*
Atenta a data do presente acidente, não será aplicável ao caso concreto a lei nº 98/2009, de 04/09 ( vide art. 187º, nº1 da citada lei), mas sim a lei nº 100/97 de 13 de Setembro.
O art. 25º, nº2 da lei 100/97 estabelecia que a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
É certo que no caso concreto o 1º incidente de revisão ( apresentado em 16.11.2012) foi julgado improcedente por decisão de 26.04.2013.
Mas importa considerar, conforme refere a decisão recorrida, o posterior acompanhamento da situação do sinistrado pela seguradora.
Conforme refere o Acórdão do STJ de 29.03.2023 ( relatado pelo Conselheiro Ramalho Pinto- www.dgsi.pt ) :
«O prazo legal de 10 anos revela-se, na generalidade e segundo a normalidade das coisas, um prazo suficientemente dilatado para permitir considerar como consolidada a situação clínica do sinistrado (…)
Trata-se de uma presunção de estabilização da situação de incapacidade resultante do acidente.
A questão da constitucionalidade da fixação de limites temporais para o exercício do direito à revisão da incapacidade, com a consequente possibilidade de revisão da pensão por acidentes de trabalho, tem sido objecto de diversas decisões do Tribunal Constitucional, com a consolidada jurisprudência da conformidade da norma que estabelece um prazo de 10 anos para requer a revisão das prestações por acidente de trabalho, mas com a ressalva, e como se refere no acórdão recorrido, de que sempre que aquela presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado, no período temporal estabelecido pelo legislador, for abalada, a revisão deve ser permitida para além dos 10 anos, sob pena de inconstitucionalidade por violação do direito a assistência e justa reparação a que o trabalhador vítima de acidente de trabalho tem direito- 59º, 1, f), da CRP.
Vejam-se, neste sentido, os acórdãos 205/2014 , 111/2014, 219/12, 271/10, 161/2009, 490/2008 e ...4.../06.
Ora, estamos perante um caso concreto em que se deve considerar como afastada aquela presunção. Embora não tenha havido qualquer pedido de revisão dentro do prazo de 10 anos, acontece que o tribunal de 1a instância condenou a seguradora a prestar ao Autor, de forma regular, consultas de urologia e que este, por três vezes, a última delas datada de .../.../2016, veio a Tribunal solicitar o agendamento de consultas médicas e agilização do respectivo processo através de atribuição pela seguradora de uma credencial, o que lhe foi sempre deferido, a última vez por despacho de .../.../2016
O surgimento da necessidade dessas consultas e as decisões judiciais que determinaram a sua prestação tornaram, naturalmente, insubsistente a presunção de estabilização da situação clínica.»
No caso em apreço, verificamos que a sinistrada foi diversas vezes consultada e medicada pelos serviços clínicos da seguradora de 15.10.2014 até 10.4.2017, pelo que, não obstante tal acompanhamento não ter sido no período em causa determinado pelo Tribunal, não poderia a ora recorrente ter concluído pela estabilização da situação clínica.
Conforme refere o citado Acórdão do STJ, deverá ser permitida a revisão da incapacidade para além dos 10 anos previstos no art. 25º, nº2 da lei 100/97 sempre que a presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado se mostrar abalada.
É esta a interpretação mais conforme do citado art. 25º, nº2 da lei 100/97 com o direito constitucional à assistência e justa reparação do sinistrado quando vítima de acidente de trabalho previsto na alínea f) do nº 1 do art. 59º da Constituição da República Portuguesa.
Concluímos, assim, no caso subjudice, que, face ao acompanhamento pela seguradora da situação clínica da sinistrada no período de 15.10.2014 até 10.4.2017, não se pode considerar caducado o direito à revisão da incapacidade.
Improcede, desta forma, o recurso de apelação.
*
IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 19 de Novembro de 2025
Francisca Mendes
Carmencita Quadrado
Alda Martins

1. Constava “20005”, por manifesto lapso.