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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA INDICIÁRIA
OFENSA A ORGANISMO
SERVIÇO OU PESSOA COLECTIVA
DENÚNCIA CALUNIOSA
Sumário
Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. Para ser conhecida, pelo Tribunal de recurso, a impugnação ampla da matéria de facto (erro de julgamento), uma das formas de impugnação da matéria de facto, tem o recorrente, nas suas conclusões, o ónus de especificar os pontos concretos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas concretas que impõe decisão diversa da recorrida, as provas que, sendo caso disso, devem ser renovadas, bem como, estando a prova gravada, de transcrever ou indicar a passagem ou passagens das declarações/depoimentos da gravação áudio, que suportem entendimento diverso, com indicação do início e termo desses segmentos em cumprimento do previsto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, sob pena de não pode ser conhecida, por incumprimento das formalidades legalmente prescritas, nos referidos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º, do CPP. II. Se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido tem suporte adequado naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si, a Relação só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais, não podendo subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do Julgador construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade, só podendo, a reapreciação da prova, determinar a alteração à matéria de facto se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem decisão diversa e não apenas que permitem uma outra decisão. III. No caso em apreciação, tendo o recorrente cumprido o ónus de especificação referido em I., este Tribunal de recurso procedeu à audição da prova gravada indicada pelo recorrente, e reapreciada esta, conjuntamente com a prova documental atendida pelo Tribunal recorrido e constante dos autos, não ficou com dúvida razoável sobre a prova dos factos impugnados pelo recorrente, não impondo, a sua reapreciação decisão diversa da proferida pela 1.ª instância, concluindo-se que o Tribunal recorrido formou a sua convicção com provas não proibidas por lei, com respeito pela livre apreciação da prova, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade. IV. É consensual na doutrina e jurisprudência que, para além dos meios de prova directos, é legítimo o recurso à prova indireta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial, podendo o Tribunal socorrer-se de procedimentos lógicos de conhecimento ou dedução de factos desconhecidos (factos-consequência)a partir de factos conhecidos (factos base), existindo uma conexão racional forte entre os factos base e os factos consequência, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art.º 125.º, do Código de Processo Penal, estando conforme a constituição. V. Aprova dos factos subjectivos, não sendo, em regra, apreensíveis directamente, constituem inferências que se retiram da factualidade objectiva provada, com base em presunção natural, à luz das regras da experiência comum, socorrendo-se o Julgador de um juízo lógico a partir dos factos objectiváveis resultantes da actuação do arguido que se assume como repetitiva e insistente e da demais matéria provada e do seu encadeamento lógico. VI. São elementos objectivos do crime de Ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva p. e p. pelo artigo 187.º do Cód. Penal: - ao nível do sujeito activo: qualquer pessoa; -ao nível do sujeito passivo(vítima do crime): organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação. -ao nível da conduta: afirmação propalação de factos inverídicos, sem fundamento para, em boa fé, serem tidos por verdadeiros, susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos ao ente colectivo. -que os factos sejam idóneos a ferir a credibilidade, o prestígio ou a confiança que o ente visado deve merecer. VII. No que respeita ao elemento subjectivo o crime de Ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva admite qualquer modalidade do dolo. VIII. O crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art.º 365º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal, tem como elementos objectivos e subjectivos: -A denúncia pública, por qualquer meio, perante autoridade competente ou o lançamento de suspeita, de que determinada pessoa (determinada ou identificável) praticou um crime, contraordenação ou ilícito disciplinar, sendo os factos imputados ainda que sob a forma de suspeita, idóneos a provocarem procedimento criminal, contraordenacional ou disciplinar (elementos objectivo); -A prova da falsidade dos factos imputados (elementos objectivos); -A consciência dessa falsidade por parte do agente (elemento subjectivo); -A intenção do agente de que contra o visado seja instaurado procedimento criminal, contraordenacional ou disciplinar (elemento subjectivo). IX. O Tribunal de Recurso, em sede de escolha e determinação da pena, não decide como se não existisse uma decisão de primeira instância, não se tratando de um re-julgamento, assistindo ao tribunal de primeira instância uma margem de actuação, componente do acto de julgar, podendo este Tribunal de Recurso alterar a pena, mas apenas quando são detectadas incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido pelo Tribunal de primeira instância; na interpretação e aplicação dos princípios e das normas legais e constitucionais que regem a pena; nas operações de determinação da medida da pena (indicação e consideração dos factores na fixação da pena concreta); quando sejam violadas, na fixação exacta da pena concreta, regras da experiência ou quando a mesma se revelar manifestamente desproporcionada. X. São elementos fundamentais da operação de escolha entre pena privativa e pena não privativa da liberdade as finalidades da punição, traduzidas na protecção de bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade (art.os 40.ºe 70.º, do Código Penal), sendo que na determinação da medida da pena deverá atender-se às exigências de prevenção especial e de prevenção geral, e à pela medida da culpa do agente, sendo que a culpa constitui o limite inultrapassável da pena (art.º 71.º, n.º1 e 40.º, do CP). XI. No caso em apreço atendendo aos antecedentes criminais do arguido, à sua conduta posterior e dada a gravidade da conduta, conjugada com as fortes exigências de prevenção geral, a mera aplicação de uma pena de multa ficaria aquém dos fins de prevenção geral e especial acima enunciados e seria gerador de sentimentos de impunidade. XII. Na consideração do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, devendo ter-se em conta a possível conexão existente entre os factos em concurso. XIII. A determinação da pena do concurso exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor (art.º 77.º, do CP).
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. Realizado o julgamento de AA, filho de BB e de CC, nascido a ........1958, natural de ..., solteiro, engenheiro eletrónico e de telecomunicações, titular do C.C. nº … e residente na ... acusado da prática, como autor material, na forma consumada e em concurso real, de um (1) crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º 1 e 2 a), do Cód. Penal; e de ove (9) crimes de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º 1) do Cód. Penal, no processo: 1887/22.1... comum colectivo, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 14, foi proferido Acórdão condenatório, cujo Dispositivo aqui se transcreve: “VI. DECISÃO: Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam as juízas que compõem o Tribunal Colectivo em julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente: 1. Condenam o arguido AA pela prática, como autor material, na forma consumada, e em concurso real: a. De um (1) crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º 1 e 2 a), do Cód. Pena, na pena de três meses de prisão; b. De nove (9) crimes de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º 1) do Cód. Penal, na pena de oito meses por cada um desses crimes. 2. Em cúmulo jurídico, condenam o arguido na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos do artigo 50.º do CP. Custas a cargo do arguido fixando-se a taxa de justiça devida por cada um em 3 (três) UC. Deposite.”
2.O arguido, não se conformando com o acórdão condenatório, dele vem interpor recurso, pedindo a sua procedência, extraindo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem): 1.O recorrente foi condenado pela prática, como autor material, na forma consumada, e em concurso real: a. De um (1) crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º 1 e 2 a), do Cód. Pena, na pena de três meses de prisão; b. De nove (9) crimes de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º 1) do Cód. Penal, na pena de oito meses por cada um desses crimes. 2. Em cúmulo jurídico, condenam o arguido na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos do artigo 50.º do CP. 2.do depoimento da testemunha Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto Jubilado DD, id. Nos autos, que prestou depoimento que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informático em uso no Tribunal “a quo”, sob o ficheiro uma ... com início às 12h02m segundos e fim as 12h15m.40 segundos, do dia .../.../25 cfr. ata de audiência de discussão e julgamento respectiva de fls. … dos autos resultam as concretas passagens constantes aos 2 minutos 22 segundos; aos 2 minutos e 41 segundos, e aos 3 minutos e 20 segundos que não permitem concluir e dar como provados os factos constantes da matéria de facto dada como provada no Acórdão da respectiva fundamentação, tendo sido incorretamente julgados e que se impugnam e constam sob os pontos da matéria dada como provada em 34, que se dão aqui integralmente por reproduzidos, porquanto através do e-mail datado de .../.../2022 enviado ao CSMP e à PGR, email esse reenviado pela PGR à testemunha supra referenciada, não pretendeu imputar singularmente denúncias caluniosas contra cada um dos Magistrados do MP intervenientes no inquérito 503/16.5..., mas sim coletivamente contra os Magistrados de Aveiro, sem especificar qual ou quais os Magistrados em concreto alegadamente pretendia denunciar, pelo que se impugna o 34 da matéria de facto provada, devendo o recorrente ser absolvido dos ilícitos criminais de denuncia caluniosa por não se encontrar preenchido o respectivo tipo objectivo que exige especificação das alegadas vítimas. 3.A temática que subjaz ao objecto dos autos prende-se com o óbito de pai do arguido, que questiona se seria natural ou provocada designadamente por envenenamento, e ainda pelo facto de ter havido a alegada emissão de um cheque pelo falecido dias antes do respectivo falecimento cuja regularidade de emissão o recorrente também questiona. Do depoimento da testemunhas arroladas aos Exmos. Srs. Procuradores da República, resulta: O Exmo. Sr. Procurador EE cita o cheque singular de 70.000€, referente a uma conta que era singular/unipessoal do falecido. O cheque terá sido segundo o recorrente, emitido e imediatamente apresento ao Banco já após o óbito e funeral do titular singular. E teria sido emitido com a data inexata anterior de .../.../2013, para assim, ser atribuída erradamente a sua emissão ao titular já falecido. Além disso, o titular sabia e não o beneficiário do cheque, que a conta bancária tinha um saldo de cerca de 64.000€ e não de 70.000€ que foi o valor aposto no cheque. Apesar da conta bancária ter segundo informações do recorrente o bloqueio expresso, de não permitir pagamentos a descoberto, ainda assim o cheque foi pago pelo Banco. O cheque foi depositado na conta do beneficiário conforme conts no verso do próprio cheque, indevidamente pois as contas bancárias dos falecidos são bloqueadas, até haver habilitação de herdeiros, ou até ao desfecho do inventário, mas tal facto não impediu a compensação e pagamento do cheque de 70.000€ (setenta mil euros), passando tal conta que deveria estar bloqueada de saldo positivo de cerca de €64.000,00 para negativo em cerca de 6.000€. Segundo o recorrente a requerida autópsia foi indeferida pela Exma. Sra. Procuradora LL, ficando a constar indevidamente na ótica do recorrente a morte “natural” por metastização óssea” que nunca existiu conforme atesta o SNS no seu relatório. Ainda segundo o recorrente, quem sonegou a verba de 70.000€ através de tal cheque emitido nas circunstâncias supra descritas também arrombou o cofre-forte e sonegaram todo o recheio da residência do falecido no próprio dia do óbito, conforme descrito pelo recorrente mas que este considera ter sido considerado indevidamente justificado pela Exma. Sra. Procuradora FF pela consideração de uma lista de pretensas dívidas de negócios e saúde no valor de centenas de milhar de euros que na óptica do recorrente não correspondem à verdade. Na verdade o falecido era credor de dívidas dos alegados perpetradores endividados e não devedor. 4. Segundo o recorrente o seu falecido pai, durante o sequestro, a que foi sujeito, os perpetradores “despejaram” a sua vítima num lar de idosos a 2 km para que continuasse sem a devida assistência médica, quando tinham o ... a apenas 300 metros mas aí não podia, evitar a obrigatória autopsia, se não fosse salvo e identificada a causa do seu estado de saúde(…). A autópsia ainda pode ser realizada (…) e segundo o recorrente provará duas realidades: não existe qualquer “matastização óssea” para a pretensa “morte natural”, mas sim envenenamento, seguindo de sonegação de bens. 5.Quanto à Exma. Sra. Procuradora Mª GG afirmou que o recorrente que tinha escrito que ela era corrupta, que ela tinha feito assalto à herança e outras afirmações idênticas , mas tal não corresponde à verdade nem constam dos autos quaisquer mails enviados pelo recorrente de tal teor. 6.Quanto à Exma. Sra. Procuradora Mª HH invocando um email que lhe deram conhecimento afirmando que foi “visada” e o seu nome transcrito nesse email a denunciar também várias colegas. Tal não corresponde à verdade inexistindo tal email nesses termos, nem o mesmo consta dos autos. Afirma ainda no email, que o recorrente a acusou de “que estava compactuando na atuação criminosa do MP” “na sonegação dos bens da herança” numa atuação articulada do MP) e outras afirmações do género, o que não se respalda no mail enviado ao CSMP e PGA. Referiu que “todas foram constituídas arguidas” o que não corresponde à verdade. 7. O recorrente na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de seu pai, reportou o arrombamento do cofre forte do seu pai(…) o sequestro e homicídio de seu pai e não se conforma com o facto de tal matéria ter sido desconsiderada, mas sim uma “morte natural por metastização óssea”(…) e a invasão da propriedade privada e da propriedade alheia, ter sido considerada sendo o recorrente a “cobrança de uma lista de pretensas dívidas de negócios e saúde do falecido” aos perpetradores, dívidas essas inexistentes, tendo a autópsia a realizar no IMLCF, sido cancelada, segundo o recorrente tem conhecimento. 8.quanto à testemunha o ex.mo Sr. Procurador II que referiu ter havido relativamente ao Proc. n.º 503/16 “sucessivos pedidos de reabertura do inquérito” mas só houve um pedido. Segundo o recorrente foram indevidamente arquivadas as queixas crime apresentadas relativas à falsificação da “ficha bancária de assinaturas” relativa à conta singular do meu pai, ficha essa que consta de fls. … dos presentes autos, ao cheque de 70…,00€ alegadamente assinado e preenchido pelo falecido e à lista de alegadas dívidas do falecido. É útil a realização de perícia à falsificada e desfocada “ficha bancária de assinaturas” que consta dos autos 503/16, que fosse facultada numa cópia da referida “lista de dívidas de negócios e saúde” no valor de centenas de milhar de euros; e a realização da autópsia. Quanto à testemunha a Ex.ma Sra. Procuradora JJ afirma em abstracto generalidades que considera serem dirigidas pessoalmente a si própria, bem sabendo que o seu nome também nunca constou em parte alguma do email remetido ao CSMP E PGA ou de pertença a associação criminosa. 2.do depoimento da testemunha Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto Jubilado DD, id. Nos autos, que prestou depoimento que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informático em uso no Tribunal “a quo”, sob o ficheiro uma ... com início às 12h02m segundos e fim as 12h15m.40 segundos, do dia .../.../25 cfr. ata de audiência de discussão e julgamento respectiva de fls. … dos autos resultam as concretas passagens constantes aos 2 minutos 22 segundos; aos 2 minutos e 41 segundos, e aos 3 minutos e 20 segundos que não permitem concluir e dar como provados os factos constantes da matéria de facto dada como provada no Acórdão da respectiva fundamentação, tendo sido incorretamente julgados e que se impugnam tendo sido incorretamente julgados e que se impugnam e constam sob os pontos da matéria dada como provada em 34, que se dão aqui integralmente por reproduzidos, porquanto através do e-mail datado de .../.../2022 enviado ao CSMP e à PGR, email esse reenviado pela PGR à testemunha supra referenciada, não pretendeu imputar singularmente denúncias caluniosas contra cada um dos Magistrados do MP intervenientes no inquérito 503/16.5... mas sim coletivamente contra os Magistrados de Aveiro, sem especificar qual ou quais os Magistrados em concreto alegadamente pretendia denunciar, pelo que se impugna o 34 da matéria de facto provada, devendo o recorrente ser absolvido dos ilícitos criminais de denuncia caluniosa por não se encontrar preenchido o respectivo tipo objectivo que exige especificação das alegadas vítimas. 9. Assim o recorrente distingue o MP da entidade que apelida de associação criminosa que é apenas composta pelos perpetradores responsáveis pelo falecimento do seu pai e sonegação de bens da herança, nunca pretendeu apelidar o MP associação criminosa ou que estivesse conluiada com esta nem injuriou ou denunciou caluniosamente as testemunhas os Ex.mos Srs. Procuradores melhor id. Nos autos. 10.Concorre também o facto do recorrente ter realizado um exame médico pelo IMLCF-Porto para aquilatar a situação de choque pela inesperada morte do seu pai e que basicamente confirma que o comportamento e reações do recorrente encontram-se nitidamente influenciados por um choque traumático pelo sucedido contra o meu pai e consequentemente sonegação de bens da herança de que foi instituído cabeça de casal. Este relatório médico “inimputa” a forma veemente de expor e denunciar os crimes conforme os vê. 11.O email de ... de ... de 2022 dirigido ao CSMP e à PGR foi remetido por serem os órgãos competentes para o efeito e ninguém foi identificado como “membro” ou “líder” da associação criminosa, contudo presume-se que pretendeu denunciar caluniosamente os nove Procuradores da República arrolados como testemunhas nos autos que declararam ter sido pessoalmente caluniados, baseando o número de crimes de denúncia caluniosa pelos quais vem condenado, o que resulta de uma interpretação subjectiva e extensiva não permitida em Direito penal. Pese embora o linguajar mais acintoso, não pretendeu denunciar caluniosamente os Ex.mos Procuradores que alegadamente se sentem visados, mas sim e apenas rever uma situação objectiva designadamente impugnar as decisões que entendeu lhe serem desfavoráveis face aos pontos de vista acima referidos. Quer do texto do email de ........22 dirigido ao CSMP e à PGR prova documental junta aos autos de fls…. Quer da prova testemunhal produzida, as e os Ex.mos Sra/s Procuradoras/es ouvidas arroladas na acusação, prova essa discipienda atento o facto de a acusação imputar na realidade os ilícitos exclusivamente ao tal email supra referenciado, pelo que as testemunhas em boa verdade remeteram para a prova documental, presumindo-se algumas delas visadas em tal mail, porquanto teriam tido intervenção nos autos 503/16.5... objecto do referido email, e tão somente em tal facto se presume serem as alegadas vítimas dos ilícitos de denuncia caluniosa, o que não corresponde à realidade, sendo ainda de salientar o tipo objectivo do ilícito em causa exigir a singularização, identificação da vítima ou vítimas e não de modo coletivo ou presumido, vide art.º 365.º, n.º1 do CP. Também não lhe deve ser imputada a prática do ilícito no art.º 187.º, n.ºs 1 e 2 al. a) pois não apelidou nem pretendeu apelidar o MP de associação criminosa. 12.Pelo exposto impõe-se a absolvição dos ilícitos penais pelos quais foi condenado, ou, quando assim se não entenda e sem conceder seja este condenado em penas de multa e em cúmulo próximo do seu montante mínimo legalmente admissível.
3.O recurso foi admitido por despacho a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. artigos 401., n.º 1, alínea b), 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 2, alínea c), e 427.º, todos do Código do Processo Penal).
4.O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, dela apartando as seguintes conclusões (transcrição): I. Nos termos do artigo 412.º, 3, do Código de Processo Penal, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar “As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”. II. Ora, usando as próprias palavras do recorrente, a prova testemunhal é, em parte, despicienda quanto ao seu comportamento uma vez que este se consubstancia na mensagem de correio eletrónico enviada para a PGR, cuja cópia consta dos autos e cuja autoria o mesmo assumiu. III. Resulta da simples análise do texto da mensagem que foram visados os magistrados que intervieram no processo, os quais foram os 9 magistrados identificados no acórdão, comprovados pelas certidões do processo objeto da queixa. IV. Os depoimentos testemunhais visaram sobretudo confirmar o que já decorreria da experiência comum, a saber, o caracter infundado das acusações, logo, do caracter calunioso da intenção de iniciar um processo criminal e disciplinar contra os magistrados. V. Assim, os depoimentos testemunhais invocados pelo recorrente não só não “impõem decisão diferente”, como a sustentam por serem coerentes com a prova documental. Que foram 9 os magistrados visados, também decorreu da prova documental junta aos autos que comprova a respetiva intervenção no processo objeto da queixa. VI. No mesmo sentido resulta a intenção de ofender o Ministério Público, atribuindo a natureza de uma “associação criminosa”. VII. O recorrente não apresenta, nos termos exigidos pelo artigo 412º do CPP, qualquer argumento, de facto e de direito, para a alteração da pena aplicada, para além da mesma ser proporcional e adequada aos seus antecedentes criminais. Pelo exposto, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido e ser confirmada a decisão recorrida.
5.Nesta Relação, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer: Visto - artigo 416.º, n.º 1, do CPP. I – Foi proferido acórdão condenando o arguido AA pela prática, em concurso real, de: - um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º 1 e 2 a), do Cód. Penal, na pena de três meses de prisão; - nove crimes de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º 1) do Cód. Penal, na pena de oito meses por cada um desses crimes. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos do artigo 50.º do Cód. Penal. II – O arguido interpôs recurso, impugnando o ponto 34) da matéria de facto que, a seu ver, não deve ser dado como provado, porque a testemunha KK declarou que quem era visado era o Ministério Público de Aveiro e não cada um dos magistrados intervenientes no processo em causa, inexistindo prova documental que confirme os diversos testemunhos dos magistrados visados, ao contrário do que os ofendidos declararam; e ainda, que nunca pretendeu ofender o Ministério Público, mas antes as pessoas que teriam praticado crimes contra o seu pai. Concluiu, defendendo que, caso não deva ser absolvido, a pena deverá ser reduzida ao mínimo legal. III – O recurso não suscita objeções quanto à sua admissibilidade, tempestividade, legitimidade, espécie, forma, momento de subida e efeito fixado. IV - O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao mesmo, defendendo a justeza da decisão recorrida, com o preenchimento dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, bem como, a adequação da pena, concluindo pela improcedência do recurso. V – Nada se nos oferece acrescentar à resposta apresentada pelo Ministério Público, com a qual concordamos, também se entendendo que deverá ser mantido o acórdão recorrido nos seus precisos termos. Tal é o nosso parecer. *
Foi cumprido o disposto no n.º2 do art.º 417.º, do CPP.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJECTO DO RECURSO
Constitui jurisprudência e doutrina assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).2
Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso… A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente(…) não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente(…)”
Nos termos do n.º 1 do art.º 410.º, do CPP (Fundamentos do recurso) 1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação abrangem a matéria de facto e a matéria de direito (art.º 428º do C.P.P), podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (art.º 410º, nº 1 do C.P.P).
Tendo em conta a natureza das questões submetidas no recurso, importa respeitar as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 4º do Código de Processo Penal).
Atendendo às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada são as seguintes as questões a apreciar, por ordem de precedência lógica:
1ª Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto/erro de julgamento quanto ao facto provado 34;
2.ª Do não preenchimento dos elementos dos tipos de ilícitos criminais de denúncia caluniosa p. e p. pelo art.º 365.º, do CP e de ofensa a organismo serviços ou pessoa colectiva p. e p. pelo art.º 187.º, n.ºs 1 e 2 al. a) do CP.
3.ª Da escolha e medida da pena.
III. FUNDAMENTAÇÃO
Factos relevantes para a apreciação do recurso:
III.1. O Tribunal recorrido deu como provados e não provados no Acórdão recorrido os seguintes factos: II. FUNDAMENTAÇÃO: A. COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA, FICARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA CONSTANTES DA ACUSAÇÃO, TENDO SIDO EXPURGADA A ALEGAÇÃO JURÍDICA NELA CONSTANTE, BEM COMO CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES: 1. Através de email de ... de ... de 2022, dirigido ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e à Procuradoria-Geral da República (PGR), o arguido apresentou um requerimento, com oito ficheiros anexos, requerendo a instauração de inquérito disciplinar e criminal, sob o título “envolvimento de uma associação criminosa infiltrada no Ministério Público e dedicada a um continuado e tenaz assalto à herança indivisa com o NIF ...”; 2. Este e-mail tinha como assunto o Processo nº 503/16.5... e pretendia a responsabilização de todos os procuradores do MP “envolvidos no ressarcimento à Herança dos cerca de um milhão de euros furtados, sonegados, descaminhados e usurpados que, decisivamente, fizeram questão de promover, “legitimar” e “legalizar” completamente…num institucional infame golpe de assalto à herança de que o signatário é ...”; 3. Esse e-mail foi endereçado pela Procuradoria-Geral da República, no dia ........2022, ao Magistrado do ...; 4. Nesse seu requerimento, o arguido escreveu, além de outras afirmações, as seguintes: 4.1. “... ninguém pensa que, na cegueira pela extorsão do dinheiro, houvesse tanta burla e fraude continuada nesta pretensa justiça do Estado de direito, sem sequer, uma única e honrosa exceção! Efetivamente, constata-se que os dignos não se envolvem, e os indignos fazem questão de se envolver diretamente (segundo instruções prévias)”. 4.2. “Face à inacreditável realidade constatada, p. ex. no Proc.º 503/16.5... (entre muitos criminosos abusos de toda a ordem) em que nunca é permitido a sua discussão e escrutínio do Tribunal, face à postura do MP (ou melhor, em nome do MP), de recorrência à sonegação de documentos cruciais para participação de negócios ilícitos “branqueados” em nome da justiça, face às permanentes perseguições, simulações, difamações e extorsões ao herdeiro que é legitimo cabeça- de-casal no desempenho das suas legitimas funções, e face a dezenas dos mais incríveis expedientes fraudulentos em nome do Ministério Público e da Justiça, requer-se a urgente instauração de inquérito disciplinar e criminal, ao envolvimento de uma associação criminosa infiltrada no Ministério Público, e dedicada a um continuado e tenaz assalto à herança indivisa com o NIF ...)”. 4.3. “...justificadamente, solicita-se, pois, qualquer tipo de proteção de vida ao cabeça de -casal corre sério risco de vida...justificadamente, solicita-se, pois, qualquer tipo de proteção da vida do cabeça-de-casal contra as iniciativas desta associação criminosa e mafiosa que, tem atualmente dois planos pendentes para substituir o cabeça-de-casal: mandá-lo para a cadeia ou, mandá-lo para o cemitério...”. 4.4. “Sou, pois, perseguido e ameaçado diariamente, multado, difamado, condenado a ser extorquido (em nome da lei!) em muitas dezenas de milhar de euros por gatunos, falsificadores e outros indignos que não admitem que os crimes e os criminosos sejam desmascarados ou denunciados com amplas provas e documentos em crimes consumados, plenamente provados, e à vista de toda a gente...! Numa centena de queixas apresentadas ao MP, furtar, difamar, falsificar, burlar, e todo e qualquer crime contemplado no Código Penal, nunca é crime algum de quem quer que seja contra esta herança e seu cabeça-de-casal, pois que, crime é ser vitima, é desmascarar, é denunciar os crimes e os criminosos incondicionalmente protegidos por uma “pretensa justiça” que sempre atua e decide de forma a parecer ser um sindicato do crime!” 4.5. “Acresce que, como é natural, todos os bens móveis são sucessivamente convertidos em dinheiro que entra nos bolsos particulares dos envolvidos, sempre isentos de quaisquer impostos (a trabalhar para o Estado... para apenas impor a “legalização” de furtos, sonegações, descaminhos, usurpações e extorsões). É este o principal e prioritário negócio indigno e sujo, de todos os indignos envolvidos que se impõem como dignos e limpos... Mas todos os envolvidos estão identificados nas decisões perversas que fazem questão de tomar contra a herança sob assalto, e seu perseguido cabeça-de-casal...em nome da justiça!” 5. Na sequência da sua insatisfação pelas decisões que lhe foram desfavoráveis no âmbito de vários inquéritos que correram seus termos em ... e ..., mas muito particularmente no âmbito do inquérito nº 503/1 6.5PAESP, o arguido AA decidiu manifestar a sua discordância em sucessivos e reiterados requerimentos que efetuou; 6. Neles utilizando expressões suscetíveis de atingir não só a honorabilidade pessoal e consideração dos Magistrados do Ministério Público mas também a sua integridade profissional, fossem subscritores de despachos de arquivamento, ou superiores hierárquicos que proferiram despachos sobre intervenções e reclamações hierárquicas. 7. O arguido interiorizou o propósito concretizado afirmar e propalar factos inverídicos, sem qualquer correspondência na realidade, com o único intuito de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança devida ao Ministério Público, no seu todo, mas em especial ao ..., designadamente aos Magistrados intervenientes na tramitação e no despacho do inquérito nº 503/1 6.5PAESP que correu termos na Secção de ... do DIAP; 8. O que sucedeu nos seguintes requerimentos e exposições, via e-mail: 8.1.Com data de ........2021, para o ..., com conhecimento ao CSMP e à PGR, no qual se destaca a imputação ao MP de validar as infames falsificações para “legalizar” todos os crimes e assaltos que assim são isentados de impostos de transmissão de propriedade; o fraudulento arquivamento tal como a sua obcecada manutenção que é uma obcecada dilação à Realização da Justiça e um expediente fraudulento do MP a favor dos denunciados; 8.2.Com data de ........2022, para o Tribunal Judicial de ..., com conhecimento ao CSMP e à PGR, no qual o arguido refere a abusiva e inusitada notificação, deliberadamente omitida ao assistente, tendenciosamente impondo mais arbitrariedades discricionárias e persecutórias; 8.3.Com data de ........2022, para o Tribunal Judicial de ..., com conhecimento ao CSMP e à PGR no qual afirma que o tribunal, em vez de fornecer tal falsificada lista que validou, ao legítimo ..., prefere mantê-la escondida e inacessível por, obviamente, saber que é falsa; 8.4.Com data de ........2022, para o Tribunal Judicial de ..., com conhecimento a ..., ao CSMP, à PGR, ao Provedor de Justiça, ao Presidente e Vice-Presidente do Tribunal Constitucional e respetivos gabinetes, onde refere, nomeadamente, que lamentavelmente este tribunal recusa-se a anular a perversa e infame taxa excecional de 4UC que fez questão de impor, por continuada e agravada dilação do Ministério Público; quem nega todos os crimes, é apenas o Ministério Público que, sucessivamente, recorreu a infames expedientes dilatórios que este tribunal, tendenciosamente endereça a quem desmascarou, provou e documentou os crimes consumados que somente não existem para este Ministério Público. Exigiu ainda a responsabilização de todos os procuradores do MP envolvidos no ressarcimento à Herança dos cerca de um milhão de euros furtados, sonegados, descaminhados e usurpados que, decisivamente, fizeram questão de promover, “legitimar” e “legalizar” completamente…num institucional infame golpe de assalto à Herança de que o signatário é ...; 8.5.Com data de ........2022, para o Tribunal Judicial de ..., com conhecimento a ..., ao CSMP, à PGR e ao Provedor de Justiça, no qual afirma, designadamente, que é deveras escandaloso o total silêncio e a postura mantida sem resposta por todas as conluiadas magistradas, estranhamente muito ativamente envolvidas contra a realização da justiça e a favor da denegação de justiça, graças ao seu descarado e perverso abuso de poder que sempre foi exibido e imposto, reiterando ainda a responsabilização de todos os procuradores do MP envolvidos no ressarcimento à Herança dos cerca de um milhão de euros furtados, sonegados, descaminhados e usurpados que, decisivamente, fizeram questão de promover, “legitimar” e “legalizar” completamente…num institucional infame golpe de assalto à Herança de que o signatário é .... 9. No mencionado inquérito nº 503/16.5..., em que era denunciante AA, intervieram na sua tramitação processual, nomeadamente, os seguintes Magistrados do Ministério Público: Dr.ª LL, Procuradora da República; Dr. MM, Procurador da República; Dr.ª NN, Procuradora da República; Dr.ª OO, Procuradora da República; Dr.ª PP, Procuradora da República; Dr.ª QQ, Procuradora da República; Dr. RR; 10. Magistrados estes que intervieram no referido inquérito na estrita observância das normas legais penais e processuais penais aplicáveis e movidos, no exercício das suas funções, exclusivamente por critérios de objetividade e de imparcialidade na realização da justiça. 11. A Sra. Procuradora da República, Dr.ª LL tramitou e proferiu, designadamente, despacho de arquivamento com data de ........2017, sendo que na sequência de intervenção hierárquica, proferiu novo despacho de arquivamento com data de ........2017. 12. O Sr. Procurador da República, Dr. MM proferiu despachos de intervenção hierárquica, com datas de ........2017 e de ........2017; 13. A Sra. Procuradora da República, Dr.ª NN, proferiu despacho de indeferimento de reabertura do inquérito, com data de ........2019; 14. A Sra. Procuradora da República, Dr.ª OO, proferiu despachos de indeferimento de reclamação de reabertura do inquérito, com datas de ........2019 e de ........2019; 15. A Sra. Procuradora da República Dr.ª PP proferiu despacho de indeferimento de reabertura do inquérito, com data de ........2020; 16. A Sra. Procuradora da República Dr.ª QQ proferiu despacho de devolução dos autos ao DIAP de ..., com data de ........2020, despacho de deferimento de escusa, com data de ........2020 e despacho de indeferimento de reclamação de reabertura de inquérito, com data de ........2020 17. O Sr. Procurador da República Dr. RR proferiu despacho de indeferimento de reabertura do inquérito, com data de ........2020; 18. A Sra. Procuradora da República Dr.ª SS proferiu despacho de indeferimento de reabertura do inquérito, com data de ........2022; 19. O Sr. Procurador-Geral Adjunto e Magistrado do ... TT, proferiu despacho de indeferimento de pedido de escusa, com data de ........2021. 20. Na Procuradoria-Geral Regional do Porto, no âmbito do inquérito nº 404/18.2..., foi proferido despacho de arquivamento, datado de ........2019, do qual consta que não resultaram indícios suficientes da prática, por parte dos denunciados Magistrados do M.P., de qualquer crime, designadamente os de denúncia caluniosa, denegação de justiça, favorecimento pessoal e abuso de poder; 21. A atuação dos Magistrados do Ministério Público no âmbito do inquérito nº 503/16.5... foi também apreciada, decidida e julgada pelo Tribunal da Relação do Porto através de decisão de não pronúncia, datada de ........2020, confirmada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de ........2021; 22. No âmbito do Processo nº 503/16.5..., o assistente AA, ora arguido, foi ali condenado por decisão judicial, datada de ........2021, no pagamento de 4 (quatro) UC’s a título de taxa sancionatória excecional, por conduta processual abusiva e inusitada, violando o seu dever de cooperação e diligência, utilizando expedientes dilatórios; 23. Ainda assim, o arguido efetuou remeteu o e-mail de ... de ... de 2022, identificado “supra”; 24. O arguido AA, que é licenciado e mestre em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações, sabia que o Ministério Público é um Órgão do Estado que exerce a autoridade pública a quem incumbe exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e, mesmo assim, não se absteve de imputar ao Ministério Público tais expressões, o que quis. 25. O arguido sabia que, ao escrever o que escreveu, estava a imputar uma atividade delituosa e organizada a Magistrados do Ministério Público, alegando tratar-se de uma associação criminosa infiltrada, nos termos acima descritos. 26. Bem sabia o arguido que esta sua conduta era crime e, apesar disso, logrou concretizá-la; 27. Mais sabia o arguido que, ao afirmar e ao escrever as referidas expressões, propalando-as e dirigidas ao CSMP e à PGR, eram as mesmas inverídicas e capazes de ofender, como ofenderam, a credibilidade, o prestígio e a confiança que é devida ao Ministério Público, no seu todo, e nomeadamente ao ..., em especial, aos Magistrados que intervieram no inquérito nº 503/16.5..., o que representou e quis, não se abstendo de levar por diante essa sua conduta. 28. O arguido sabia ainda que o referido inquérito fora objeto de intervenção processual e prolação de despachos, fossem intercalares ou finais, por vários Procuradores/Procuradoras, incluindo dirigentes e Magistrados do .... 29. Assim como sabia que tinha sido condenado, naquele processo nº 503/16.5..., pela M. mª Juiz de Instrução Criminal, em taxa sancionatória excecional, bem sabendo que se tratou de uma condenação em multa devido aos seus sucessivos requerimentos e conduta processual abusiva e inusitada, com violação do seu dever de cooperação e diligência, e com utilização de expedientes dilatórios. 30. Apesar disso, quis escrever e propalar tais expressões. 31. O arguido sabia também que a atuação dos diversos Magistrados do Ministério Público intervenientes, designadamente no âmbito do inquérito nº 503/16.5..., já tinha sido apreciada na Procuradoria-Geral Regional do Porto, onde correu o inquérito nº 404/18.2... e onde foi proferido despacho de arquivamento, datado de ........2019, e do qual consta que não resultaram indícios suficientes da prática por parte dos denunciados Magistrados de qualquer crime, designadamente os que foram invocados (denúncia caluniosa, denegação de justiça, favorecimento pessoal e abuso de poder); 32. Bem como sabia que a atuação dos Magistrados do Ministério Público designadamente no âmbito do inquérito nº 503/16.5... já tinha sido também apreciada, decidida e julgada pelo Tribunal da Relação do Porto através de decisão de não pronúncia, datada de ........2020, que veio a ser confirmada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de ........2021; 33. Apesar de saber que já anteriormente tinham sido proferidas as decisões referidas “supra”, o arguido não se absteve de escrever e propalar tais expressões, o que quis; 34. Quis ainda que, ao efetuar o mencionado “requerimento”, através de e-mail datado de ........2022, ao CSMP e à PGR, contra cada um dos Magistrados do Ministério Público intervenientes no inquérito nº 503/16.5... pudesse vir a ser instaurado inquérito disciplinar e criminal, bem sabendo serem tais expressões inverídicas e não correspondentes à realidade e de ter perfeita consciência da falsidade de tais imputações. 35. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo as respetivas condutas especialmente censuráveis, proibidas por lei e punidas criminalmente. Provou-se ainda o seguinte: 36. O arguido não pretendeu sujeita-se à elaboração de relatório social; 37. Por sentença transitada em julgado em ........2012, o arguido foi condenado pela prática em ........2009, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º n.º 1 do CP, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 8,00€ (processo 535/09.0...); 38. Por sentença transitada em julgado em ........2016, o arguido foi condenado pela prática em ........2014, de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º n.º 1 al. b) do CP, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 20,00€ (processo 562/14.5...); 39. Por sentença transitada em julgado em ........2020, o arguido foi condenado pela prática em ........2017, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo artigo 180.º e 184.º do CP, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 8,00€ (processo 2294/17.3...); 40. Por sentença transitada em julgado em ........2022, o arguido foi condenado pela prática em ........2018 de um crime de difamação agravada; em ........2017 de outro crime de difamação agravada e em ........2018 de um crime de denúncia caluniosa, na pena de um ano e sete meses de prisão suspensa na sua execução por igual período (processo 782/18.3...). B. FACTOS NÃO PROVADOS: Provaram-se todos os factos com relevância para a decisão da causa.
III.2. O Tribunal recorrido procedeu à fundamentação da decisão de facto no acórdão recorrido da seguinte forma: III. JUSTIFICAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL: Para a decisão de facto que antecede, o Tribunal valorou toda a prova produzida, de forma conjugada, crítica e livremente apreciada, segundo juízos lógicos e de experiência comum. Vejamos. Em primeiro lugar, no que respeita aos pontos 1 a 4 da matéria de facto, o Tribunal valorou de forma atenta os teor do e-mail de ... de ... de 2022, cujo remetente aí identificado ...) foi confirmado pelo próprio arguido em audiência, tendo sido confirmado pelo próprio o efectivo envio de “um e-mail” para o qual apresentou várias justificações e motivações, apresentando uma versão de grande vitimização referente a condutas de terceiros que terá espoletado aquela sua atitude. Feita a leitura de fls. 6 a 116, fica esclarecido, de forma claro e inequívoco, o que constava da acusação e ficou reflectido dos citados pontos da matéria de facto provada. No que respeita ao ponto n.º 5, tal foi confirmado pelas testemunhas inquiridas que, por terem intervindo naquele processo ou por terem tido acesso ao mesmo, confirmaram a posição do arguido, reflectida nos vários requerimentos/exposições efectuadas, atestadas pela análise de fls. 8, 9, 10, 11 a 15. Da análise desta prova documental resulta a comprovação do teor dos vários requerimentos e exposições consignados nos pontos 8 da matéria de facto. Ora, embora possa considerar-se que o teor do provado sob o n.º 6 assume natureza conclusiva, a verdade é que tal é uma decorrência da interpretação lógica, racional e objectiva, feita pelo julgador e acessível a qualquer pessoa, do teor daquilo que foi escrito pelo arguidos nos indicados requerimentos ou exposições, por força das expressões aí feitas e das considerações exaradas, sobretudo se atentarmos na adjectivação insistente e sobejamente negativa que ofenderia qualquer pessoa que fosse visada pelas mesmas. A comprovação da intervenção dos magistrados do M.P. identificados no ponto 9 foi feita através do depoimento dos próprios, mas sobretudo através da prova documental constante do Anexo A, no qual constam os despachos proferidos, a assinatura de quem os elaborou e o respectivo teor, pelo que ficaram igualmente provados os pontos 11 a 19. No que respeita ao ponto 20, foi analisada a prova constante de fls. 183 e 184, bem como a constante do Anexo C, de onde consta o despacho proferido no processo n.º 404/18.2..., que resultou num arquivamento. O mesmo sucede com o ponto 21, podendo ler-se os Acórdãos constante do Apenso C (fls. 6 a 30 e 31 a 71), quer do Tribunal da Relação do Porto, quer do Supremo Tribunal de Justiça. O descrito no ponto 22 está comprovado através da prova documental de fls. 57 a 64 do Apenso A e o vertido no ponto 24 confirmado pelo próprio arguido em audiência. No que respeita ao teor do ponto 10, tal decorre da interpretação e análise das decisões identificadas, com do teor espontâneo e objectivo dos vários depoimentos, nos quais as testemunhas explicaram o seu modo de actuação nos processos e a forma como procediam à análise dos factos que fundamentavam os respectivos despachos. Saliente-se ainda que nem sequer o próprio arguido, no âmbito das densas e até confusas declarações que prestou em audiência, não conseguiu apresentar uma versão que permitisse ser-lhe atribuída credibilidade e verosimilhança. No concernente aos pontos 7 e 25 a 36 a sua comprovação decorre de um juízo lógico a partir dos factos objetiváveis resultantes da actuação do arguido que se assumiu como repetitiva e insistente. Ora, em face da matéria provada e do seu encadeamento lógico, designadamente, por força da comprovação processual de que não havia indícios para sujeitar a julgamento qualquer magistrado do M.P. (cf. Decisões proferidas no processo 503/16.5...), em conjugação com o relato das diversas testemunhas, torna-se evidente para este Tribunal não só que o que as imputações do arguidos são falsas como são feitas exclusivamente como forma de represália e desforço pelo facto de não ter conseguido concretizar os seus intentos pelas vias processuais válidas. Analisadas as concretas expressões, adjetivações e imputações, verifica-se que as mesmas assumem contornos de maledicência que não têm por vista qualquer apuramento de verdade ou de justiça, mas sim ofender o prestígio e confiança devidos ao Ministério Público, que o arguido apelida, sem margem para dúvida, de “associação criminosa” ao declarar de forma expressa que o mesmo é integrado por agentes que assaltam, usurpam, sonegam, extorquem e que existe um “negócio” na actividade dos Ministério Público. Acresce ainda que o arguido é, como demonstra ser através dos seus escritos, uma pessoa que tem perfeito conhecimento dos deveres do M.P. e do âmbito de actuação deste. Além disso, o arguido pretendeu em audiência fazer crer ao Tribunal, embora sem sustentação lógia, que naquele e-mail se referia a terceiros que não magistrados e que são esses terceiros os visados dos crimes que imputa a quem contra si actua, o que fez com vista a desculpar-se e a desresponsabilizar-se, por ter clara noção de que a sua conduta não é penalmente aceitável. Por outro lado, ao ter assumido uma qualidade processual no inquérito identificado, é evidente para este Tribunal que o arguido bem sabia quem eram os magistrados do MP que intervieram no processo, tanto mais que os despachos são assinados e o arguido reagiu contra muitos deles. O arguido não podia deixar de saber, pelo menos, quantos foram os magistrados em causa, que assinaram os despachos sucessivamente proferidos, tanto mais que o arguido, como resulta da prova documental, tinha uma posição activa e interventiva no processo. Aliás, conforme resulta do teor do próprio e-mail descrito no ponto 1, o arguido conclui referindo que todos os envolvidos estão identificados nas decisões perversas (…) em nome da justiça, o que demonstra o seu claro conhecimento e intenção. Quanto aos antecedentes criminais do arguido foi valorado o seu certificado de registo criminal e quanto à recusa na elaboração do relatório, tal facto foi confirmado pelo próprio arguido.
III.3.O Tribunal recorrido procedeu ao enquadramento jurídico/fundamentação de direito seguinte: IV. ENQUADRAMENTO JURÍDICO: A. DA OFENSA A ORGANISMO, SERVIÇO OU PESSOA COLETIVA. O artigo 187.º do CP dispõe o seguinte, sob a epígrafe “Ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva”: 1 - Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias. O objectivo deste artigo foi o de criminalizar acções, não atentatórias da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem, em rigor, no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria. O Prof. Figueiredo Dias veio salientar que neste artigo se protege algo mais (ou algo de diferente) do que a honra, pois cobre-se também a informação falsa (Código Penal, Parte Geral e Especial, com notas e comentários, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Almedina, 2015, pg. 815, em comentário ao art.º 187.º do C. Penal). Como referido por José de Faria e Costa no Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pág. 677, o bem jurídico protegido como a previsão do artigo 187.º do Cód. Penal “é um pedaço fragmentado da realidade social com ressonância axiológica. É um bem jurídico mais do poliédrico, um bem jurídico heterogénico. Heterogeneidade que ressalta da sua diferenciada composição: credibilidade, prestígio e confiança”. Ou seja, mais que a honra, o bem jurídico tutelado pela norma incriminatória em apreço é a imagem da pessoa coletiva visada, a valoração que terceiros fazem da pessoa jurídica em questão, o seu bom nome e reputação no mercado, no caso de corporações que especialmente prestem serviços. Ponto é, para a perfeição do crime em causa, que o agente do mesmo afirme ou propale factos inverídicos e que, de todo o modo, estes tenham a potencialidade de atingir negativamente a imagem da pessoa coletiva ofendida; finalmente, necessário se torna que o agente dessa conduta não tenha fundamento para, de boa-fé, entender tais factos como verdadeiros. Este último segmento do tipo legal é de crucial relevância, pois que, mesmo que ocorra atentado à credibilidade, prestígio e confiança da corporação visada e os factos afirmados não tenham correspondência com a verdade, se o agente, sem malícia, estiver convencido da veracidade desses factos, não se acha cometido este crime. Como se refere no Ac. do T.R.P de 30/3/2022: “I - No crime previsto no art.187º do CP estão excluídos os juízos de valor depreciativos do bom nome da pessoa coletiva. Somente a propalação de factos inverídicos associados a pretensas condutas da pessoa coletiva, com um potencial muito mais lesivo sobre a sua credibilidade e confiança, determinam a tutela penal. II - Essa restrição da tutela no art.187º nº1 do CP, associada à exigência probatória que recai sobre a acusação, devendo, para além do mais, provar a falta de fundamento do agente para, em boa fé, reputar verdadeiros os factos propalados, cumprem o princípio da intervenção mínima do direito penal e torna a tutela aí prevista mais limitada; por contraponto aos crimes de injúrias e difamação, cuja tutela se mantem mais ampla, onde à acusação basta a imputação dos juízos de valor depreciativos, cabendo à defesa a prova da boa fé para os reputar verdadeiros cfr.art.180 nº2 al.b) do CP.” Neste caso concreto, o extenso relato factual constante no e-mail remetido pelo arguido em ........2002 contém não apenas juízos de valor mas factos falsos, ao afirmar e divulgar que o MP tem infiltrada uma associação criminosa que assalta a herança de que é cabeça-de-casal, extorquindo dinheiro e participando em, negócios ilícitos em nome da justiça e ocultando criminosos, recebendo dinheiro nos bolsos, acabando por apelidar o M.P. de sindicato do crime. Ora, estas afirmações, insustentadas e não sérias, motivadas pelo simples desagrado e discordância quanto ao teor das decisões, assumem-se como factos inverídicos, pelo que se encontra preenchida a conduta típica tutelada pela norma. Além disso, a lei exige que se esteja perante factos idóneos – factos que tenham capacidade para – a ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança. O que impõe, de maneira necessária, que se tenha de fazer um juízo de idoneidade quanto àquela capacidade. (…) A idoneidade ou capacidade de violação à credibilidade, prestígio ou confiança mede-se por um parâmetro que se apoie na compreensão que um normal e diligente homem comum tenha da problemática. Ora, o propalado pelo arguido tem total idoneidade para colocar em causa o prestigio e confiança no M.P.. Além disso, não temos dúvida de que o arguido agiu com dolo directo, nos termos do artigo 14.º do CP, pretendendo actuar do modo descrito com intenção de atentar contra o prestígio e confiança nesse órgão de administração da justiça, pelo que deverá ser condenado pela prática desse crime. B. DA DENÚNCIA CALUNIOSA. Quanto a este tipo legal, prevê o artigo 365.º o seguinte: “1 - Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. São elementos constitutivos do crime de denúncia caluniosa (art. 365.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal): (i) o acto de denunciar ou lançar suspeita por qualquer meio (conduta típica); (ii) sobre outra pessoa (determinada ou identificável); (iii) a imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, idóneos a provocarem procedimento criminal, contra-ordenacional ou disciplinar (objecto da conduta); (iv) a denúncia a uma autoridade ou suspeita feita publicamente (destinatário da acção); (v) o elemento subjectivo – dolo qualificado –, cuja formação exige que o agente actue com consciência da falsidade da imputação e com intenção de que contra o denunciado se instaure procedimento. Este dolo qualificado, formado pela exigência da consciência da falsidade da imputação, implica que, no momento da acção, o agente conheça ou tenha como segura a falsidade dos factos objecto da denúncia ou suspeita, bastando para a intenção que o agente represente a instauração do procedimento como consequência necessária (segura) da sua conduta. Saliente-se que as dificuldades e as vicissitudes da prova da intenção são comuns à generalidade dos crimes, resultando os factos relativos ao elemento subjectivo do tipo de crime, por regra, dos factos objectivos que resultarem provados. Na verdade, quanto ao elemento subjectivo da infracção, não havendo confissão do agente, sempre terá de se fazer uso das regras da experiência comum. Com efeito, tratando-se de factos do foro psicológico, da vida interior do agente, por isso impossíveis de apreender directamente, indemonstráveis de forma naturalística, podem deduzir-se ou inferir-se de factos materiais comuns que, com muita probabilidade, o revelem. Além disso, este tipo deste crime, embora sistematicamente inserido no capítulo dedicado aos crimes contra a realização da justiça, visa garantir a credibilidade e a seriedade do procedimento criminal, disciplinar ou contra-ordenacional, mas tutela também a liberdade de determinação, a honra e consideração do visado. Na jurisprudência, sustentada pela doutrina, tem-se vindo a frisar que no crime de denúncia caluniosa o bem jurídico tutelado é não só a realização da justiça, mas também a tutela do bom nome, da honra e consideração do caluniado, pelo se configura um bem jurídico eminentemente pessoal. O requisito “autoridade” exigido pela norma do transcrito artigo 365.º abarca os tribunais e as demais instâncias formais (MP e Polícia Criminal), às quais cabe processar a criminalidade, os agentes da administração pública, central, regional e local, bem como todas as entidades a que a lei comete a tarefa de investigar e sancionar as contra-ordenações. Por último, o crime de denúncia caluniosa consuma-se quando os fundamentos factuais da (falsa) suspeita lançada/comunicada pelo agente contra o visado chegam ao domínio do público ou do destinatário da denúncia, ou seja, a autoridade competente para a instauração do procedimento, mas independentemente da efectivação desta. Feitas estas considerações, conclui o Tribunal que as inúmeras imputações feitas pelo arguidos a todos os magistrados do M.P. identificáveis nas decisões e que intervieram no processo 503/16.5... e que forma feitas com intenção manifesta de lançar sobre esses magistrados do M.P. a grave suspeita da prática de vários crimes, crimes esses também graves, com intenção expressa de que os mesmos fossem alvos de procedimento criminal o que, aliás, é expressamente referido no e-mail. Por último, entende o Tribunal que estamos diante de um concurso de (nove) crimes de denúncia caluniosa, porquanto foram ofendidos (caluniados) nove Magistrados do Ministério Público, cujo bom nome e honra profissional, bem como consideração, ficaram inevitavelmente afectados, sendo este um dos bens jurídicos pessoais subjacentes à incriminação. Consideramos, pois, que a honra da pessoa visada é logo atingida com a calúnia que vai implícita na denúncia e que, por isso, o agente comete tantos crimes de denúncia caluniosa quantas as pessoas denunciadas, ainda que a denúncia seja feita na mesma ocasião. pelo que seguimos de perto o entendimento exarado no TRL de 11.01.2024 (www.dgsi.pt). ** V. DAS PENAS: Neste caso, e conforme já analisado, o crime de ofensa a organismo é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias, e os crimes de denúncia caluniosa são puníveis com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. Ao abrigo do disposto no artigo 40.° do CP "a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" e, "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma -cfr. Figueiredo Dias, in "As consequências Jurídicas do Crime". Por outro lado, o artigo 71.° do CP estipula que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção" (n.º1). Nessa determinação, o limite máximo fixar-se-á em função da medida da culpa, medida esta que delimitará a pena, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. Por seu turno, o limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, realiza eficazmente a protecção dos bens jurídicos. Dentro destes dois limites encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social do agente. Para o efeito, o tribunal deverá atender "a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele" (artigo 71.° n.º 2 do CP). Além disso, o Tribunal deverá ter em conta que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Neste caso concreto, atendendo aos antecedentes criminais do arguido, que denotam uma propensão para e à sua conduta posterior, já que o arguido foi condenado pela prática de crimes idênticos posteriormente à prática destes factos, entende-se que a pena de multa já não é suficiente, não se mostrando dissuasora do cometimento de novos ilícitos. Deste modo, importa privilegiar, neste caso, a aplicação de pena privativa da liberdade e, atento o teor dos artigos 40.° n. ° 1 e 71 .° do CP, serão de considerar na determinação da medida da pena os seguintes factores: «O grau de ilicitude é elevado, uma vez que decorre do número de envolvidos quanto ao crime de denúncia caluniosa, bem como do grau extremamente ofensivo dos factos imputados ao Ministério Público; «O arguido agiu com dolo directo; «O arguido já possuía antecedentes criminais demonstrativos da incapacidade de o arguido respeitar a honra e consideração de terceiros, bem como a autoridade alheia, e voltou a ser condenado pela prática de crimes contra a honra; «O arguido manifesta a propensão para não se conformar com o poder decisório alheio e com a necessidade de obediência ao poder legítimo instituído. Existem, assim, fortes necessidades de prevenção especial, em razão do que se entende adequando fixar em 3 (três) meses de prisão a pena a aplicar por força do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva p. e p. pelo artigo 187.º n.º 1 e 2 al. a) do CP, e em 8 (oito) meses de prisão a pena a aplicar por cada um dos (nove) crimes de denúncia caluniosa praticados, p. e p. pelo artigo 365.º n.º 1 do CP. Porém, nos termos do artigo 77.° n.º 1 do CP "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente". A pena aplicável ao concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como o limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.º 2). Neste caso a moldura abstracta aplicável ao concurso de crimes é de prisão de 3 meses a 6 anos e 3 meses. Importa graduar a pena aplicável a este concurso de crimes tendo em conta os factos descritos e a personalidade do agente. Ora, atendendo à ao facto de o arguido apresentar um percurso de vida com trajetória relativamente estável ao nível do cometimento crimes, cujos antecedentes se resumem as descritos na factualidade assente, impõe-se considerar que não estamos diante de alguém com personalidade desviante ou pro-criminal. Além disso, dos factos não decorrem efectivas e graves consequências danosas para os ofendidos, pelo se entende ajustada a pena única de três anos de prisão. Cumpre, agora, aferir da viabilidade de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena única aplicada. A suspensão da execução da pena encontra a sua regulamentação legal no artigo 50.º e seguintes do Código Penal. Nos termos do artigo 50.º n.º 1 do C. P., deverá o tribunal suspender a pena de prisão em medida não superior a cinco anos, desde que conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico. Como referem os Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos “Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial [...] Sendo favorável esse juízo de prognose deverá, então, o tribunal decidir se a simples censura do facto bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção (geral) do crime.” (in Código Penal Anotado, anotação ao artigo 50º, Volume I, 3ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág. 639). Neste caso, embora o arguido não se tenha disponibilizado sujeitar-se à realização de relatório social, dos seus antecedentes criminais decorre que o mesmo será uma pessoa integrada na sociedade, ainda que com algumas fragilidades, já mencionadas. Além disso, à data da prática destes factos, o arguido nunca havia recebido a advertência inerente à aplicação de uma pena não privativa da liberdade, porquanto os escassos antecedentes se circunscreveram à prática de três crimes punidos com meras penas de multa. Assim, entendemos ser crível que a iminência de uma pena de prisão de 3 anos será suficiente e adequada às finalidades desta suspensão concreta, fazendo-se um juízo de prognose favorável a favor do arguido, tanto mais que, atendendo ao seu grau de literacia, é de crer que o arguido perceberá a consequências desta condenação e a advertência dela decorrente, prevendo-se ser a mesma dissuasora de novas condutas ilícitas.
IV- FUNDAMENTOS DO RECURSO E RESPECTIVA APRECIAÇÃO.
Apreciemos, agora, as questões a decidir relativas ao recurso interposto.
IV.1. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto/erro de julgamento quanto aos factos provados em 34. .
O arguido vem alegar que foram incorretamente julgados e impugnam os pontos da matéria dada como provada em 34, porquanto através do e-mail datado de .../.../2022 enviado ao CSMP e à PGR, email esse reenviado pela PGR à testemunha supra referenciada, não pretendeu imputar singularmente denúncias caluniosas contra cada um dos Magistrados do MP intervenientes no inquérito 503/16.5..., mas sim coletivamente contra os Magistrados de Aveiro, sem especificar qual ou quais os Magistrados que em concreto alegadamente pretendia denunciar.
O ordenamento jurídico-processual-penal consagra duas formas de impugnação da matéria de facto.
Uma designada por impugnação ampla (erro de julgamento), que consiste na reapreciação da prova gravada e que tem de ser invocada pelo recorrente, pois não é de conhecimento oficioso, recaindo sobre o recorrente o duplo ónus de especificação previsto no art.º412º, nº3 e 4 do CPP.
Outra, designada por impugnação restrita, (revista alargada) que consiste na invocação dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº2 do art.410º, do CPP que, são de conhecimento oficioso.
São duas formas distintas de “atacar” a matéria de facto, estando por isso sujeitas a regimes processuais diferentes.
Dispõe o art.º 412.º, do CPP nos n.ºs 3, 4 e 6: 3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. 5 - Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse. 6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância. Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, (como é o caso da impugnação restrita decorrente dos vícios a que alude o art.º 410.º, do CPP,) alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal. Tratando-se de impugnação ampla, porém, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédiojurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
Assim, impõe-se-lhe:
i. a especificação dos “concretos pontos de facto” que considera incorrectamente julgados, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado;
ii. a especificação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, acrescendo que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa.
iii. a especificação das “provas que devem ser renovadas”, sendo caso disso, que só se satisfaz com a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento no tribunal de primeira instância, dos vícios referidos nas alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo – cfr. artigo 430º, nº 1, do citado diploma.
iv. Quando as provas tenham sido gravadas as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão recorrida, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.03.2012, publicado no D.R. I Série, nº 77, de 18.04.2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório. A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas. O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto. Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”
Assim sendo, cumpre a este tribunal de recurso avaliar se a decisão da matéria de facto efetuada pela primeira instância, tendo em conta os elementos de prova indicados pelos recorrentes, é ou não uma solução plausível segundo as regras da experiência, e, em caso afirmativo ela será inatacável, considerando o princípio da livre apreciação da prova que impõe que o julgador aprecie e decida a prova de acordo com a sua livre convicção.
Ao impugnar a matéria de facto constante do ponto 34. alega o arguido que: 2.do depoimento da testemunha Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto Jubilado DD, id. Nos autos, que prestou depoimento que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informático em uso no Tribunal “a quo”, sob o ficheiro uma ... com início às 12h02m segundos e fim as 12h15m.40 segundos, do dia .../.../25 cfr. ata de audiência de discussão e julgamento respectiva de fls. … dos autos resultam as concretas passagens constantes aos 2 minutos 22 segundos; aos 2 minutos e 41 segundos, e aos 3 minutos e 20 segundos que não permitem concluir e dar como provados os factos constantes da matéria de facto dada como provada no Acórdão da respectiva fundamentação, tendo sido incorretamente julgados e que se impugnam e constam sob os pontos da matéria dada como provada em 34, que se dão aqui integralmente por reproduzidos, porquanto através do e-mail datado de .../.../2022 enviado ao CSMP e à PGR, email esse reenviado pela PGR à testemunha supra referenciada, não pretendeu imputar singularmente denúncias caluniosas contra cada um dos Magistrados do MP intervenientes no inquérito 503/16.5... mas sim coletivamente contra os Magistrados de Aveiro, sem especificar qual ou quais os Magistrados em concreto alegadamente pretendia denunciar, pelo que se impugna o 34 da matéria de facto provada, devendo o recorrente ser absolvido dos ilícitos criminais de denuncia caluniosa por não se encontrar preenchido o respectivo tipo objectivo que exige especificação das alegadas vítimas.
Mais refere que: 9. assim o recorrente distingue o MP da entidade que apelida de associação criminosa que é apenas composta pelos perpetradores responsáveis pelo falecimento do seu pai e sonegação de bens da herança, nunca pretendeu apelidar o MP associação criminosa ou que estivesse conluiada com esta nem injuriou ou denunciou caluniosamente as testemunhas os Ex.mos Srs. Procuradores melhor id. Nos autos. 11.O email de ... de ... de 2022 dirigido ao CSMP e à PGR foi remetido por serem os órgãos competentes para o efeito e ninguém foi identificado como “membro” ou “líder” da associação criminosa, contudo presume-se que pretendeu denunciar caluniosamente os nove Procuradores da República arrolados como testemunhas nos autos que declararam ter sido pessoalmente caluniados, baseando o número de crimes de denúncia caluniosa pelos quais vem condenado, o que resulta de uma interpretação subjectiva e extensiva não permitida em Direito penal. Pese embora o linguajar mais acintoso, não pretendeu denunciar caluniosamente os Ex.mos Procuradores que alegadamente se sentem visados, mas sim e apenas rever uma situação objectiva designadamente impugnar as decisões que entendeu lhe serem desfavoráveis face aos pontos de vista acima referidos.
O arguido/recorrente respeita as especificações supra referidas, dos “concretos pontos de facto” (ponto 34 dos factos provados) que considera incorrectamente julgados, mais indica “concretas provas que (a seu ver) impõem decisão diversa da recorrida” (correspondentes ao depoimento da testemunha DD, cujo segmento da gravação indica), insertas no nºs 3 e 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
Conhecendo, então, da impugnação alargada, recordemos os factos não provados em causa, que são os seguintes: 34. Quis ainda que, ao efetuar o mencionado “requerimento”, através de e-mail datado de ........2022, ao CSMP e à PGR, contra cada um dos Magistrados do Ministério Público intervenientes no inquérito nº 503/16.5... pudesse vir a ser instaurado inquérito disciplinar e criminal, bem sabendo serem tais expressões inverídicas e não correspondentes à realidade e de ter perfeita consciência da falsidade de tais imputações.
Ao contrário do afirmado pelo arguido, entende o Ministério Público que: III. Resulta da simples análise do texto da mensagem que foram visados os magistrados que intervieram no processo, os quais foram os 9 magistrados identificados no acórdão, comprovados pelas certidões do processo objeto da queixa.
Analisando a motivação da decisão de facto constante do acórdão condenatório, no que respeita ao referido ponto, o Tribunal recorrido formou a sua convicção examinando criticamente a prova produzida, articulando-a e conjugando-a, na seguinte operação valorativa, (cujos sublinhados são nossos): “No concernente aos pontos 7 e 25 a 36 a sua comprovação decorre de um juízo lógico a partir dos factos objetiváveis resultantes da actuação do arguido que se assumiu como repetitiva e insistente. Ora, em face da matéria provada e do seu encadeamento lógico, designadamente, por força da comprovação processual de que não havia indícios para sujeitar a julgamento qualquer magistrado do M.P. (cf. Decisões proferidas no processo 503/16.5...), em conjugação com o relato das diversas testemunhas, torna-se evidente para este Tribunal não só que o que as imputações do arguidos são falsas como são feitas exclusivamente como forma de represália e desforço pelo facto de não ter conseguido concretizar os seus intentos pelas vias processuais válidas. Analisadas as concretas expressões, adjetivações e imputações, verifica-se que as mesmas assumem contornos de maledicência que não têm por vista qualquer apuramento de verdade ou de justiça, mas sim ofender o prestígio e confiança devidos ao Ministério Público, que o arguido apelida, sem margem para dúvida, de “associação criminosa” ao declarar de forma expressa que o mesmo é integrado por agentes que assaltam, usurpam, sonegam, extorquem e que existe um “negócio” na actividade dos Ministério Público. Acresce ainda que o arguido é, como demonstra ser através dos seus escritos, uma pessoa que tem perfeito conhecimento dos deveres do M.P. e do âmbito de actuação deste. Além disso, o arguido pretendeu em audiência fazer crer ao Tribunal, embora sem sustentação lógia, que naquele e-mail se referia a terceiros que não magistrados e que são esses terceiros os visados dos crimes que imputa a quem contra si actua, o que fez com vista a desculpar-se e a desresponsabilizar-se, por ter clara noção de que a sua conduta não é penalmente aceitável. Por outro lado, ao ter assumido uma qualidade processual no inquérito identificado, é evidente para este Tribunal que o arguido bem sabia quem eram os magistrados do MP que intervieram no processo, tanto mais que os despachos são assinados e o arguido reagiu contra muitos deles. O arguido não podia deixar de saber, pelo menos, quantos foram os magistrados em causa, que assinaram os despachos sucessivamente proferidos, tanto mais que o arguido, como resulta da prova documental, tinha uma posição activa e interventiva no processo. Aliás, conforme resulta do teor do próprio e-mail descrito no ponto 1, o arguido conclui referindo que todos os envolvidos estão identificados nas decisões perversas (…) em nome da justiça, o que demonstra o seu claro conhecimento e intenção.
Decorre deste excerto que o Tribunal explicou, num raciocínio coerente, estruturado e organizado porque deu como provados os factos constantes do ponto 34..
Todo o raciocínio encetado pelo Tribunal recorrido tem apoio na prova produzida, valorada à luz do princípio da livre apreciação e das regras de experiência comum (art.º 127.º, do CP), considerando que a prova dos mesmos não corresponde a prova tarifada.
Como decorre do excerto supra a prova documental( o e-mail datado de ........2022) foi essencial à formação da convicção positiva do Tribunal quanto à matéria de facto provada constante do ponto impugnado, prova essa que o tribunal recorrido conjugou com os relatos das testemunhas, socorrendo-se ainda de um juízo lógico a partir dos factos objectiváveis resultantes da actuação do arguido que se assumiu como repetitiva e insistente, da demais matéria provada e do seu encadeamento lógico.
Como a prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, no caso, o Julgador da primeira instância apreciou e valorou a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou “hominis”, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
Na verdade, o facto impugnado em causa, além do seu pendor objectivo relativo à consideração dos visados, tem um pendor subjectivo, sendo consensual na doutrina e jurisprudência que, para além dos meios de prova directos, o tribunal pode socorrer-se de procedimentos lógicos de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido, válidos também no processo penal, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art.º 125.º, do Código de Processo Penal estando conforme a constituição.
Saliente-se que o Tribunal Constitucional no Acórdão 521/2018 de 17/10/2018 (Processo n.º 321/2018 3ª Secção Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro)(in www.tribunalconstitucional.pt) decidiu mesmo não julgar inconstitucional, por violação dos princípios da presunção de inocência e da estrutura acusatória do processo penal, consagrados nos n.ºs 2 e 5 do artigo 32.º, da constituição, o art.º 125.º, do CPP , na interpretação de que a prova indiciária e a prova por presunções judiciais são admissíveis em direito penal e em direito processual penal. A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros.
No Acórdão do STJ de 05/03/2025 proc. 8805/19.2T9LSB.L1.S1, relator Antero Luís foi sufragado o seguinte: “Sobre o uso de presunções, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 7 de Janeiro de 2004, no processo n.º 03P3213, considerou que “(…) Na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido” e no acórdão de 9 de Fevereiro de 2005, proferido no processo n.º 04P4721, “(…) As presunções naturais são o produto das regras de experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro (...) Na ilação derivada de uma presunção natural tem de existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido; a existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária”.13 A utilização destas presunções e prova indirecta são permitidas por lei (artigos 349º e 351º do Código Civil) e ainda estão no campo de aplicação do princípio de livre apreciação da prova, exigindo-se, contudo, ao juiz uma maior prudência e fundamentação no seu raciocínio lógico de valoração da prova. Na verdade, o elemento subjectivo do ilícito, o dolo (elemento volitivo), “(…) pertence à vida interior de cada um, é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência”.17 Como refere o Supremo Tribunal de Justiça, “(…) o ânimo ou intenção, embora seja um acto interno revela-se pelos factos externos que precedem ou acompanham o facto criminoso”18 Sendo o elemento volitivo do dolo um acto interno do agente que se materializa pelos demais factos externos anteriores ou contemporâneos do ilícito, não pode, o mesmo, deixar de ser dado como provado, a partir do momento em que são dados como provados os factos imputados, ou seja, o elemento objectivo do ilícito, salvo se existirem circunstâncias que afastem o dolo ou a culpa. O dolo (elemento intelectual e volitivo) é assim dado por provado a partir das circunstâncias de facto dadas por assentes, analisadas à luz das regras da experiência comum, tal como resulta do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal.(…)” in www.dgsi.pt
Veja-se por todos, também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-01-2023 processo 1197/07.4PBMTS.P1, in www.dgsi.pt: “IV – Encontra-se consolidado o entendimento de que para a prova dos factos em processo penal é perfeitamente legítimo o recurso à prova indireta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial. V – Acresce que a nossa lei adjetiva penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objetivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação. VI – Naturalmente, quando a base do juízo de facto é indireta, impõe-se um particular rigor na análise dos elementos que sustentam tal juízo, a fim de evitar erros, pois que a presunção de inocência que impera em direito processual penal exige que não seja afetada pela utilização de presunções judiciais. VII – Assim sendo, a utilização de uma presunção judicial para determinar a culpa pela prática de um ilícito criminal deve ser particularmente sólida, bem fundamentada, não dando margem para o erro judiciário, ou seja, além da prova fundamentada dos factos básicos deve existir uma conexão racional forte entre esses factos e o facto consequência.”
A prova indirecta (ou indiciária) não é um “minus” relativamente à prova directa. Pelo contrário, pois se é certo que na prova indirecta intervêm a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho.
No entanto, a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova, quer a directa, quer a indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, valorada por si e na conjugação dos vários elementos de prova, analisados de acordo com as regras da experiência.
Os factos constantes do ponto 34. foram dados como provados sendo resultado da factualidade objectiva provada e que, diga-se, não foi expressamente impugnada pelo recorrente, nomeadamente os factos constantes dos pontos 1. a 33. e 35. e que, com segurança permite inferir, com base em presunção natural essa motivação, não se vendo na operação qualquer violação do art.º 127.º, porquanto os factos atinentes ao elemento subjectivo, não são, em regra, apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos restantes factos, analisada à luz das regras da experiência comum, constituindo inferências que se retiram dos restantes factos provados, das circunstancias objectivas, idóneas claras no que respeita ao grau de representação, previsão e conformação ou não do agente.
Efectivamente, não impugna o recorrente, em especial, a seguinte factualidade provada: 1. Através de email de ... de ... de 2022, dirigido ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e à Procuradoria-Geral da República (PGR), o arguido apresentou um requerimento, com oito ficheiros anexos, requerendo a instauração de inquérito disciplinar e criminal, sob o título “envolvimento de uma associação criminosa infiltrada no Ministério Público e dedicada a um continuado e tenaz assalto à herança indivisa com o NIF ...”; 2. Este e-mail tinha como assunto o Processo nº 503/16.5... e pretendia a responsabilização de todos os procuradores do MP “envolvidos no ressarcimento à Herança dos cerca de um milhão de euros furtados; 4. Nesse seu requerimento, o arguido escreveu, além de outras afirmações, as seguintes: (…) 4.2. “Face à inacreditável realidade constatada, p. ex. no Proc.º 503/16.5... (entre muitos criminosos abusos de toda a ordem) em que nunca é permitido a sua discussão e escrutínio do Tribunal, face à postura do MP (ou melhor, em nome do MP), de recorrência à sonegação de documentos cruciais para participação de negócios ilícitos “branqueados” em nome da justiça, face às permanentes perseguições, simulações, difamações e extorsões ao herdeiro que é legitimo cabeça- de-casal no desempenho das suas legitimas funções, e face a dezenas dos mais incríveis expedientes fraudulentos em nome do Ministério Público e da Justiça, requer-se a urgente instauração de inquérito disciplinar e criminal, ao envolvimento de uma associação criminosa infiltrada no Ministério Público, e dedicada a um continuado e tenaz assalto à herança indivisa com o NIF ...)”.(…). É este o principal e prioritário negócio indigno e sujo, de todos os indignos envolvidos que se impõem como dignos e limpos... Mas todos os envolvidos estão identificados nas decisões perversas que fazem questão de tomar contra a herança sob assalto, e seu perseguido cabeça-de-casal...em nome da justiça!” 5. Na sequência da sua insatisfação pelas decisões que lhe foram desfavoráveis no âmbito de vários inquéritos que correram seus termos em ... e ..., mas muito particularmente no âmbito do inquérito nº 503/1 6.5PAESP, o arguido AA decidiu manifestar a sua discordância em sucessivos e reiterados requerimentos que efetuou; 6. Neles utilizando expressões suscetíveis de atingir não só a honorabilidade pessoal e consideração dos Magistrados do Ministério Público mas também a sua integridade profissional, fossem subscritores de despachos de arquivamento, ou superiores hierárquicos que proferiram despachos sobre intervenções e reclamações hierárquicas. 7. O arguido interiorizou o propósito concretizado afirmar e propalar factos inverídicos, sem qualquer correspondência na realidade, com o único intuito de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança devida ao Ministério Público, no seu todo, mas em especial ao Ministério Público da Procuradoria da República da Comarca de ..., designadamente aos Magistrados intervenientes na tramitação e no despacho do inquérito nº 503/1 6.5PAESP que correu termos na Secção de ... do DIAP; 9. No mencionado inquérito nº 503/16.5..., em que era denunciante AA, intervieram na sua tramitação processual, nomeadamente, os seguintes Magistrados do Ministério Público: Dr.ª LL, Procuradora da República; Dr. MM, Procurador da República; Dr.ª NN, Procuradora da República; Dr.ª OO, Procuradora da República; Dr.ª PP, Procuradora da República; Dr.ª QQ, Procuradora da República; Dr. RR; 10. Magistrados estes que intervieram no referido inquérito na estrita observância das normas legais penais e processuais penais aplicáveis e movidos, no exercício das suas funções, exclusivamente por critérios de objetividade e de imparcialidade na realização da justiça. 25. O arguido sabia que, ao escrever o que escreveu, estava a imputar uma atividade delituosa e organizada a Magistrados do Ministério Público, alegando tratar-se de uma associação criminosa infiltrada, nos termos acima descritos. 26. Bem sabia o arguido que esta sua conduta era crime e, apesar disso, logrou concretizá-la; 27. Mais sabia o arguido que, ao afirmar e ao escrever as referidas expressões, propalando-as e dirigidas ao CSMP e à PGR, eram as mesmas inverídicas e capazes de ofender, como ofenderam, a credibilidade, o prestígio e a confiança que é devida ao Ministério Público, no seu todo, e nomeadamente ao ..., em especial, aos Magistrados que intervieram no inquérito nº 503/16.5..., o que representou e quis, não se abstendo de levar por diante essa sua conduta. 28. O arguido sabia ainda que o referido inquérito fora objeto de intervenção processual e prolação de despachos, fossem intercalares ou finais, por vários Procuradores/Procuradoras, incluindo dirigentes e Magistrados do .... 30. Apesar disso, quis escrever e propalar tais expressões. 31. O arguido sabia também que a atuação dos diversos Magistrados do Ministério Público intervenientes, designadamente no âmbito do inquérito nº 503/16.5..., já tinha sido apreciada na Procuradoria-Geral Regional do Porto, onde correu o inquérito nº 404/18.2... e onde foi proferido despacho de arquivamento, datado de ........2019, e do qual consta que não resultaram indícios suficientes da prática por parte dos denunciados Magistrados de qualquer crime, designadamente os que foram invocados (denúncia caluniosa, denegação de justiça, favorecimento pessoal e abuso de poder); 32. Bem como sabia que a atuação dos Magistrados do Ministério Público designadamente no âmbito do inquérito nº 503/16.5... já tinha sido também apreciada, decidida e julgada pelo Tribunal da Relação do Porto através de decisão de não pronúncia, datada de ........2020, que veio a ser confirmada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de ........2021; 33. Apesar de saber que já anteriormente tinham sido proferidas as decisões referidas “supra”, o arguido não se absteve de escrever e propalar tais expressões, o que quis; 35. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo as respetivas condutas especialmente censuráveis, proibidas por lei e punidas criminalmente.
Ora, destes factos se infere, inelutavelmente, que o arguido pretendia efectivamente, visar todos os Magistrados do Ministério Público que tiveram intervenção no processo nº 503/16.5..., o que não é susceptível de ser contrariado por qualquer testemunho nomeadamente o indicado pelo arguido/recorrente, a testemunha PGA Jubilado TT, a qual nas suas declarações confirmou o teor dos emails que encaminhou, e confirmou a intervenção de vários Magistrados no processo, não sendo, por isso, verdade que o arguido não pretendeu imputar singularmente denúncias caluniosas contra cada um dos Magistrados do MP intervenientes no inquérito 503/16.5... através do e-mail datado de .../.../2022 enviado ao CSMP e à PGR, mas apenas coletivamente contra os Magistrados de Aveiro, sem especificar qual ou quais os Magistrados em concreto alegadamente pretendia denunciar.
Note-se que o arguido/recorrente limita-se a indicar o depoimento da referida testemunha não explicando a razão do seu entendimento de que o depoimento imporia decisão diversa quanto à matéria do ponto 34., apenas se limitando a referir conclusivamente que o depoimento não permite concluir e dar como provados os factos constantes da matéria de facto dada como provada no Acórdão da respectiva fundamentação tendo sido incorretamente julgados.
Embora o recorrente tenha ainda alegado que realizou um exame médico pelo IMLCF-Porto para aquilatar a situação de choque pela inesperada morte do seu pai e que basicamente confirma que o comportamento e reações do recorrente encontram-se nitidamente influenciados por um choque traumático pelo sucedido contra o meu pai e consequentemente sonegação de bens da herança de que foi instituído cabeça de casal e que esse relatório médico “inimputa” a forma veemente de expor e denunciar os crimes conforme os vê, parecendo-nos pretender, embora de forma não clara, que estaria inimputável ou imputável diminuído, o que além de não ter ficado demonstrado, sai contrariado pelo facto provado 35. não impugnado pelo recorrente, do qual resulta ter actuado de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e proibição penal das suas condutas.
Assim, na análise da prova que fundou a resposta positiva dos factos constantes do ponto 34.º não se vê que tenham sido violadas, pelo Tribunal recorrido, as regras da experiência ou que a apreciação seja manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou que tenham sido violadas as regras sobre prova vinculada ou das leges artis.
Como refere o Acórdão deste TRL de 11.03.2021, Proc. nº 179/19.8JDLSB.L1-9: “(…) II – Os Tribunais da Relação têm poderes de intromissão em aspectos fácticos (art.ºs 428º e 431º/b) do CPP), mas não podem sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto; III – Normalmente, esses erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar; IV - Quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes; (…).”
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-06-2002, proferido no processo nº 0210320, disponível em www.dgsi.pt: “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. (…). Assim, a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.”.
Além disso, em caso de impugnação alargada e reapreciação da matéria de facto, o tribunal ad quem deverá avaliar “se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido tem suporte adequado naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si e, consequentemente, a Relação só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais, de manifesto erro na apreciação da prova. O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilara livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade. (...) Por outro lado, reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão (Acórdão da Relação de Coimbra de 12-09-2012, proferido no processo n.º 245/09.8 GBACB.C1 disponível em www.dgsi.pt) (destaque nosso).
E, no caso dos autos, a convicção do Tribunal tem suporte adequado e verosímil na prova produzida em audiência e reapreciada, à luz do princípio da livre convicção inserido no art.º 127.º, do CP ainda que pudesse permitir outra decisão, que não é o caso, não a impõe, tal como exigido pelo art.º 412.º, n.º3, alínea b).
Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo nº 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível inwww.dgsi.pt/jstj, “Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”.
Ora, no caso dos autos todas as provas foram sujeitas ao contraditório, nomeadamente pela defesa, as quais foram produzidas e examinadas em audiência nos termos do art.º 355.º, do CPP, e acordo com o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127.º, do CP), o julgador é livre ao apreciar as provas, estando tal apreciação apenas vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório sendo que “A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspetivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento. Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.02.2012, proferido no processo nº 38/10.0 TAFIG.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc.
Na realidade, ao Tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, “Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Não se vislumbra, ademais, quaisquer dos vícios previstos no art.º410.º, n.º2 do CPP no texto da decisão recorrida, em especial o erro notório a que alude o n.º2, al. c) do art.º 410.º, do texto da decisão recorrida, por si só e mesmo conjugada com as regras da experiência comum, na medida em que um tal vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida, dado que o facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício, sendo certo que na análise da prova o Julgador da primeira instância não se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios nem desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis e da experiência comum.
Em suma, o percurso seguido pelo Tribunal a quo na convicção formada e nos motivos dela determinantes, mostra-se, perfeitamente explicado, de forma lógica e objectivável e, tem suporte plausível e seguro na prova documentada nos autos conjugada com as regras de experiência comum e submetida à apreciação do tribunal de recurso, não se baseou em qualquer prova proibida nem em violação das regras sobre a sua força legal das provas e nessa medida, porque beneficiou da imediação e da oralidade, deve prevalecer a convicção expressa pelo tribunal a quo, sendo a mesma inatacável.
Dada a inexistência de erro de Julgamento e a improcedência da impugnação da matéria de facto, há que julgar não provido o segmento do recurso em análise.
IV.2- Do não preenchimento dos elementos dos tipos de ilícitos criminais de denúncia caluniosa p. e p. pelo art.º 365.º, do CP e de ofensa a organismo serviços ou pessoa colectiva p. e p. pelo art.º 187.º, n.ºs 1 e 2 al. a) do CP. .
Alega o arguido a não verificação dos crimes de crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º 1 e 2 a), do Cód. Pena e de nove crimes de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º 1) do Cód. Penal pelos quais foi condenado, por não se encontrarem preenchidos os respectivo elementos objectivos e subjectivos, porquanto, em relação ao primeiro não apelidou o Ministério Público de “associação criminosa” e quanto ao segundo não se mostram por si especificados os visados em concreto.
Relativamente ao crime de Ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva p. e p. pelo artigo 187.º do CP dispõe o seguinte: 1 - Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias. 2.É correspondentemente aplicável o disposto: a) No artigo 183.º, e b)Nos n.ºs 1 e 2 do art.º 186.º.”
São elementos da infracção ao nível objectivo:
- ao nível do sujeito activo: qualquer pessoa; -ao nível do sujeito passivo(vítima do crime): organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação.
-ao nível da conduta: afirmação propalação de factos inverídicos, sem fundamento para, em boa fé, serem tidos por verdadeiros, susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos ao ente colectivo.
Não basta assim a propalação de factos inverídicos, sendo ainda necessário que:
-o agente esteja de má fé na convicção que formou acerca da veracidade, não tendo razões sérias para ceitar esses factos como verdadeiros;
-que os factos sejam idóneos a ferir a credibilidade, o prestígio ou a confiança que o ente visado deve merecer.
O bem jurídico protegido pela incriminação é o bom nome, a credibilidade, o prestígio ou a confiança que o ente visado deve merecer, sendo um crime de perigo abstrato-concreto quanto ao grau de lesão do bem jurídico e de mera actividade, quanto á forma de consumação do ataque objecto da acção.
A circunstância de o tipo objectivo mencionar a expressão “capazes de ofender” impõe a realização de um juízo de idoneidade do perigo criado pelo agente.
Ao nível do tipo subjectivo o mesmo admite qualquer modalidade do dolo. ( por todos Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 6.ª Edição UCP pág. 858 e ss e Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Parte Especial, 5.ª Edição em anotação ao art.º 187.º, do CP pág. 857 e ss)
O tribunal recorrido considerou que: “o propalado pelo arguido tem total idoneidade para colocar em causa o prestigio e confiança no M.P.. Além disso, não temos dúvida de que o arguido agiu com dolo directo, nos termos do artigo 14.º do CP, pretendendo actuar do modo descrito com intenção de atentar contra o prestígio e confiança nesse órgão de administração da justiça, pelo que deverá ser condenado pela prática desse crime.”
Concorda-se efectivamente com tal enquadramento jurídico penal, atendendo aos factos provados 1.,4.,6.,7.,25.,27.,30.,31., 32., 33. e 35 dos quais decorre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito, em especial a imputação ao Ministério Público de “associação criminosa” como decorre dos factos provados 1., 4.2. e 25.
Quanto ao crime de denúncia caluniosa, esmiuçando o art.º 365º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal, comete o crime de denúncia caluniosa “quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (n.º 1). Se a conduta consistir na falsa imputação de contra-ordenação ou falta disciplinar, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 120 dias (n.º 2)”.
O crime de denúncia caluniosa tem como elementos (objectivos e subjectivos): (como entendido nomeadamente no Acórdão do TRC de 16/11/2011 processo n.º 37/09.4TAPNC.C1):
a) A denúncia pública, por qualquer meio, perante autoridade competente ou o lançamento de suspeita, de que determinada pessoa (determinada ou identificável) praticou um crime, contraordenação ou ilícito disciplinar, sendo os factos imputados ainda que sob a forma de suspeita, idóneos a provocarem procedimento criminal, contraordenacional ou disciplinar;
b) A prova da falsidade dos factos imputados;
c) A consciência dessa falsidade por parte do agente (elemento subjectivo);
d) A intenção do agente de que contra o visado seja instaurado procedimento criminal, contraordenacional ou disciplinar (elemento subjectivo).
O bem jurídico protegido pela incriminação é a realização da justiça e também a honra e consideração e o bom nome do visado, assumindo uma natureza pluridimensional, (Cfr. Ac. Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 8/2006, de 12/10/2006, Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Parte Especial, 5.ª Edição e anotação 20.ª ao art.º 365.º, in Comentário Conimbricense ao Código penal, 2001, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 6.ª Edição UCP pág. 1290, este defendendo que os bens jurídicos protegidos são a honra e consideração, o bom nome do visado e, reflexamente, a realização da justiça).
Sendo um crime de mera actividade, de execução livre e de dano quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido (Paulo Pinto de Albuquerque, Ob. Cit. Pág. 1290), embora contra Costa Andrade que o considera um crime de perigo concreto (Cfr. anotação 20.ª ao art.º 365.º, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, 2001).
Ao nível do tipo objectivo o facto constante da falsa denunciação deve visar uma pessoa física ou pessoa colectiva determinadas, devendo imputar um ou mais crimes, contraordenações ou infracções disciplinares de natureza pública.
A denunciação deve ser objectiva e subjectivamente falsa, deve estar em contradição com a verdade dos factos e o denunciante deve estar plenamente ciente de tal contradição (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Ob. Cit. Pág. 1846 e Ac. TRC de 12/02/15, proc. 1357/09.3TACBR.C1)
No plano subjectivo o crime de denúncia caluniosa é um crime doloso (art.º 13º do Código Penal), pressupondo o conhecimento dos elementos objectivos do tipo (elemento intelectual do dolo), a vontade de realização do facto (elemento volitivo) e a consciência da ilicitude da conduta (elemento emocional do dolo), só admitindo o dolo directo considerando que exige a “consciência da falsidade da imputação”, exigindo-se, para além do dolo genérico, um dolo especifico, que o agente tem de actuar com o propósito, não exclusivo mas determinante da conduta, de que contra o visado seja instaurado procedimento criminal, por contraordenação ou disciplinar. (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Parte Especial, 5.ª Edição pág. 1846 e Paulo Pinto de Albuquerque, Ob. Cit. pág. 1292).
O Tribunal recorrido concluiu que: “(…)as inúmeras imputações feitas pelo arguidos a todos os magistrados do M.P. identificáveis nas decisões e que intervieram no processo 503/16.5... e que forma feitas com intenção manifesta de lançar sobre esses magistrados do M.P. a grave suspeita da prática de vários crimes, crimes esses também graves, com intenção expressa de que os mesmos fossem alvos de procedimento criminal o que, aliás, é expressamente referido no e-mail.”.
Concorda-se inteiramente com tal enquadramento jurídico penal, atendendo aos factos provados 1., 4., 6., 9. a 21, 31. a 35 dos quais decorre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito, nomeadamente, resultou provada a identidade dos visados pelo arguido, nos factos provados 4.5., 9. a 20., 27., 28. e 34. .
Ainda que o arguido tenha aflorado a questão da sua inimputabilidade que se prenderia com a não verificação do elemento subjectivo do tipo por causa que exclui a culpa, o certo é que não ficou demonstrado que, em virtude de anomalia psíquica, o arguido fosse incapaz de avaliar a ilicitude do facto, no momento da prática do mesmo, ou de se determinar de acordo com a avaliação da ilicitude do facto (art.º 20.º, n.º1 do CP) ou que tivesse uma uma capacidade sensivelmente diminuída de avaliação da ilicitude do facto e de autodeterminação de acordo com essa avaliação, ele pode ser declarado inimputável, desde que essa diminuição resulte de uma anomalia psíquica grave, não acidental (n.º2 do art.º 20.º, do CP) ou tenha revelado incapacidade para ser influenciado pelas penas (n.º3 do mesmo art.º)
Efectivamente, teria que ter resultado comprovada na factualidade a anomalia psíquica e a sua aptidão para destruir as «as conexões reais e objectivas de sentido que ligam o facto à pessoa do agente», ou seja, que a origem da incapacidade de discernimento e/ou da ausência de liberdade da vontade que impedem a formulação do juízo de culpabilidade e a aplicação da pena previstas para o crime, se projecte na conduta, num «triângulo probatório cujos lados são: o facto, a anomalia psíquica e o nexo que os junta numa mesma unidade de sentido» (Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de Inimputáveis e «in dubio pro reo»”, pág. 125), o que não ocorreu.
Improcede assim, também este segmento do recurso.
IV.3. Da escolha e medida da pena.
Considera o arguido que, não sendo absolvido, que seja condenado em penas de multa e em cúmulo próximo do seu montante mínimo legalmente admissível .
Vejamos.
É lapidar o Acórdão do STJ de 19.05.2021, relatado por Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt “No que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar. A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”. (No mesmo sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 20/02/2025, processo 538/23.1 SXLSB.L1-9, relator JORGE ROSAS DE CASTRO, e de 2025-10-23- Processo n.º 12/24.9PHAMD.L1, Relatora ANA MARISA ARNEDO, e, na doutrina, entre outros Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).
O critério de escolha da pena encontra-se fixado no art.º 70º do C. Penal nos termos do qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Responde o art.º 40º do C. Penal, à questão de saber quais são as finalidades, dispondo no seu nº 1 que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, acrescentando no seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, em concordância com o que estabelece o art.º 71º, nº 1 do mesmo código.
Com a inserção deste dispositivo estiveram no pensamento legislativo somente razões pragmáticas. Tratou-se tão só de dar ao interprete e ao aplicador do direito criminal critérios de escolha e medida das penas e das medidas de segurança, em vista de serem atingidos os fins últimos para os quais todos os outros convergem, que são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta (neste sentido Maia Gonçalves, Código penal Português anotado e comentado, 8.ª Edição Almedina Coimbra pág. 291).
Em suma, são elementos fundamentais da operação de escolha entre pena privativa e pena não privativa da liberdade as finalidades da punição, traduzidas na protecção de bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade (art.os 40.ºe 70.º, do Código Penal), sendo que na determinação da medida da pena deverá atender-se às exigências de prevenção especial de socialização e de prevenção geral, de integração e à medida da culpa do agente, sendo que esta constitui o limite inultrapassável da pena (art.º 71.º, n.º1 e 40.º, do CP).
Dispõe o art.º 71.º do C. Penal (Determinação da medida da pena) que:
“1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.” (destaque nosso)
A prevenção geral reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a culpa, dirigida ao agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.).
Da análise conjugada de tais normativos e como é jurisprudência firmada, a medida da culpa constituirá o limite máximo da medida da pena concreta, funcionando as exigências de prevenção geral como seu limite mínimo, dentro da moldura abstracta aplicável ao tipo de crime, necessário à reafirmação da norma jurídico-penal violada pela conduta do agente.
Por outro lado, concretizando os critérios enunciados no citado art.º 71º, os mesmos poderão ser perspectivados como:
- os relativos ao grau de ilicitude e à execução do facto e que contendem com as exigências de prevenção geral relacionados com o grau de violação ou perigo de violação do interesse ofendido; o número de interesses/direitos ofendidos e suas consequências, a eficácia dos meios de agressão utilizados (alínea a), do n.º2, do art.º 71.º, do CP)
- os atinentes ao grau de culpa designadamente, o grau de violação dos deveres impostos ao agente; o grau de intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime; os fins ou motivos determinantes; a conduta anterior e posterior; a personalidade do agente e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto(alínea b) c) e) e f), do n.º2, do art.º 71.º, do CP),
- e os que se referem à influência da aplicação da pena sobre a pessoa do agente, ou seja, às exigências de prevenção especial, mormente, as condições pessoais do agente e a sua situação económica(alínea e), do n.º2, do art.º 71.º, do CP).
Deste modo, são elementos fundamentais da operação da escolha e determinação da pena, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, logo, fins de prevenção – geral e especial – por um lado, e a sua limitação pela medida da culpa do agente, por outro.
É esta a enumeração dos factores de medida da pena que estão exemplificativamente estabelecidos no artigo 71º, nº 1 e 2 nas alíneas a) a f) do Código Penal, e que Figueiredo Dias dividiu em três categorias: relativos à execução do facto; os relativos à personalidade do agente e relativos à conduta do agente anterior ou posterior ao facto.
Cada circunstância tem uma conexão de sentido com a culpa do agente ou com as necessidades de socialização, sendo que as considerações atinentes à culpa reportam-se ao momento da prática do facto e as considerações referentes à prevenção reportam-se ao momento do julgamento.
Volvendo ao caso dos autos, no que respeita à escolha entre a pena de multa ou a pena de prisão, considerou o Tribunal recorrido o seguinte: “V. DAS PENAS: Neste caso, e conforme já analisado, o crime de ofensa a organismo é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias, e os crimes de denúncia caluniosa são puníveis com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. Ao abrigo do disposto no artigo 40.° do CP "a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" e, "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma -cfr. Figueiredo Dias, in "As consequências Jurídicas do Crime". Por outro lado, o artigo 71.° do CP estipula que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção" (n.º1). Nessa determinação, o limite máximo fixar-se-á em função da medida da culpa, medida esta que delimitará a pena, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. Por seu turno, o limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, realiza eficazmente a protecção dos bens jurídicos. Dentro destes dois limites encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social do agente. Para o efeito, o tribunal deverá atender "a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele" (artigo 71.° n.º 2 do CP). Além disso, o Tribunal deverá ter em conta que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Neste caso concreto,atendendo aos antecedentes criminais do arguido, que denotam uma propensão para e à sua conduta posterior, já que o arguido foi condenado pela prática de crimes idênticos posteriormente à prática destes factos, entende-se que a pena de multa já não é suficiente, não se mostrando dissuasora do cometimento de novos ilícitos.” .
Efectivamente, o arguido tem os seguintes antecedentes criminais: 37. Por sentença transitada em julgado em ........2012, o arguido foi condenado pela prática em ........2009, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º n.º 1 do CP, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 8,00€ (processo 535/09.0...); 38. Por sentença transitada em julgado em ........2016, o arguido foi condenado pela prática em ........2014, de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º n.º 1 al. b) do CP, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 20,00€ (processo 562/14.5...); 39. Por sentença transitada em julgado em ........2020, o arguido foi condenado pela prática em ........2017, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo artigo 180.º e 184.º do CP, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 8,00€ (processo 2294/17.3...); 40. Por sentença transitada em julgado em ........2022, o arguido foi condenado pela prática em ........2018 de um crime de difamação agravada; em ........2017 de outro crime de difamação agravada e em ........2018 de um crime de denúncia caluniosa, na pena de um ano e sete meses de prisão suspensa na sua execução por igual período (processo 782/18.3...).
Atenta a natureza idêntica dos crimes pelos quais o arguido foi condenado em 37., 39 e 40, correspondendo a mais do que uma condenação, uma delas já em pena de prisão cuja execução ficou suspensa, embora proferida em data posterior à prática dos factos em causa nos autos, os quais o foram em data anterior aos destes autos, as condenações anteriores em pena de multa não constituíram suficiente advertência para não voltar a prevaricar, ao contrário do defendido pelo arguido, há que concluir que efectivamente a pena de multa se revela insuficientes às necessidades de prevenção geral e especial.
Em suma, no caso em apreço e dada a gravidade da conduta, conjugada com as fortes exigências de prevenção geral, a mera aplicação de uma pena de multa ficaria aquém dos fins de prevenção geral e especial acima enunciados e seria gerador de sentimentos de impunidade.
Decorre da operação de determinação da concreta medida da pena que o Tribunal atendeu às seguintes circunstancias: Deste modo, importa privilegiar, neste caso, a aplicação de pena privativa da liberdade e, atento o teor dos artigos 40.° n. ° 1 e 71 .° do CP, serão de considerar na determinação da medida da pena os seguintes factores: «O grau de ilicitude é elevado, uma vez que decorre do número de envolvidos quanto ao crime de denúncia caluniosa, bem como do grau extremamente ofensivo dos factos imputados ao Ministério Público; «O arguido agiu com dolo directo; «O arguido já possuía antecedentes criminais demonstrativos da incapacidade de o arguido respeitar a honra e consideração de terceiros, bem como a autoridade alheia, e voltou a ser condenado pela prática de crimes contra a honra; «O arguido manifesta a propensão para não se conformar com o poder decisório alheio e com a necessidade de obediência ao poder legítimo instituído. Existem, assim, fortes necessidades de prevenção especial, em razão do que se entende adequando fixar em 3 (três) meses de prisão a pena a aplicar por força do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva p. e p. pelo artigo 187.º n.º 1 e 2 al. a) do CP, e em 8 (oito) meses de prisão a pena a aplicar por cada um dos (nove) crimes de denúncia caluniosa praticados, p. e p. pelo artigo 365.º n.º 1 do CP. Porém, nos termos do artigo 77.° n.º 1 do CP "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente". A pena aplicável ao concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como o limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.º 2). Neste caso a moldura abstracta aplicável ao concurso de crimes é de prisão de 3 meses a 6 anos e 3 meses. Importa graduar a pena aplicável a este concurso de crimes tendo em conta os factos descritos e a personalidade do agente. Ora, atendendo à ao facto de o arguido apresentar um percurso de vida com trajetória relativamente estável ao nível do cometimento crimes, cujos antecedentes se resumem as descritos na factualidade assente, impõe-se considerar que não estamos diante de alguém com personalidade desviante ou pro-criminal. Além disso, dos factos não decorrem efectivas e graves consequências danosas para os ofendidos, pelo se entende ajustada a pena única de três anos de prisão. Cumpre, agora, aferir da viabilidade de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena única aplicada. A suspensão da execução da pena encontra a sua regulamentação legal no artigo 50.º e seguintes do Código Penal. Nos termos do artigo 50.º n.º 1 do C. P., deverá o tribunal suspender a pena de prisão em medida não superior a cinco anos, desde que conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico. Como referem os Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos “Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial [...] Sendo favorável esse juízo de prognose deverá, então, o tribunal decidir se a simples censura do facto bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção (geral) do crime.” (in Código Penal Anotado, anotação ao artigo 50º, Volume I, 3ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág. 639). Neste caso, embora o arguido não se tenha disponibilizado sujeitar-se à realização de relatório social, dos seus antecedentes criminais decorre que o mesmo será uma pessoa integrada na sociedade, ainda que com algumas fragilidades, já mencionadas. Além disso, à data da prática destes factos, o arguido nunca havia recebido a advertência inerente à aplicação de uma pena não privativa da liberdade, porquanto os escassos antecedentes se circunscreveram à prática de três crimes punidos com meras penas de multa. Assim, entendemos ser crível que a iminência de uma pena de prisão de 3 anos será suficiente e adequada às finalidades desta suspensão concreta, fazendo-se um juízo de prognose favorável a favor do arguido, tanto mais que, atendendo ao seu grau de literacia, é de crer que o arguido perceberá a consequências desta condenação e a advertência dela decorrente, prevendo-se ser a mesma dissuasora de novas condutas ilícitas.
Como decorre do referido excerto da decisão, na fixação da pena concreta, o Tribunal recorrido considerou os factores, previstos no art.º 71.º, do CP, tendo enunciado acertadamente as regras legais aplicáveis, considerando os factores relevantes, a favor e a desfavor, a ausência de antecedentes criminais registados, as suas condições pessoais, sociais e profissionais, estando integrado.
Ponderando todos os factores supra, entendemos ser justa, proporcional e adequada a medida concreta da pena de prisão fixada a cada um dos crimes imputados.
Decorre do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, para escolha da medida da pena única, importará, pois, ter em conta «em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
A pena única do concurso de crimes, assenta no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser fixada dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Na consideração do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, devendo ter-se em conta a possível conexão existente entre os factos em concurso.
Na consideração da personalidade do agente, tal como se manifesta na globalidade dos factos, devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
A determinação da pena do concurso exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados, acentua-se, todos os factos, e a personalidade do seu autor.
Impõe-se, portanto, que se proceda a uma nova reflexão sobre os factos, em conjunto com a personalidade do condenado, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que se revelou em toda a factualidade.
Como vem sendo decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 27-05-2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1-3ª Secção, Relator Manuel Augusto de Matos, retomando o acórdão de 12-09-2012, proferido no processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1 – 3.ª Secção (www.dgsi.pt) que, «com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele…».
A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Sendo que, tem considerado o Supremo Tribunal de Justiça, que na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso .
Efectivamente, pronuncia-se o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão do de 10-12-2014, proferido no processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1- 3.ª Secção (www.dgsi.pt), «[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entrea pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber (…) se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido»,
Como salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-06-2012, proferido no processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1 – 3.ª Secção: «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)».
Também no Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 29/04/2020, proferido no processo n.º 928/08.0TAVNF.G1.S1, relator Lopes da Mota (www.dgsi.pt): “VII - Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Tribunal, com a fixação da pena única, de acordo com o critério especial do art. 77.º, do CP, pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.”
Volvendo ao caso dos autos, quer na operação pela pena de prisão quer na determinação concreta da pena quer da pena única, não se vislumbram quaisquer incorreções ou distorções no processo aplicativo ou na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena, nem foram desrespeitados os princípios gerais e as operações de determinação impostas por lei, nem foram violadas regras da experiência sendo que a quantificação não se revela desproporcionada
Assim, não se vê, na ponderação e conjugação dos vários factores e princípios que concorrem na operação de determinação concreta da pena, que o tribunal recorrido tenha revelado desproporção ou inadequação ou incorrido em violação de qualquer preceito, nomeadamente, os art.ºs 40.º, 50.º, 70.º, 71.º, 77.º do CP nem o art.º 18.º, da CRP.
Pelo que, consideramos adequada e proporcional a condenação, mantendo-se a condenação realizada pelo Tribunal a quo.
Em síntese, o recurso improcede totalmente porque nenhuma censura nos merece o acórdão recorrido.
*
V – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam as Juízas Desembargadoras que integram a 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
-Negar provimento ao recurso, interposto pelo arguido AA, confirmando, o acórdão condenatório recorrido.
*
Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC, termos dos art.ºs 513º n. º1 e 514.º, do Código de Processo Penal, 8º/9.º do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) e Tabela III anexa a este último diploma.
Notifique.
Lisboa, 20 de Novembro de 2025
Elaborado e integralmente revisto pela Relatora (art.º 94.º n.º2 do C. P. Penal)
Assinado digitalmente pela Relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntas
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Ana Marisa Arnêdo
_______________________________________________________
1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995
2. Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção.