REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
EFEITOS
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

Sumário (da responsabilidade da Relatora):
I. O princípio da presunção de inocência consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP) impede que se valore sentença não transitada em julgado, como antecedente criminal.
II. A menção à pendência de um processo crime e a indicação do concreto crime imputado, data dos factos e sentença, com a expressa ressalva de que não transitou em julgado, serve apenas para dar conta de um outro contacto do arguido/recorrente com a justiça, transmitindo um pedaço da sua vida, que surge com relevo no âmbito da conduta anterior e posterior do arguido e, não sendo valorada como antecedente criminal, não constitui qualquer violação do princípio da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo.
III. A lei n.º 37/2015 de 05.05, (Lei da Identificação Criminal) é inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido tenha delinquido nesses prazos.
IV. O “cancelamento dos registos”, sendo uma imposição legal, significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos, designadamente quanto à medida da pena.
V. Uma vez verificado o decurso dos prazos legalmente previstos, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.
VI. O aproveitamento judicial de informação além de ilegal, constitui uma violação do princípio constitucional da igualdade, implicando uma verdadeira proibição de valoração de prova.
VII. Nos termos do disposto nas a) e b), do n.º 1, do art.º 11.º, da Lei 37/2015, tendo em conta a condenação em pena de prisão, superior a 5 anos e inferior a 8, o prazo de cancelamento definitivo dos respetivos registos é de 7 anos “sobre a extinção da pena” com a ressalva de que “entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza”.
VIII. No caso em análise, todas as condenações constantes do registo do arguido são passíveis de valoração, posto que, em qualquer caso, da data de extinção de cada uma das penas nunca decorreram 5 anos ou 7 anos, sem que o arguido não tivesse sido condenado, por sentença transitada em julgado, por novo crime.
IX. A aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal, mas, pelo contrário, constitui um verdadeiro poder/dever, sendo concedida ou denegada no exercício de um poder vinculado que conduz à necessidade de fundamentação da decisão que a aplica, ou a desconsidera, incorrendo em nulidade a decisão que não contemple tal injunção, de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do Código de Processo Penal.
X. Para aplicação da pena de substituição de suspensão de execução da pena de prisão há que considerar verificados não só o pressupostos formal (condenação em pena de prisão até 5 anos), que, no caso se verifica, mas também o pressuposto material, traduzido na adequação da mera censura do facto e da ameaçada da prisão às necessidades preventivas, mediante um juízo de prognose favorável, no momento da sentença, relativamente ao comportamento do agente, através do qual o Tribunal conclua que, atendendo à sua personalidade, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição traduzidas na proteção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade (art.os 40.º e 50.º do CP).
XI. Havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se ficar em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
XII. Ainda que deva privilegiar-se a socialização em liberdade, não é menos certo que a defesa do ordenamento jurídico não pode ser postergada, sob pena de se sacrificar a função de tutela de bens jurídicos que a pena, irrenunciavelmente, desempenha.
XIII. No caso concreto, a personalidade do arguido manifestada nos factos e nas condenações anteriores, a taxa de álcool no sangue de 1,904 g/l que é elevada, o dolo directo intenso, as sete condenações anteriores transitadas em julgado e as diversas penas impostas ao arguido, revelam que as penas de multa, o cumprimento da pena de prisão em RPH e a suspensão de execução da pena não constituíram suficiente advertência para que o arguido pautasse a sua conduta de acordo com o direito, nem o estar integrado familiar e profissionalmente foi suficientemente contentor à prática pelo arguido de ilícitos, nomeadamente rodoviários, inferindo-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, consubstanciando um juízo de prognose desfavorável.

Texto Integral

Acordam, os Juízes Desembargadores, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
1.
O Ministério Público acusou, para julgamento sob a forma especial de processo sumário: AA, filho de BB e de CC, natural de ..., nascido em ...-...-1976, titular do Título de Residência n.º …, solteiro, empresário, residente na ... pelos factos constantes da acusação datada de .../.../2025, com a referência n.º ..., atribuindo-lhe a autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo disposto nos art.sº 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
2.
Realizado o julgamento foi proferida Sentença condenatória pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste ...–Juízo de pequena criminalidade de ... – juiz 2, cujo dispositivo é o seguinte:
“IV. DECISÃO
Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, julgo procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência:
A.1) Condeno o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, praticado no dia .../.../2025, na pena de sete meses de prisão;
A.2.) Condeno o arguido na pena acessória de oito meses de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do previsto no artigo 69.º, n.º 1 alínea a) e 292.º, ambos do Código Penal;
A.3.) Condeno o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em duas unidades de conta - artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal.
* * *
Fica o arguido desde já notificado para, no prazo máximo de dez dias após o trânsito em julgado desta sentença, proceder à entrega da sua carta de condução neste Tribunal ou em qualquer posto de polícia, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal. Mais se adverte o arguido de que, caso conduza veículo automóvel motorizado durante o decurso do período de inibição de conduzir que lhe foi imposto, incorrerá na prática de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal.
* * *
Após trânsito: i) Remeta boletim à D.S.I.C.; ii) Comunique à ANSR e ao IMT; iii) Emitam-se mandados de detenção e condução do arguido a Estabelecimento Prisional.
Proceda-se ao depósito da sentença.
Notifique.”
3.
Inconformado com a sentença condenatória, o arguido veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
l - O Mmo Juiz do tribunal a quo analisou a personalidade do ora Recorrente manifestada na sua conduta anterior e posterior ao crime, e as circunstâncias deste, concluindo que a simples censura e a ameaça de prisão não realizarão de forma adequada as finalidades punitivas, pelo que afastou a suspensão na sua execução da pena de 7 (sete) meses de prisão. Outrossim, entendeu por bem não determinar a substituição da pena de prisão por multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade e, por último, o cumprimento da sanção penal em regime de permanência na habitação. Como pena acessória, fixou o douto tribunal ao arguido, a inibição de conduzir pelo período de 8 meses, e com início após a libertação do arguido.
II - Sucede que, o cadastro do arguido, ora recorrente, não é abonatório para efeitos de benefício de medidas alternativas à aplicação de sanções penais efectivas. Porém, e salvo melhor entendimento, afinal o arguido apenas cometeu até à presente data um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, no dia ... de ... de 2022. Relativamente à pena de 6 anos de prisão efectiva, declarada extinta por cumprida, reporta-se a ... de ... de 1998, ou seja, há cerca de 27 anos. Quantos aos crimes de condução sem habilitação legal, não restam dúvidas que, formalmente, a lei pune com pena de multa ou de prisão, a verdade é que a não habilitação formal por ausência de licença de condução, por vezes não significa que o condutor saiba efectivamente dirigir um veículo, o que não desculpa o cumprimento da lei.
III - A douta sentença referiu os principais efeitos do álcool no exercício da condução, quais sejam, a audácia incontrolada, a perda de vigilância relativa ao meio envolvente, perturbação das capacidades sensoriais, maxime as visuais, perturbação das capacidades perceptíveis, aumento do tempo da reacção, lentificação da resposta reflexa, e diminuição da resistência à fadiga. E graduou os riscos de envolvimento em acidente mortal, tendo ainda citado Jª DD, o qual releva que acima de 2 gr/litro de sangue, pode afirmarse a realidade de embriaguez sem a presença de qualquer outro dado clínico. Finalmente, citou o Manual de Alcoologia para o Clínico Geral, de EE e outros, relevando os factores que põem em risco a aptidão do condutor e causa directa na percentagem de mortes por acidente de viação.
Contrapõe o recorrente que foi decretada 1,904 de taxa de alcoolemia, e que, apesar da sua embriaguez conduzia a carrinha em marcha muito lenta e com o objectivo de arranjar para um estacionamento. Tal significando que tinha consciência do estado em que se encontrava, sem atitude de euforia e sobrestima da máquina que conduzia.
IV - Na senda do que foi proposto em sede de alegações finais pelo Exmo Procurador da República, ainda será possível utilizar mecanismos previstos na lei para levar o arguido ao bom caminho da observância das leis. O nosso sistema de justiça fala muito em prevenção, mas não investiu o suficiente no tratamento da dependência alcoólica, uma das adições que mais mata no nosso país ao nível dos próprios pacientes. Assim sendo, seria absolutamente aceitável o internamento compulsivo das pessoas que cometem crimes sob o efeito do álcool, mas em estabelecimentos hospitalares prisionais e com a vertente de tratamento de toxicologia. Ganhava a sociedade como um todo e as companhias seguradoras. Ora, a prisão pura e dura não recupera pacientes com dependências de várias naturezas, e as percentagens de reincidência no nosso sistema prisional é um exemplo eloquente do que ora se alega.
V- Em suma, com salvaguarda do respeito devido ao Mmo Juiz do tribunal a quo, experiente magistrado judicial, conhecido pelo seu rigor e criteriosa fundamentação das decisões judiciais que profere, no modesto entender do Recorrente, a sentença:
a) viola os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, na fixação das penas, mormente o preceituado nos artigos 40º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal , porque afastou o regime da suspensão da execução da pena previsto no artigo 50º do Código Penal, e a substituição por multa penal conforme at.º 45º do mesmo diploma;
b) viola o princípio da presunção de inocência, in dubio pro reo, constitucionalmente consagrado no art.º 32º, n.º 2 da CRP, ao relevar na ponderação da sua decisão judicial a sentença condenatória de 1 anos e 3 meses de prisão efectiva, em fase de recurso (Proc. 88/22.3..., Local Criminal de ... - Juiz 4) ,
c) viola os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, na fixação das penas ao relevar uma pena reportada a factos ilícitos praticados há quase 27 anos (.../.../1998), quando era suposto já terem sido objecto de reabilitação judicial.
Face ao exposto, vem o recorrente pugnar pela derrogação da pena que lhe foi aplicada de 7 meses de prisão efectiva, pelo facto de conduzir em estado de embriaguez, sem no entanto ter provocado qualquer lesão em pessoas ou danos patrimoniais, substituindo-a por outra que aplique uma das modalidades alternativas que não impliquem a efectiva entrada na prisão. No entanto, será esse alto tribunal que decidirá como melhor for em termos de realização da justiça.
4.
O recurso foi admitido por despacho, nos seguintes termos:
Referência 28427135 [interposição de recurso]: Por ser tempestivo, estar motivado, ter o recorrente legitimidade e ser a decisão recorrível, admito o recurso interposto por AA, para o Tribunal da Relação de Lisboa, ao qual atribuo efeito suspensivo, com subida imediata e nos próprios autos - artigos 391.º, 399.º, 400.º, n.º 1 (a contrario), 401.º, n.º 1 alínea b), 411.º n.º 1, 412.º, n.º 2, 414.º, n.os 1, 2 e 3, 406.º n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a), e 408.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal.
5.
O Ministério Público veio apresentar resposta ao recurso com o seguinte teor (transcrição).
Nestes autos, e na procedência parcial da acusação pública deduzida contra o arguido AA, foi proferida sentença que decidiu: “A.1) Conden[ar] o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, praticado no dia .../.../2025, na pena de sete meses de prisão; A.2.) Conden[ar] o arguido na pena acessória de oito meses de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do previsto no artigo 69.º, n.º 1 alínea a) e 292.º, ambos do Código Penal; A.3.) Conden[ar] o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em duas unidades de conta - artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal..”
Irresignado com tal condenação, vem o arguido AA interpor recurso da decisão condenatória, cuja motivação termina, formulando cinco conclusões, pugnando, a final, pela “derrogação da pena que lhe foi aplicada de 7 meses de prisão efectiva […], substituindo-a por outra que aplique uma das modalidades alternativas que não impliquem a efectiva entrada na prisão.”
Salvo o devido respeito, não pode o recurso interposto pelo arguido proceder, pois que a sentença proferida nos autos não merece qualquer censura, tendo feito uma correcta interpretação da prova carreada para os autos e, bem assim, uma correcta aplicação dos factos apurados ao direito, tendo, de igual modo, aplicado a pena em natureza e medida adequada e proporcional ao caso concreto e às necessidades de punição que o mesmo reclama.
DA ANÁLISE E RESPOSTA À MOTIVAÇÃO DO RECURSO
Da análise da motivação e das conclusões extraídas do recurso a que ora se responde, resulta que a insatisfação do recorrente com a decisão proferida se pretende, essencialmente, com a natureza e modo de execução da pena principal em que foi condenado.
De facto, realça-se que o arguido não impugna qualquer ponto da matéria de facto, pelo que esta terá de se manter intocável.
Do mesmo modo, também o arguido não coloca em causa a medida concreta da pena em que foi condenado, nem, tão-pouco, a medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados a que também foi condenado.
Em jeito de nota prévia, far-se-á breve referência ao principio in dubio pro reo, já que na sua conclusão V-b), refere o arguido que tal princípio foi violado pelo Tribunal a quo. Ora, dir-se-á que mal se compreende tal invocação já que o referido princípio é aplicado, primordialmente, na apreciação da prova carreada para os autos e na determinação da factualidade que deve ser dada como demonstrada / não demonstrada.
Assim, entende-se que no caso dos autos, não havia que fazer qualquer apelo a tal princípio, pois que, e como é sabido, o mesmo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
Vale isto por dizer que, não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo (uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa contempla), impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso – e só no caso - da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir a favor do arguido.
Assim, se uma vez produzida toda a prova, persistir uma dúvida razoável sobre determinados factos no espírito do julgador, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a favor do arguido, sendo que um determinado facto será dado como não provado se lhe for desfavorável, e provado se justificar o facto ou for excludente da sua culpa.
Com efeito, sendo o direito penal um direito de culpa, a qual representa um limite intransponível para a decisão, “os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta, como suporte axiológiconormativo da pena” 1 . Aliás, e como ensina o Professor Figueiredo Dias, “relativamente ao facto sujeito a julgamento, o princípio [in dubio pro reo] aplica-se sem qualquer limitação, e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido” 2 . 1 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 519 2 in Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra Editora, pág. 215
Em suma, o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ora, no presente caso, e do cotejo da fundamentação da sentença recorrida, com facilidade se alcança que o Meritíssimo Juiz a quo não foi assolado por qualquer tipo de dúvida, pois que – e bem – considerou demonstrado que o arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos e descritas na sentença, praticou os factos que lhe vinham imputados na acusação pública, nos moldes como fez constar no elenco dos factos provados, já que tal foi a factualidade demonstrada pelos meios de prova constantes dos autos. De igual modo, não foi assolado por qualquer tipo de dúvida no momento da ponderação e escolha da natureza da pena e na determinação da sua medida concreta. Isto posto, åö Como se aludiu já, não tendo sido impugnada a matéria de facto dada como demonstrada pelo Tribunal a quo, não há quaisquer dúvidas que a factualidade descrita na sentença se tem por assente e, bem assim, que a mesma integra a prática, pelo arguido, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal . Ora, o referido ilícito criminal é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. In casu, ao arguido AA foi aplicada a pena de sete meses de prisão.
*
Como é sabido, quando seja necessária a aplicação de uma pena (como consequência do cometimento de um crime), a punição em concreto terá sempre como limite máximo inultrapassável a culpa do agente; esta traduz, na verdade, o nível de censura que ao agente se pode fazer por agir de forma diversa daquela que lhe era exigida e de que era capaz. 6 de 15 Já terá como limite mínimo, irrenunciável, a pena que se manifesta, no caso concreto – e em cada caso concreto – imprescindível para se poder dizer que o bem jurídico violado foi, a final, efectivamente protegido e que as expectativas da comunidade nas normas de protecção estão, enfim, restauradas. E a este propósito cumpre lembrar os ensinamentos do Prof. Figueiredo Dias, segundo os quais, a prevenção geral positiva fornece uma moldura da pena dentro de cujos limites actuam considerações de prevenção especial, constituindo a culpa o limite máximo da moldura e a defesa da ordem jurídica o limite mínimo da moldura. Por outro lado, dentro daqueles referidos limites mínimos e máximos que o julgador há- -de encontrar no caso concreto, a pena ideal encontrar-se-á, ponderando as referidas circunstâncias elencadas no n.º 2, do artigo 71.º, do Código Penal. No caso concreto, quanto à ponderação da natureza e medida concreta da pena a aplicar ao arguido AA, fez-se constar na sentença recorrida: “Em obediência ao disposto no artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do agente ou contra ele.
Contra o arguido temos a equacionar o seguinte:
a) o grau de ilicitude dos factos: médio (dada a TAS detectada, 1,904 gramas, que se afasta consideravelmente do patamar a partir do qual a condução ébria é criminalizada);
b) a actuação do arguido que se pauta ao nível do dolo directo e intenso;
c) as sete anteriores condenações transitadas em julgado que arguido tem averbadas no seu certificado de registo criminal, referentes a um total de oito crimes, a saber: um de tráfico de estupefacientes (factos de .../.../1998), um de violação da medida de interdição de entrada em território nacional (factos de .../.../2012), quatro de condução sem habilitação legal (factos de .../.../2012, .../.../2017, .../.../2017 e .../.../2020), um de desobediência (factos de .../.../2017) e também por condução em estado de embriaguez (factos de .../.../2022);
d) terem os factos ora em apreço sido cometidos em .../.../2025, ou seja, menos de decorridos 3 meses após o arguido ter sido notificado da sentença proferida no Processo n.º 7 de 15 88/22.3..., em que foi condenado numa pena única de um ano e três meses de prisão (da qual interpôs recurso), mas que bem revela a nula ou reduzida inibição do arguido para a prática de crimes, sobretudo depois de já ter cumprido duas penas de prisão na habitação sucessivas, entre os dias .../.../2022 - .../.../2022 (processo nº 87/22.5..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez) e os dias .../.../2022 – .../.../2023 (processo nº 37/20.3..., Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática, em autoria material de um crime de condução sem habilitação legal);
e) as diversas penas impostas ao arguido: uma pena de prisão efectiva de seis anos, quatro penas de multa, uma pena de prisão suspensa na sua execução (posteriormente revogada e cumprida em RPH) e uma pena de 3 meses de prisão cumprida igualmente em RPH.
A favor do arguido, haverá que atender que: - O arguido indicia algum enquadramento familiar e profissional. Porém, este não tem sido suficientemente contentor, tanto mais que repetidamente tem cometido ilícitos, com especial pender para os de natureza rodoviária; A condução de veículos motorizados consubstancia, por si só, uma actividade perigosa, facto que resulta comprovado pelos índices de sinistralidade rodoviária que, infelizmente, caracterizam as estradas portuguesas.
Tal actividade torna-se substancialmente mais perigosa quando quem conduz está sob o efeito do álcool ou conduz sem a legal habilitação. Sabe-se que neste tipo de crime, a prevenção geral é acentuada dado o número e frequência da sua ocorrência e dos danos causados a nível de sinistralidade. Pretendendose acautelar essencialmente a segurança da circulação rodoviária, que é premente. Sobre a necessidade da prevenção e a perigosidade da condução sob o efeito do álcool, é curial relembrar os principais efeitos do álcool no exercício da condução: -- Vide in www.dgv.pt/seg_rodo/alcool_conducao.asp: 8 de 15 I -- Audácia incontrolada: -- (Um dos primeiros efeitos do álcool é o frequente estado de euforia, sensação de bem-estar e optimismo, com a consequente tendência para sobrevalorizar as próprias capacidades, quando, na realidade, estas já se encontram diminuídas. É, talvez, um dos estados mais perigosos); II -- Perda de vigilância em relação ao meio envolvente: -- (Sob a influência do álcool as capacidades de atenção e de concentração do condutor ficam diminuídas); III -- Perturbação das capacidades sensoriais, particularmente as visuais: -- (A presença de álcool no sangue reduz a acuidade visual, quer para perto, quer para longe e leva à alteração dos contornos dos objectos, quer estáticos, quer em movimento. A visão estereoscópica é prejudicada, ficando o condutor incapaz de avaliar correctamente as distâncias e as velocidades. A visão nocturna e crepuscular fica reduzida. O tempo de recuperação após encadeamento aumenta. Estreitamento do campo visual. O campo visual vai diminuindo com a eliminação progressiva da visão periférica (lateral) podendo, com o aumento da intoxicação alcoólica, chegar à visão em túnel, situação em que a visão do condutor abrange única e exclusivamente um ponto à sua frente, reduzindo, assim, a fonte de informação contida no espaço. Estudos efectuados sobre o campo de visão, a uma velocidade estabilizada, comprovam que este sofre, com uma TAS de 0,50g/l, uma redução de cerca de 30%. Pequenos aumentos da TAS traduzem-se em grandes reduções do campo visual); IV -- Perturbação das capacidades perceptivas: -- (A identificação da informação, recebida pelos órgãos dos sentidos, fica prejudicada e torna-se mais lenta); V -- Aumento do tempo de reacção: -- ((…) as bebidas alcoólicas ingeridas pelo condutor afectam, ao nível do cérebro e do cerebelo, as capacidades perceptivas e cognitivas, as capacidades de antecipação, de previsão e de decisão, e as capacidades motoras de resposta a um dado estímulo, podendo afectar o próprio equilíbrio. Fica assim incapaz de avaliar correctamente as diferentes situações de trânsito pelas dificuldades na recolha de informação, na sua análise e ainda na tomada de decisão da resposta motora adequada e na sua concretização (…)); VI -- Lentificação da resposta reflexa; 9 de 15 VII -- - Diminuição da resistência à fadiga: -- (O álcool desempenha um verdadeiro papel analgésico no nível dos centos nervosos e se, numa determinada fase, pode contribuir para criar um estado de euforia, este é posteriormente substituído por uma de fadiga intensa que pode chegar até ao entorpecimento. Da mesma forma, o álcool potencia o estado de fadiga quando este já se faz sentir); VIII -- O risco de envolvimento em acidente mortal aumenta rapidamente à medida que a concentração de álcool no sangue se torna mais elevada: 0,50g/l.............o risco aumenta 2 vezes; 0,80g/l.............o risco aumenta 4 vezes; 0,90g/l.............o risco aumenta 5 vezes; 1,20g/l.............o risco aumenta 16 vezes. (…) Por outro lado, também como refere Jª Gisbert Galabuig, in Medicina Legal e Toxicologia – Salvat Editores, SA, 4ª Edição, Barcelona, “não se pode esquecer que numa taxa de álcool no sangue acima de 2 gr/l, pode afirmar-se a realidade da embriaguez, sem a presença de qualquer outro dado clínico.” Como também se refere no “Manual de Alcoologia para o Clínico Geral” de Maria Lucília Mercês de Mello, Augusto Pinheiro Pinto, Maria Henriqueta Frazão e José P Pereira da Rocha, pág. 70 e ss: “ Na prática corrente da condução, os efeitos do álcool sobre a célula nervosa e sistema nervoso central e periférico, as “atitudes”, euforia e sobrestima da máquina e de capacidades, informação sensorial alterada, deficiente coordenação motora, atraso de reflexos,... são também factores que põem em risco a aptidão do condutor, representando o álcool a causa directa de elevada percentagem de mortes por acidentes de viação, e causa concomitante de acidentes de que apenas resultaram feridos e prejuízos materiais” (itálico do ora signatário). Se cada caso é um caso, existe um núcleo essencial e comum, do qual não é possível escapar, o grau de taxa de alcoolemia. A não ser que circunstâncias excepcionais o justifiquem, é um elemento preponderante na determinação da medida exacta da pena. É uma prática jurisprudencial e uma exigência comunitária. ... As regras da experiência dizem que não é qualquer cidadão que, acidentalmente, com amigos, ingere bebidas alcoólicas ao ponto de ficar com a taxa descrita nos autos. Tal causa ainda maior preocupação e alarme se tivermos em linha de conta os antecedentes criminais rodoviários, pois o arguido já foi julgado por esse crime e acaba por cometê-lo depois de ter cumprido penas privativas da liberdade e, recentemente, lhe ser comunicada uma pena única de prisão de um ano e três meses (ainda que desse decisão tenha interposto recurso).
Em face do exposto, e ponderadas as circunstâncias ora elencadas, entendo que aplicação de uma pena principal não privativa da liberdade será claramente insuficiente para a protecção dos bens jurídicos postos em crise pela conduta do arguido e para promover a sua recuperação social, pois o seu comportamento ao longo dos anos revela uma preocupante insensibilidade às decisões judiciais de que foi alvo.
Impõe-se, pois, que o arguido consciencialize a gravidade dos factos por si praticados e altere o seu comportamento, sendo esta necessidade de socialização do arguido incompatível com a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, por a pena de multa não satisfazer, de modo adequado, as necessidades da punição que o caso vertente invoca. Em face do exposto, decido condená-lo em sete meses de prisão” .
3 Ora, sem necessidade de outros considerandos, é manifesto que o Tribunal ponderou todas as circunstâncias apuradas nos autos e aplicou a pena de prisão em medida justa e adequada às necessidades de punição que se fazem sentir.
*
Por outro lado, assim ponderou o Tribunal a quo, relativamente ao modo de execução da pena principal: “De acordo com o disposto no artigo 50.º do Código Penal, o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão quando, perante a personalidade do agente, as suas condições 3 Sublinhados nossos. ... de vida, a sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de pena realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
À semelhança do que acima foi aflorado, a insensibilidade aos repetidos juízos de censura emitidos pelas sentenças condenatórias, a reiteração da conduta e desrespeito pela legalidade instituída, levam a concluir por uma resposta claramente negativa.
Neste momento, encontra-se já esgotado o juízo de prognose favorável ao arguido, mercê das diversas possibilidades que lhe foram concedidas pela aplicação de penas não privativas de liberdade, sendo que já as penas de prisão, ainda que suspensas na sua execução, também elas se revelaram insuficientemente dissuasoras. Assim, da análise da personalidade do arguido, manifestada na sua conduta anterior e posterior ao crime, e as circunstâncias deste, infere-se que a simples censura e a ameaça da prisão não realizarão de forma adequada as finalidades punitivas, razão pela qual decido não suspender, na sua execução, a pena de prisão supra determinada. Por idênticos motivos, o Tribunal não determinará a substituição da pena de prisão por multa – nos termos do artigo 45.º do Código Penal –, nem a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade – nos termos do artigo 58.º do Código Penal –, bem como o cumprimento em regime de permanência na habitação – artigo 43.º do Código Penal – que, aliás se entende que não satisfariam as aludidas necessidades de prevenção, em particular, especiais, porquanto o arguido já esteve em cumprimento de duas penas de prisão na habitação sucessivas, entre .../.../2022 e .../.../2022 e de .../.../2022 a .../.../2023, e mesmo [assim] veio a cometer novo crime de idêntica natureza.” Acompanhamos, de igual modo, o sentido da decisão quanto a tal questão. De facto, é manifesto que a substituição da pena de prisão aplicada por qualquer pena não privativa da liberdade (mormente por pena de multa ou trabalho a favor da comunidade) revelar-se-ia injusta porque desadequada por defeito. Como bem se refere no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.10.19965 , “...a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade. Daí para cima a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial. [...] Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins de prevenção constitui um desperdício, [....] as expectativas da sociedade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa”.
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Por outra via, como é sabido, é pressuposto material da suspensão da pena de prisão, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, a conclusão por um prognóstico favorável de adequação e suficiência da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral ou especial. A lei torna claro que, na formulação de tal prognóstico, o tribunal se há-de reportar ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.
A suspensão da execução da pena de prisão é vista como uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base, como se disse já, um juízo de prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza - assumida sem ausência de risco - de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito. O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão. Como ensina o Professor Figueiredo Dias , sendo a suspensão da execução da pena “a mais importante das penas de substituição” – não apenas pela frequência com que é aplicada, mas também pelo âmbito lato de aplicação que comporta – a lei, nos termos do art. 50º do Cód. Penal, exige não só a verificação de um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) como também requisitos subjectivos, determinados por finalidades de política criminal, que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente.
Em causa já não está a medida da culpa do agente, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção, sendo necessário determinar se existe esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.” Não há, pois, qualquer tipo de dúvida que, no caso dos autos, não é já possível fazer qualquer tipo de juízo de prognose favorável ao arguido de que (mais)uma condenação em pena de prisão, suspensa na sua execução, satisfaça as prementes necessidades de punição que no caso sub judice se fazem sentir.
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Ademais, inviabilizado se mostra também o recurso ao cumprimento da pena aplicada em regime de permanência na habitação, pois que, como se salientou na sentença, dele já beneficiou o arguido, sem que a privação da liberdade sofrida nesses moldes o tenha afastado definitivamente da prática de ilícitos criminais. Remetemos para o que supra se transcreveu e escusamo-nos de esgrimir qualquer outro argumento em favor do acerto e bondade da decisão em recurso. Do que fica dito é manifesto que não se surpreende na sentença qualquer vício ou erro na interpretação da lei que pudesse levar à alteração do doutamente decidido.
Por tudo o que ficou dito, forçoso é concluir que improcedem os fundamentos do recurso apresentado pelo arguido AA. Com efeito, não merece qualquer censura a decisão proferida, mostrando-se a pena aplicada nos autos justa, face aos factos apurados, à culpa do agente e à sua conduta anterior e posterior ao crime, pelo que, não padecendo de qualquer vício, nem tendo violado qualquer disposição legal, pelos fundamentos expostos, e na improcedência do recurso interposto pelo arguido, deve ser mantida na íntegra.
6.
Remetidos os autos a este Tribunal, nos termos e para os efeitos no art.º 416º do C.P.P., foram os autos com vista à Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, que no seu parecer pronunciou-se pela forma seguinte.
Visto - artigo 416.º, n.º 1, do CPP.
I – Nos presentes autos, por sentença depositada a ... de ... de 2025, foi o arguido AA condenado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, praticado no dia .../.../2025, na pena de sete meses de prisão; e ainda, na pena acessória de oito meses de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do previsto no artigo 69.º, n.º 1 alínea a) e 292.º, ambos do Código Penal.
II – Inconformado, recorreu o arguido invocando, por reporte às conclusões apresentadas que, não obstante a existência de antecedentes criminais, apenas cometeu anteriormente à data dos factos, um crime de idêntica natureza; que não causou lesões ou danos patrimoniais em outras pessoas; que a sentença viola os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, na fixação das penas, bem como, o princípio da presunção da inocência constitucionalmente consagrado, ao valorar na ponderação, uma pena de prisão iva aplicada num processo, cuja decisão não transitou em julgado.
III – O recurso não suscita objeções quanto à sua admissibilidade, tempestividade, legitimidade, espécie, forma, momento de subida e efeito fixado.
IV - O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao mesmo, afastando a aplicação do princípio da presunção da inocência, já que não foi impugnada a matéria de facto; defendeu ainda a bondade da decisão condenatória e a justeza e proporcionalidade da pena aplicada, afastando a possibilidade da suspensão da sua execução, em termos que nos merecem integral concordância, pelo que a ela aderimos, também entendendo que deve ser mantida a sentença recorrida, nos seus previsos termos.
A alegação constante da motivação de recurso de que o arguido não causou lesões ou danos patrimoniais em outras pessoas, carece der sentido quando se está, como é o caso, perante um crime de perigo (abstracto), não é exigível uma concreta ocorrência de perigo, ou sequer, de dano em relação a concretos bens jurídicos, mas apenas, a possibilidade abstracta de os mesmos serem atingidos.
Caso ocorra a produção de um dano, a responsabilidade penal será agravada; mas pré-existe sem ele. (1 Ac. TRL de 07/11/2002, relatado por Maria da Luz Batista, com o n.º convencional JTRL00044613, sumariado na base de dados digital)
*
Foi dispensado o cumprimento do nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, atendendo a que na vista a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a acompanhar, na integra, a resposta do Ministério Público do Tribunal da primeira instância, já conhecida do recorrente.
No exame preliminar considerou-se que o objecto do recurso interposto deveria ser conhecido em conferência.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
II -FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida tem o seguinte teor (transcrição):
II. Fundamentação
II. 1. Matéria de facto provada:
1. No dia ... de ... de 2025, cerca das 02h02, na ..., o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca “...”, ... “Dyna 150”, com a matrícula RQ-..-.., com uma taxa de álcool no sangue de 1,904 g/l, correspondente a, pelo menos, 2,07 g/l, deduzido o erro máximo admissível.
2. O arguido agiu sabendo que antes de iniciar a condução do veículo automóvel tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade superior aos limites legais, como efetivamente sucedeu, não se inibindo de, nessas condições, conduzir na via pública, conhecendo as características da mesma e do veículo em que circulava.
3. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo sua conduta era proibida e penalmente punida.
4. AA mantém uma relação afetiva de intimidade, desde o ano de ..., com FF, progenitora do seu filho mais novo, sendo mencionada, por ambos, como um relacionamento satisfatório e dentro da normalidade.
5. O arguido tem mais seis filhos, com idades compreendidas entre os cinco e os vinte e nove anos de idade, tendo os mais velhos já se autonomizado e constituído família e os restantes filhos, mais novos, encontram-se a residir com as suas progenitoras.
6. Alega apoiar financeiramente os filhos mais novos, sempre que as condições financeiras o permitem.
7. Tem o 2º ano de escolaridade, que concluiu quando tinha 9 anos de idade.
8. Natural de ..., emigrou para ..., no ano de ..., aos vinte e dois anos de idade, tendo como intuito melhorar as suas condições de vida.
9. No ano de ..., AA sofreu uma condenação, tendo sido determinado pelo ora extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) a ordem de expulsão de território nacional pelo período de cinco anos, tendo regressado ao seu país de origem, onde alegadamente se manteve no período compreendido entre o ano de ... e ..., tendo regressado a ... no ano seguinte.
10. Em ... reintegrou o agregado familiar do primo materno, com quem já tinha residido anteriormente e retomado a atividade profissional, no ramo da construção civil, embora de forma precária, devido à falta de documentação.
11. No ano de ...1.../2020 adquiriu o estabelecimento comercial, no ramo da restauração, “...”, sediado na localidade das ..., em ..., onde igualmente trabalha um irmão, e em que é gerente da empresa, mencionando auferir um vencimento mensal de aproximadamente €1.000,00.
12. O arguido tem as seguintes condenações averbadas no seu CRC, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
i) por acórdão de .../.../2002, transitado em julgado em .../.../2003, foi julgado e condenado, pela prática, em .../.../1998, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 6 anos de prisão efectiva, declarada extinta por cumprida;
ii) por sentença de .../.../2012, transitada em julgado em .../.../2012, foi julgado e condenado pela prática, em .../.../2012, e de um crime de violação da medida de interdição de entrada, numa pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no total de €350,00, declarada extinta pelo cumprimento;
iii) por sentença datada de .../.../2015 e transitada em julgado em .../.../2015, por factos praticados em .../.../2012, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00, no total de €500,00, declarada extinta por cumprida;
iv) por sentença datada de .../.../2017, transitada em julgado em .../.../2017, por factos praticados em .../.../2017, foi condenado pela prática de um crime de desobediência e de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00, no total de €750,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor fixada em 3 meses, declaradas extintas, por cumpridas;
v) por sentença datada de .../.../2018, transitada em julgado em .../.../2018, por factos praticados em .../.../2017, pela prática de um crime de condução de condução sem habilitação legal, foi condenado numa pena de 230 dias de multa, à taxa diária de €5,00, no total de €1.150,00, declarada extinta por cumprida;
vi) por sentença datada de .../.../2020, transitada em julgado em .../.../2020, por factos praticados em .../.../2020, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de 16 meses de prisão suspensa, na sua execução, por 3 anos sujeita a deveres, mas cuja suspensão foi revogada, por decisão transitada em julgado em .../.../2022, que determinou o cumprimento de 16 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, já declarada extinta pelo cumprimento;
vii) por sentença datada de .../.../2022, transitada em julgado em .../.../2022, por factos praticados em .../.../2022, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi condenado numa pena de 3 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, fixada em 5 meses, já declaradas extintas pelo cumprimento.
13. Assim, AA esteve em cumprimento de duas penas de prisão na habitação sucessivas, nos períodos compreendidos entre os dias .../.../2022- .../.../2022 (processo nº 87/22.5..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez) e os dias .../.../2022 – .../.../2023 (processo nº 37/20.3..., Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática, em autoria material de um crime de condução sem habilitação legal).
14. O arguido tem contra si pendente no ..., o Processo Comum Singular n.º 88/22.3..., em que por sentença de .../.../2025 o arguido foi condenado pela prática em .../.../2022, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Dec.-Lei 2/98, de 3/01 e de um crime de falsificação de documento autêntico, na modalidade de uso, previsto e punido pelo artigo 256º, nºs 1, alínea e) e 3, por referência ao artigo 255º, alínea c), ambos do Código Penal, na pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efectiva.
15. O arguido interpôs recurso da referida sentença em .../.../2025, em que embora não negue a prática dos factos pelos quais aí foi condenado (que aliás confessou na audiência de julgamento que aí foi realizada) pugna pela redução das penas parcelares de prisão aplicadas e, bem assim, da pena única imposta, defendendo ainda que esta deve ser suspensa na sua execução ou, caso assim não se entenda, que lhe seja aplicado o regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.
* * *
II.2. Matéria de facto não provada:
Inexiste.
* * *
II. 3.
Motivação da decisão de facto:
Dado que toda a prova produzida na audiência de discussão e julgamento se encontra integralmente gravada em suporte digital - o que permite a ulterior reprodução de toda a referida prova e um rigoroso controlo do modo como a convicção sobre a matéria de facto foi firmada - proceder-se-á a uma mais sucinta fundamentação, sendo dado maior destaque aos aspectos essenciais em matéria de prova, tornando desnecessário tudo o que vá para além disso.
Em primeiro lugar, foram analisadas de acordo com as regras da experiência e da normalidade, as declarações prestadas pelas testemunhas de acusação GG e HH, agentes da PSP, que esclareceram a forma como realização a acção de fiscalização rodoviária ao arguido, já que a viatura que este conduzia circulava a uma velocidade muito baixa, aos “solavancos”, para além de ter uma trajectória irregular, aos ziguezagues.
Assim, conforme afiançaram as referidas testemunhas, quando o arguido foi abordado apresentava sinais evidentes da ingestão prévia de bebidas alcoólicas, dado o odor a álcool que exalava e o discurso enrolado. Explicaram ainda a forma como procederam aos testes de pesquisa de álcool no sangue (teste qualitativo e, após, quantitativo) que permitiu apurar a concreta TAS.
Na segunda sessão da audiência de julgamento, o arguido, confrontado com os factos que lhe eram atribuídos, admitiu-os, mas sobressaiu sobretudo a sua postura de pouca valorização do ilícito cometido, tanto mais que quis explicar o seu comportamento dizendo que no dia em causa teria estado a comemorar o seu aniversário.
Ora, essa ausência de autocrítica quanto ao ilícito cometido, ainda para mais quando este foi praticado cerca de 3 meses após ter sido condenado em pena de prisão (embora por sentença da qual o arguido veio a interpor recurso), revela uma completa insensibilidade aos avisos contidos nas decisões judiciais de que foi alvo ao longo do tempo e, sobretudo, total falta de arrependimento pelos factos que empreendeu e pelos quais responde neste processo.
Complementarmente foi atendido ao teor do auto de notícia, de fls. 3 e 4, e relativamente à concreta taxa de álcool no sangue detectada, foi valorado o resultado obtido do aparelho medidor de marca ACS ... SAFIR EVOLUTION, respectivo certificado de verificação de fls. 15, e que veio a ser alvo de desconto da margem de erro admissível, nos termos da tabela divulgada pelo IMT (e que foi remetida aos tribunais através da Circular 101/2006 do Conselho Superior da Magistratura, na qual se faz aplicação prática do acima referido, encontrando-se previsto para cada valor de álcool no sangue, obtido através do aparelho em causa, o valor mínimo a que tal corresponderá, ou seja, o valor de álcool no sangue de que, pelo menos, o sujeito ao teste será portador, deduzida a margem de erro máximo aplicável).
De acordo com tal tabela, que se tem como boa, a uma taxa de álcool no sangue de 2,07 g/l corresponde, pelo menos, ao valor de 1,904 g/l, que é o valor que se considera nestes autos, atento até o princípio “in dubio pro reo”, sendo certo que em audiência não se vislumbrou a possibilidade de produzir qualquer meio de prova adicional com vista a sanar esta questão e se entende, na esteira nomeadamente do Ac. TRP de 10.09.2008 (recurso 3109/08-4) e de 21.05.2008 (recurso 1716/08) que o teste e valor que este indicou pressupõe um juízo técnico.
O conhecimento, por parte do arguido, que conduzia sob o efeito de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admitida, decorre da análise da taxa detectada cujo patamar é incompatível com o desconhecimento que não estava em condições de conduzir, em segurança, um veículo na via pública ou equiparada, uma vez que é consabido ser necessária a ingestão de significativa quantidade de bebidas alcoólicas para que alguém, sujeito a exame de TAS, apresente uma taxa superior a 1,19 gr./l [limite a partir do qual a condução sob a influência de bebidas alcoólicas é tida como crime].
No caso dos autos, temos que ao arguido foi detectada uma taxa “crime”, quando aquele já fora julgado no passado, precisamente pelo mesmo tipo de ilícito, Processo: 685/25.5... Referência: ... Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 2 Processo Sumário (artº 381º CPP) não podendo, pois, desconhecer o estado de influência de álcool em que se encontrava no momento em que conduzia, tanto mais que o reconheceu.
Mais se valorou o certificado de Registo Criminal junto aos autos, para prova dos antecedentes criminais.
De igual modo se consigna que se procedeu à consulta electrónica do Processo n.º 88/22.3..., pendente no ..., donde foram extraídas e juntas aos autos cópias simples do relatório da DGRSP aí elaborado, datado de .../.../2025 (com manifesto relevo para esclarecimento das condições pessoais e sociais do arguido), da sentença de .../.../2025 e do requerimento de recurso formulado pelo arguido em .../.../2025.
* * *
III. ENQUADRAMENTO FÁCTICO-JURÍDICO
Em face da matéria de facto dada como provada importa proceder à qualificação jurídico-penal da conduta do arguido, determinando qual a tutela jurisdicional que cumpre dar ao caso em apreço.
É imputada ao arguido a prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal. Dispõe este artigo que “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
Para o preenchimento do tipo legal basta, pelo lado objectivo, a condução na via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l. Da matéria de facto provada resulta que no dia ... de ... de 2025, cerca das 02h02, na ..., o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca “...”, ... “Dyna 150”, com a matrícula RQ-…- …, com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,904 gramas por litro de sangue.
Por outro lado, no que concerne ao tipo subjectivo, ao ficar demonstrado que o arguido sabia que não podia conduzir o referido veículo motorizado pela via pública com a taxa de álcool no sangue que apresentou nesse momento e que não desconhecia que tal conduta era proibida por lei, verifica-se o preenchimento do elemento subjectivo, tendo o arguido actuado com dolo directo.
Assim, verifica-se que a conduta do arguido preenche objectiva e subjectivamente os elementos do citado crime de perigo abstracto que lhe é atribuído, previsto no artigo 292.º do Código Penal, pelo que deverá ser condenado pela sua prática.
* * *
III.1.
Das penas a aplicar:
Em obediência ao disposto no artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do agente ou contra ele.
Contra o arguido temos a equacionar o seguinte:
a) o grau de ilicitude dos factos: médio (dada a TAS detectada, 1,904 gramas, que se afasta consideravelmente do patamar a partir do qual a condução ébria é criminalizada);
b) a actuação do arguido que se pauta ao nível do dolo directo e intenso;
c) as sete anteriores condenações transitadas em julgado que arguido tem averbadas no seu certificado de registo criminal, referentes a um total de oito crimes, a saber: um de tráfico de estupefacientes (factos de .../.../1998), um de violação da medida de interdição de entrada em território nacional (factos de .../.../2012), quatro de condução sem habilitação legal (factos de .../.../2012, .../.../2017, .../.../2017 e .../.../2020), um de desobediência (factos de .../.../2017) e também por condução em estado de embriaguez (factos de .../.../2022);
d) terem os factos ora em apreço sido cometidos em .../.../2025, ou seja, menos de decorridos 3 meses após o arguido ter sido notificado da sentença proferida no Processo n.º 88/22.3..., em que foi condenado numa pena única de um ano e três meses de prisão (da qual interpôs recurso), mas que bem revela a nula ou reduzida inibição do arguido para a prática de crimes, sobretudo depois de já ter cumprido duas penas de prisão na habitação sucessivas, entre os dias .../.../2022 - .../.../2022 (processo nº 87/22.5..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez) e os dias .../.../2022 – .../.../2023 (processo nº 37/20.3..., Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática, em autoria material de um crime de condução sem habilitação legal);
e) as diversas penas impostas ao arguido: uma pena de prisão efectiva de seis anos, quatro penas de multa, uma pena de prisão suspensa na sua execução (posteriormente revogada e cumprida em RPH) e uma pena de 3 meses de prisão cumprida igualmente em RPH. A favor do arguido, haverá que atender que:
- O arguido indicia algum enquadramento familiar e profissional. Porém, este não tem sido suficientemente contentor, tanto mais que repetidamente tem cometido ilícitos, com especial pender para os de natureza rodoviária; A condução de veículos motorizados consubstancia, por si só, uma actividade perigosa, facto que resulta comprovado pelos índices de sinistralidade rodoviária que, infelizmente, caracterizam as estradas portuguesas.
Tal actividade torna-se substancialmente mais perigosa quando quem conduz está sob o efeito do álcool ou conduz sem a legal habilitação. Sabe-se que neste tipo de crime, a prevenção geral é acentuada dado o número e frequência da sua ocorrência e dos danos causados a nível de sinistralidade.
Pretendendo-se acautelar essencialmente a segurança da circulação rodoviária, que é premente.
Sobre a necessidade da prevenção e a perigosidade da condução sob o efeito do álcool, é curial relembrar os principais efeitos do álcool no exercício da condução: -- Vide in www.dgv.pt/seg_rodo/alcool_conducao.asp:
I -- Audácia incontrolada: -- (Um dos primeiros efeitos do álcool é o frequente estado de euforia, sensação de bem-estar e optimismo, com a consequente tendência para sobrevalorizar as próprias capacidades, quando, na realidade, estas já se encontram diminuídas. É, talvez, um dos estados mais perigosos);
II -- Perda de vigilância em relação ao meio envolvente: -- (Sob a influência do álcool as capacidades de atenção e de concentração do condutor ficam diminuídas);
III -- Perturbação das capacidades sensoriais, particularmente as visuais: -- (A presença de álcool no sangue reduz a acuidade visual, quer para perto, quer para longe e leva à alteração dos contornos dos objectos, quer estáticos, quer em movimento. A visão estereoscópica é prejudicada, ficando o condutor incapaz de avaliar correctamente as distâncias e as velocidades. A visão nocturna e crepuscular fica reduzida. O tempo de recuperação após encadeamento aumenta. Estreitamento do campo visual. O campo visual vai diminuindo com a eliminação progressiva da visão periférica (lateral) podendo, com o aumento da intoxicação alcoólica, chegar à visão em túnel, situação em que a visão do condutor abrange única e exclusivamente um ponto à sua frente, reduzindo, assim, a fonte de informação contida no espaço. Estudos efectuados sobre o campo de visão, a uma velocidade estabilizada, comprovam que este sofre, com uma TAS de 0,50g/l, uma redução de cerca de 30%. Pequenos aumentos da TAS traduzem-se em grandes reduções do campo visual);
IV -- Perturbação das capacidades perceptivas: -- (A identificação da informação, recebida pelos órgãos dos sentidos, fica prejudicada e torna-se mais lenta);
V -- Aumento do tempo de reacção: -- ((…) as bebidas alcoólicas ingeridas pelo condutor afectam, ao nível do cérebro e do cerebelo, as capacidades perceptivas e cognitivas, as capacidades de antecipação, de previsão e de decisão, e as capacidades motoras de resposta a um dado estímulo, podendo afectar o próprio equilíbrio. Fica assim incapaz de avaliar correctamente as diferentes situações de trânsito pelas dificuldades na recolha de informação, na sua análise e ainda na tomada de decisão da resposta motora adequada e na sua concretização (…));
VI -- Lentificação da resposta reflexa;
VII -- - Diminuição da resistência à fadiga: -- (O álcool desempenha um verdadeiro papel analgésico no nível dos centos nervosos e se, numa determinada fase, pode contribuir para criar um estado de euforia, este é posteriormente substituído por uma de fadiga intensa que pode chegar até ao entorpecimento. Da mesma forma, o álcool potencia o estado de fadiga quando este já se faz sentir);
VIII -- O risco de envolvimento em acidente mortal aumenta rapidamente à medida que a concentração de álcool no sangue se torna mais elevada: 0,50g/l.............o risco aumenta 2 vezes; 0,80g/l.............o risco aumenta 4 vezes; 0,90g/l.............o risco aumenta 5 vezes; 1,20g/l.............o risco aumenta 16 vezes. (…) Por outro lado, também como refere Jª DD, in Medicina Legal e Toxicologia – Salvat Editores, SA, 4ª Edição, Barcelona, “não se pode esquecer que numa taxa de álcool no sangue acima de 2 gr/l, pode afirmar-se a realidade da embriaguez, sem a presença de qualquer outro dado clínico.” Como também se refere no “Manual de Alcoologia para o Clínico Geral” de EE, II, JJ e KK, pág. 70 e ss: “ Na prática corrente da condução, os efeitos do álcool sobre a célula nervosa e sistema nervoso central e periférico, as “atitudes”, euforia e sobrestima da máquina e de capacidades, informação sensorial alterada, deficiente coordenação motora, atraso de reflexos,... são também factores que põem em risco a aptidão do condutor, representando o álcool a causa directa de elevada percentagem de mortes por acidentes de viação, e causa concomitante de acidentes de que apenas resultaram feridos e prejuízos materiais” (itálico do ora signatário).
Se cada caso é um caso, existe um núcleo essencial e comum, do qual não é possível escapar, o grau de taxa de alcoolemia. A não ser que circunstâncias excepcionais o justifiquem, é um elemento preponderante na determinação da medida exacta da pena. É uma prática jurisprudencial e uma exigência comunitária.
As regras da experiência dizem que não é qualquer cidadão que, acidentalmente, com amigos, ingere bebidas alcoólicas ao ponto de ficar com a taxa descrita nos autos. Tal causa ainda maior preocupação e alarme se tivermos em linha de conta os antecedentes criminais rodoviários, pois o arguido já foi julgado por esse crime e acaba por cometê-lo depois de ter cumprido penas privativas da liberdade e, recentemente, lhe ser comunicada uma pena única de prisão de um ano e três meses (ainda que desse decisão tenha interposto recurso).
Em face do exposto, e ponderadas as circunstâncias ora elencadas, entendo que aplicação de uma pena principal não privativa da liberdade será claramente insuficiente para a protecção dos bens jurídicos postos em crise pela conduta do arguido e para promover a sua recuperação social, pois o seu comportamento ao longo dos anos revela uma preocupante insensibilidade às decisões judiciais de que foi alvo. Impõe-se, pois, que o arguido consciencialize a gravidade dos factos por si praticados e altere o seu comportamento, sendo esta necessidade de socialização do arguido incompatível com a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, por a pena de multa não satisfazer, de modo adequado, as necessidades da punição que o caso vertente invoca. Em face do exposto, decido condená-lo em sete meses de prisão.
* * *
III. 2.2. Da forma de cumprimento da pena principal:
De acordo com o disposto no artigo 50.º do Código Penal, o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão quando, perante a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de pena realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
À semelhança do que acima foi aflorado, a insensibilidade aos repetidos juízos de censura emitidos pelas sentenças condenatórias, a reiteração da conduta e desrespeito pela legalidade instituída, levam a concluir por uma resposta claramente negativa.
Neste momento, encontra-se já esgotado o juízo de prognose favorável ao arguido, mercê das diversas possibilidades que lhe foram concedidas pela aplicação de penas não privativas de liberdade, sendo que já as penas de prisão, ainda que suspensas na sua execução, também elas se revelaram insuficientemente dissuasoras.
Assim, da análise da personalidade do arguido, manifestada na sua conduta anterior e posterior ao crime, e as circunstâncias deste, infere-se que a simples censura e a ameaça da prisão não realizarão de forma adequada as finalidades punitivas, razão pela qual decido não suspender, na sua execução, a pena de prisão supra determinada.
Por idênticos motivos, o Tribunal não determinará a substituição da pena de prisão por multa – nos termos do artigo 45.º do Código Penal –, nem a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade – nos termos do artigo 58.º do Código Penal –, bem como o cumprimento em regime de permanência na habitação – artigo 43.º do Código Penal – que, aliás se entende que não satisfariam as aludidas necessidades de prevenção, em particular, especiais, porquanto o arguido já esteve em cumprimento de duas penas de prisão na habitação sucessivas, entre .../.../2022 e .../.../2022 e de .../.../2022 a .../.../2023, e mesmo veio a cometer novo crime de idêntica natureza.
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Uma vez que à pena prevista no artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, acresce a pena acessória de proibição de conduzir, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma legal, importa proceder à sua determinação entre o período mínimo de três meses e o máximo de três anos.
A sanção acessória é, na realidade, a expressão de uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, censura essa que visa prevenir a perigosidade deste. A determinação da medida da pena acessória opera-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do artigo 71.º do Código Penal (vide neste sentido, entre outros, Ac. RE de 20.01.1998, in CJ, 1998, Tomo I, pag. 274, Ac. RP de 29.11.2000, in CJ, Ano XXV, Tomo V, pag. 229; Ac. RC de 29.11.2000, in CJ, Ano XXV, tomo V, pag. 49) com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita na medida em que a sanção em causa tem como objectivo prevenir a perigosidade do agente embora também tenha um efeito de prevenção geral.
Considerando as condenações sofridas no passado pelo arguido por crime de desobediência (recusa em sujeitar-se a exame de pesquisa de álcool no sangue) e de condução em estado de embriaguez e das penas acessórias que à data lhe foram imposta (3 meses cada), bem como a taxa de alcoolémia que ora lhe foi detectada (1,904 gr/lt), condeno-o numa proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de oito meses. Dado o disposto no artigo 69.º, n.º 8 do Código Penal [“Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.”] a pena acessória só terá o seu início após a libertação do arguido e logo que entregue pelo mesmo a respectiva carta de condução. (…)”
III- FUNDAMENTOS DO RECURSO
Questões a decidir no recurso:
Constitui jurisprudência e doutrina assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).2
Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso(…). A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente(…) não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente(…)”
As questões colocadas à apreciação deste tribunal, prendem-se todas com a operação de determinação da medida da pena e são as seguintes:
1.ª Se foi violado o princípio in dubio pro reo ao valorar uma pena de prisão efectiva aplicada no Processo n.º 88/22.3... cuja sentença se encontra em fase de recurso;
2.ª Se foram valorados antecedentes criminais por factos ilícitos praticados há 27 anos e que já deviam ter sido objecto de reabilitação;
3.ª Se foram violados os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade na fixação das penas ao não ter sido substituída a pena de prisão pela pena de substituição de suspensão de execução da pena de prisão ou pela pena multa de acordo com o princípio da preferência da aplicação das penas não privativas da liberdade..
Apreciemos:
1.ª Se foi violado o princípio in dubio pro reo ao valorar uma pena de prisão efectiva aplicada no Processo n.º 88/22.3... cuja sentença se encontra em fase de recurso;
Alega o arguido a violação pela sentença do princípio da presunção de inocência, in dubio pro reo, constitucionalmente consagrado no art.º 32º, n.º 2 da CRP, ao relevar na ponderação da sua decisão judicial a sentença condenatória de 1 anos e 3 meses de prisão efectiva, em fase de recurso (Proc. 88/22.3..., Local Criminal de ... - Juiz 4).
Pelo contrário, refere o Ministério Público que no caso dos autos, não havia que fazer qualquer apelo a tal princípio, pois que, e como é sabido, o mesmo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa. Ora, no presente caso, e do cotejo da fundamentação da sentença recorrida, com facilidade se alcança que o Meritíssimo Juiz a quo não foi assolado por qualquer tipo de dúvida, pois que – e bem – considerou demonstrado que o arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos e descritas na sentença, praticou os factos que lhe vinham imputados na acusação pública, nos moldes como fez constar no elenco dos factos provados, já que tal foi a factualidade demonstrada pelos meios de prova constantes dos autos. De igual modo, não foi assolado por qualquer tipo de dúvida no momento da ponderação e escolha da natureza da pena e na determinação da sua medida concreta. Isto posto, åö Como se aludiu já, não tendo sido impugnada a matéria de facto dada como demonstrada pelo Tribunal a quo, não há quaisquer dúvidas que a factualidade descrita na sentença se tem por assente e, bem assim, que a mesma integra a prática, pelo arguido, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal . Ora, o referido ilícito criminal é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. In casu, ao arguido AA foi aplicada a pena de sete meses de prisão.
Vejamos:
Vem sendo assumido que o princípio in dubio pro reo, emanado do princípio político-jurídico da presunção de inocência, até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.°, n.° 2, da CRP), se encontra, intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP), do qual constitui faceta, e este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal, ou tarifada, ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum. O princípio in dubio não é uma regra para a apreciação da prova, pois que apenas se aplica depois de finalizada a valoração e apreciação crítica da prova sendo uma regra de decisão da prova. O uso do princípio in dubio pro reo só deve ocorrer quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, se lhe imponha decidir a favor do arguido. Não se trata, pois, de uma dúvida hipotética, abstrata ou de uma mera hipótese.
O princípio in dubio pro reo resulta, igualmente, do princípio da culpa, que se retira dos artigos 18º n.º 2 e 27º da CRP. Com efeito, o princípio da culpa, é um princípio material de direito penal substantivo e sem determinação da culpa, não pode recair sobre quem quer que seja um juízo de censurabilidade. (neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de novembro de 2002, Proc. nº 3316/02-5ª in www.dgsi.pt).
O princípio condensado na fórmula latina in dubio, impõe que, em caso de dúvida na valoração da prova, a decisão seja pro reo, isto é, decidida a favor do réu. Pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. Trata-se de um princípio de prova de aplicação geral.
Este princípio decorre, desde logo, do princípio da presunção de inocência estabelecido no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, bem como da inexistência de um ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido.
O princípio da presunção de inocência está consagrado no nº 2 do art. 32º da C.R.P., nos termos do qual todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Retornando ao caso dos autos o que está em causa é a valoração pelo Tribunal recorrido na determinação da medida da pena da decisão ainda não transitada em julgado, referente ao processo n.º 88/22.3... PLSNT em que o arguido foi condenado na pena única de um ano e três meses de prisão efectiva da qual interpôs recurso.
No caso concreto, ficou provado em 14 e 15 que:
14. O arguido tem contra si pendente no ..., o Processo Comum Singular n.º 88/22.3..., em que por sentença de .../.../2025 o arguido foi condenado pela prática em .../.../2022, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Dec.-Lei 2/98, de 3/01 e de um crime de falsificação de documento autêntico, na modalidade de uso, previsto e punido pelo artigo 256º, nºs 1, alínea e) e 3, por referência ao artigo 255º, alínea c), ambos do Código Penal, na pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efectiva.
15. O arguido interpôs recurso da referida sentença em .../.../2025, em que embora não negue a prática dos factos pelos quais aí foi condenado (que aliás confessou na audiência de julgamento que aí foi realizada) pugna pela redução das penas parcelares de prisão aplicadas e, bem assim, da pena única imposta, defendendo ainda que esta deve ser suspensa na sua execução ou, caso assim não se entenda, que lhe seja aplicado o regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.
O Julgador, na determinação da medida da pena, considerou:
d) terem os factos ora em apreço sido cometidos em .../.../2025, ou seja, menos de decorridos 3 meses após o arguido ter sido notificado da sentença proferida no Processo n.º 88/22.3..., em que foi condenado numa pena única de um ano e três meses de prisão (da qual interpôs recurso), mas que bem revela a nula ou reduzida inibição do arguido para a prática de crimes, sobretudo depois de já ter cumprido duas penas de prisão na habitação sucessivas, entre os dias .../.../2022 - .../.../2022 (processo nº 87/22.5..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez) e os dias .../.../2022 – .../.../2023 (processo nº 37/20.3..., Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática, em autoria material de um crime de condução sem habilitação legal).
É certo que o princípio da presunção de inocência impede que se valore sentença não transitada em julgado, como antecedente criminal.
Articulando o dito pelo Tribunal recorrido temos que foi esclarecida a menção a essa condenação, ressalvando que a sentença não tinha transitado, referindo que o arguido confessou os factos e apenas recorre no que respeita à medida da pena fixada e não quanto aos factos provados relativos à questão da culpabilidade e ao seu enquadramento jurídico penal, pelo que, tal limitação é admissível, nos termos do art.º 403.º, n.ºs 1 e 2 al. d) do CPP.
Contudo, como decorre do n.º3 do mesmo art.º “A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida”, pelo que de facto, não transitou em julgado.
Cremos, todavia, que a menção à pendência de um processo crime e a indicação do concreto crime imputado, data dos factos e sentença, com a expressa ressalva de que não transitou em julgado, serve apenas para dar conta de um outro contacto do arguido/recorrente com a justiça, transmitindo um pedaço da sua vida, que surge com relevo no âmbito da conduta anterior e posterior do arguido e, por isso, não constitui qualquer violação do princípio da presunção de inocência consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Deste modo, tratando-se apenas da pendência de outro processo, onde naturalmente o arguido se presume inocente até trânsito em julgado da sentença, e não tendo tal matéria - como decorre do texto da sentença - sido valorada como antecedente criminal, inexistiu efectivamente, qualquer violação do princípio da presunção de inocência do arguido ou do princípio in dubio pro reo.
Neste sentido Ac. TRC de 19-02-2025, 15/23.7GDCBR.C1, Relatora SANDRA FERREIRA, cujo sumário é o seguinte:
I - Os factos constantes da acusação ou pronúncia fixam o “objeto do processo”, o qual delimita os poderes de cognição do Tribunal, que a ele fica vinculado tematicamente, designadamente em matéria de culpabilidade e da integração jurídica a efetuar, sem prejuízo do disposto nos arts. 358º e 359º do Código de Processo Penal.
II - A menção à pendência de um processo-crime, com a expressa ressalva de que não transitou em julgado, serve tão só para dar conta de um outro contacto do recorrente com a justiça, e, por isso, não constitui qualquer violação do princípio da presunção de inocência consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
III - Tal como os antecedentes criminais, a confissão do arguido, os factos atinentes à sua vida familiar, as suas dependências e o seu arrependimento, a pendência de um outro processo-crime, é apenas mais um fator que releva para a determinação da pena, nos termos do disposto no art. 71º, nº 2 al.s d) e e) do Código Penal, e, assim, tal como os restantes factos atinentes às suas condições pessoais, pode ser conduzido aos factos provados, sem que com a sua adição ocorra qualquer alteração não substancial de factos.
IV - Não se tratando, no caso, de questão relativa à culpabilidade, sendo a pendência de tal processo um facto de que o arguido tinha já perfeito conhecimento e que foi também trazido aos autos pelo relatório social junto ao processo (com cumprimento do contraditório) não se impunha, relativamente ao mesmo, qualquer comunicação nos termos do disposto no art. 358º, nº 1 do Código de Processo Penal.
Consequentemente, improcede este segmento do recurso.
2.ª Se foram valorados antecedentes criminais por factos ilícitos praticados há 27 anos e que já deviam ter sido objecto de reabilitação.
Alega o arguido/recorrente que a decisão recorrida viola os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, na fixação das penas ao relevar uma pena reportada a factos ilícitos praticados há quase 27 anos (.../.../1998), quando era suposto já terem sido objecto de reabilitação judicial e que o Tribunal a quo pronunciou-se relativamente a antecedentes criminais do arguido inscritos no Certificado de Registo Criminal, mas que deveriam estar cancelados.
A questão suscitada em sede de recurso pelo recorrente é, assim, a de saber se o Tribunal a quo violou uma proibição de valoração de prova, o que, a verificar-se acarretará a necessidade de repensar e, eventualmente, reformular, quer a escolha quer a medida da pena em que o arguido foi condenado, expurgando da respetiva fundamentação todos os registos constantes do CRC que já deveriam ter sido cancelados, porquanto a relevância do CRC é evidente ao fornecer informação importante para a determinação da sanção, a escolha e a medida da pena.
Na verdade, a decisão sobre a pena assenta sempre num juízo de prognose e, para tanto, há que dotar a sentença de todos os factos necessários à ponderação. Estes factos, que acrescem aos da culpabilidade, são essencialmente os que se relacionam com a personalidade do arguido e o seu comportamento anterior e posterior aos factos, incluindo os antecedentes criminais.
Assim, em caso de arguido não primário, na determinação da pena há que avaliar os efeitos das condenações anteriores no comportamento do condenado, ou seja, saber das concretas sanções anteriormente aplicadas, aquilatar do seu maior ou menor sucesso, da resposta que penas idênticas possam ou não oferecer para o caso concreto, sobretudo quando a nova pena a proferir seja a de prisão, como é o caso, em concreto, sendo que antecedentes criminais significativos evidenciam, em princípio, necessidades de prevenção especial mais elevadas.
Como entendido no Ac. TRE, de 10-05-2016, proferido no Proc. n.º 16/14.2GBODM.E1, com o sumário seguinte:
“I. A lei (n.º 57/1998 e, depois, a n.º 37/2015) é inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido tenha delinquido nesses prazos.
II. O “cancelamento dos registos” significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos, designadamente quanto à medida da pena.
III. Uma vez verificada a hipótese determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.
IV. O aproveitamento judicial de informação que por inoperância do sistema se mantenha no CRC é ilegal, e viola ainda o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o CRC devidamente “limpo”.
V. Se o CRC visa informar o tribunal do passado criminal do condenado, e se a lei ordenou o cancelamento dos registos, o arguido tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais que indevidamente permaneçam “ativos”, são de tratar como inexistentes e de nenhum efeito.
VI. Também ao sistema de registo preside a intenção de restringir a estigmatização social do delinquente e o conteúdo dos certificados de registo criminal limita-se ao que é verdadeiramente essencial ao processo e ao direito penal conhecer.”
Tal como defende António Manuel de Almeida Costa “(…) O cancelamento dos cadastros parece implicar uma proibição de prova quanto aos factos por ele abrangidos. A ser de outro modo, não se compreenderia o fundamento da sua consagração. Ao incidir sobre o mecanismo em que, por definição, assenta a informação dos tribunais, o legislador só pode ter querido significar que, doravante, as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza (v.g. quanto à medida da pena)”. (in “O Registo Criminal – História, Direito comparado, Análise político-criminal do instituto”).
O cancelamento dos registos é, pois, uma imposição legal. Uma vez verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à efectivação do cancelamento, constituindo o aproveitamento judicial de informação além de ilegal, um violação do princípio constitucional da igualdade, por poderem ser tidos em conta registos que, em obediência à lei, já não deveriam constar do CRC, embora lá permanecessem, ao passo que, noutras situações, o agente do crime condenado, por força de um CRC efetivamente actualizado, não seria, por isso, penalizado. Pelo que, considerar um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões. (cf. Acórdão do TRE, de 10.05.2016, supra citado, disponível em www.dgsi.pt).
Vejamos, pois, se assim sucedeu no caso dos autos.
Os antecedentes criminais do arguido foram sopesados e valorados contra ele, ou seja, como circunstância agravante geral na escolha e fixação da medida concreta da pena bem como na decisão de não suspensão da pena de prisão.
Foi dado como provado pelo Tribunal de primeira instância na sentença recorrida, no que respeita aos antecedentes criminais, que:
12. O arguido tem as seguintes condenações averbadas no seu CRC, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
i) por acórdão de .../.../2002, transitado em julgado em .../.../2003, foi julgado e condenado, pela prática, em .../.../1998, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 6 anos de prisão efectiva, declarada extinta por cumprida;
ii) por sentença de .../.../2012, transitada em julgado em .../.../2012, foi julgado e condenado pela prática, em .../.../2012, e de um crime de violação da medida de interdição de entrada, numa pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no total de €350,00, declarada extinta pelo cumprimento;
iii) por sentença datada de .../.../2015 e transitada em julgado em .../.../2015, por factos praticados em .../.../2012, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00, no total de €500,00, declarada extinta por cumprida;
iv) por sentença datada de .../.../2017, transitada em julgado em .../.../2017, por factos praticados em .../.../2017, foi condenado pela prática de um crime de desobediência e de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00, no total de €750,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor fixada em 3 meses, declaradas extintas, por cumpridas;
v) por sentença datada de .../.../2018, transitada em julgado em .../.../2018, por factos praticados em .../.../2017, pela prática de um crime de condução de condução sem habilitação legal, foi condenado numa pena de 230 dias de multa, à taxa diária de €5,00, no total de €1.150,00, declarada extinta por cumprida;
vi) por sentença datada de .../.../2020, transitada em julgado em .../.../2020, por factos praticados em .../.../2020, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de 16 meses de prisão suspensa, na sua execução, por 3 anos sujeita a deveres, mas cuja suspensão foi revogada, por decisão transitada em julgado em .../.../2022, que determinou o cumprimento de 16 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, já declarada extinta pelo cumprimento;
vii) por sentença datada de .../.../2022, transitada em julgado em .../.../2022, por factos praticados em .../.../2022, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi condenado numa pena de 3 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, fixada em 5 meses, já declaradas extintas pelo cumprimento.
13. Assim, AA esteve em cumprimento de duas penas de prisão na habitação sucessivas, nos períodos compreendidos entre os dias .../.../2022- .../.../2022 (processo nº 87/22.5..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez) e os dias .../.../2022 – .../.../2023 (processo nº 37/20.3..., Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local de Pequena Criminalidade de ... - Juiz 1, pela prática, em autoria material de um crime de condução sem habilitação legal).
c) as sete anteriores condenações transitadas em julgado que arguido tem averbadas no seu certificado de registo criminal, referentes a um total de oito crimes, a saber: um de tráfico de estupefacientes (factos de .../.../1998), um de violação da medida de interdição de entrada em território nacional (factos de .../.../2012), quatro de condução sem habilitação legal (factos de .../.../2012, .../.../2017, .../.../2017 e .../.../2020), um de desobediência (factos de .../.../2017) e também por condução em estado de embriaguez (factos de .../.../2022).
Em sede de determinação da medida da pena e decisão sobre a não aplicação da suspensão de execução da pena o Tribunal de 1.ª Instância considerou também o seguinte:
e) as diversas penas impostas ao arguido: uma pena de prisão efectiva de seis anos, quatro penas de multa, uma pena de prisão suspensa na sua execução (posteriormente revogada e cumprida em RPH) e uma pena de 3 meses de prisão cumprida igualmente em RPH.
A Lei n.º 37/2015, de 05.05, (LEI DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL), veio a ser regulamentada pelo Dec. Lei n.º 171/2015, de 25.08 e, no seu art.º 11.º, sob a epígrafe “Cancelamento Definitivo”, dispõe que:
1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
(…)
g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.
2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.
3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.
(…)
6 - As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável”.
Ora, o factor extintivo da pena, aquele que deverá relevar para efeitos de contagem do prazo, é a sua extinção propriamente dita.
Atentemos na condenação do acórdão de .../.../2002, transitado em julgado em .../.../2003, em que o arguido foi julgado e condenado, pela prática, em .../.../1998, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 6 anos de prisão efectiva, declarada extinta por cumprida.
Nos termos do disposto nas a) e b), do n.º 1, do art.º 11.º, da Lei 37/2015, tendo em conta a condenação em pena de prisão, superior a 5 anos e inferior a 8, o prazo de cancelamento definitivo dos respetivos registos é de 7 anos “sobre a extinção da pena”, masdesde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza”.
Conforme decorre do CRC a referida pena foi declarada extinta em .../.../2008, contando-se a partir daí os 7 anos.
Porém, no decurso dos 7 anos, a contar da data de extinção, este foi condenado, por sentença transitada em julgado, por novos crimes, ainda que, de natureza diversa.
Assim, a manutenção, no certificado, do registo deste e de cada uma das condenação está sempre justificada pela condenação seguinte constante do registo.
Pelo exposto, todas as condenações constantes do registo do arguido são passíveis de valoração, posto que, em qualquer caso, da data de extinção de cada uma das penas nunca decorreram 5 anos ou 7 anos, sem que o arguido não tivesse sido condenado por sentença transitada em julgado por novo crime.
Assim, haverá que ser julgado não provido este segmento do recurso.
3.ª Se foram violados os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade na fixação da pena ao não ter sido substituída a pena de prisão pela pena de substituição de suspensão de execução da pena de prisão ou pena multa de acordo com o princípio da preferência da aplicação das penas não privativas da liberdade.
Alega o arguido/recorrente que ao ser condenado na pena de sete meses de prisão efetiva o Tribunal recorrido violou os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, na fixação das penas, mormente o preceituado nos artigos 40º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal , porque afastou o regime da suspensão da execução da pena previsto no artigo 50º do Código Penal, e a substituição por multa penal conforme art.º 45º do mesmo diploma.
No caso dos autos, considerando que o crime é punível com pena de prisão e de multa, verificamos que o Tribunal recorrido, na escolha da pena, optou pela pena de prisão considerando “as finalidades das penas mencionadas no art.º 40.º, n. º1 do C. penal de protecção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade”, opção não posta em causa no recurso pelo arguido.
Convocando os factos provados relevantes e supra mencionados em sede de fundamentos e os tidos em conta pelo Tribunal recorrido, para a aferição da adequação e proporcionalidade da pena concretamente fixada, verifica-se que foram valorados pelo Tribunal recorrido os factores pertinentes ao caso previstos nos referidos art.os 40.º, 70.º e 71.º, n.º2, do CP, tendo sido fixada a pena concreta de 7 meses de prisão, determinando o seu cumprimento efectivo, com o que o recorrente não concorda, defendendo a sua substituição pela suspensão de execução ou por outra medida não privativa da liberdade.
Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal.
Nos termos deste preceito legal (Pressupostos e duração):
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (nº 1 do artigo 50º do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 59/2007, de 04 de Setembro).
Tal significa que, na opção por pena substitutiva não entram, apenas, considerações de prevenção especial, mas, também, de prevenção geral sobre as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (neste sentido, V. Jorge Figueiredo Dias, As consequências do Crime, Reimpressão, 2005, pg. 344).
A suspensão da execução da pena de prisão, categorizada pela doutrina e jurisprudência, como uma pena de substituição, em sentido próprio, na medida em que é aplicada em substituição da pena principal de prisão previamente determinada, encerra um objectivo de político-criminal, assente num propósito de socialização: o «afastamento» do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. (neste sentido Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 519, página 343.)
Tem os seguintes pressupostos:
1.º pressuposto formal da sua aplicação que é o da condenação prévia do agente em pena de prisão até 5 anos.
2.º pressuposto material que é o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial. A formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, através do qual o Tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo que o juízo de prognose refere-se ao momento da sentença e não ao momento da prática do crime.
O mesmo pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos já conhecidos que habilitarão a previsão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável. (neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 6.ª edição atualizada UCP Editora pág. 351 e 352).
Estando a suspensão da execução da pena de prisão sujeita, como qualquer pena, à observância das finalidades da punição definidas no art.º 40.º do Código Penal (proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade), a sua aplicação só pode e deve ter lugar quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem, de forma adequada e suficiente, tais finalidades, que assumem, como sabemos, natureza exclusivamente preventiva – prevenção geral e especial –.
Efectivamente dispõe o art.º 40.º do Código penal (Finalidades das penas e das Medidas de Segurança):
1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
O juízo de prognose favorável ou desfavorável que o tribunal é convocado a fazer, na medida em que traduz o exercício de um poder vinculado, parte dos elementos factuais apurados que sejam susceptíveis de suportar a inferência sobre a aptidão da pena de substituição para alcançar o desiderato legal.
Dispõe o art.º 70.º, do Código Penal (Critério de escolha da pena) que:
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Esta regra vale quer para a escolha entre penas alternativas quer para a escolha de penas substitutivas. (neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 6.ª edição atualizada UCP Editora pág. 413).
Na jurisprudência, tanto no Tribunal Constitucional como no Supremo Tribunal de Justiça, foi defendida a necessidade de fundamentação, face à versão anterior, justificando-se de pleno a mesma posição face à nova lei, em que apenas foi alterado o pressuposto formal passando do limite de 3 para 5 anos de prisão.
O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 61/2006, de 18.01.2006, in Diário da República, II Série, de 28-02-2006, julgou inconstitucionais, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, as normas dos artigos 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.º 2 e 375.º, n.º 1, do CPP, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.
No Acórdão nº 587/2019 do Tribunal Constitucional, Processo n.º 3/2019 3ª Secção Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa, foi sufragado o seguinte entendimento:
“9. A pena de suspensão de execução da prisão continua a constituir, entre nós, uma das mais importantes penas de substituição. Nas palavras Jorge de Figueiredo Dias, é «[a] mais importante, desde logo, por ser de todas a que possui mais largo âmbito» (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 337), podendo ser aplicada em substituição de qualquer pena de prisão fixada em medida não superior a 5 anos. Abarcando penas de curta e média duração, a pena de suspensão de execução da prisão constitui, pois, um preponderante mecanismo de reação no domínio da pequena e média criminalidade.
Para além do pressuposto formal ­— aplicação, a título principal, de uma pena de prisão em medida não superior a cinco anos —, constitui pressuposto material da possibilidade de suspensão da execução da pena que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias destes, conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal). Afastada a preferência por qualquer outra das demais penas de substituição e verificando-se ambos os referidos pressupostos, o tribunal tem o poder-dever de a aplicar.
Tal como sucede com as demais penas de substituição (à exceção da prestação de trabalho a favor da comunidade), a determinação da medida concreta da pena de suspensão de execução da prisão — mais concretamente, do período de suspensão — assume total autonomia relativamente à fixação medida concreta da pena principal substituída, devendo ocorrer sob incidência dos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal.(…)”
Também o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão. (sentido a fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência - Acórdão n.º 8/2012 -, proferido no âmbito do processo n.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1, da 3.ª Secção, de 12 de setembro de 2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24 de outubro).
Conforme, Acórdão do STJ de 05/07/2017 processo 150/05.7IDPRT-D.S1 3.ª Secção Rosa Tching, cujo sumário, em parte, se transcreve:
“I - Não obstante a circunstância de formalmente o legislador português nunca ter consagrado a suspensão da execução da pena como uma "pena autónoma", é indubitável, quer a nível doutrinal, quer jurisprudencial, ter a suspensão emergido como uma espécie de pena de substituição.
II - A suspensão da pena constitui um meio autónomo de reacção jurídico-penal com uma pluralidade de possíveis efeitos. É pena na medida em que na sentença se impõe uma privação da liberdade. Tem o carácter de um meio de correcção se acompanhada de tarefas orientadas no sentido de reparar o ilícito cometido, como as indemnizações, multas administrativas ou benefícios para beneficio da Comunidade. Aproxima-se de uma medida de assistência social quando são impostas regras de conduta que afectam a vida futura do arguido especialmente se for colocado sob supervisão. Finalmente, oferece uma faceta pedagógico social activo na medida em que estimula o mesmo arguido a engajar-se na sua ressocialização aproveitando o período de prova.(…)”
Da mesma forma o tem entendido o Tribunal da Relação de Lisboa, conforme a título de exemplo, os seguintes:
- Acórdão do TRL 09/02/2023 processo 80/21.5PCLRS.L1-9, Relatora Renata Whytton da Terra:
“1.–As finalidades que estão na base da suspensão da execução da pena de prisão consistem, no essencial, na reintegração plena do agente na sociedade através de um comportamento responsável e sem praticar crimes. Subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre um juízo de prognose favorável, traduzido numa expectativa fundada, mas assente num compromisso responsável com o condenado, de que a mera censura do facto e a ameaça da prisão sejam bastantes para que não sejam cometidos novos crimes.
2.–O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.
3.–A aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal, mas, pelo contrário, constitui um verdadeiro poder/dever, sendo concedida ou denegada no exercício de um poder vinculado.
4.–Na jurisprudência, tanto no Tribunal Constitucional como no Supremo Tribunal de Justiça, foi defendida a necessidade de fundamentação, face à versão anterior, justificando-se de pleno a mesma posição face à nova lei, em que apenas foi alterado o pressuposto formal passando do limite de 3 para 5 anos de prisão.
5.–A caracterização da suspensão da execução da pena de prisão como um poder vinculado conduz à necessidade de fundamentação da decisão que a aplica, ou a desconsidera, incorrendo em nulidade a decisão que não contemple tal injunção, de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do Código de Processo Penal.
6.–A conjunção de necessidades de prevenção geral face ao bem jurídico lesado e cuja validade da norma que o protege tem de ser reafirmada, com outras de prevenção especial que as qualidades da personalidade do arguido infirmam, não permitem preencher o juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade para não voltar a delinquir.”
A aplicação de uma pena de substituição não é, assim, uma faculdade discricionária do tribunal, mas, pelo contrário, constitui um verdadeiro poder/dever, sendo concedida ou denegada no exercício de um poder vinculado.
A caracterização da suspensão da execução da pena de prisão como um poder vinculado conduz, por isso, à necessidade de fundamentação da decisão que a aplica, ou a desconsidera, incorrendo em nulidade a decisão que não contemple tal imposição, de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do Código de Processo Penal.
Estando, no caso em análise, verificado o requisito formal da suspensão da execução da pena (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos), analisemos se as exigências de prevenção geral e de prevenção especial de (res)socialização que o caso requer, permitem ainda, a formulação de um juízo de prognose favorável: o de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para afastar o arguido da criminalidade, atingindo-se dessa forma a finalidade precípua do instituto da suspensão.
Ora, conforme decorre do art.º 50.º, do CP deverá atender às circunstâncias do crime, à sua conduta anterior e posterior ao crime, à personalidade do agente, às condições da sua vida, para formular o juízo de prognose positivo ou negativo no que respeita à suspensão tendo presentes as finalidades preventivas (geral e especial).
Entre as circunstâncias relativas ao facto encontram-se as consequências do facto, o grau de perigo criado pelos actos de execução (nos crimes tentados e nos crimes de perigo) o modo de execução do facto (nos crime de forma livre) a intensidade do dolo (nos crimes dolosos) e o grau de descuido e desatenção (nos crimes negligentes). Todas estas circunstâncias relevam, quer do ponto de vista da culpa, mas também para aferir das necessidades de socialização, ou, em casos extremos, de inocuização do agente. O modo de execução do crime é circunstancia agravante quando apresenta uma maior gravidade do que a necessária para a execução, quando se verifica uma pluralidade de acções, instrumento particularmente grave, manifesta superioridade do agente sobre a vítima (idade, sexo, enfermidade, arma) ou do tempo do crime (noite). As formas mais grave do ilícito subjectivo funcionam como circunstâncias agravantes e as menos graves como atenuantes (o dolo directo mais grave do que o necessário e este do que o eventual).
Entre as circunstâncias relativas ao agente encontram-se como circunstâncias agravantes certos motivos (motivo torpe) intenção lucrativa ou libidinosa, impulsos afectivos (prazer de matar, ódio, cólera) e caraterísticas da atitude interna (crueldade, avidez ou frieza de animo). Ao invés funcionam como circunstâncias atenuantes os estados asténicos, emoção violente, compaixão, desespero, perturbação, medo, susto, solicitação ou provocação da vítima. Entre os motivos podem incluir-se como circunstâncias agravantes, ter sido o crime cometido em resultado de dádiva, como meio de realizar outro crime, motivações racistas ou xenófobas. Os sentimentos manifestados no cometimento do crime, aqueles elementos que caracterizam a atitude interna que não cabem no crime nem nos motivos.
As condições pessoais e a situação económica relevam ao nível da culpa, para efeitos da determinação dos deveres especiais de cuidado cuja observância se impunha ao agente. Deve ponderar-se a menor capacidade do agente para ser influenciado pela pena, a idade avançada, a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita, manifestada no facto.
A conduta do agente anterior ou posterior ao facto releva ao nível da prevenção, sendo que a anterior inclui os antecedentes criminais que constem do registo criminal, em especial relacionados com a prática dos crimes em causa; o modo de vida do agente, nas suas vertentes familiar, profissional e social. A circunstancia atenuante relativa à conduta posterior do agente é a reparação dos danos causados, pode ser por terceiros mas devido a iniciativa do agente. A conduta processual do agente pode funcionar como atenuante, como é o caso da confissão, a colaboração com as autoridades.
A duração excessiva do processo também pode ser ponderada do ponto de vista das necessidades de prevenção, desde que o arguido não tenha contribuído para o atraso. (por todos Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 6.ª Edição Actualizada pág. 416 a 419).
No caso em apreciação, o Tribunal recorrido decidiu não suspender a execução dessa pena, nem substituí-la por multa, nem determinou o seu cumprimento em regime de permanência na habitação, de acordo com os seguintes fundamentos:
“III. 2.2. Da forma de cumprimento da pena principal:
(…)À semelhança do que acima foi aflorado, a insensibilidade aos repetidos juízos de censura emitidos pelas sentenças condenatórias, a reiteração da conduta e desrespeito pela legalidade instituída, levam a concluir por uma resposta claramente negativa.
Neste momento, encontra-se já esgotado o juízo de prognose favorável ao arguido, mercê das diversas possibilidades que lhe foram concedidas pela aplicação de penas não privativas de liberdade, sendo que já as penas de prisão, ainda que suspensas na sua execução, também elas se revelaram insuficientemente dissuasoras.
Assim, da análise da personalidade do arguido, manifestada na sua conduta anterior e posterior ao crime, e as circunstâncias deste, infere-se que a simples censura e a ameaça da prisão não realizarão de forma adequada as finalidades punitivas, razão pela qual decido não suspender, na sua execução, a pena de prisão supra determinada.
Por idênticos motivos, o Tribunal não determinará a substituição da pena de prisão por multa – nos termos do artigo 45.º do Código Penal –, nem a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade – nos termos do artigo 58.º do Código Penal –, bem como o cumprimento em regime de permanência na habitação – artigo 43.º do Código Penal – que, aliás se entende que não satisfariam as aludidas necessidades de prevenção, em particular, especiais, porquanto o arguido já esteve em cumprimento de duas penas de prisão na habitação sucessivas, entre .../.../2022 e .../.../2022 e de .../.../2022 a .../.../2023, e mesmo veio a cometer novo crime de idêntica natureza.”
Adianta-se desde já que se concorda com o juízo de prognose negativo formulado pelo Tribunal a quo.
Efectivamente, atendendo às circunstâncias em que o crime foi praticado, em especial à taxa de álcool no sangue de 1,904 g/l que é elevada, sendo o grau de ilicitude médio, sendo porém, o dolo directo intenso, a conduta anterior traduzida nas sete condenações anteriores transitadas em julgado e as diversas penas impostas ao arguido, sendo uma pena de prisão efectiva de 6 anos, quatro penas de multa, uma pena de prisão suspensa que acabou por ser revogada e cumprida em RPH e uma pena de 3 meses de prisão também cumprida em RPH, revelando estas condenações uma tendência criminosa por parte do arguido, sendo que as condenações anteriores não se mostraram suficientes para que o arguido pautasse a sua conduta de acordo com o direito. Ainda que o arguido se encontre familiar e profissionalmente integrado, o certo é que tal não foi suficientemente contentor à prática pelo arguido de ilícitos, nomeadamente rodoviários.
A personalidade do arguido manifestada nas condenações anteriores e nos factos que originaram os presentes autos, revela que as penas de multa, o cumprimento da pena de prisão em RPH e a suspensão de execução da pena não se revelaram de suficiente advertência, inferindo-se que a simples censura e ameaça da prisão não realizam de forma adequada as finalidades punitivas.
A conjunção de necessidades de prevenção geral face ao bem jurídico questionado e cuja validade da norma que o protege tem de ser reafirmada, bem como de prevenção especial que as qualidades da personalidade do arguido não comprovam, bem pelo contrário, antes infirmam, não permitem por forma alguma preencher o juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade para não voltar a delinquir. Há que referir, aliás, o que aqui está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, que havendo razões para sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se ficar em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada (neste sentido Figueiredo Dias Direito penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, AEQUITAS Pag. 344 e ACSTJ de 20-12-2007 Proc. n.º 3863/07 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor Souto Moura)).
Há que concluir o juízo de prognose é manifestamente negativo, não sendo, a suspensão de execução da pena, de molde a assegurar as necessidades de prevenção, quer geral quer especial.
Ainda que se deva privilegiar-se a socialização em liberdade, não é menos certo que a defesa do ordenamento jurídico não pode ser postergada, sob pena de se sacrificar a função de tutela de bens jurídicos que a pena, irrenunciavelmente, desempenha. A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral – isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua “ineficácia” (neste sentido Ac. TRL de 04/11/2025, proc. 622/21.6PASNT.L1-5, Relatora Sandra Oliveira Pinto.
Em suma, o sentimento jurídico da comunidade de confiança na validade e na força de vigência da norma penal violada pelo arguido, numa situação como a presente, não se consideraria reposto, com o sancionamento do arguido através da pena de substituição de suspensão de execução da pena de prisão, muito menos de substituição por multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade, ou o seu cumprimento em RPH, (art.ºs 43.º, 45.º e 58.º, do CP). A condenação do arguido em pena não privativa da liberdade, colocaria em causa o mínimo absolutamente necessário para reintegrar a confiança comunitária na validade das normas penais.
Não é, pois, possível formular um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, pelo que deverá cumprir a pena de prisão efectiva em que foi condenado em meio prisional.
Assim, na ponderação e conjugação dos vários factores e princípios que concorrem na operação de determinação da pena, que o tribunal recorrido não revelou desproporção desnecessidade ou inadequação nem o princípio da preferência da aplicação das penas não privativas da liberdade ou incorreu em violação de qualquer preceito legal.
Improcede, assim, o recurso interposto pelo arguido na sua totalidade.
IV – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
*
Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC nos termos dos art.ºs 513º n. º1 e 514.º, do Código de Processo Penal, 8º/9.º do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) e Tabela III anexa a este último diploma.
Notifique.
*
Lisboa, 20/11/2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Ana Paula Guedes
Eduardo de Sousa Paiva

_______________________________________________________
1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995
2. Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção.