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DECISÃO INSTRUTÓRIA
INDÍCIOS SUFICIENTES
DECLARAÇÕES DO ASSISTENTE
Sumário
Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. O mecanismo do artigo 412.º do CPP não se aplica à decisão instrutória, mas apenas à decisão final — à sentença ou ao acórdão — referindo-se o mencionado artigo, concretamente, à matéria de facto. II. Contudo, tal não obsta à reapreciação dos indícios por parte do tribunal superior, através do competente recurso. III. Em sede de indiciação suficiente dos factos, as declarações da assistente, apesar de sujeitas à livre convicção do Tribunal, não só podem como devem ser valoradas, quando se mostram conforme as regras da experiência e são corroboradas por outros elementos de prova.
Texto Integral
Acordam em conferência, os Juízes, da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-Relatório:
No âmbito da instrução 272/22.0PAALM.L1, do Juízo de Instrução Criminal de Almada, foi proferida decisão no sentido de:
- “não pronunciar os arguidos AA e BB pelos factos constantes da acusação particular deduzida pela assistente e que poderiam, em abstracto consubstanciar a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do mesmo diploma legal, mais determinando o oportuno arquivamento dos autos.”.
Inconformada com essa decisão veio a assistente interpor o presente recurso.
Apresenta as seguintes conclusões: “1ª) Entende, pois, a recorrente que as suas declarações, inicialmente enquanto vítima/testemunha e mais tarde na qualidade de assistente não foi valorado positivamente; 2ª) Da mesma forma que foram incorretamente desvalorizados os depoimentos das testemunhas presenciais indicadas pela recorrente na acusação particular; 3ª) A Mmª Juiz “a quo” escrutinou os depoimentos, reduzidos a escrito, das testemunhas indicadas pela recorrente, extraindo conclusões erradas baseadas em juízos de valor quanto à razão de ciência das testemunhas; 4ª) Em contraposição a Mmª Juiz “a quo” hipervalorizou as testemunhas indicadas pelos recorridos, ouvidas e inquiridas pela mesma, que negaram ter presenciado quaisquer factos em franca defesa dos recorridos; 5ª) Sendo que, essas mesmas testemunhas, apresentavam uma memória exacerbada da data dos factos e do contexto ocorrido, que não é compaginável com as regras de experiência comum; 6ª) Por último, as testemunhas indicadas pelos recorridos, aos costumes disseram não se relacionar com a recorrente, denotando não ter boa impressão da mesma ao ponto de não lhe dirigirem palavra apesar de se conhecerem; 7ª) O facto de as testemunhas da Acusação Particular e das testemunhas de defesa dos recorridos terem posições antagónicas nunca poderiam dar lugar a um despacho de não pronúncia, principalmente num contexto familiar que a própria Mmª Juiz “a quo” reconheceu estar em litigância e não ser de estranhar que tivessem ocorrido os factos imputados aos recorridos na Acusação Particular. 8ª) O facto de as testemunhas da Acusação Particular e das testemunhas de defesa dos recorridos terem posições divergentes nunca poderiam dar lugar a um despacho de não pronúncia, o que a ser assim impediria sistematicamente, neste e em quase todos os processos judiciais, a descoberta da verdade material dos factos e, consequentemente, que se fizesse Justiça. 9ª) Com o despacho de não pronúncia, foram violados os arts. 124º e 308º todos do Código do Processo Penal, arts. 180º e 181º Código Penal e art. 13º da Constituição da República Portuguesa”.
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O recurso foi admitido por despacho datado ........2025, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeitos devolutivos.
O MP respondeu ao recurso.
Apresenta as seguintes conclusões: “1- A recorrente veio interpor recurso da decisão proferida pela Meritíssima Juiz de Instrução, através da qual não pronunciou os arguidos pela prática dos crimes de difamação e de injúria. 2- Alega a recorrente a incorreta avaliação da prova efetuada pelo tribunal a quo ao não valorizar os depoimentos das testemunhas por si indicadas, assim como as declarações por si prestadas. 3- Ora, compulsada toda a prova entende-se que não fornecem os autos elementos que permitam, em termos processuais, valorar de modo diferente as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de inquérito, e as declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de instrução, valorizando mais uns em detrimento das restantes. 4- Com efeito, para além da contradição dos depoimentos prestados em momentos diferentes pela testemunha CC, a qual apresentou versões distintas para o mesmo episódio, também o depoimento da testemunha DD, relativo aos factos alegadamente ocorridos no dia ... de ... de 2022, não é coincidente com o depoimento da testemunha EE, nem quanto às expressões que foram proferidas, nem quanto à autoria de quem as proferiu. 5- Acresce que para além de os arguidos terem negado os factos, todas as testemunhas ouvidas no decurso da instrução referiram ter estado no local, mas não confirmaram os factos descritos na acusação e cuja prática foi imputada aos primeiros. 6- Compulsados os depoimentos das testemunhas inquiridas no decurso do inquérito e confrontados com os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de instrução, dúvidas ficam sobre a ocorrência dos factos descritos na acusação particular deduzida e sobre quem os praticou. 7- Em face do exposto deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão de não pronúncia”.
Também os arguidos responderam ao recurso pugnado pela sua improcedência.
Apresentam as seguintes conclusões:
“ 1 - O despacho de não pronúncia encontra-se plenamente fundamentado, respeitando os princípios da legalidade, imparcialidade e livre apreciação da prova. 2 - Os elementos constantes dos autos não permitem concluir, ainda que indiciariamente, pela prática de crimes de injúria ou difamação. 3 - As alegações da assistente traduzem mera discordância subjectiva com a apreciação da prova, não revelando qualquer vício de julgamento. 4 - Não existe violação do princípio da igualdade nem dos direitos processuais da assistente. 5 - Deve, pois, o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.”
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Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.mª Senhora Procuradora Geral Adjunta, emitiu parecer a acompanhar a posição do MP na primeira instância.
Foi cumprido o artigo 417, nº2 do CPP.
Os arguidos acompanharam o parecer do MP.
Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência.
* Da decisão recorrida:
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
“(…) A) O INQUÉRITO Diligências de prova realizadas: - Auto de denúncia, fls. 4, onde se dá conta de que no dia ... de ... de 2022, pelas 16H30, compareceu FF, a fim de manifestar intenção de procedimento criminal contra BB e AA, dizendo que no dia ... de ... de 2022, por volta das 21H00, na Igreja sita no ..., enquanto decorria o velório da sua progenitora, e se encontrava acompanhada por uma amiga da família (CC, a BB dirigiu à amiga CC (com a própria a ouvir) a seguinte invectiva: «A GG é uma ladra, roubou os pais, tratou-os mal, é uma maluca, devia estar internada, é completamente doida». O AA (irmão desta) ia concordando com o teor das expressões vexatórias proferidas pela sua companheira, repetindo, por vezes, o que ela dizia. No dia seguinte, nas circunstâncias espácio-temporais descritas, designadamente no interior da capela, a denunciante recebeu uma chamada, no seu telemóvel, proveniente da sua amiga HH. De modo a não perturbar o momento solene, informou o seu pai que a II estava ao telefone e que iria para o exterior atender a chamada. No momento em que se dirigia, com o pai, para o exterior, e passava pelo suspeito, este chamou-o (o pai). O pai perguntou o que ele queria, tendo o suspeito perguntado se lhe podia dar um abraço. O pai respondeu que não e disse para ele se afastar. Este acedeu ao pedido do pai, mas, no momento em que se afastava, proferiu a seguinte afirmação: «Pois, és uma puta, és uma puta» A denunciante não reagiu, respeitando assim o local e o momento. Dirigiram-se para o exterior da capela, tendo a denunciante colocado o telemóvel no ouvido do pai para que este pudesse falar com a amiga HH. Nesse instante, a suspeita BB aproximou-se, retirou a máscara comunitária, encostou quase a sua face à face do pai da denunciante e disse: «Sou eu, a JJ, a sua filha é culpada de tudo isto, é uma maluca, uma doida, eu sei de tudo» O pai da denunciante respondeu que também sabia de tudo. A suspeita BB repetiu: «a sua filha é culpada de tudo isto, é uma maluca, uma doida» Após a invectiva, a suspeita BB, começou a dar toques, com o seu cotovelo direito, no braço esquerdo da denunciante, com o objectivo de a irritar e desafiar, o que não sucedeu. A amiga HH, que se encontrava ao telefone e ouviu tudo, disse à denunciante para chamar a polícia. A suspeita BB chamou o seu companheiro, AA. O pai da denunciante manifestou-se, desde logo, dizendo que não queria falar com ele. Perante tal, a suspeita BB respondeu: «A culpa é desta puta» e repetiu: «É mesmo uma puta» Face a todo o exposto, a denunciante teve um ataque de pânico e só se lembra, de, em seguida, ter telefonado para a polícia a fim de solicitar a sua presença no local, o que veio a suceder. - Aditamento, fls. 46, onde se dá conta de que compareceu no departamento policial do ... a lesada GG, devidamente identificada no processo a comunicar que quando se encontrava parada nas bombas da ... e após ter comprado mantimentos para levar para casa, parou uma viatura de matricula ..-VD-.. ao lado da sua e verificou que seria o suspeito já identificado nos autos, que do interior da sua viatura lhe dirigiu as seguintes frases: " Sua puta, que estás aqui a fazer", tendo de seguida através de gestos ameaçado a lesada, o que lhe causou medo. Pelo facto descrito a lesada abandonou de imediato o local da ocorrência com receio que o suspeito viesse para a agredir. Mais comunicou que na viatura do suspeito se encontrava um outro individuo do sexo masculino, que saiu da mesma e foi efetuar compras às bombas de gasolina de apelido KK, desconhecendo mais dados do mesmo. Comunicou que sentia medo de andar na via pública com receio que o suspeito aparecesse quando menos espera e lhe faça alguma coisa, uma vez que já terá sido agredida pelo mesmo, tendo nessa altura recebido tratamento hospitalar e ser acompanhada por profissionais forenses por ter ataques de pânico. Mais comunicou que se encontrava em vídeo chamada com EE, que terá ouvido as ameaças do suspeito, por este ter falado em voz alta. - Auto de Inquirição a FF, fls. 41. No que concerne ao Processo e inquirida quanto ao seu teor, a depoente confirmou na íntegra todo o seu conteúdo. Acrescentou que ainda durante o dia 03, uma senhora de nome LL, alertou os suspeitos para terem cuidado com o que dizem, pois, a amiga da Denunciante, MM, poderia estar a gravar a conversa. Esta senhora, também falou com os suspeitos na presença da NN, para não se esquecerem de que a Denunciante, efectuava levantamentos de dinheiro na Av. ... durante a madrugada, perto da 01H00 da manhã, aludindo que esta estaria a subtrair o dinheiro dos pais. A depoente desconhece qual a forma que terão utilizado para aceder à conta dos seus pais, da qual também é titular. - Auto de interrogatório do arguido AA, de fls. 55, tendo o mesmo negado na íntegra os factos que lhe são imputados. - Auto de interrogatório a BB, fls. 57, tendo a mesma negado na íntegra os factos que lhe são imputados. - Auto de inquirição da testemunha CC, fls. 94. Atestou ser amiga da OO, com quem se relacionava há vários anos. Disse ter tido conhecimento, por intermédio da OO, que a relação desta com o irmão é bastante conflituosa, segundo a mesma, por motivos económicos. Afirmou que sempre se mantivera à margem do conflito entre ambos, muito embora tivesse ouvido vários desabafos da denunciante, nunca presenciou quaisquer episódios. No que concerne ao evento descrito nos autos, em que a denunciante afirmou que a própria ouvira as palavras insultuosas ali descritas, declara não corresponder à verdade. Acrescentou que muito embora estivesse presente à data do velório da mãe de ambos os intervenientes, não ouvira os impropérios e inverdade dirigidos à OO. No que alude ao dia do funeral, revelou que não esteve presente, pelo que não presenciou o sucedido. - Auto de inquirição da testemunha EE, fls. 101. Questionada quanto à data e hora dos factos, informou que a situação ocorreu na data do funeral da mãe da denunciante, por volta das 10h30/11h. Foi questionada quanto à data exata, dizendo que foi no dia ...-...-2022. Disse que não estava presente no local, tendo feito uma chamada telefónica para a OO e que, durante a chamada, esta entretanto passou o telemóvel ao pai, PP, para a testemunha dar-lhe os sentimentos e perguntar-lhe como estava. Informou que já durante a chamada, ouviu o AA a dizer, “Ó pai, não ligue ao que a maluca da sua filha diz.” Disse que ouviu o Sr. QQ a responder ao filho: “não quero conversas contigo.” Em seguida começou a ouvir a JJ a dizer: “Sr. QQ tem que ouvir o que o seu filho diz, a sua é uma maluca, é uma puta, uma vaca.” Depois destas conversas, começou a ouvir vários gritos, tanto de homens como de mulheres, e no meio da confusão, percebeu que a GG gritou: “chamem a polícia que ela (JJ) está a bater-me”. Por fim, terminou a chamada. - Auto de inquirição da testemunha RR, fls. 121, No que concerne a processo e inquirida quanto ao seu teor, a depoente disse conhecer a Denunciante OO, pois são amigas há cerca de 20 anos. Conhece também o pai da Denunciante, que ainda é vivo e conhecia a ora falecida mãe da denunciante. Não conhece pessoalmente os suspeitos. Disse que foi ao dito velório, contudo, não sabe do que se passou, sabe que houve conflitos, mas não ouviu nenhuma das provocações, não assistiu a nada. No dia do funeral lembra que, quando chegou ao local deparou-se com a sua amiga OO muito enervada e já com a Polícia no local, o que sabe, é o que vai ao encontro no constante nos Autos e foi-lhe dito pela também Testemunha, DD. Sabe que estas situações se existem há uns anos e está tudo relacionado com bens e heranças. - Auto de inquirição da testemunha SS, fls. 127. Disse não ter conhecimento dos factos dos autos, em virtude de não ter estado presente nos episódios vertidos nos autos. Declarou que tem conhecimento de quezílias entre a denunciante e os denunciados. - Auto de inquirição da testemunha TT, fls.128. Disse ser amiga da denunciante OO. Disse que apenas esteve presente no velório da progenitora da denunciante e do denunciado, no dia ... de ... de 2022. A certa altura a testemunha visualizou a denunciante e o pai, a dirigirem-se para o exterior da igreja, em virtude da denunciante se encontrar em chamada telefónica. No decorrer da chamada telefónica, o denunciado AA, dirigiu-se ao encontro de ambos, passados poucos instantes, fora ao encontro destes, a denunciada BB, esposa do denunciado AA. Disse ter sido visível pela testemunha a insistência por parte dos denunciados em manter diálogo com a denunciante e com o pai, chegando a ter uma atitude de importunação. Face à distância que a testemunha se encontrava, não fora audível o que fora dito pelos intervenientes. Que a certa altura, a denunciante teve um ataque de pânico, apresentando sintomas como dificuldade em respirar, tremores e iniciando choro descontrolado. Posteriormente, a denunciante contou à depoente que o que se tivera desenrolado foram acusações por parte do denunciado de que esta tivera morto a sua mãe, tendo ainda a injuriado, verbalizando: “Puta, és uma cabra.” É do conhecimento da testemunha a existência de outras denúncias por parte de OO contra os denunciados, tendo a testemunha em uma dessas situações acompanhado a OO para que esta formalizasse denúncia por agressões, contra ambos. - Auto de inquirição da testemunha UU, fls. 129. Disse que apenas esteve presente no velório da progenitora da denunciante e do denunciado, no dia ... de ... de 2022. A certa altura, a testemunha, visualizou a denunciante e o pai, a dirigirem-se para o exterior da Igreja. Passados poucos instantes, o denunciado AA, dirigiu-se ao encontro de ambos, em tom pacífico, com o intuito de dirigir uma palavra ao pai. O pai do denunciado e da denunciante, não quis manter diálogo com o denunciado, pedindo para ele se afastar. Passados poucos instantes, fora ao encontro destes, a denunciada BB, esposa do denunciado AA. Com a chegada da denunciada, foi visível/percetível, pela testemunha, a insistência por parte dos denunciados em manter diálogo com o pai, chegando a ter uma atitude de importunação, já num tom mais alto e agressivo. Face ao tempo passado desde o episódio ocorrido, a testemunha não se recorda do que fora dito ao pormenor pelos intervenientes. Que a certa altura a denunciante teve um ataque de pânico, apresentando sintomas como dificuldade em respirar, tremores e iniciando choro descontrolado. - Auto de inquirição da testemunha CC, fls. 130. Que no dia ... de ... de 2022, por volta das 21h, se dirigiu à ... em virtude de estar a decorrer o velório da progenitora da denunciante e do denunciado. No exterior da Igreja, enquanto a testemunha se encontrava sozinha, a mesma manteve diálogo com o denunciado AA, encontrando-se este acompanhado por diversas pessoas, identificando uma das acompanhantes como sendo a Sr. VV. Durante esse diálogo, foi verbalizado pelo denunciado a seguinte afirmação: “A minha irmã é uma ladra”, referindo-se à denunciante OO. Que o denunciado afirmou que a denunciante efetuava diversos levantamentos bancários das contas tituladas pelos seus progenitores, dando a entender que a denunciante burlava os mesmos. No decorrer da conversa, AA, foi abordado pela Sr.ª VV, que terá dito para este não contar pormenores porque a testemunha poderia estar a efetuar uma gravação áudio da conversa. Que em ato contínuo, se dirigiram para o interior da Igreja onde o denunciado lhe terá apresentado a esposa, Sr.ª BB. Declarou a testemunha que manteve diálogo com a Sr.ª BB, na presença de AA, tendo a denunciado dito: “A GG ficou maluca desde que se divorciou.” Que também a denunciado fez alusão ao facto de a denunciante burlar os pais, efetuando levantamentos bancários das contas tituladas por este. No decorrer das afirmações proferidas pela denunciada, o denunciado gesticulava com a cabeça em sinal afirmativo, sendo conivente, como se estivesse a concordar com o que fora dito. Ficou chocada com o facto de se encontrarem no velório da progenitora do denunciado e não ser local indicado para tais conversas. Declarou não ter estado presente no dia seguinte, no funeral. - Auto de inquirição da testemunha WW, fls. 152. Disse ser amiga da denunciante OO. Disse que se deslocou ao velório da mãe da denunciante e do denunciado AA, no dia ... de ... de 2022. Que a certa altura, a testemunha veio para exterior da capela mortuária, onde decorria o velório, no exterior também se encontrava AA, BB, OO e Sr. PP. Que visualizou a denunciada BB a tentar manter diálogo com o Sr. PP, tendo este último, por diversas vezes gesticulado, dando a entender não querer dialogar com a denunciada. Que na companhia de PP, encontrava-se OO e que a denunciada BB se encontrava sozinha. Que após diversas insistências da denunciada, OO teve de intervir, com o intuito de afastar a denunciada, com recurso ao diálogo. Que a certa altura o denunciado AA, afastado dos restantes intervenientes, verbalizou: “Puta”, referindo-se a OO. Que fruto do episódio, a denunciante teve um ataque de pânico. B) A INSTRUÇÃO Em sede de instrução tomaram-se declarações aos arguidos, procedeu-se à inquirição de oito testemunhas e realizou-se o debate instrutório. Os arguidos negaram, integralmente, a prática dos factos descritos na acusação particular, como, aliás, o haviam já feito em sede de inquérito. As testemunhas inquiridas, XX, YY, ZZ, LL, AAA, BBB e CCC, todos eles amigos dos arguidos e conhecidos da assistente, atestaram, unanimemente e com relevância para a decisão a tomar, que se encontravam no velório e no funeral da mãe do arguido e da assistente, a acompanhar os arguidos, e que não ouviram qualquer ofensa ou discussão entre arguidos e a assistente ou viram qualquer dos factos descritos na acusação particular, em qualquer dos dias ali descritos. * Ora, aqui chegados, e sopesando os elementos de prova referidos, mormente analisada a prova recolhida em sede de inquérito e instrução, cumpre apurar se existem indícios suficientes da prática, pelos arguidos, dos crimes que lhes são imputados pela assistente. Face à prova produzida, entendemos que não se mostram indiciariamente demonstrados, com relevância para a decisão a tomar, os seguintes factos, por referência à acusação particular deduzida: - 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14. Para fundamentar a sua convicção, o Tribunal atendeu à prova recolhida em sede de inquérito e de instrução a qual é manifestamente insuficiente para que se possa imputar aos arguidos, ainda que indiciariamente, os referidos factos. Senão vejamos. Os arguidos negaram ter proferido as expressões em causa. A testemunha CC atestou, numa primeira inquirição, “que no que concerne ao evento descrito nos autos, em que a denunciante afirmou que a testemunha ouvira as palavras insultuosas ali descritas declara não corresponder à verdade”; mais atestou que não ouviu os impropérios e inverdades dirigidos à assistente. Porém, a mesma testemunha, em segunda inquirição, atestou “durante o diálogo foi verbalizado pelo denunciado “a minha irmã é uma ladra” (…) e a GG ficou maluca desde que se divorciou” o que, claramente, não confere qualquer credibilidade ao seu depoimento pois que a mesma, ouvida por duas vezes, apresentou versões distintas para o mesmo episódio. A testemunha EE atestou ter ouvido, pelo telefone, o arguido a dizer “não ligue ao que a maluca da sua filha diz” e a arguida a dizer “é uma maluca, uma puta, uma vaca”. Ora, como é bom de ver, estando alegadamente ao telefone com a assistente, muito dificilmente a referida testemunha poderia ter ouvido, com tamanha precisão, as expressões proferidas pelos arguidos, ou por qualquer outra pessoa, e muito menos atestar que foram os arguidos quem as proferiu, sendo que as expressões relatadas também não correspondem às que constam da acusação particular. DDD atestou, em sede de inquérito, que a certa altura o arguido verbalizou “puta”, referindo-se à assistente. Atente-se, que CC atestou que tal vocábulo foi utilizado pela arguida (e não pelo arguido) e que apenas a testemunha EE atestou ter ouvido, através de um telefonema que mantinha com a assistente, o arguido a usar a expressão “puta”, acrescentando que ouviu “maluca, puta, vaca”. Ora, EEE, apenas atestou que apenas ouviu a palavra “puta” o que, mais uma vez, e face às contradições (pois que tendo as expressões sido ditas de uma só vez não é possível ouvir umas e não outras) revela grande fragilidade no depoimento da testemunha. FFF atestou não saber o que se passou; GGG atestou não ter conhecimento dos factos; HHH atestou que não foi audível o que foi dito pelos intervenientes; III assegurou não se recordar do que foi dito pelos intervenientes. Em sede de instrução, todas as testemunhas inquiridas (oito testemunhas) e que se encontravam presentes, atestaram não ter ouvido qualquer das expressões imputadas aos arguidos. Ora, significa o exposto que não foram recolhidos indícios seguros de que os arguidos tenham proferido as expressões constantes da acusação particular e, a terem sido proferidas, em que momento, sendo apenas inequívoco que, por um lado, o depoimento das testemunhas que atestaram ter ouvido alguma coisa é pouco credível (pelas razões já expostas) como, por outro, resulta, isso sim, inequívoco que entre a assistente e os arguidos existem um grande conflito familiar, há largos anos, estando esse conflito relacionado com bens e heranças. Porém, não existem indícios suficientes de que as expressões constantes da acusação particular foram proferidas pelos arguidos e nos momentos e forma que se mostram descritos na referida peça processual, sendo seguro que, face ao momento familiar vivido, de extrema fragilidade emocional para o arguido e assistente (tratava-se do velório e do funeral da progenitora de ambos) e atenta a conflituosidade existente, há largos anos, entre todos os intervenientes, é plausível que tenham sido proferidas expressões indelicadas e menos afáveis, possivelmente até de forma recíproca, sendo impossível ao Tribunal fixar, ainda que indiciariamente, aquelas que os arguidos poderão ter dirigido à assistente A noção legal de indícios suficientes consta do art. 283.º n.º 2 do CPP e é válida tanto para a acusação como para a decisão instrutória, dados os termos do art. 308.º, n.º 1 do mesmo diploma legal. Decorre, pois, daquelas normas que tanto no Inquérito como na Instrução, a existência de indícios suficientes significa que os indícios, com o sentido de conjunto da prova recolhida nas fases preliminares, são suficientes para submeter o arguido a julgamento, o que se verifica quando deles resultar uma possibilidade razoável de o arguido vir a ser condenado. Sobre o significado da locução “possibilidade razoável de condenação”, utilizada neste preceito, podem distinguir-se três correntes fundamentais: “- Uma primeira solução afirma que basta uma mera possibilidade, ainda que mínima, de futura condenação em julgamento; - Numa segunda resposta possível, é necessária uma maior probabilidade de condenação, do que de absolvição; - Uma terceira via defende ser necessária uma possibilidade particularmente forte de futura condenação.” Com JJJ, entendemos que “…apenas o critério da possibilidade particularmente qualificada ou probabilidade elevada de condenação, (…) responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do estado de Direito democrático, e é o que melhor se compatibiliza com a tutela da confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o in dubio pro reo”. O juízo ou convicção a estabelecer na fase de instrução, como no termo da fase de inquérito, será equivalente ao de julgamento, designadamente no que respeita à apreciação do material probatório e ao grau de convicção, que não se compadece com a ideia de verosimilhança ou de admissão da margem “razoável” de dúvida. A prova suficiente há-de corresponder à que em julgamento levaria à condenação, se aquele ocorresse com o quadro probatório, no tempo e nas circunstâncias que determinam o libelo acusatório ou o despacho de pronúncia. (…) Deste modo, realizando um juízo de prognose sobre a produção de prova nos presentes autos e respectivo exercício do contraditório, em sede de futura audiência de discussão e julgamento, não se afigura como plausível a possibilidade, razoável, da aplicação de uma pena ou medida de segurança à arguida. Termos em que, face à matéria já constante dos autos e face à prova produzida em sede de instrução (que foi esmagadora no sentido de nada ter sido dito pelos arguidos), entendo que não existem indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena, já que não existem indícios suficientes da prática pelos arguidos dos factos constantes da acusação particular e, por conseguinte, da prática dos crimes que ali lhes são imputados, pelo que terá de ser proferido despacho de não pronúncia”.
*
II- Fundamentação:
É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…), sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95- O objeto do recurso está limitado às conclusões apresentadas pelo recorrente -cfr. Ac. do STJ, de 15/04/2010:).
Assim, o conhecimento do recurso está limitado às suas conclusões, sem prejuízo das questões/vício de conhecimento oficioso.
*
Na situação concreta, a única questão a decidir é a da existência, ou não, de indícios suficientes, para pronunciar os arguidos pela prática cada um, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, do Código Penal e de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
* Apreciando:
Pugna a assistente, no seu recurso, para que sejam considerados suficientemente indiciados os factos que constam da acusação particular e, em face de tal, se pronunciem os arguidos pela prática, cada um, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º do Código Penal, e de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Desde logo, cumpre referir que não está em causa saber se os factos que constam da acusação particular integram os crimes de difamação e de injúria, p. e p., respetivamente, pelos artigos 180.º e 181.º do Código Penal, mas apenas aferir da existência de indícios suficientes da prática de tais factos.
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O artigo 412, nº3 do CPP prevê o recurso da matéria de facto. Tal refere-se ao erro de julgamento que tem como pressuposto que a prova produzida, analisada e valorada pelo Tribunal, nunca poderia levar à fixação da matéria de facto, ou a parte dela, que consta da decisão.
Para que estejamos perante um erro de julgamento necessário se torna que o recorrente consiga demonstrar que a conclusão a que o Tribunal chegou sobre a matéria de facto assente, em face das provas produzidas não é plausível, ou, pelo menos é duvidosa.
Como se extrai do artigo 412 do CPP, quando o recurso tem por objeto a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar, sob pena de rejeição:
a) Indicação individualizada dos pontos de facto constantes da decisão recorrida que considera incorretamente julgados;
b) Indicação das provas que impõem decisão diversa, identificando o meio de prova ou o meio de obtenção de prova que imponham decisão diversa, com menção concreta, quanto à prova gravada, do início e termo da gravação, e a citação do ponto concreto da gravação, que fundamente a impugnação (neste sentido Pereira Madeira em anotação ao CPP, pág. 1391; e
c) A indicação das provas que pretende que sejam renovadas.
Nos termos do artigo 308, nº1 do CPP : “1 - Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
O despacho de pronúncia deve ser devidamente fundamentado, nos termos do artigo 205.º da CRP, esclarecendo, nomeadamente, os motivos que levaram a determinada indiciação, por referência a concretos meios de prova colhidos em inquérito e instrução. No caso de não pronúncia, deve especificar os factos considerados suficientemente indiciados e os não suficientemente indiciados, o que facilmente se compreende se tivermos em conta os princípios gerais do processo penal, sem prejuízo da discussão sobre se a decisão de não pronúncia possui força de caso julgado.
Contudo, não obstante tal, o mecanismo do artigo 412.º do CPP não se aplica à decisão instrutória, mas apenas à decisão final — à sentença ou ao acórdão — referindo-se o mencionado artigo concretamente à matéria de facto.
Neste sentido acórdão do TRE de 25.10.2022 (in base de dados do ECLI): “I. Os vícios do artigo 410.º do CPP e a invocação do erro de julgamento quanto à matéria de facto (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP) são meios previstos pela Lei para questionar a matéria de facto acolhida na sentença, não tendo aplicação à decisão instrutória (artigo 307.º do CPP). II. A versão apresentada pelo recorrente, embora plausível, não se sobrepõe à encontrada pelo Tribunal e que foi devidamente fundamentada, de acordo com a sua livre convicção de forma lógica, racional e em conformidade com as regras da experiência, tudo ao abrigo do artigo 127.º do CPP”.
No entanto, tal não impede que a parte possa questionar a apreciação efetuada pelo Tribunal a quo sobre a indiciação, em sede de decisão instrutória, e que solicite ao tribunal superior, através do competente recurso, a revisão dessa apreciação, tendo em conta a prova produzida em sede de inquérito e de instrução, nomeadamente considerando o direito ao recurso consagrado na CRP e a circunstância de o Tribunal da Relação conhecer de facto e de direito.
Acresce que, à decisão instrutória, aplicam-se os princípios da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127 do CPP, e do in “dubio pro reo”.
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Vejamos, então, se a apreciação feita pelo Tribunal recorrido, em relação aos factos suficientemente/ insuficientemente indiciados foi a correta, tendo em conta os mencionados princípios.
Pelo Tribunal a quo foram considerados não suficientemente indiciados os factos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, que constam da acusação particular:
Iniciaram-se os presentes autos com o auto de notícia, constando do mesmo:
“Hoje, dia ... de ... de 2022, pelas 16H30, compareceu FF, devidamente identificada no presente auto (e doravante denominada por denunciante), a fim de manifestar vontade inequívoca de procedimento criminal contra os suspeitos supra identificados pelos factos descritos naquela Participação, aos quais esclarece que: No dia anterior a esses factos, designadamente no dia ... de ... de 2022, por volta das 21H00, no local supra citado, enquanto decorria o velório da sua progenitora, e se encontrava acompanhada por uma amiga da família (CC, cujos dados de identificação posteriormente acrescentará), a suspeita BB dirigiu à amiga CC (com a própria denunciante a ouvir) a seguinte invectiva: «A GG é uma ladra, roubou os pais, tratou-os mal, é uma maluca, devia estar internada, é completamente doida». Sic. O suspeito AA (irmão da denunciante) ia concordando com o teor das expressões vexatórias proferidas pela sua companheira, repetindo, por vezes, o que ela dizia. No dia seguinte, nas circunstâncias espácio-temporais descritas na Participação sup. cit., designadamente no interior da capela, a denunciante recebeu uma chamada, no seu telemóvel, proveniente da sua amiga HH. De modo a não perturbar o momento solene, informou o seu pai que a II estava ao telefone e que iria para o exterior atender a chamada. No momento em que se dirigia, com o pai, para o exterior, e passava pelo suspeito, este chamou-o (o pai). O pai perguntou o que ele queria, tendo o suspeito perguntado se lhe podia dar um abraço. O pai respondeu que não e disse para ele se afastar. Este acedeu ao pedido do pai, mas, no momento em que se afastava, proferiu a seguinte afirmação: «Pois, és uma puta, és uma puta» Sic. A denunciante não reagiu, respeitando assim o local e o momento. Dirigiram-se para o exterior da capela, tendo a denunciante colocado o telemóvel no ouvido do pai para que este pudesse falar com a amiga HH. Nesse instante, a suspeita BB aproximou-se, retirou a máscara comunitária, encostou quase a sua face à face do pai da denunciante e disse: «Sou eu, a JJ, a sua filha é culpada de tudo isto, é uma maluca, uma doida, eu sei de tudo» Sic. O pai da denunciante respondeu que também sabia de tudo. A suspeita BB repetiu: «a sua filha é culpada de tudo isto, é uma maluca, uma doida» Sic. Após a invectiva, a suspeita BB, começou a dar toques, com o seu cotovelo direito, no braço esquerdo da denunciante, com o objectivo de a irritar e desafiar, o que não sucedeu. A amiga HH, que se encontrava ao telefone e ouviu tudo, disse à denunciante para chamar a polícia. A suspeita BB chamou o seu companheiro, AA. O pai da denunciante manifestou-se, desde logo, dizendo que não queria falar com ele. Perante tal, a suspeita BB respondeu: «A culpa é desta puta» e repetiu: «É mesmo uma puta»”.
Inquirida a assistente, como testemunha, confirmou os factos constantes da denúncia.
Quando interrogados em inquérito, os arguidos negaram a prática dos factos.
Inquirida a testemunha RR referiu que:
“Não conhece pessoalmente os suspeitos. Disse que foi ao dito velório, contudo, não sabe do que se passou, sabe que houve conflitos, mas não ouviu nenhuma das provocações, não assistiu a nada. No dia do funeral lembra que, quando chegou ao local deparou-se com a sua amiga OO muito enervada e já com a Policia no local, o que sabe, é o que vai ao encontro no constante nos Autos e foi-lhe dito pela também Testemunha, DD. Sabe que estas situações se delongam já há uns anos e está tudo relacionado com bens e heranças”.
Quando inquirida, pela primeira vez, a testemunha CC, referiu:
“Que vem aos Autos na qualidade de testemunha. Indagada acerca dos factos de que tem conhecimento ou presenciara em matéria dos Autos. A ora depoente identifica-se como amiga da ofendida, Sr. a OO, com quem se relaciona há vários anos. Pelo exposto, e por intermédio da denunciante, tivera conhecimento que a relação desta com o respetivo irmão é bastante conflituosa, segundo a mesma, por motivos económicos . Não obstante o acima descrito, afirma que sempre se mantivera à margem do conflito entre ambos, muito embora tivesse ouvido vários desabafos da denunciante, nunca presenciara quaisquer episódios. No que concerne ao evento descrito nos Autos, em que a denunciante afirma que a própria ouvira as palavras insultuosas ali descritas, declara não corresponder à verdade . Acrescenta que muito embora estivesse presente à data do velório da mãe dos intervenientes, não ouvira os impropérios e inverdade dirigidos à ofendida No que se alude ao dia do funeral, revela que não estivera presente, pelo que não presenciara o sucedido”.
Posteriormente esta testemunha voltou a ser inquirida referindo:
“ Que no dia ... de ... de 2022, por volta das 21h00, se dirigiu á igreja da ... em virtude de estar a decorrer o velório da progenitora da denunciante e do denunciado. No exterior da Igreja, enquanto a depoente se encontrava sozinha, a mesma manteve diálogo com o denunciado AA, encontrando-se este acompanhado por diversas pessoas (…) Durante esse diálogo foi verbalizado pelo denunciado a seguinte afirmação A MINHA IRMÃ É UMA LADRA", referindo-se á denunciante OO. Que o denunciado afirmou que a denunciante efetuava diversos levantamentos bancários das contas tituladas pelos seus progenitores, dando a entender que a denunciante burlava os mesmos. No decorrer da conversa AA foi abordado pela Sr. a VV, que terá dito para este não contar pormenores porque a depoente poderia estar a efetuar uma gravação áudio da conversa. Que em ato continuo se dirigiram para o interior da igreja onde o denunciado lhe terá apresentado a esposa, BB, identificada nos Autos na qualidade de suspeita. Declara a depoente que manteve diálogo com a Sr. BB, na presença de AA, no teor do diálogo fora verbalizado pela denunciada "A GG FICOU MALUCA DESDE QUE SE DIVORCIOU. Que também a denunciada fez alusão ao facto de a denunciante burlar os pais, efetuando levantamentos bancários das contas tituladas por este. No decorrer das afirmações proferidas pela denunciada, o denunciado gesticulava com a cabeça em sinal afirmativo, sendo conivente, como se estivesse a concordar com o que fora dito. Que chocara a depoente o facto de se encontrarem no velório da progenitora do denunciado e não ser o local indicado para tal conversa. Declara a depoente não ter estado presente no dia seguinte, no funeral da progenitora da denunciante e do denunciado”.
Inquirida a testemunha KKK referiu:
“Que não estava presente no local, efetuou uma chamada telefónica para a OO, e que durante a chamada, aquela entretanto passou o telefone ao Pai, PP, para a depoente dar-lhe os sentimentos e perguntar-lhe como estava. Informa que já durante a chamada, ouviu o AA a dizer, Pai não ligue ao que a maluca da sua filha diz", que ouviu o Sr. QQ a responder ao filho, não quero conversas contigo" . Em seguida começou a ouvir a JJ a dizer, "Sr. QQ tem que ouvir o que o seu filho diz!" sua filha é uma maluca, é uma puta, uma vaca! " Em seguida a estas conversas, começou a ouvir vários gritos tanto de homens como de mulheres, e no meio da confusão, percebeu que a GG gritou, chamem a polícia que ela (JJ) está a bater-me. Em seguida terminou a chamada. Nada mais ouviu ou presenciou”.
Inquirida a testemunha LLL referiu:
“Quanto á matéria dos Autos a ora depoente não tem conhecimento dos mesmos, em virtude de não ter estado presente nos episódios ocorridos vertidos nos Autos”.
Inquirida a testemunha MMM referiu:
“ Quanto á matéria dos Autos a ora depoente declara o seguinte Que apenas esteve presente no velório da progenitora da denunciante e do denunciado, no dia ... de ... de 2022. A certa altura a depoente visualizou a denunciante e o pai, a dirigirem-se para o exterior da igreja, em virtude da denunciante se encontrar em chamada telefónica . No decorrer da chamada telefónica, o denunciado AA, dirigiu-se ao encontro de ambos, passados poucos instantes fora ao encontro destes, a denunciada BB, esposa do denunciado AA. Que fora visível pela depoente a insistência por parte dos denunciados em manter diálogo com a denunciante e o pai, chegando a ter uma atitude de importunação . Face á distância que a depoente se encontrava, não fora audível o que fora dito pelos intervenientes. Que a certa altura a denunciante teve um ataque de pânico, apresentando sintomas como dificuldade em respirar, tremores e iniciando choro descontrolado. Posteriormente a denunciante contou á depoente que o que se tivera desenrolado fora acusações por parte do denunciado de que esta tivera morto a sua mãe tendo ainda injuriando-a verbalizando PUTA" , UMA CABRA”.
Inquirida a testemunha III, a mesma referiu: “ Que apenas esteve presente no velório da progenitora da denunciante e do denunciado, no dia ... de ... de 2022. A certa altura a depoente visualizou a denunciante e o pai, a dirigirem-se para o exterior da igreja. Passados poucos instantes, o denunciado AA, dirigiu-se ao encontro de ambos, em tom pacifico, com o intuito de dirigir uma palavra ao pai. O pai do denunciado e da denunciante, não quis manter diálogo com o denunciado pedindo para ele se afastar. Passados poucos instantes foram ao encontro destes, a denunciada BB, esposa do denunciado AA. Com a chegada da denunciada foi visível/ percetível pelo depoente a insistência por parte dos denunciados em manter diálogo com o pai, chegando a ter uma atitude de importunação, já num tom mais alto e agressivo. Face ao tempo passado desde o episodio ocorrido, o depoente não se recorda do que fora dito ao pormenor pelos intervenientes. Que a certa altura a denunciante teve um ataque de pânico, apresentando sintomas como dificuldade em respirar, tremores e iniciando choro descontrolado”.
Inquirida a testemunha NNN a mesma referiu: “ Que se deslocou ao velório da mãe da denunciante e do denunciado AA, no dia ... de ... de 2022 . Que a certa altura a depoente veio para o exterior da capela mortuária, onde decorria o velório, no exterior também se encontrava AA, BB, OO e o Sr. PP. Que visualizou a denunciada BB a tentar manter diálogo com o Sr. PP, tendo este último, por diversas vezes gesticulado, dando a entender não querer dialogar com a denunciada. Que na companhia de PP, encontrava-se OO e que a denunciada BB se encontrava sozinha. Que após diversas insistências da denunciada, OO teve de intervir, com o intuito de afastar a denunciada, com recurso ao diálogo. Que a certa altura o denunciado AA, afastado dos restantes intervenientes, verbalizou "PUTA", referindo-se a OO . Que fruto do episódio, a denunciante padeceu de um ataque de pânico”.
Esta foi a prova produzida em sede de inquérito.
Em sede de instrução foram inquiridas testemunhas, presentes no velório e no funeral da mãe da assistente e do arguido, e que referiram nada terem ouvido.
Assim, temos a versão da assistente e a versão dos arguidos, como, aliás, sucede na maior parte das situações.
O artigo 127 do CPP aplica-se à fase da instrução.
Assim, também os indícios suficientes devem ser apreciados de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e de acordo com as regras da experiência.
Tal não significa livre arbítrio, encontrando-se o juiz vinculado a critérios objetivos de raciocínio e às regras da lógica, tendo sempre presente as regras da experiência, impondo a lei que se extraia das provas um convencimento lógico.
“A experiência comum são regras consistentes em realizações empíricas fundadas sobre aquilo que ocorre; têm origem na observação de factos que se repetem de forma rotineira, e que permitem a formulação de uma regra (máxima) potencialmente aplicável em idênticas situações. Decorrem daqui regras que fazem parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade” (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo Ed., págs. 182 a 188).
“O princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto – arbitrária da prova produzida” (prof. Figueiredo Dias Direito Processual Penal, I Volume, pag. 203)
A prova tem de ser apreciada de forma racional e objetiva de acordo com as regras da experiência.
“O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório” (ac. da RC de 1.10.2008 em que é Relator Simões Barroso, in base de dados do igjef).
Refere o art.º 286º, nº1 do CPP “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
De acordo com o artigo 308º, nº1 do mesmo diploma: “ Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronúncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Por sua vez o art.º 283º, nº 2 refere que: “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Assim, sendo este o entendimento legal em que deve assentar a prolação de despacho de pronúncia ou de não pronúncia, deste resulta que o despacho de pronúncia só deve ser proferido quando se torna possível formular um juízo de probabilidade de aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança.
Apesar de não se exigir um juízo de certeza idêntico ao da condenação, é, no entanto, pressuposto da pronúncia que a prova existente no inquérito ou na instrução aponte - se mantida e contraditoriamente comprovada em audiência - para uma probabilidade elevada de condenação.
Aliás, sobre a noção de indícios suficientes, muitas têm sido as interpretações e posições adotadas, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência.
Assim, há quem defenda, embora minoritariamente, que a acusação e a pronúncia bastam-se com uma mera probabilidade de condenação em julgamento. Tal posição tem como fundamento, nomeadamente, o artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do CPP, argumentando que só é possível rejeitar a acusação quando esta se mostre manifestamente infundada (neste sentido, o Acórdão do TRL de 14.03.1990, in BMJ, n.º 395, p. 656).
Outros defendem que existem indícios suficientes e, como tal, deve ser proferida acusação e despacho de pronúncia quando, em julgamento, seja maior a probabilidade de condenação do que de absolvição.
Tal tese é conhecida pela tese “da probabilidade predominante”.
Neste sentido temos o Professor Germano Marques da Silva quando refere “probabilidade razoável é uma probabilidade mais positiva do que negativa”.
Já para o Professor Figueiredo Dias: “Os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição” (Direito Processual Penal, Volume 1, 1974, pág. 133).
Finalmente há, ainda quem defenda a chamada “teoria da probabilidade qualificada”, exigindo-se, quer para a acusação, quer para a pronúncia um juízo de prognose de quase certeza na futura condenação.
Neste sentido Luís Osório: “devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fizerem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado” (in Comentário ao Código de Processo Penal Português, volume IV, página 441) e ac. do TRC de 9.3.2016: “indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado (…) os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação (…). Na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final” (in base de dados do igfej).
Não obstante as várias interpretações surgidas, certo é que, em sede de instrução, também devem ser tidos em conta os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
Ora, tendo em conta os mencionados preceitos legais, quando a possibilidade de futura condenação é mais provável do que a possibilidade de absolvição, deve o arguido ser pronunciado.
Assim, o juízo sobre a suficiência dos indícios deverá passar pela probabilidade elevada, que se traduz num juízo de prognose não só de que a condenação é mais provável do que a absolvição, mas também de que, em julgamento, será ultrapassada a barreira do in dubio pro reo.
Impõe-se uma análise cuidada, caso a caso, de acordo com o artigo 308.º do CPP e com os princípios constitucionalmente consagrados -inclusive o da presunção de inocência -, devendo existir uma articulação entre os mesmos.
E aqui chegados não podemos deixar ainda de citar o Prof. Castanheira Neves (in Processo Criminal, Sumários, p. 39) que a este respeito escreveu: “na apreciação da suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final - só que a instrução (…) não mobiliza os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação”.
Na situação concreta, a versão da assistente é corroborada, em parte, pelo depoimento de três testemunhas.
Acresce que está assente que, no dia do velório da mãe da assistente, ocorreu uma altercação que levou à deslocação da PSP ao local.
O tribunal recorrido fundamentou a sua opção, retirando credibilidade aos depoimentos das testemunhas que confirmaram, parcialmente, a versão da assistente.
Acontece que a prova tem de ser analisada globalmente, como um todo, e não de forma isolada.
Acresce, ainda, que nada impede a valoração das declarações da assistente, desde que as mesmas se mostrem credíveis e de acordo com as regras da experiência, o que parece não ter sido tido em conta na situação dos autos.
No caso em análise, a assistente denunciou os factos que constam do auto de denúncia, que posteriormente confirmou.
No dia dos alegados factos, a PSP foi chamada ao local pela circunstância de estarem a ocorrer distúrbios num velório.
Inquirida a testemunha EE, mencionou que efetuou uma chamada telefónica para OO e que, durante a chamada, “aquela, entretanto, passou o telefone ao pai, PP, para a depoente dar-lhe os sentimentos e perguntar-lhe como estava” e que, “já durante a chamada, ouviu AA a dizer: Pai, não ligue ao que a maluca da sua filha diz”, e que ouviu o Sr. QQ responder ao filho: Não quero conversas contigo” e que logo de seguida, “começou a ouvira JJ a dizer: “Sr. QQ, tem que ouvir o que o seu filho diz! A sua filha é uma maluca, é uma puta, uma vaca!”.
Assim, esta testemunha corrobora parte da versão da assistente, nomeadamente que a arguida terá dito, referindo-se à assistente, que esta era uma “maluca” e uma “puta”, não obstante não corresponder, na íntegra, ao que consta da acusação particular.
Acresce que, ao contrário do que defende a decisão recorrida, não nos causa qualquer estranheza a testemunha ter ouvido as expressões em causa, na medida em que estava ao telefone com o pai da assistente, quando a arguida, dirigindo-se a este, proferiu as expressões.
Por seu turno, a testemunha NNN referiu que o denunciado AA, afastado dos restantes intervenientes, verbalizou “puta”, referindo-se a OO, confirmando também parcialmente a versão da assistente, e isto por referência ao dia 4.
Nada existe nos autos que nos permita duvidar da veracidade destes depoimentos, plausíveis, atentas as regras da experiência, e compatíveis com uma altercação ocorrida num velório que levou, nomeadamente, à intervenção da PSP.
É certo que os depoimentos das testemunhas são parciais e não totalmente coincidentes. Contudo, tal, por si só, não lhes retira credibilidade, sendo plausível que cada uma das testemunhas tenha ouvido apenas parte dos factos, o que, conjugado com as declarações da assistente, poderá ser esclarecido em julgamento.
Finalmente, temos o depoimento da testemunha CC, que confirmou parcialmente os factos ocorridos no dia 3.
Sem dúvida, este é o depoimento que nos oferece mais reservas, uma vez que, anteriormente, a testemunha afirmou não ter assistido a nada.
Contudo, tal deverá ser esclarecido oportunamente.
Acontece que os depoimentos das restantes testemunhas não infirmaram as declarações da assistente, pois a circunstância de as testemunhas não terem ouvido as expressões em causa não significa que estas não tenham sido proferidas.
No caso em recurso, temos uma versão dos factos apresentada pela assistente, que se mostra plausível, atentas as regras da experiência, e que se encontra, parcialmente, corroborada por prova testemunhal, não tendo sido infirmada pelos depoimentos das restantes testemunhas.
Assim, as declarações dos arguidos, não obstante constituírem um meio de prova válido, não podem, só por si, ter a pretensão de se sobreporem a toda a outra prova produzida, quando esta, analisada e conjugada, se mostra coerente e de acordo com as regras da experiência.
As declarações da assistente podem ser valoradas e estão sujeitas à livre convicção do tribunal, ainda mais quando se encontram corroboradas por outros elementos de prova, como acontece nos autos, na medida em que as expressões são parcialmente confirmadas pelas testemunhas.
Tal dá credibilidade à versão da assistente e às suas declarações, que devem ser analisadas na totalidade.
Pelo exposto, conjugando toda a prova, concluímos pela existência de indícios suficientes para sujeitar os arguidos a julgamento.
Da prova produzida resulta uma probabilidade elevada de os arguidos virem a ser condenados em julgamento, sendo ultrapassada a barreira do princípio in dubio pro reo.
III) Dispositivo:
Termos em que, e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a 9º secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- Conceder total provimento ao recurso interposto pela assistente, devendo o Tribunal a quo substituir a decisão recorrida por outra que pronuncie os arguidos nos precisos termos em que se encontravam acusados.
Sem custas.
Notifique.
Lisboa, 20 de novembro de 25
Ana Paula Guedes
Eduardo de Sousa Paiva
Joaquim Manuel da Silva