REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

Sumário (da responsabilidade da Relatora):
I – A suspensão da execução da pena de prisão destina-se a possibilitar a reintegração social do condenado sem necessidade de cumprimento efectivo da prisão, pressupondo que o tribunal efectue um juízo de prognose favorável de que a ameaça de prisão será suficiente para afastar o agente da prática de novos crimes.
II – A revogação da suspensão (art. 56.º, n.º 1, al. a), do Código Penal) exige a verificação de factos que demonstrem a infirmação do juízo de prognose que fundamentou a concessão do benefício, podendo, designadamente, emanar da prática de novo crime durante o período de suspensão; com efeito, tais condutas são aptas a demonstrar que o condenado não aproveitou a oportunidade de ressocialização traduzida pela suspensão da execução da pena.
III – Designadamente a prática, durante o período de suspensão, de crime de roubo, punido com pena de prisão efectiva, evidencia a persistência da adopção de condutas de índole criminosa incompatível com o juízo de confiança inicial, impondo a revogação da suspensão da execução da pena.
IV – Não se verifica qualquer violação dos princípios da culpa ou da proporcionalidade quando o tribunal, face a uma nova conduta delituosa do condenado e ao reiterado incumprimento da condição de entrega de uma determinada quantia monetária, revoga a suspensão e ordena o cumprimento da pena de prisão aplicada.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório:
No Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 13, foi proferida a seguinte decisão (transcrição):
“Da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA:
Por sentença data de 05/06/2020, transitada em julgado em 06/07/2020, foi o arguido AA condenado:
- Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de roubo (agravado), numa pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Suspensão essa que foi sujeita a regime de prova, a acompanhar e supervisionar pela DGRPS, mediante plano de reinserção. Ainda, durante o período da suspensão, foi o arguido condenado a proceder ao depósito à ordem destes autos da quantia de €400,00, a qual seria depois entregue a uma instituição de apoio a vítimas de crime violento.
Estando em curso o período de suspensão, sobreveio a notícia de que o arguido havia incorrido na prática de novo crime de roubo, por factos perpetrados em 10/04/2022, tendo sido condenado, no âmbito do processo n.º 27/22.1..., que correu termos no ..., por acórdão datado de 11/05/2023, transitado em julgado a 18/01/2024, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão efetiva.
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Foi designada data para audição do condenado, na presença da técnica da DGRSP responsável pelo acompanhamento, a qual compareceu à diligência via Webex.
Tomaram-se declarações ao condenado, nas quais afirmou que não estava em si na altura em que praticou os factos, uma vez que se encontrava a tomar medicação e a ser seguido em psiquiatria. Mais disse que, nos últimos dois meses, tem trabalhado. Quando perguntado quanto ao pagamento a que estava sujeito a depositar nos presentes autos, afirmou não saber como ficou a situação, tendo dito que entregou todas as quantias ao seu advogado.
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A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Notificada para exercício do contraditório, a defesa nada disse.
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Cumpre decidir:
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No que diz respeito à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, o artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal dispõe que:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social;
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”.
Note-se que “a revogação da suspensão, acto decisório que determina o cumprimento da pena de prisão substituída, não constitui uma consequência automática da conduta do condenado, antes depende da constatação de que as finalidades punitivas que estiveram na base da aplicação da suspensão já não podem ser alcançadas através dela, infirmando-se definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro. Na situação prevista na alínea b) [do artigo 56.º do Código Penal], a revogação depende da verificação da dupla condição consubstanciada no cometimento de novo crime que infirmou definitivamente o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou, no sentido de que deixou de ser possível esperar, fundadamente, que daí para a frente o condenado se afaste da prática de outros ilícitos.” - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-04-2018, relatora: Helena Bolieiro.
Na análise deste processo e do processo n.º 27/22.1..., que correu termos no ... constata-se que o arguido praticou, durante o período de suspensão um crime de igual natureza ao que levou à sua condenação nos presentes autos.
Ora, realce-se que, no crime praticado dentro do período de suspensão o arguido cometeu exactamente o mesmo tipo legal de crime (crime de roubo), pelo qual foi condenado nos presentes autos.
Considerando o caso concreto, entende-se que será de aplicar a alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, uma vez que o arguido foi condenado, uma vez, pelo mesmo tipo legal de crime, o que indica que se frustraram as finalidades que estiveram na base da suspensão.
Destarte, decorrido o prazo de suspensão, entende-se que não foi possível alcançar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição do arguido, porquanto o mesmo continuou a praticar o mesmo tipo de crimes.
Em sede de audição de condenado, o arguido prestou alguns esclarecimentos ao Tribunal, sendo que não se alongou muito nas suas declarações.
Compulsados os autos, verifica-se que o arguido foi condenado em pena de prisão efectiva, o que vem fortalecer tudo o que supra se expôs.
Acrescente-se que “tendo o novo crime sido punido com prisão efectiva, esta pena tem subjacente o juízo de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas.” - Acórdão supra referido.
Posto isto, dúvidas não restam acerca da decisão a tomar, in casu, a revogação da suspensão da pena de prisão (cfr. artigo 56.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal).
Por fim, para reforçar a posição que já se adiantou, diga-se ainda, que o arguido não cumpriu a obrigação de proceder à entrega à ordem dos autos da quantia de 400,00 €.
Assim, o arguido incumpriu também uma das regras de conduta a que estava sujeita a suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada, sublinhando a frustração das finalidades de punição do arguido.
Pelo exposto, decide-se revogar a suspensão da execução da pena ora aplicada ao arguido AA nos presentes autos, e, consequentemente, determina-se o cumprimento da pena principal de três anos de prisão efectiva, nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal.
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Notifique.
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Após o trânsito em julgado do presente despacho:
a) Remeta os boletins ao registo criminal (cfr. artigo 6.º, alínea a) da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio);
b) Emita mandados de detenção para cumprimento da pena.”
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Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, apresentando motivações e concluindo do seguinte modo (transcrição):
“CONCLUSÕES
1. O recorrente pretende insurgir-se contra a decisão do Tribunal a quo de revogação da suspensão da execução da pena de 3 anos de prisão em que foi condenado, com o consequente cumprimento da pena em meio prisional.
2. É um facto insofismável que o recorrente, após o trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos, foi condenado por um crime de roubo, no âmbito do processo n.º 27/22.1...
3. No entanto, compulsada a facticidade ali provada, verifica-se que se tratou da subtração de bens alimentares destinados ao consumo imediato do arguido, e de diminuto valor – aliás integralmente pago antes da fase de julgamento;
4. A gravidade dos ilícitos não se compara com o crime pelo qual veio condenado nestes autos;
5. Acresce que a decisão de revogação não considerou os efeitos do tempo de privação da liberdade sofrido no processo n.º 27/22.1...
6. O que permitiu ao recorrente interiorizar a gravidade da sua conduta;
7. Os efeitos daquela condenação, ao nível da ressocialização, não foram tomados em consideração pelo Tribunal;
8. Acresce que o percurso positivo ao nível da inserção laboral (a grande fragilidade apontada pela DGRSP) foi totalmente ignorado pelo Tribunal, não obstante as declarações prestadas pela Exma. Técnica da DGRSP;
9. A revogação da suspensão da execução da pena não é, consabidamente, uma operação automática;
10. Em face do quadro de circunstâncias descrito, cremos que a reclusão do arguido neste momento irá comprometer definitivamente o processo de ressocialização iniciado e que tem sido acompanhado pela DGRSP;
11. Nestes termos, afigura-se-nos, pelas razões invocadas, ser proferida decisão que determine a extinção da pena ou que determine a prorrogação do período da suspensão.
12. Sem prejuízo, impõe-se uma palavra relativa ao hiato temporal decorrido desde o término do período de suspensão da execução da pena – quase 2 anos!
13. Desde meados de ... que o recorrente vê indefinida a sua situação jurídica, situação que se prolongou até à presente data;
14. O arguido tem direito à sua paz jurídica, e a ver definida a sua situação jurídica.
15. Nos termos do artigo 20.º, n.º 4 da CRP, “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
16. Os artigos 55-º, 56-º e 57-º do Código Penal devem, assim, ser interpretados no sentido de ser tomada decisão que clarifique a situação jurídica do condenado em prazo razoável, afigurando-se que esse prazo razoável não pode exceder o período máximo da suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, ou seja, 5 anos.
17. No caso vertente, o arguido está desde o dia .../.../2023 à espera que seja tomada uma decisão, o que se nos afigura contrário à Constituição.
18. Aguardar praticamente 2 anos por uma decisão, após o término do período da suspensão viola, a nosso ver, o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, inconstitucionalidade que cumpre declarar.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido pugnando pela manutenção da decisão recorrida, com os seguintes fundamentos (transcrição):
“CONCLUSÕES:
1ª O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido a .../.../25 que procedeu à revogação da suspensão da execução da pena de prisão e determinou o cumprimento efetivo da pena de três anos de prisão por parte do arguido.
2ª Nestes autos, por sentença transitada em julgado a .../.../2020, o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo agravado, numa pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, acompanhado pelos serviços de reinserção social, bem como à condição de proceder ao depósito à ordem destes autos da quantia de €400,00, a ser entregue a instituição de solidariedade social.
3ª Desde logo, o arguido não cumpriu aquela condição de pagamento.
4ª Por outro lado, o arguido sofreu uma condenação por novo crime de roubo, praticado a .../.../22, na pena de prisão efetiva de 1 ano e 9 meses de prisão.
5ª Conforme resulta do disposto no artigo 56º do Cód. Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado “infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social”; ou “cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
6ª Como é evidente, a revogação da pena de suspensão não opera automaticamente, dependendo sempre da constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou de forma definitiva a prognose favorável que fundou a suspensão ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência ( artigo 56º alínea b) do Cód. Penal e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 508/13.8PBCTBA. C1, datado de 28-06-2017).
7ª Na situação dos autos, o arguido cometeu novo crime de roubo durante a suspensão da execução da pena destes autos, o que determinou a sua condenação numa pena de prisão efetiva.
8ª Tais elementos tornam inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável ao recorrente que ditou a suspensão da execução da pena de prisão se mostra definitivamente afastado, face à frustração da expectativa do seu afastamento da criminalidade.
9ª Acresce que, o arguido revelou alheamento e insensibilidade perante a atuação das entidades policiais e dos serviços de reinserção social, inviabilizando o cabal acompanhamento da suspensão enquanto se manteve em liberdade. Do mesmo modo, revelou ainda total falta de diligência quanto ao cumprimento da condição de pagamento judicialmente imposta.
10ª Deste modo, a condenação sofrida ter resultado de factos mais graves cometidos contra os mesmos exatos bens jurídicos, assim como o desrespeito pelas regras e condições impostas à suspensão, não podem deixar de concluir que as razões que determinaram a suspensão de execução da pena de prisão se mostram absolutamente colocadas em crise, pelo que, muito bem andou a Mmª Juiz ao determinar a revogação daquela suspensão.”
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Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a argumentação da resposta ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença proferida.
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Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º/2 do Código de Processo Penal, sem resposta do arguido/recorrente.
O processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º/3, b) do Código de Processo Penal.
II- Questões a decidir:
Preceitua o art, 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação.
No caso dos autos a questão a decidir é unicamente a determinar se se mostram reunidos os pressupostos para revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
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Antes de mais, para a sedimentação factual necessária à prolação de acórdão, haverá que recuperar aqui alguns aspectos relativos à dinâmica processual que precedeu a decisão agora colocada em causa:
1. O arguido AA foi condenado por acórdão datado de 05/06/2020, transitado em julgado em 06/07/2020, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo (agravado), numa pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, a acompanhar e supervisionar pela DGRPS, mediante plano de reinserção. Ainda, durante o período da suspensão, foi o arguido condenado a proceder ao depósito à ordem destes autos da quantia de €400,00, a qual seria depois entregue a uma instituição de apoio a vítimas de crime violento.
2. A elaboração do citado plano foi solicitada pelo tribunal à DGRSP em .../.../2020, entidade que, em .../.../2020, o juntou aos autos, tendo o mesmo sido homologado judicialmente em .../.../2020.
3. A partir de tal momento foram sendo apresentados relatórios periódicos por parte da DGRS, de onde resultou, designadamente, que o arguido apesar de ter ao longo do acompanhamento mantido períodos de ocupação laboral, estes eram de curta duração.
4. Por outro lado, em ... de ... de 2023 a DGR informou que o arguido tinha pendente o processo nº 27/22.1..., no qual lhe havia aplicada uma medida de coacção de permanência na habitação sem recurso a meios de vigilância electrónica.
5. Acrescentava-se ainda, no dito relatório, a comunicação de que no âmbito do citado processo tinha sido agravada a medida de coacção aplicada com a instalação de equipamento de vigilância electrónica, uma vez que o arguido havia sido detectado a incumprir a medida de coacção aplicada, dado que que havia sido detectado a circular em veículo automóvel acompanhado por uma terceira pessoa.
6. No relatório final presentado pela DGRSP em .../.../2023 deixou-se exarado: “Conforme reportámos no anterior relatório, foram constatadas manifestações de “imaturidade e de reduzida consciência social”, aquando da avaliação tendente à elaboração do Plano de Reinserção Social. /Igualmente foi evidenciada falta de investimento na melhoria das suas habilitações académicas, experiencias profissionais incipientes e de curta duração e uma clara dependência e conformação (não só por parte dele, como, também, da companheira) face aos apoios socioeconómicos (recebe rendimento social de inserção de cerca de 666 euros e abonos de família referentes aos filhos num total cerca de 576 euros). / Perante este quadro, tentou-se ao longo do acompanhamento promover junto de AA uma maior consciência, por um lado do seu valor pessoal e social enquanto cidadão potencialmente produtivo, e por outro, do seu papel e impacto social, com vista a promover um maior investimento, da sua parte, na sua independência económica. Somente após várias insistências da nossa parte, AA apresentou um comprovativo de inscrição no Serviço de Emprego das Picoas, tendo frequentado, em ..., uma ação de formação de curta duração em literacia digital. / Em ..., trabalhou como prestador de serviços (recibos verdes) na ..., tendo desistido pouco tempo depois, alegando que havia “pouco trabalho” e “pagavam pouco”. / Em seguida trabalhou, igualmente por pouco tempo, na área da distribuição para um estabelecimento comercial. / No final do ano de ... exerceu a atividade de ... para um restaurante de “take away”, de onde foi dispensado após acusação (segundo ele infundada) ficando desempregado até à data.”
7. Como dito, no âmbito do processo nº 27/22.1... o recorrente foi sujeito em ...-...-2022 à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, sem recurso a meios de vigilância electrónica. Entretanto, foi comunicada a tais autos, pela ... através de oficio remetido em ...-...-2023, que o arguido no dia ...-...-2023, na parte da manhã, se encontrava na ..., no ..., tendo sido interceptado e detido por agentes da ..., por suspeitas da prática em co-autoria de um crime de burla (auto de notícia por detenção NUIPC 22/23.3...) tendo sido constituído arguido e sujeito a termo de identidade e residência.
8. Por despacho proferido no citado processo em ...-...-2023 foi determinada a manutenção da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação aplicada, mas com vigilância electrónica.
9. No âmbito do processo n.º 27/22.1..., por acórdão datado de 11/05/2023, transitado em julgado a 18/01/2024, foi o arguido condenado na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão efectiva, pela prática em 10/04/2022 de um crime de roubo.
10. Tal pena foi julgada extinta por decisão proferida no processo nº 27/22.1..., em .../.../2024, tendo-se exarado, designadamente, que a dita pena se mostra cumprida “atento o lapso de tempo decorrido e a duração da medida de coacção aplicada.”
11. A informação do trânsito em julgado do processo nº 27/22.1... foi comunicada aos presentes autos em .../.../2024.
12. Foram agendados os dias .../.../2024 e .../.../2024 para realização de diligência de audição do arguido que não se chegou a realizar nas citadas datas, por falta do arguido e/ou do seu mandatário que vieram a ser consideradas justificadas.
13. Foi ainda agendado o dia .../.../2024 para realização da diligência, tendo ocorrido o seu adiamento, devido a impossibilidade de o mandatário do arguido estar presente.
14. Finalmente, agendado o dia ... de ... de 2024 para audição do arguido, a mesma veio a suceder, bem como a da técnica da DGRS que acompanhou a execução do plano.
15. Em .../.../2025 foi proferida a decisão objecto de recurso.
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IV- Do mérito do recurso:
Estatui o art. 50º do CPenal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como finalidades da punição estabelece o art. 40º, 1 do CPenal a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – ou seja, visa-se o afastamento do agente da prática de novos crimes.
Como salienta desde logo FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português – As Consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 337 e segs. a pena de suspensão da execução da prisão é indubitavelmente uma pena autónoma de substituição da pena de prisão.
O citado autor, a página 339 da obra mencionada, escreve “a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição”.
Ora, o supra citado art. 50º, do CPenal, manda suspender a execução da pena de prisão fixada em medida não superior a 5 anos, desde que a personalidade e condições de vida do agente e a sua conduta anterior e posterior ao crime, bem como as circunstâncias deste, legitimem um juízo de prognose de que a censura do facto e a ameaça de prisão realizam adequadamente as finalidades da punição.
Deve salientar-se que o juízo de culpa é alheio ao momento da escolha da pena. Com efeito, como também enfatiza o sobredito autor na mesma obra citada, designadamente a páginas 195, nota 2, “Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém às razões históricas e politico-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.
Ora, sendo assim, são razões preventivas, e especificamente as de prevenção especial, que ditarão a substituição, ou não, da pena de prisão.
Nos termos do preceituado nos arts. 50º a 57º do CPenal e 492º a 495º do CPPenal, as modalidades de suspensão da execução da pena são três: a suspensão sem quaisquer condições ou regime de prova; a suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de determinadas regras de conduta); e, finalmente, a suspensão sujeita a regime de prova.
No art. 51º, 1, do CPenal encontram-se previstos exemplificativamente os deveres destinados à reparação do mal do crime, enquanto no art. 52º do mesmo diploma legal se mostram elencadas, do mesmo modo, as regras de conduta que visam a reintegração comunitária do agente.
Nos termos do disposto nos arts. 51º, 3 e 52º, 4 do CPenal os deveres e as regras de conduta podem ser alterados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento.
No caso de incumprimento das condições fixadas estatui o art. 55º do do CPenal que “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.
Por outro lado, preceitua o art. o art. 56º do CP: 1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.
Do exposto decorre que no caso da suspensão simples a mesma poderá ser revogada designadamente quando o agente cometer outro crime no decurso da suspensão, dado que tal circunstância pode indubitavelmente, apesar de não ser de funcionamento automático, pôr em causa o juízo de prognose favorável que esteve na origem da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, quando se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser atingidas.
No que tange aos deveres e regras de conduta que podem condicionar a suspensão da execução da pena de prisão, FIGUEIREDO DIAS, obra citada, pág. 350, explicita que a sua imposição deve estar condicionada “a uma dupla limitação” (…): a de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente, com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto.
Com efeito o art. 51º, nº 2 do CPenal, estabelece que “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”.
O autor que se tem vindo a seguir – ainda na obra citada, desta vez a páginas 351 – acrescenta que “Quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados”.
No que tange concretamente ao regime de prova, este surge como uma das modalidades da pena de prisão suspensa na sua execução, estabelecendo o art. 53º, nº 2 do Código Penal, que tal regime deve assentar “num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social”.
Por outro lado, o art. 494º, 1, do CPPenal, prevê que “A decisão que suspender a execução da prisão com regime de prova deve conter o plano de reinserção social que o tribunal solicita aos serviços de reinserção social”.
Contudo, do nº 3 do citado inciso legal também resulta que nos casos em que “a decisão não contiver o plano de reinserção social ou este deva ser completado, os serviços de reinserção social procedem à sua elaboração ou reelaboração, ouvido o condenado, no prazo de 30 dias, e submetem-no à homologação do tribunal” .
Ou seja, do exposto decorre que o plano em causa integra a decisão final ou, quando isso não aconteça, passa a fazer parte da mesma através da posterior homologação a efectuar pelo Tribunal, sendo certo que “o plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio”.
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, 2021, pág. 341, escreve que “O tribunal deve sempre ouvir o condenado sobre o plano, isto é, deve sempre dá-lo a conhecer ao condenado e dar-lhe a oportunidade de em tempo útil se pronunciar sobre o mesmo (como sugeriu Sidónio Rito, com a concordância de Eduardo Correia, na comissão de revisão do CP de 1963-1964, in Actas CP/Eduardo Correia, 1965b: 91). A audição do condenado pelo tribunal é dispensável quando ele já foi ouvido pelos serviços de reinserção social nos termos do artigo 494.º, n.º 3, do CPP.
O tribunal deve, sempre que possível, obter o acordo do condenado (artigo 54.º, n.º 2). Mas o tribunal pode impor um plano ao arguido sem a sua concordância.”
Porém, unicamente com a homologação do plano por parte do Tribunal – mesmo que sem o acordo prévio do condenado – este passa a fazer parte integrante da decisão condenatória; vale por dizer que só a partir da pertinente homologação o condenado fica vinculado ao cumprimento do plano, justamente porque a suspensão da execução da pena de prisão ficou condicionada à respectiva observância.
No caso dos autos verifica-se que o arguido, no decurso do prazo de suspensão de execução da pena de prisão que lhe havia sido aplicada, cometeu novo crime de roubo, vindo a ser condenado numa pena de prisão efectiva de 1 ano e 9 meses de prisão.
Todavia, como resulta do que supra já se deixou dito, nem em tais casos – da prática de novo crime – ocorre automaticamente a revogação da suspensão da execução da pena.
Na verdade, tal apenas acontecerá, nos termos do disposto no art. 56º, 1, al. b) do CPenal se tal facto revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cfr. no sentido do texto FIGUEIREDO DIAS, na obra já citada, p. 357).
Ou seja, para revogação da suspensão – quer por incumprimento de deveres, quer pelo cometimento de novo crime – é necessário concluir que as finalidades que estavam na base da suspensão já não podem, por meio desta, ser alcançadas, infirmando-se o juízo de prognose que esteve na base da suspensão; isto é, ficando demonstrado que com a suspensão da execução da pena não é possível manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.
Como se diz no Ac do STJ de 23/04/2013, proferido no processo nº 90/01.9TBHRT-C.L1-5, relatado por JORGE GONÇALVES, “Para esse efeito, importa ponderar a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, ou seja, do quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, e bem assim a evolução das condições de vida do condenado até ao presente – num juízo reportado ao momento em que importa decidir -, em ordem à decisão de revogar ou não a suspensão da execução da pena.”
Ora, nos caso em que findo o prazo de suspensão da execução da pena estiver pendente processo por crime que possa implicar a respectiva revogação, ou estiver a decorrer incidente pelo incumprimento de deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e quando não haja lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão (artigo 57.º, n.º 2, do C. Penal).
Na hipótese dos autos foi precisamente essa a situação que se verificou.
Com efeito, findo o prazo de 3 anos de suspensão de execução da pena constatou-se que o recorrente tinha um processo pendente pela prática, no decurso da suspensão, de um novo crime de roubo.
Acresce que somente em 18 de Janeiro de 2024 transitou em julgado a decisão condenatória em tal processo proferida em 11/05/2023, pelo que antes da mencionada data nunca poderia ter a pena sido declarada extinta, precisamente porque se encontrava pendente processo em que era imputado ao arguido a prática de crime no decurso do prazo de suspensão de execução da pena de prisão.
É certo, ainda, que decorrido o prazo de suspensão o recorrente não havia comprovado nos autos ter procedido ao depósito da quantia de €400, a fim de a mesma ser entregue a instituição de solidariedade social – condição fixada à suspensão de execução da pena; por outro lado, dos relatórios sociais apresentados também não resultava um verdadeiro investimento por parte do arguido relativamente ao respectivo cumprimento, designadamente não demonstrando sérios propósitos de alteração do seu modo de vida, mantendo-se a maior parte do tempo desempregado (com excepção de pequenos períodos de tempo em que conseguia trabalho, o que se traduzia na curta duração de tais ocupações laborais) e sem ter, de qualquer forma, procurado diligenciar por melhorar as suas competências académicas a fim de aumentar as oportunidades de empregabilidade e assegurar autonomia financeira.
Contudo, face à circunstância de existir a notícia da prática de crime no decurso do prazo de suspensão de execução da pena, foi prudente e justificado aguardar-se o desfecho de tal processo, antes de ser proferida qualquer decisão.
Ou seja, não assiste qualquer razão ao recorrente para vir invocar que entre o fim do prazo da suspensão de execução da pena e a decisão em recurso – isto é, entre Julho de 2023 e Janeiro de 2025 – decorreu um longo período de tempo o que, só por si, constituiria fundamento para a não revogação da pena de substituição.
Na verdade, constata-se que o realmente sucedido, apesar de não ter existido expressamente uma decisão nesse sentido, foi uma prorrogação do período de suspensão da execução da pena ao abrigo do disposto no art. 57º, 2 do CPenal.
Com efeito, do exame dos autos constata-se que decorrido o prazo de suspensão de execução da pena não havia transitado em julgado a sentença proferida no âmbito do processo nº 27/22.1... e, por outro lado, o arguido não havia cumprido, até esse momento, a condição de pagamento de quantia monetária associada à suspensão.
Acresce que, posteriormente, a diligência de audição do recorrente, que foi inicialmente agendada para ... – note-se que aos autos apenas foi comunicado o trânsito em julgado da sentença proferida no processo nº 27/22.1..., em ... de ... de 2024 – foi sucessivamente adiada por efectiva falta de comparência do arguido ou do seu mandatário, se bem que por motivos considerados justificados, apenas se realizando em ... de ... de 2024.
Ou seja, tudo para dizer que não se mostra excessivo o prazo decorrente entre o fim do período de suspensão de execução da pena de prisão e a data da revogação da aludida pena de substituição, não se estando assim perante qualquer inconstitucionalidade normativa, por violação do disposto 20.º, n.º 4 da CRP; pelo contrário, a decisão em causa foi proferida em prazo razoável.
Aliás, na data da decisão de revogação da suspensão de execução da pena, nem sequer havia ainda decorrido o prazo máximo de duração da suspensão previsto no art. 50º, 5 do CPenal, sendo o próprio recorrente que alude à necessidade de não ser excedido o mencionado prazo máximo até à decisão de revogação da pena de substituição. Com efeito, tal prazo máximo apenas se verificaria em 06/06/2025.
Já no que tange concretamente aos fundamentos da revogação da suspensão da execução da pena deve dizer-se que, também neste segmento, não assiste razão ao recorrente.
Com efeito, verifica-se que, como referido na decisão recorrida, o recorrente, no decurso do período da suspensão, cometeu novo crime de roubo, sendo certo que em tal processo foi sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, medida que incumpriu e que levou ao respectivo agravamento, com a colocação de aparelho de vigilância electrónica.
Refere o recorrente que o crime por que foi condenado no último processo não é da mesma gravidade daquele em causa nos autos, o que na sua perspectiva deveria ter levado a que a pena de substituição aqui aplicada não fosse revogada.
Também sem razão.
Na verdade, o recorrente, mesmo depois de ter sido condenado em diversas penas suspensas – para além daquela em causa nos autos já lhe foi aplicada a mesma pena de substituição em 2 outros processos – no decurso dos períodos de suspensão quer da pena em causa nestes autos, quer daquela aplicada no processo nº 809/20.9..., cometeu o crime de roubo por que foi condenado, em pena de prisão efectiva, no processo nº 27/22.1...
Isto é, já em tal processo se considerou não ser possível efectuar um juízo de prognose no sentido de que a simples ameaça de prisão seria suficiente para afastar o condenado da prática de novos crimes. Por outro lado, e como resulta do que supra já se disse, mesmo sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, o arguido continuou a manter o mesmo tipo de vida desfasado da consideração da validade dos bens jurídicos comunitários, nada fazendo para adquirir competências que lhe permitissem não voltar a delinquir. Permaneceu, de facto, a residir com a sua mulher e filhos em habitação precária e sobrevivendo de apoios sociais.
É certo que o mesmo foi cumprindo minimamente o plano de reinserção, comparecendo às entrevistas com a técnica da DGRSP, mas sem mostrar qualquer vontade séria de alterar o seu percurso de vida, de que dão nota os factos em causa no processo nº 27/22.1...
Na verdade, como resulta dos factos apurados no predito processo, o recorrente e os seus co-arguidos, entretiveram-se, com toda a leviandade, a contratar serviços de restauração, com o propósito de não pagarem, fazendo uso de violência para obrigarem a pessoa que lhes foi levar os bens alimentares a entregá-los sem o correspondente pagamento.
Ou seja, não é nitidamente o tipo de procedimento expectável de quem se encontra em cumprimento de uma pena de prisão suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, com o qual se pretendia, precisamente, uma alteração do modo de vida do arguido, na tentativa de o afastar do tipo de comportamentos que têm estado na origem das suas condutas delituosas.
Ora, o recorrente não tem realizado qualquer efectivo esforço ou demonstrado sequer empenhamento, designadamente permanecendo num dos empregos que foi conseguindo obter, mas onde se mantém por curtíssimos períodos de tempo. A tudo isso acresce que o recorrente também não procedeu à entrega em tribunal da quantia de €400,00, que havia sido fixada como condição da suspensão da execução da pena, nada alegando que justificasse o incumprimento dessa condição. Aliás, da respectiva audição até decorre que o arguido não se preocupou minimamente com o respectivo cumprimento – de resto, corroborando o seu alheamento dos ditames da ordem jurídica também patenteado no desinteresse em permanecer nas actividades laborais que foi conseguindo arranjar, a fim de por essa forma poder obter quantia monetárias que lhe permitissem o pagamento do montante fixado como condição de suspensão da execução da pena.
Diga-se, retomando raciocínio já previamente aflorado, que também não convence o argumento do recorrente que sublinha que a pena aplicada no aludido processo nº 27/22.1..., já se mostrava cumprida quando foi proferida decisão a revogar a pena de substituição aplicadas nestes autos. Desde logo, deve dizer-se que, diferentemente do que é referido pelo recorrente na motivação do recurso, a pena aplicada no dito processo nº 27/22.1... foi a de prisão efectiva e não a de prisão a cumprir em OPHVE.
Com efeito, dado que no dito processo o arguido tinha sido sujeito à medida de coacção de OPHVE, aquando do trânsito em julgado da sentença proferida – ... –, já a pena aplicada se encontrava cumprida, atento o funcionamento do instituto do desconto previsto no art. 80º, 1 do CPenal.
Isto é, em tais autos o arguido não chegou a cumprir autonomamente a pena de prisão efectiva que lhe tinha sido aplicada – esse cumprimento resultou, de facto e como dito, da aplicação do desconto – face ao período de tempo em que o arguido esteve sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação e à duração da pena aplicada, a mesmo foi integralmente cumprida dessa forma. Como já enfatizado, dos citados autos decorre que sujeito a medida privativa da liberdade, o recorrente incumpriu-a determinando o agravamento das condições da respectiva execução, ficando sujeito à vigilância electrónica anteriormente inexistente.
Ou seja, o recorrente não tem sabido aproveitar as sucessivas oportunidades que lhe têm vindo a ser concedidas, demonstrando grande indiferença perante as advertências que lhe têm sido transmitidas relativamente à necessidade de alteração dos comportamentos delituosos que tem vindo a assumir.
Ora, sendo assim e também porque o tribunal da última condenação, que é aquele que possui os elementos mais actualizados sobre a personalidade do arguido, considerou que unicamente a pena de prisão efectiva era a indicada para satisfazer as necessidades preventivas que no caso se verificavam, nada há a censurar à decisão objecto de recurso.
Aliás, tem-se mesmo vindo a entender – cfr. por exemplo P.P. Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 2ªed., p. 236 e Ac do STJ de 25/10/2016, proferido no processo nº 1233/12.2GBABF.E1, relatado por Ana Barata Brito – que “a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas
V- DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso confirmando-se a decisão proferida.
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Custas pelo recorrente, com taxa de Justiça que se fixa em 3 Ucs – cfr. art. 513º do CPPenal.
Notifique.
Lisboa, 20 de Novembro de 2025
Rosa Maria Cardoso Saraiva
Maria de Fátima Marques Bessa
Nuno Matos