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AUTORIA
CUMPLICIDADE
LENOCÍNIO
PERDA DE VANTAGENS
Sumário
I. A autoria e a cumplicidade são formas de comparticipação criminosa com contornos perfeitamente distintos entre si. É a ausência de domínio do facto que diferencia a cumplicidade da autoria. II. Provou-se que os arguidos se dedicavam à exploração de um bar, também de «alterne», no qual mulheres por eles angariadas aliciavam clientes a pagar-lhes bebidas mediante uma comissão. Os arguidos cediam o espaço do bar e controlavam horários e consumos. As mulheres tinham relações sexuais e/ou atos sexuais de relevo com clientes, remunerados, para o que usavam quartos que se situavam no andar superior e num anexo, com o consentimento dos arguidos, que cediam, de forma onerosa, os espaços onde era desenvolvida tal prática de prostituição, fiscalizada por um sistema de videovigilância que lhes permitia monitorizar a atividade ali desenvolvida; como retribuição pelos atos de prostituição as mulheres pagavam aos arguidos um valor diário que se situava entre 20/30 euros. Neste contexto, os arguidos tinham intervenção direta na exploração do estabelecimento, praticando as atividades típicas previstas no artigo 169.º, nº 1 do Código Penal, de fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição. Os arguidos tomavam a execução nas «suas próprias mãos», deles e só deles dependendo o «se» e o «como» da realização típica, ou seja, o domínio do facto, do qual eram os «senhores» e não meros auxiliares. III. A Lei 5/2002, de 11.01, insere-se no âmbito do combate à criminalidade organizada e económico-financeira e estabelece regimes especiais em determinadas matérias, designadamente quanto à perda de bens a favor do Estado, para os crimes catalogados no seu artigo 1.º, que considera integrarem criminalidade organizada e económico-financeira para efeitos da sua aplicação. Na al. p) desse artigo 1º, incluiu o legislador o crime de lenocínio, praticado de forma organizada, nos termos do nº 2 da mesma norma. Para efeitos deste preceito, a prática do crime de forma organizada é algo que se distingue da simples comparticipação criminosa, indo além dela, mas sem chegar a atingir o patamar da associação criminosa. IV. O perdimento dos bens deve incidir na vantagem ilíquida/bruta, correspondente ao valor recebido e não sobre a vantagem líquida, obtida depois de descontados os custos, designadamente os suportados com a própria atividade criminosa. Sendo o lenocínio uma atividade ilícita e penalmente censurável, inexiste justificação para a consideração das despesas/custos inerentes à sua prática, ou seja, à preparação e consumação do crime. Essas despesas não podem obter tutela legal com a sua dedução à receita obtida, a fim de se apurar o lucro, como se estivéssemos perante uma atividade lícita sujeita a tributação fiscal, pois tal redundaria na legitimação de condutas que também são ilícitas.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO
No processo comum coletivo nº 2/17.8ZRVCT.G1, do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., foram submetidos a julgamento os arguidos EMP01... Unipessoal Lda., AA, BB, CC e DD, todos com os demais sinais dos autos.
O acórdão, proferido e depositado a 18 de dezembro de 2024, tem o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, decidem as juízes que compõem o Tribunal Colectivo, alterando a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, julgá-la parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
1. Absolver a sociedade arguida EMP01... Unipessoal Lda. da prática do crime de lenocínio, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art. 11º, nº 2, 169º, nº 1 e 90º-A do Código Penal, de que vinha acusada.
Consequentemente não aplicar as penas de dissolução da sociedade ou de encerramento do estabelecimento previstas, respectivamente, no art. 90º-F e no art. 90º-L do Código Penal.
Sem custas, por não serem devidas.
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2. Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria material e concurso real, de:
2.1. Um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art. 183º, nº 1 e 2 da Lei nº 23/2007 de 04/07, com as alterações decorrentes da Lei nº 27/2022, de 21/10;
2.2. Um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º-A, nº 1, al. a) e h), nº 2 e nº 3, do Código Penal, de que vinha acusado.
Sem custas, por não serem devidas.
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3. Absolver o arguido BB da prática, em co-autoria material e concurso real, de:
3.1. Um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art. 183º, nº 1 e 2 da Lei nº 23/2007 de 04/07, com as alterações decorrentes da Lei nº 27/2022, de 21/10;
3.2. Um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º-A, nº 1, al. a) e h), nº 2 e nº 3, do Código Penal, de que vinha acusado.
Sem custas, por não serem devidas.
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4. Condenar o arguido AA:
4.1. Pela prática (entre Abril de 2017 e 22 de Setembro de 2019), em co-autoria material, de um crime de lenocínio p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
4.2. Ao abrigo do disposto pelos art. 1º, nº 1, al. p) e nº 2, 7º, nº 1 e nº 2 da Lei 5/02, de 11/01, a pagar ao Estado a quantia de € 297.016,56 (duzentos e noventa e sete mil e dezasseis euros e cinquenta e seis cêntimos), por se tratar de vantagem de actividade criminosa por ele perpetrada;
5. Condenar o arguido BB:
5.1. Pela prática (entre Abril de 2017 e 22 de Setembro de 2019), em co-autoria material, de um crime de lenocínio p. e p. pelo art. 169º, nº 1 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
5.2. Ao abrigo do disposto pelos art. 1º, nº 1, al. p) e nº 2, 7º, nº 1 e 2 da Lei 5/02, de 11/01, a pagar ao Estado a quantia de € 58.667,05 (cinquenta e oito mil seiscentos e sessenta e sete euros e cinco cêntimos), por se tratar de vantagem de actividade criminosa por ele perpetrada;
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6. Condenar o arguido CC:
6.1. Pela prática (desde data não apurada de 2019 e até, pelo menos, 22 de Setembro de 2019), como cúmplice, de um crime de lenocínio p. e p. pelo art. 169º, nº 1, na pena, especialmente atenuada, nos termos dos art. 27º, nº 2 e 73º, al. a) e b) do Código Penal, de 6 (seis) meses de prisão que, ao abrigo do disposto pelo art. 45º do mesmo diploma legal se substitui por 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), no montante de € 900 (novecentos euros);
6.2. Ao abrigo do disposto pelos art. 1º, nº 1, al. p) e nº 2, 7º, nº 1 e 2 da Lei 5/02, de 11/01, a pagar ao Estado a quantia de € 8.411,67 (oito mil quatrocentos e onze euros e sessenta e sete cêntimos), por se tratar de vantagem de actividade criminosa por ele perpetrada.
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7. Condenar o arguido DD pela prática (entre 17 de Outubro de 2018 e 22 de Setembro de 2019), como cúmplice, de um crime de lenocínio p. e p. pelo art. 169º, nº 1, na pena, especialmente atenuada, nos termos dos art. 27º, nº 2 e 73º, al. a) e b) do Código Penal, de 1 (um) ano de prisão, cuja execução se suspende pelo período de um ano, acompanhada de regime de prova.
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Consequentemente absolver os arguidos CC e DD da prática como co-autores do crime de lenocínio.
8. Condenar cada um dos arguidos AA, BB, CC e DD no pagamento das custas, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça - art. 513º, n.º 1 do CPP e art. 3º, nº 1, 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.
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9. Declarar, ao abrigo do disposto pelo art. 109 do Código Penal, perdidos a favor do Estado:
- Os telemóveis, os quatro lotes de cartões de consumo em branco, a quantia de € 415 (quatrocentos e quinze euros), o livro de reclamações, o terminal de pagamento multibanco (...), a quantia de € 320 (trezentos e vinte euros), o computador da marca ... modelo ... e respectivo carregador, o lote de cartões de consumo vazios, o PC da marca ... e respectivo carregador, o PC da Marca ..., com o nº ...01, e respectivo carregador, o PC marca ... (touch) apreendidos no bar na busca de fls. 820 a 823;
- Os objectos que compõem o recheio do imóvel, descritos a fls. 1008 e 1009 e a fls. 1083 a 1084;
- Os dildos, preservativos e frascos de gel lubrificante apreendidos.
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10. Ordenar o levantamento da apreensão e a restituição:
- Ao arguido AA dos objectos e quantia monetária (no valor de € 945) descritos no auto de busca e apreensão de fls. 677 a 681 (devendo, dos documentos de fls. 681 a 764, ser deixada cópia em seu lugar);
- A EE dos objectos apreendidos no auto de busca fls. 767 a 769, à excepção dos documentos juntos aos autos a fls. 770 a 795 que, por serem meio de prova, permanecerão nos autos;
- Ao arguido BB dos objectos apreendidos nos autos de apreensão de fls. 804, 805 e 807;
- Ao arguido DD dos telemóveis apreendidos a fls. 813 e 814;
- Ao arguido CC do telemóvel apreendido a fls. 818;
- Ao arguido BB da capa cinzenta contendo documentos da sociedade EMP02... Lda.;
- Ao arguido AA da capa amarela contendo documentos da sociedade EMP03....
- A cada uma das proprietárias identificadas no ponto VIII supra, os equipamentos informáticos e valores monetários ali indicados.
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Cada um dos visados será notificado para proceder ao respectivo levantamento, no prazo máximo de 60 dias, findo o qual, se não o fizer, os objectos e valores mencionados serão considerados perdidos a favor do Estado.
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11. Manter, ao abrigo do disposto pelo art. 12º da Lei 5/2002 de 11/1, o arresto dos seguintes bens e valores:
11.1. Do arguido BB:
- dos veículos automóveis de matrícula ..-VG-.. e de matrícula ..-..-PL, identificados a fls. 1821 verso do apenso de arresto;
- do imóvel composto por casa de habitação, rés-do-chão e anexo, sito em ..., ..., ... e ..., registado sob o artigo ... U com os dados de identificação de fls. 1822 do mesmo apenso;
- das contas bancárias do Banco 1... nº ...70 e da Banco 2... nº ...00, mencionadas a fls. 1822 verso do mesmo apenso.
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11.2. Do arguido AA:
- dos veículos de matrícula ..-..-SE, ..-PQ-.., ..-EE-.. e ..-GC-.., identificados sob o nº 15 a fls. 1824 do respectivo apenso;
- do imóvel composto por casa de habitação, rés-do-chão e anexo, sito em ..., ..., ... e ..., registado sob o artigo ... U, com os dados de identificação de fls. 1825 verso do mesmo apenso;
- das contas bancárias da Banco 2... nº ...00, nº ...30 e nº ...30, mencionadas a fls. 1826 do mesmo apenso.
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11.3. Do arguido CC:
- do veículo automóvel de matrícula ..-..-SG, identificado a fls. 1827 ao apenso de arresto;
- das contas bancárias do Banco 3... com o nº ...20, do Banco 4... com o nº ...64 e da Banco 2... com o nº ...30, identificadas a fls. 1828.
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Mais se determina que, após trânsito, se:
- Remetam boletins à D.S.I.C da DGSJ;
- Cumpra o disposto pelo art. 494º, nº 3 do Código de Processo Penal solicitando aos serviços da Direcção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais que, em 30 dias, procedam à elaboração do plano de readaptação relativo ao arguido DD;
- Seja comunicada ao Gabinete de Recuperação de Activos e ao Gabinete de Administração de Activos a presente decisão, atento o disposto pelo art. 17º da Lei º 45/2011, de 24 de Junho.
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Para efeitos do artigo 80º do Código Penal consigna-se que o arguido BB foi detido a 22 de Setembro de 2019 e libertado a 23 de Setembro de 2019 e que nenhum dos demais arguidos sofreu qualquer período de privação da liberdade à ordem dos presentes autos.
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Todos os arguidos se mantêm sujeitos às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência que cada um deles prestou, que apenas se extinguem com a extinção da pena – art. 214º, nº 1, al. e) do Código de Processo Penal.
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Notifique, sendo a sociedade arguida notificada na pessoa de FF, sua representante legal.
Deposite.»
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Inconformados, os arguidos AA e BB interpuseram recurso, apresentando a competente motivação que rematam com as seguintes conclusões:
1. «Salvo melhor entendimento, o acórdão, ora posto em crise, merece censura, quer quanto ao enquadramento jurídico dos factos, quer quanto à dosimetria da pena de prisão aplicada.
2. Verifica-se também erro de julgamento da matéria de facto, com recurso à prova gravada, em conformidade com o disposto no artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP, quanto aos factos provados sob os pontos 12, 14, 17, 22, 24, 45 e 46, da matéria de facto provada. Com efeito, o tribunal a quo valorizou excessivamente o testemunho de GG, cujo depoimento foi titubeante, hesitante, vacilante e contraditório, como decorre e se afere do respetivo depoimento gravado na plataforma Citius.
3. Ouvido o depoimento da testemunha, esta, ao minuto 08:30, começa por declarar que já não se lembra se pagava um valor pelo quarto, que levava clientes para o quarto e não se recorda de quanto recebia dos quartos, para, a final, declarar que se não fizesse programa nada pagava à casa e dormia na mesma no quarto, o que se encontra em contradição com o depoimento das restantes testemunhas.
4. Destarte, compaginando as declarações das testemunhas prestadas em juízo, verifica-se que o Tribunal a quo não poderia dar por provado os factos constantes do itens 12 e 14, ou seja, de que os arguidos recorrentes desenvolviam para além da atividade de “alterne” a prostituição feminina, com vista à obtenção de proventos económicos e de que os quartos para além de serem utilizados para alojar as mulheres que trabalhavam no bar, serviam também para estas receberem os clientes do bar para a prática de actos sexuais remunerados.
5. Do mesmo modo o consignado no ponto 17 da matéria de facto provada também não tem respaldo na prova efetivamente produzida de modo a considerar-se provado que cabia aos recorrentes fiscalizar a atividade das mulheres que contratavam e estipular o valor que cobravam pelos serviços por elas prestados.
6. Na verdade, o que os arguidos estipulavam era o valor que as mulheres que ali se dedicavam ao “alterne” recebiam das bebidas que os clientes lhes pagavam, correspondente a 50% do respetivo valor (cf. item 101 dos factos provados).
7. Dos autos decorre que as mulheres pagavam um valor entre 20€ e 30€ pela ocupação dos quartos não recebendo os arguidos/recorrentes qualquer quantia da prática de actos sexuais de relevo alegadamente remunerados.
8. Acresce que a hospedagem das mulheres, para além de ser comunicada, ao tempo, ao SEF, através do sistema de informações de boletins de alojamento (SIBA), também era contabilizada na contabilidade da sociedade que explorava o alojamento local, sendo pagos os respetivos impostos.
9. Aliás, como retribuição da ocupação dos quartos, as mulheres que ali “alternavam” pagavam um valor diário que oscilava entre os vinte e os trinta euros exclusivamente pela ocupação dos quartos onde se hospedavam e utilizavam quer para dormir, quer para mudarem de roupa e ainda para guardarem seus objetos e bens pessoais.
10. De facto, nas diversas fiscalizações efetuadas entre 30 de novembro de 2016 e 22 de setembro de 2019, apenas no dia 22 de setembro de 2019, se encontrava num dos quartos HH, acompanhada por II, parcialmente vestidos.
11. Ora, sucede que, por um lado, se na verdade as mulheres que ali alternavam se dedicavam à prostituição nos quartos por elas ocupados, nas diversas fiscalizações teriam sido detetados outros quartos ocupados por casais. O que não sucedeu, em virtude de se tratar de um bar de alterne. Por outro lado, sendo a prática da prostituição uma expressão da livre disponibilidade da sexualidade individual, as mulheres que ali se dedicavam ao “alterne”, se voluntariamente se deslocassem ao quarto, onde se encontravam hospedadas, na companhia de indivíduos do sexo masculino, tal corresponderia à utilização de uma dimensão especificamente íntima das mesmas, para fins delas próprias e não para terceiros, com intuito de aproveitamento económico, dado que as mesmas pagavam apenas o alojamento.
12. O Tribunal a quo não dispunha, assim, de suporte probatório que lhe permitisse considerar provados os factos narrados em 12, 14, 17, 22, 24, 45, 46, da matéria de facto provada.
13. Pelo que, deve ser alterada a resposta dada aos sobreditos factos constante da matéria de facto provada de molde a que deles conste como não provado que as mulheres se dedicavam à prostituição e que os arguidos estabeleciam o respetivo preço a cobrar, com intuito lucrativo.
14. Só a verificação dos elementos constitutivos objetivos e subjetivos é passível de integrar o preenchimento do tipo legal incriminador e sendo que os arguidos não tinham qualquer domínio sobre o que as “alternadeiras” praticavam nos quartos onde se alojavam, impõe-se a sua absolvição.
15. Acresce o a acórdão recorrido não fundamenta as razões da descredibilização das declarações da testemunha HH que alegou ali se encontrar a conversar com a testemunha II. Não se encontra qualquer facto objetivo ou regra da experiência comum que afaste as declarações da testemunha que afirmou não estar no quarto para praticar actos sexuais de relevo.
16. Falta de fundamentação que implica a nulidade da sentença (art.º 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2 do C. P. P.). Nulidade que expressamente invocam, com todas as consequências legais.
17. Do exposto decorre que o Tribunal a quo valorou, no sentido da acusação, os depoimentos das testemunhas, extraindo dos mesmos, presunções de que os arguidos favoreciam a prática da prostituição pelas mulheres que ali “alternavam”.
18. O princípio da presunção de inocência isenta os arguidos do ónus de provar a sua inocência, a qual aparece imposta (ou ficcionada) pela lei, sendo a sua culpa que carece de prova, concentrando a lei o esforço probatório na acusação. Do aludido princípio da presunção de inocência do arguido (embora não exclusivamente dele), decorre também o princípio in dubio pro reo. O princípio in dubio pro reo é, pois, um princípio geral, estruturante do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, assumindo, como tal e como qualquer outro princípio jurídico, a natureza de uma questão de direito.
19. Destarte, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo formulou “pré-juízos”, orientados no sentido da tese da acusação e que conduziram à violação do princípio in dubio pro reo, ainda que indiretamente, uma vez que o non liquet que, à partida, poderia existir no fim da audiência de julgamento, atendendo às provas aí produzidas e aos argumentos aí expendidos não existiu, por força dos referidos “pré-juízos” orientados no sentido da tese da acusação.
20. Pois, no que se refere aos factos apurados em 12, 14, 17, 22, 24, 45 e 46, afigura-se-nos que resultam de erro na apreciação da prova, que incidiu sobre os factos, dado que não têm suporte na prova produzida em audiência de julgamento, nem nos elementos de prova constantes dos autos.
21. Verifica-se a omissão de fundamentação quanto aos factos supra aludidos, o que determina a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto nos art.º. 379.º n.º 1 als. a) e b) e 374.º n.º 2 do C.P. Penal, que expressamente invoca, com todas as consequências legais.
22. Do exposto decorre que o tribunal a quo não dispunha de elementos probatórios que lhe permitisse extrair as conclusões que extraiu. Pelo que, ao considerar que os arguidos/recorrentes praticaram o crime de lenocínio, excedeu também os limites imposto pelo artigo 127.º, do C.P.P., dado que, em direito penal, a prova para condenação deve ser plena, do mesmo passo que a dúvida determina a absolvição, sendo este o efeito necessário da presunção de inocência.
23. No que respeita o crime de lenocínio podemos distinguir entre lenocínio principal quando se trata de fomentar a prostituição ou actos sexuais de relevo e lenocínio acessório quando se trata de favorecer ou facilitar a prostituição ou actos sexuais de relevo.
24. Da matéria de facto provada não resulta que os arguidos/recorrentes hajam fomentado a prostituição das mulheres que alternavam no seu estabelecimento de diversão noturna, limitando-se, pois, a favorecer ou facilitar a prática eventual de tais actos. Pelo que a culpa não é acentuada, podendo a atuação dos arguidos enquadrar-se no ilícito previsto no n.º 1 do artigo 169.º, do Código Penal, a título de mera cumplicidade.
25. A condenação dos arguidos/recorrentes pela prática, a título de cumplicidade pela prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169.º, n.º 1, do Cód. Penal, conjugado com os artigos 14.º, n.º 1, e 26.º do Código Penal, numa pena suspensa na sua execução, seria suficiente para garantir todas as finalidades da punição.
26. O tribunal a quo pronunciou-se relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos constantes dos respetivos CRC, dos quais não podia tomar conhecimento, o que configura uma nulidade da sentença nos termos previstos na al. c), in fine, do n.º 1, do art.º 379º do CPP.
27. Ou seja, tendo em consideração os CRC dos arguidos nos termos em que foram emitidos, a decisão recorrida viu contaminada as operações de determinação da escolha da pena, a determinação da medida da pena e a determinação de eventual pena de substituição. Pois,
28. A anterior condenação no âmbito do processo 472/13.3GAPTB, não podia ser valorada na medida em já se encontrava extinta há mais cinco anos pelo respetivo cumprimento, sendo que as penas aplicadas aos arguidos/recorrentes foram declaradas extintas, pelo seu cumprimento, em 10 de outubro de 2018, não devendo, por isso, constar do registo criminal – cf. doc. 1 e 2.
29. Nos termos a lei, as decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal decorridos 5 anos da extinção da medida de segurança e da pena, quer de multa, quer de prisão, se estiverem decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza, como sucede no presente caso.
30. Assim, a valoração dos antecedentes criminais dos arguidos recorrentes através do certificado de registo criminal não podia ter tido a relevância jurídica que acabou por ter na condenação.
31. A Lei n.º 37/2015, de 5 de maio é cristalina ao determinar o cancelamento dos registos criminais pelo decurso de determinado prazos sobe a data da extinção das penas. Sendo, assim, o cancelamento dos registos uma imposição legal – desde que verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento – o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido.
32. Face ao disposto no art.º 11º da aludida lei e confrontando com a informação que se encontra inscrita no certificado de registo criminal dos recorrentes, verifica-se a pena aplicada no processo 472/13.3GAPTB, já se encontrava extinta há mais de cinco anos. Razão pela qual não podia aquela anterior condenação ser valorada pelo Tribunal a quo para aplicação da medida e forma de execução da pena, o que se verificou.
33. Destarte, foi violado o disposto no artigo 11º da referida Lei 37/2015, de 5 de maio, e bem assim o princípio constitucional da igualdade, previsto no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que permite distinguir um arguido de um outro ujo certificado de registo criminal, nas mesmas condições, se encontra devidamente limpo.
34. Ao fazê-lo, o Tribunal incorreu na nulidade da sentença por violação dos art.ºs 1º, 2.º, e 18º, da C. R. P. e dos art.ºs 379º, n.º 1, al. c) do C.P.P., e art.ºs 40º, n.º 1, 70º, n.º 1 e 50º, n.1, do Cód. Penal – neste sentido Ac. Tribunal da Relação de Évora, de 10/05/2016 e Ac. Relação de Coimbra, de 13/05/2017, in www.dgsi.pt.
35. Verificando-se um desrespeito pela proibição de valoração da prova, e consequente nulidade da decisão, impondo-se a prolação de uma nova decisão que não pondere tal elemento.
36. Os arguidos/recorrentes vêm arguir a inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal Coletivo, na interpretação que nele se faz do disposto nos art.ºs 70º e 71º do Cód. Penal, por violação do art.º 13º, n.º 1, 26º, n.º 2, 29º, n.º 5, todos da C. R. P. e no art.º 11º da Lei 37/2015, de 5 de maio.
37. Prescreve o art.º 71º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal que na determinação da medida concreta da pena, deve atender-se à conduta do agente, anterior e posterior ao facto. Todavia, tal análise à conduta dos arguidos não pode incidir sobre factos que já deveriam estar cancelados no seu registo criminal, sob pena de se verificar uma violação dos art.ºs 13º, 26º, n.º 2 e 29º, n.º 5 da C. R. P.
38. Ao atuar de tal forma – ponderando factos que já deviam de estar cancelados no registo criminal – o tribunal a quo faz uma interpretação inconstitucional do art.º 71º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na medida em que embora a C. R. P. preveja que a lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
39. A lei impõe o cancelamento de tal informação no registo criminal – cf. al. a), do n.º 1 do art.º 15º da lei 37/2015 de 5 de maio – a verdade é que o tribunal a quo utiliza tal informação por via da al. e) do n.º 2 do art.º 71º do Cód. Penal, fazendo assim uma interpretação manifestamente inconstitucional desse normativo. Violando, com a interpretação que faz da al. e) do n.º 2 do art.º 71º do Cód. Penal, os art.ºs 13º, 29º, n.º 5 e 30, n.º 5, da C. R. P.
40. Considerando o supra exposto e concatenando com os factos provados, verifica-se a ilicitude não é elevada e a aplicação de uma pena suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou regime de prova, seria suficiente para garantir todas as finalidades da punição.
41. Destarte, reafirma-se, considerando a modalidade da ação imputada aos arguidos/recorrentes, traduzida na prova resultante da discussão de julgamento, a ilicitude mostra-se diminuída, atenta, reafirma-se, a atuação dos arguidos limitar-se a favorecer e facilitar a eventual prática de actos sexuais de relevo pelas mulheres que alternavam no estabelecimento.
42. A suspensão da execução da pena, trata-se de um poder-dever que o tribunal tem sempre de usar desde que verificados os necessários pressupostos, um de ordem formal e que consiste em a pena de prisão não ser superior a 5 anos e outro de ordem material, e que consiste em o tribunal concluir que, face à personalidade dos arguidos, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
43. No presente caso, verifica-se o pressuposto de ordem formal: os arguidos foram condenados numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão. E, no que ao pressuposto material se refere, é inequívoco que o mesmo se verifica dado que arguidos, não obstante a existência de antecedentes criminais, que, pelas razões supra expostas, não podiam ser tidos em consideração, mantiveram e mantêm um comportamento impoluto após a ocorrência dos factos que originaram o presente processo, há já mais de cinco anos.
44. Para efeitos da suspensão da execução de pena de prisão o que releva é a existência de uma prognose social favorável, ou seja, a esperança, (que no presente caso se reconduz a certeza, face aos teores dos respetivos relatórios sociais), de que sentirão a sua condenação como uma advertência e que de futuro não cometerão nenhum crime e, relativamente aos recorrentes, o juízo de prognose social favorável decorre, designadamente, da inexistência de qualquer notícia de crime após setembro de 2019 e, portanto, há mais de cinco anos.
45. É evidente que o tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza. Ou seja, ninguém pode assegurar que um arguido a quem é aplicado o instituto da suspensão da execução da pena de prisão não venha, de futuro, e mesmo no decorrer do período da suspensão, a cometer um novo crime. Há sempre que correr algum risco, embora um risco calculado. Na prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.
46. É, destarte, possível efetuar um juízo de prognose favorável. Esse prognóstico consiste na esperança de que o agente ficará devidamente avisado com a sentença e não cometerá nenhum outro crime. Assim, a suspensão da execução da pena de prisão, encontrar-se-á suficientemente justificada numa perspetiva de prevenção especial e não colide com as exigências de prevenção geral, sendo, consequentemente, de suspender a execução da pena de prisão inferior a cinco anos a impor aos arguidos/recorrentes, em relação aos quais o juízo de prognose é manifestamente favorável.
47. No que se reporta à perda de vantagens, o acórdão merece também censura, dado que, não obstante a declaração da perda de vantagens ser uma consequência necessária da prática de factos que constituam ilícito criminal. Todavia, apesar da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, que estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, abranger no seu artigo 1.º, n.º 1, al. m) o crime de lenocínio, é necessário que se prove tratar-se de criminalidade organizada e in casu nenhum facto resulta provado de que se tratava de criminalidade organizada e/ou económico-financeira.
48. Na verdade, o “alterne” não é punido e a prostituição livremente praticada decorre sempre de contacto direto entre duas pessoas, e entender-se que os arguidos em virtude de receberem o valor da hospedagem por parte das mulheres, obtiveram lucro da prática, por estas, de actos sexuais de relevo, tal realidade não configura criminalidade organizada.
49. Acresce que, se, por um lado, a lei estabelecer uma presunção de constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito e entender que o património do arguido reconduz-se ao conjunto dos bens recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, a lei não prescreve a possibilidade de integrar o património nas datas posteriores à prática dos factos (22 de setembro de 2019), tendo sido, no entanto, contabilizados os últimos meses do ano de 2019, o ano de 2020 e o de 2021.
50. Acresce que resultou provado que as mulheres que alternavam auferiam 50% do preço das bebidas que os clientes do estabelecimento comercial lhes pagavam (item 101). Sendo contabilizados apenas os montantes movimentados nas contas dos arguidos a crédito, obviamente que metade do valor faturado no bar de “alterne” revertia para as alternadeiras.
51. Acresce ainda que para além do valor, correspondente a 50 % do preço das bebidas pagas pelos clientes, reverter para as “alternadeiras” eram também pagos salários a funcionários, efetuados pagamentos a fornecedores de bebidas, impostos, honorários a contabilista e pagas as despesas correntes de eletricidade, água e gás. Pelo que, o alegado apuramento de vantagens patrimoniais dos arguidos padece de erro de cálculo, sendo efetuados cálculos de valores que os mesmos nunca usufruíram de facto.
52. As alegadas vantagem posteriores a 22 de setembro de 2019, não podem ser contabilizadas por não encontrar fundamento legal para a declaração de perda de vantagem alegadamente obtidas em data posterior aos factos contantes da acusação.
53. Os autos demonstram que se verifica confusão de movimentos a crédito nas contas bancárias com obtenção ilícita de património, esquecendo-se que, a lei, em situação análoga, quanto à determinação de rendimentos por métodos indiretos, manda atender, entre outros, ao coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos diretos, aos custos presumidos em função das condições concretas do exercício da atividade e uma relação congruente e justificada entre factos apurados e a situação concreta do contribuinte, sendo que nada disso foi considerado e sopesado tendo todos os movimentos a crédito sido declarados alegados rendimentos – cf. art.º 90º, da Lei Geral Tributária.
54. Por fim, acresce que o património dos recorrentes arrestado, designadamente o imóvel onde funcionava o estabelecimento comercial, foi adquirido em data anterior aos cinco anos anteriores à constituição como arguidos nos presentes autos.
55. Destarte, devem os recorrentes ser absolvidos da perda ampliada de bens em que foram condenados.
56. Não obstante todo o supra exposto, sem prescindir, ainda que por mero dever de patrocínio, no que à medida concreta da pena respeita, entendemos que a mesma é manifestamente exagerada, sendo nítida a violação do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do C. P., pelo menos, em termos de culpa, extraída dos elementos de prova suprarreferidos.
57. As penas aplicadas aos arguidos de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de lenocínio , p. e p. pelo art.º 169º n.º 1, do Cód. Penal, não se filiam numa visão factual ponderada pela gravidade global dos factos e da culpa neles desenhada, sendo que na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da medida concreta da pena de prisão – não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição (suspensão da execução, sujeita a regime de prova), tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção.
58. A punição dos arguidos pela prática de um crime de lenocínio , p. e p. pelo art.º 169º n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão é manifestamente exagerada, não se filiando numa visão factual ponderada pela gravidade global dos factos e da culpa neles desenhada, sendo que toda a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta, significando este princípio não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas pressuposto-fundamento da validade da pena, mas afirma-se como limite máximo da mesma. Pois, a pena, além de dever ser uma retribuição justa do mal praticado, deve sobretudo contribuir para a reinserção social do agente, de modo a não prejudicar a sua situação senão naquilo que é necessário e deve dar satisfação ao sentimento de justiça e servir de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade.
59. Assim, em nome da justiça e da equidade, a entender-se que os arguidos praticaram um crime de lenocínio, a pena concreta deverá situar próximo do limite mínimo da moldura abstrata da pena, em 1 ano de prisão, a qual realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.
60. Tal pena de 1 ano de prisão deverá ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova. Destarte, apesar das exigências de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, que se fazem sentir, atentos os factos provados, e, sendo que as exigências de prevenção especial são diminutas, atenta a completa inserção socioprofissional e familiar dos arguidos, conforme decorre dos seus relatórios sociais, conclui-se que o prognóstico é, pois, relativamente aos recorrentes, positivo. Deve, assim, a pena de 1 ano ser substituída pela pena de suspensão da execução da pena ou outra não privativa da liberdade, em virtude das limitadas necessidades de prevenção especial. Foram violados os artigos 1.º, 2.º, 13.º, n.º 1, 18.º, 26.º, n.º 2, 29.º, n.º 5 e 30º, n.º 5 da C.R.P., 127.º e 374.º e 379 do C.P.P., 40.º, 50.º, 70.º, 71.º e 169.º, n.º 1, do Cód. Penal e art.º 11.º da Lei 37/2015 de 5 de maio.
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A Senhora Procuradora que República que representou o Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
Nesta Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer, igualmente no sentido de que o recurso não merece provimento.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer[1].
1. Questões a decidir (por ordem de precedência lógica):
A. Nulidade da sentença por falta de fundamentação factual (artigos 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal). B. Impugnação da matéria de facto; violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo. C. Forma de comparticipação nos factos: autoria ou cumplicidade. D. Nulidade da sentença, nos termos da al. c), in fine, do n.º 1, do artigo 379.º do Código de Processo Penal, por considerar antecedentes criminais respeitantes a penas extintas há mais de 5 anos, que já não deviam constar do registo criminal;
- inconstitucionalidade do acórdão recorrido, na interpretação que faz dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, 26.º, n.º 2 e 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e artigo 11.º da Lei 37/2015, de 5 de maio E. Medidas concretas das penas de prisão aplicadas aos recorrentes e possibilidade de suspensão da respetiva execução. F. Perda de vantagens (pressupostos e cálculo).
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2. Factos Provados
Segue-se a transcrição dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes do acórdão recorrido.
«1 - Os arguidos AA e BB são, desde ../../2013, proprietários do prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e ... andar, com anexo e logradouro, sito no Lugar ..., ..., na Freguesia ... (...), ..., em ..., conforme certidão predial de fls. 1225 e 1226.
2 - Mediante Alvará de Autorização de Utilização nº ...11 emitido pela Câmara Municipal ... em 24 de Junho de 2011, em nome de AA, na data proprietário do imóvel, foi autorizada a sua utilização como alojamento local, conforme Alvará junto a fls. 1227.
3 -Desde, pelo menos, 30 de Novembro de 2016 e até 22 de Setembro de 2019 que os arguidos AA e BB se dedicam, em comunhão de esforços, à exploração do estabelecimento comercial de bebidas e diversão nocturna instalado nesse edifício, inicialmente denominado “EMP04...” e, posteriormente, conhecido como “EMP05...”, “EMP06...” e, desde Março de 2020, como “EMP01...”.
4 - Para esse efeito os arguidos AA e BB constituíram, ao longo dos anos, diversas sociedades que exploraram o referido estabelecimento, localizado em ..., perto de ... e da fronteira com Espanha.
5 - Assim, em 27/04/2011, o arguido AA constituiu a sociedade “EMP04..., Lda.”, com sede no Lugar ..., ..., em ..., ..., cujo objecto era a exploração de actividade de hotelaria e de restauração e da qual era único sócio e gerente.
6 - Entre 21/11/16 e 18/5/2018, data em que essa sociedade foi dissolvida e a matrícula cancelada, foi seu gerente o arguido BB, conforme certidão permanente de fls. 408 a 414.
7 - Em 16/5/2018 foi constituída por JJ a sociedade “EMP03..., Unipessoal Lda.” com sede no Lugar ..., ..., em ..., ..., tendo como objecto social a exploração de actividades de hotelaria e restauração, figurando aquele como único sócio e gerente, conforme certidão permanente de fls. 415 e 416.
8 - Em 1 de Fevereiro de 2019 o arguido BB constituiu a sociedade “EMP02... - Unipessoal, Lda.”, com sede no Lugar ..., ..., em ..., ..., tendo por objecto a exploração de actividades de hotelaria e restauração, da qual foi o único sócio e gerente até 20 de Dezembro de 2019, data em que foi dissolvida e a matrícula cancelada, conforme contrato junto a fls. 789 a 791 e certidão permanente de fls. 189, 190 e 191 do Apenso A.
9 - Em 3 de Março de 2020 foi constituída a sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda.”, titular do NIF ...10, com sede no Lugar ..., ..., em ..., ..., cujo objecto social é a exploração de estabelecimentos hoteleiros, sem restaurante, e bares, a qual tem como sócia e gerente FF, conforme certidão permanente de fls. 1394.
10 - FF, nasceu a ../../1952 e é tia do arguido AA, conforme assentos de nascimento de fls. 611, 1422 e 1428.
11 - Apesar de figurarem como sócios e gerentes das sociedades “EMP03..., Unipessoal, Lda.” e “EMP01..., Unipessoal Lda.”, respectivamente, JJ e FF, nunca exerceram essas funções, as quais eram exercidas pelos arguidos AA e BB.
12 - No estabelecimento mencionado no ponto 3) os arguidos AA e BB desenvolviam a actividade de “alterne” e de prostituição feminina, com vista à obtenção de proventos económicos.
13 - Esse estabelecimento operava em três espaços articulados: um bar e salão, sitos no rés-do-chão, onde são recebidos os clientes e as mulheres oferecem os serviços de prostituição e/ou alterne e dois conjuntos de quartos, distribuídos pelo piso superior do edifício principal e um por anexo construído à direita do edifício principal.
14 - Esses quartos eram utilizados para alojar as mulheres que trabalhavam no bar, a maioria das quais oriundas de países da América do Sul, e para receberem os clientes do bar para a prática de actos sexuais remunerados.
15 - No estabelecimento os arguidos AA e BB instalaram um sistema de videovigilância composto por um conjunto de câmaras, exteriores e interiores, com a possibilidade de visualização remota que lhes permitia monitorizarem a actividade ali desenvolvida, conforme reportagem fotográfica de fls. 164 a 172 e de fls. 1087 a 1111 e relatórios periciais de fls. 9 a 12, 60 a 79 e 117 a 123 do Apenso B.
16 - Para o exercício da actividade de prostituição desenvolvida no mencionado estabelecimento os arguidos AA e BB contavam com a colaboração dos arguidos CC e DD, a quem davam ordens e instruções.
17 - Os arguidos AA e BB encontravam-se no referido estabelecimento, pelo menos durante o período nocturno, cabendo-lhes fiscalizar a actividade das mulheres que contratavam e estipular o valor que cobravam pelos serviços por elas prestados.
18 - O arguido BB, conhecido como “KK”, desempenhava ainda as funções de empregado de balcão durante o período nocturno, contactava os clientes e controlava a ocupação dos quartos, efectuando o registo e recebimento de todos os pagamentos efectuados ao balcão do bar através de dinheiro ou de multibanco.
19 - O arguido CC desempenhou, desde data em concreto não apurada do ano de 2019, e, pelo menos, até 22 de Setembro de 2019, funções como porteiro, controlando o acesso e entregando cartões de consumo a clientes, e, no bar, a servir bebidas e a recolher copos, prestando serviços indiferenciados inerentes às funções de empregado de bar e de mesa mediante uma remuneração, fixa, mensal.
20 - O arguido DD celebrou, a ../../2019, com a sociedade “EMP02...”, representada pelo arguido BB, um contrato de trabalho a termo certo para o exercício de “funções inerentes à categoria profissional de recepcionista de 2ª para o desempenho de funções de acolhimento dos hóspedes e demais clientes, prestando as informações necessárias sobre o estabelecimento; efectua reservas; assegura a inscrição dos hóspedes nos registos do estabelecimento; emite, apresenta e recebe as respectivas contas; efectua serviços de escrituração inerentes à exploração do estabelecimento, bem como as demais tarefas decorrentes da actividade do primeiro outorgante, que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas”, conforme contrato junto a fls. 872 e 873.
21 - Não obstante, desde, pelo menos 17 de Outubro de 2018, exercia funções nesse estabelecimento como empregado de bar, anotando nos cartões de consumo dos clientes o álcool consumido, registava os pagamentos dos valores do alterne e recebia valores devidos pelos clientes pela prática dos actos sexuais.
22 - Para o exercício da actividade referida os arguidos AA e BB contactaram várias cidadãs, principalmente oriundas da América do Sul, a maioria das quais de nacionalidade ..., que se dedicavam a manter relações sexuais remuneradas com homens.
23 - Esse estabelecimento operou, pelo menos, entre 30 de Novembro de 2016 e 22 de Setembro de 2019, diariamente, no período nocturno, entre as 22:00 horas e as 04:00 horas.
24 - Como retribuição pelos actos de prostituição que praticavam nos quartos do estabelecimento, as mulheres que ali trabalhavam pagavam aos arguidos AA ou BB um valor diário que oscilava entre os vinte e os trinta euros.
25 - No período compreendido entre 30 de Novembro de 2016 e 22 de Setembro de 2019 foram efectuadas diversas acções de fiscalização e/ou de vigilância àquele estabelecimento tendo sido detectada a presença de mulheres sul-americanas, algumas das quais em situação irregular no nosso país e que ali praticavam actos de prostituição e/ou de alterne, após terem sido para esse efeito contratadas pelos arguidos AA e BB.
26 - Assim, na fiscalização levada a cabo pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em 30 de Novembro de 2016, no estabelecimento então designado “EMP04...”, foram identificadas dez mulheres de origem estrangeira, conforme relatório operacional de fls. 11 a 14.
27 - Destas, não possuíam qualquer título que lhes permitisse entrar e/ou permanecer em Portugal - não sendo titulares de autorização de residência ou visto que lhes permitisse trabalhar em território nacional - as cidadãs brasileiras:
i. LL, nascida a ../../1980;
ii. MM, nascida a ../../1984, entrada em Portugal a 21/7/16, conforme relatório operacional de fls. 12 e auto de notícia de fls. 87;
iii. NN, nascida a ../../1980, titular de cartão de residência caducado há mais de dois anos, conforme documentos de fls. 158 a 160;
iv. OO, nascida a ../../1982, alvo de processo de afastamento coercivo de território nacional em curso na Delegação Regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de ... sob nº PAC9/12, conforme relatório operacional de fls. 12 e auto de notícia de fls. 87;
v. PP, nascida a 10 de Novembro 1981, notificada para abandonar voluntariamente o território nacional desde 13/02/2016, conforme relatório operacional de fls. 11 e auto de notícia de fls. 87.
28 - Na noite de 28 para 29 de Junho de 2017 inspectores do SEF efectuaram nova fiscalização ao mesmo estabelecimento tendo sido identificado um grupo de cinco mulheres de origem estrangeira, três das quais - QQ, RR e NN - permaneciam ilegalmente em território nacional, por não possuírem qualquer título que lhes possibilitasse entrar e/ou permanecer em território nacional, não sendo titulares de autorização de residência ou visto que lhes permitisse trabalhar em território nacional, conforme relatório operacional de fls. 111 a 113, documentos de fls. 114 a 146, de fls. 158 a 160 e auto de notícia de fls. 235.
29 - Em nova fiscalização realizada na noite de 31 de Janeiro para 1 de Fevereiro de 2018 foram identificadas a trabalhar naquele estabelecimento outras nove mulheres, seis das quais permaneciam irregularmente em território nacional, por não possuírem título que lhes permitisse entrar e/ou aqui permanecer, não sendo titulares de autorização de residência ou visto que as habilitasse a trabalhar em território nacional, tendo quatro delas – SS, TT, UU e VV – sido detidas, e duas – WW e XX – notificadas para abandonarem voluntariamente o território nacional, conforme relatório de operação de fiscalização de fls. 187 e 189, fichas de identificação de fls. 196 e 197, notificações de fls. 204 e 205 e autos de notícia de fls. 206 a 225.
30 - Em nova fiscalização, realizada a 17 de Outubro de 2018, ao mesmo estabelecimento, nessa ocasião a operar sob a designação “EMP05...” inspectores do SEF identificaram mais quatro mulheres estrangeiras que ali trabalhavam, duas das quais permaneciam irregularmente ou ilegalmente em Portugal, por não serem titulares de autorização de residência ou de visto que lhes permitisse trabalhar em território nacional, nomeadamente, a cidadã venezuelana YY, nascida a ../../1979, que se encontrava munida de um documento comprovativo de ter efectuado pedido de protecção internacional em Espanha, conforme relatório de fls. 283, ficha de identificação de fls. 295, notificação para abandono voluntário do território nacional de fls. 297 e documento de fls. 298.
31 - No âmbito dessas acções de fiscalização desenvolvidas pelo SEF sete das mulheres estrangeiras fiscalizadas foram detidas por permanecerem ilegalmente em território nacional e presentes a juiz para efeito de afastamento coercivo do território nacional.
32 - E foram instaurados contra a EMP04... Lda., os processos de contra-ordenação por emprego de mão-de-obra irregular registados sob os números ...20/..., que vieram a ser arquivados por pagamento voluntário da coima, conforme certidões de fls. fls. 83 a 96, 233 a 263 e 264 a 278, respectivamente.
33 - No dia 22 de Setembro de 2019, no mesmo estabelecimento, nessa data conhecido sob a denominação “EMP06...”, encontrava-se num dos quartos HH, cidadã portuguesa, com o cliente II, parcialmente vestidos, envergando aquela roupa interior preta transparente e encontrando-se o segundo em tronco nu e com as calças de ganga desapertadas, preparando-se para iniciar com ela relações sexuais remuneradas.
34 - Nessa data foram identificadas mais seis mulheres, quatro estrangeiras, sendo três de origem ..., nomeadamente a cidadã ... GG, que permanecia irregularmente em território português, conforme auto de notícia de fls. 1115 a 1116 e notificação para abandono voluntário do território nacional de fls. 1053.
35 - No mesmo dia 22 de Setembro de 2019 foi apreendido ao arguido BB:
a. A quantia de € 510 (quinhentos e dez euros) em numerário, que tinha nos bolsos das calças, conforme auto de revista e apreensão de fls. 804;
b. Um telemóvel da marca ..., modelo ..., conforme auto de apreensão de fls. 805;
c. O veículo da marca ... de matricula ..-VG-.., conforme auto de apreensão de fls. 806;
d. Seis pen-drives, conforme auto de apreensão de fls. 807.
36 - E, no interior da zona do Bar, na prateleira de cima do frigorífico:
i. um telemóvel da marca ...;
ii. um telemóvel da marca ...;
iii. um telemóvel da marca ...;
iv. um telemóvel da marca ...;
v. quatro lotes de cartões de consumo em branco;
37 - Na caixa registadora do bar foi apreendida a quantia de € 415 (quatrocentos e quinze euros), composta por quinze notas de vinte euros, onze notas de dez euros e uma nota de cinco euros, conforme auto de busca e apreensão de fls. 820 e ss.
38 - E, na prateleira inferior do balcão do bar:
- Um livro de reclamações;
- 14 cartões consumo usados com menções manuscritas (cf. fls. 824 a 829);
- Dois pedaços de papel com contactos telefónicos (cf. fls. 830);
- Um lote de cartões de consumo em branco;
- 68 talões de fecho da caixa, relativos à sociedade EMP02... (cf. fls. 831 a 842);
- Um documento indicando o PIN (código pessoal secreto) de um cartão emitido pela Banco 2... (cf. fls.843);
- Um cartão da Banco 2... com o nº ...18 (cf. fls. 844);
- Um cartão visa Banco 1... em nome de ZZ com o nº ...44 (cf. fls. 845);
- Um cartão de cidadão em nome de ZZ (cf. fls. 845);
- Dois pedaços de papel manuscritos (cf. fls. 846 e 847);
- Um terminal de pagamento multibanco (...);
39 - Na cabine do Disco Jockey no interior de uma carteira foram apreendidos:
- 30 notas de € 10 e uma nota de € 20, num total de € 320 (trezentos e vinte euros);
- Um talão de depósito da Banco 2... no valor de € 513,40 (cf. fls. 848);
- Um cartão de visita do Banco 1... em nome de AAA (cf. fls. 850);
- Um cartão do Ministério da Fazenda do Brasil em nome de BB (cf. fls. 851);
- Um cartão cliente “EMP07...” em nome da sociedade “EMP02..., Unipessoal, Lda.” (cf. fls. 851);
- Um cartão Visa da Banco 2... em nome de BB (cf. fls. 850);
- Um cartão Visa Electron do Banco 1... em nome de BB (cf. fls. 850);
- Um cartão “...” emitido pelas autoridades francesas em nome de BB (cf. fls. 850);
- Uma folha A4 com menções manuscritas (cf. fls. 849);
- Um pedaço de papel manuscrito contendo emails e passwords (cf. fls. 851);
- Um computador da marca ... modelo ... e respectivo carregador;
40 - Na entrada do acesso ao Bar:
- Nove cartões de consumo usados (cf. fls. 852 a 854);
- Um lote de cartões de consumo vazios;
- Um PC da marca ... e respectivo carregador;
41 - E, no escritório:
- Uma capa cinzenta contendo documentos da sociedade EMP02... Lda.;
- Uma capa amarela contendo documentos da sociedade EMP03...;
- Um PC da Marca ..., com o nº ...01, e respectivo carregador;
- Três cartões de empresa com respectivo NIF (cf. fls. 927);
- Um cartão multibando da Banco 2... da sociedade EMP03... com o nº ...17 (cf. fls. 927);
- Um recibo de entrega de documentos do IEFP em nome de AA (cf. fls. 928);
- Um carimbo da sociedade EMP03... (cf. fls. 929);
- Um carimbo com a menção “declaro que o valor debitado no cartão foi-me restituído em numerário” (cf. fls. 929);
- Vinte e sete folhas A4 de recibos de vencimento de trabalhadores da sociedade EMP03... (cf. fls. 930 a 956)
- Um recibo de vencimento em nome de AA (cf. fls. 957 a 960);
- Um mapa de análise de Projecção de Resultados mensal da sociedade EMP03... (cf. fls. 961);
- Uma ficha de intervenção nº 1256, em nome de BBB (cf. fls. 962);
- Uma ficha de aptidão para o trabalho da sociedade EMP02..., Lda. (cf. fls. 963);
- Catorze folhas A4 referentes à sociedade EMP03... (cf. fls. 965 a 978);
- Onze folhas A4 referentes à sociedade EMP04... (cf. fls. 979 a 989);
- Dezasseis talões de levantamento TPA agrafados a um extracto de Depósitos à Ordem (cf. fls. 990 a 1006);
42 - No interior do balcão foi apreendido um PC marca ... (touch), tudo conforme auto de busca e apreensão de fls. 820 a 823 e documentos de fls. 824 a 1006.
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43 - Nos quartos, foram encontrados e apreendidos:
- No quarto 1, um dildo, quinze preservativos, dois frascos de gel lubrificante;
- No quarto 5, ocupado por CCC, um dildo, um gel lubrificante, dois preservativos, e, dentro da sua carteira € 895 (oitocentos e noventa e cinco euros) em numerário;
- No quarto 6, ocupado por GG, 84 preservativos, um gel lubrificante, um caderno A5 com anotações manuscritas referentes a “dias”, “programas” e “bebidas” e, dentro de uma carteira, € 340 euros em numerário;
- No quarto 7, ocupado por DDD, um talão de caixa respeitante ao consumo de um espumante no valor de € 100 (cem euros); um talão de caixa referente ao consumo de um cocktail no valor de € 20 (vinte euros); quatro frascos de gel lubrificante e 89 (oitenta e nove) preservativos masculinos;
- No quarto 8, ocupado por HH, 69 (sessenta e nove) preservativos masculinos e um preservativo feminino, um computador portátil, modelo ..., cor de rosa, um dildo, um talão de caixa referente ao consumo de um cocktail no valor de € 20 (vinte euros) e, na sua carteira, € 150 (cento e cinquenta euros) em numerário;
- No quarto 9, ocupado por PP, em cima da cama, dentro de uma carteira, uma nota de € 50 (cinquenta euros), um Tablet da marca ..., de cor ..., 99 (noventa e nove) preservativos masculinos e 2 (dois) preservativos femininos, um talão de caixa referente ao consumo de um cocktail no valor de € 20 (vinte euros);
- No quarto 10, ocupado por EEE, 131 (cento e trinta e um) preservativos masculinos, duas embalagens de gel lubrificante e, dentro de uma carteira, € 150 (cento e cinquenta euros).
- E, no armário do corredor em frente ao quarto nº 8, foram encontrados e apreendidos 98 (noventa e oito) preservativos masculinos e um frasco de gel lubrificante, tudo conforme auto de busca e apreensão de fls. 1011 a 1014 e talões juntos a fls. 1015 a 1017.
*
44 - Entre o dia 30 de Novembro de 2016 e o dia 22 de Setembro de 2019 trabalharam no estabelecimento referido exercendo actividade de alterne e/ou de prostituição:
1. QQ, nascida a ../../1989, nacional do ...;
2. GG, nascida a ../../1985, nacional do ...;
3. FFF, nascida a ../../1986, nacional de Portugal;
4. RR, nascida a ../../1978, nacional do ...;
5. LL, nascida a ../../1980, nacional do ...;
6. MM, nascida a ../../1984 nacional do ...;
7. NN, nascida a 9/3/80 nacional do ...;
8. XX, nascida a ../../1957, nacional do ...;
9. YY, nascida a ../../1979, nacional da ...;
10. GGG, nascida a ../../1974, nacional de Espanha;
11. HHH, nascida a ../../1986, nacional de Espanha;
12. SS, nascida a ../../1984, nacional da República ...;
13. OO, nascida a ../../1982 nacional do ...;
14. III, nascida a ../../1986, nacional da República ...;
15. WW, nascida a ../../1978, nacional do ...;
16. CCC, nascida a ../../1970, nacional do ...;
17. PP, nascida a ../../1981 nacional do ...;
18. JJJ, nascida a ../../1971 nacional do ...;
19. KKK, nascida a ../../1977, nacional do ...;
20. LLL, nascida a ../../1976, nacional do ...;
21. MMM, nascida a ../../1966 nacional do ...;
22. NNN, nascida a ../../1984, nacional do ...;
23. OOO, nascida a ../../1987 nacional do ...;
24. EEE, nascida a ../../1970, nacional do ...;
25. TT, nascida a ../../1979, nacional do ...
26. HH, nascida a ../../1968, nacional de Portugal;
27. PPP, nascida a ../../1980, nacional do ...;
28. UU, nascida a ../../1993, nacional do ...;
29. DDD, nascida a ../../1968, nacional de Portugal;
30. QQQ, nascida a ../../1994, nacional de Portugal;
31. VV, nascida a ../../1987, nacional da República ...; e
32. RRR, nascida a ../../1982 nacional do ....
*
45 - Estas mulheres trabalhavam sob a orientação dos arguidos AA e BB.
46 - Os arguidos AA e BB asseguravam a estas mulheres o alojamento e facultavam-lhes as condições para o exercício da prostituição, escolhendo e autorizando-as a ali desenvolverem essa actividade, por cuja prática eles auferiam entre € 20 e € 30 por dia.
47 - Nos períodos temporais referidos os arguidos AA, BB, CC e DD não desempenharam outra actividade profissional para além das acima mencionadas.
48 - Nem eram beneficiários de prestações sociais.
49 - Era da actividade desenvolvida no estabelecimento referido no ponto 3) que os arguidos retiravam proventos económicos para o seu sustento.
50 - Ao actuarem da forma descrita, todos os arguidos sabiam que estavam a proporcionar, a criar condições e/ou a facilitar a prática, no referido estabelecimento, de actos sexuais remunerados, como pretendiam e conseguiram, beneficiando dos proventos económicos provenientes desses actos, rendimentos esses que eram entregues pelos clientes que se relacionavam sexualmente com as mulheres que ali trabalhavam.
51 - Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e de vontades, com o propósito alcançado de obterem vantagens patrimoniais dos actos de prostituição praticados.
52 - Os arguidos BB e AA têm moradas registadas em ..., Espanha, conforme informações de fls. 616 a 624
53 - No ano de 2011 o arguido BB foi responsável pelo estabelecimento “EMP08... 2”, sito em ..., ..., Espanha, conforme informação de fls. 619.
54 - Por sentença proferida em 24 de Maio de 2018 e transitada em julgado em 25 de Junho de 2018 nos autos de processo comum singular nº 472/13.3GAPTB do Juízo Local Criminal de Ponte da Barca foram os ora arguidos BB e AA, bem como “EMP04..., Unipessoal, Lda.” condenados por desde pelo menos Abril de 2011 e até Março de 2017, se dedicarem em comunhão de esforços, à exploração sexual de mulheres, a maioria delas de nacionalidade ... e/ou de baixa condição económica, com intenção lucrativa, facilitando e fomentando o exercício da prostituição por essas mulheres no estabelecimento nocturno denominado “EMP04...”, sito no Lugar ..., freguesia ..., em ..., na prática de um crime de lenocínio na forma continuada, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 e 30º, nº 1 do Código Penal, o arguido BB na pena de 6 meses de prisão, substituída por 100 dias de multa à taxa diária de € 6,50 e o arguido AA na pena de 7 meses de prisão substituída por 130 dias de multa à taxa diária de € 6,50, conforme certidão de fls. 428 a 449, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
55 - Nesse processo, no dia 8 de Novembro de 2015, militares da Guarda Nacional Republicana cumpriram mandados judiciais de busca ao estabelecimento referido no ponto 3) dos factos provados.
*
56 - As sociedades “EMP04..., Lda.”, “EMP03..., Unipessoal Lda.”, “EMP02... - Unipessoal, Lda.” e “EMP01... Unipessoal, Lda.”, dedicavam-se à exploração do estabelecimento comercial referido em 3) desenvolvendo a actividade mencionada no ponto 12).
57 - Nesse estabelecimento os clientes efectuavam os pagamentos dos actos de prostituição, dos consumos obrigatórios e do alterne, tanto em numerário, como através de Terminais de Pagamento Automático (TPA).
58 - Para esse efeito foram ali utilizados três terminais multibanco:
58.1 - Um associado à conta com o NIB ...26 da Banco 2... titulada pela sociedade EMP04..., e em nome de EE, que foi sócia dessa sociedade – TPA nº ...15 – conforme talão junto a fls. 191, ofício da Banco 2... datado de 21/1/19, junto sob a referência electrónica de 23/01/19 ao processo principal, informações bancárias de fls. 4, 46 e 50 do Apenso A e certidão permanente de fls. 408 e ss;
58.2. - Um associado à conta nº ...30 domiciliada na Banco 2... e titulada pela sociedade EMP09... nº ...18, conforme talão junto a fls. 289 e informações bancárias de fls. 539 dos autos e de fls. 4 do apenso A;
58.3. - Um associado à conta nº ...30 domiciliada na Banco 2... e titulada pela sociedade EMP02... Unipessoal, Lda. – TPA ...62, conforme talões de fls. 831 a 842 e documentos de fls. 783 a 788, 792 e 793.
59 - Os arguidos BB e AA geriam as sociedades supra referidas e as respectivas contas bancárias, dando instruções sobre os movimentos das mesmas, depósitos e levantamentos.
*
60 - Foi intenção dos arguidos AA e BB utilizar o estabelecimento comercial de diversão nocturna sito em ... com a finalidade de aí promover a prática de actividade de prostituição e de alterne.
61 - Finalidade que presidiu igualmente à constituição da sociedade EMP01....
*
(perda alargada)
62 - O arguido BB foi como tal constituído no dia 22 de Setembro de 2019, conforme documento de fls. 802.
63 - O arguido AA foi como tal constituído no dia 22 de Setembro de 2019, conforme documento de fls. 675.
64 - O arguido CC foi como tal constituído no dia 22 de Setembro de 2019, conforme documento de fls. 815.
*
65 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021, o arguido BB era o único titular das seguintes contas bancárias:
65.1. - Conta domiciliada na Banco 2... nº ...00, aberta a 15/01/2015 (conforme informação prestada pela Banco 2... a fls. 174 do apenso GRA e informação do Banco de Portugal de fls. 509 do mesmo apenso);
65.2. - Conta nº ...46, domiciliada no Banco 5... (conforme informação bancária de fls. 603 do apenso GRA);
65.3. - conta nº ...70 domiciliada no Banco 1..., aberta em 01/03/19 e encerrada em 01/02/2020 (conforme documentos de fls. 509, 570 e 555 do Apenso GRA);
66 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021, EE, cônjuge do arguido BB, e a mãe dela, SSS, eram titulares da conta bancária domiciliada na Banco 2... nº ...00 (conforme informação prestada pela Banco 2... a fs. 174 do apenso GRA e informação do Banco de Portugal de fls. 99);
67 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021, TTT, filho do arguido BB e da sua mulher EE, era titular da conta domiciliada no Banco 5..., com o IBAN ...46, que EE estava autorizada a movimentar (cf. informação do Banco de Portugal de fls. 98, 99,100, 501, informação da Banco 2... de fls. 174 e informação bancária de fls. 603 todas do apenso GRA).
68 - EE não é titular de outras contas bancárias para além da mencionada no ponto 66).
69 - A maioria dos movimentos a crédito efectuados nessa conta entre 22/09/2014 e 31/12/2021, foram relativos a transferências emitidas pelo Instituto da Segurança Social (ISS).
70 - Ao longo do mesmo período foram declarados/comunicados em nome de EE, em sede fiscal, rendimentos resultantes de prestações sociais, de trabalho dependente, rendas e subsídios de refeição, que totalizaram o montante global de € 57.562,40.
71 - Essa conta bancária foi utilizada para os pagamentos recebidos por via da actividade profissional exercida por EE e para o recebimento das transferências efectuadas pelo ISS.
72 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021 foram movimentados créditos na conta do Banco 5..., com nº ...46, titulada pelo arguido BB, assim discriminados:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
-
-
-
-
-
-
€ 900
€ 3 150,00
€ 4 050,00
73 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021 foram movimentados créditos na conta nº ...70 domiciliada no banco Banco 1... e titulada pelo arguido BB, referida no ponto 65), nos seguintes montantes:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
-
-
-
-
-
€ 3 230
-
-
€ 3 230
74 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021 foram movimentados créditos na conta nº ...00 domiciliada na Banco 2..., referida no ponto 65), titulada pelo arguido BB, nos seguintes montantes:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
(€)
-
12 000,00
17 700,00
23 531,58
16 512,94
6 583,80
-
-
€ 76.328,32
75 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021 foram movimentados créditos na conta titulada por EE e a sua mãe na Banco 2... com o nº ...00 no valor global de 76 908,33 €, assim discriminado:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
(€)
1 072,29
14 967,67
5 281,75
7 569,27
12 098,15
11 430,87
9 436,66
15 051,67
76 908,33
76 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021 foram movimentados créditos na conta referida no ponto 67) domiciliada no Banco 5..., com o IBAN ...46 titulada por TTT, assim discriminados:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
(€)
-
-
-
-
6 254,87
4 731,92
24 703,70
4 463,65
40 154,14
77 - Assim, foram movimentados a crédito nas contas bancárias referidas, entre o dia 22 de Setembro de 2014 e o dia 31 de Dezembro de 2021, os seguintes valores globais:
Conta
Banco
Titular
Total
...00
Banco 2...
EE
e ascendente
€ 76 908,33
...48
BCTT
UUU
€ 40 154,14
...46
BCTT
BB
€ 4 050,00 €
...70
Banco 1...
BB
€ 3 230,00 €
...00
Banco 2...
BB
€ 76 328,32
TOTAL GLOBAL
€ 200 670,79
78 - Os rendimentos declarados e comunicados à Autoridade Tributária como tendo sido pagos ao arguido BB, ao seu cônjuge EE e ao filho de ambos, TTT, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, constantes da tabela junta a fls. 729 do Apenso GRA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, permitiram-lhes obter, efectuados os respectivos descontos obrigatórios, em cada ano, o seguinte rendimento disponível, no montante global de € 142 003,74:
ANO
TITULARES DOS RENDIMENTOS
RENDIMENTO DISPONÍVEL + IVA
2014
BB e EE
7 469,17 €
2015
BB e EE
14 797,44 €
TTT (filho)
11 141,33 €
2016
BB e EE
15 667,89 €
TTT (filho)
0,00 €
2017
BB e EE
13 631,28 €
TTT (filho)
3 035,55 €
2018
BB e EE
12 735,30 €
TTT (filho)
4 134,49 €
2019
BB e EE
16 346,47 €
TTT (filho)
2 502,78 €
2020
BB e EE
7 515,72 €
TTT (filho)
23 236,66 €
2021
EE
7 269,38 €
TTT (filho)
2 520,28 €
TOTAL GLOBAL
142 003,74 €
79 - O arguido BB obteve da actividade por si desenvolvida e acima descrita, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, a quantia global de € 58.667,05 correspondente à diferença entre o valor do seu património (€ 200 670,79) e o valor do seu rendimento disponível (€ 142 003,74).
*
80 - O arguido AA e o seu cônjuge, VVV, são titulares da conta bancária domiciliada na Banco 2..., nº ...00 (conforme informação prestada pela Banco 2... a fls. 173 do Apenso GRA).
81 - O arguido AA é o único titular das seguintes contas bancárias domiciliadas na Banco 2...:
81.1. - Nº ...30, aberta a 09/09/2016 e encerrada a 14/11/16; e
81.2. - Nº ...30, aberta a 03/04/2017 (conforme documentos de fls. 173 e de fls. 600 do apenso GRA).
82 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021 foram movimentados créditos na conta nº ...00 domiciliada na Banco 2..., referida no ponto 80), co-titulada pelo arguido AA e pelo seu cônjuge VVV, os seguintes montantes:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor (€)
6103,31
41 237,04
29 178,17
26 335,37
26 554,67
29 506,77
71 972,86
86 006,39
316 884,58
83 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021 foram movimentados créditos na conta nº ...30 domiciliada na Banco 2..., referida no ponto 81.1.), titulada pelo arguido AA, nos seguintes montantes:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
-
-
€ 2 800,00
-
-
-
-
-
€ 2 800,00
84 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021 foram movimentados créditos na conta nº ...30 domiciliada na Banco 2..., referida no ponto 81.2.), titulada pelo arguido AA, nos seguintes montantes:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
(€)
-
-
-
12 670,00
50 702,68
36 972,26
-
-
100 344,94
85 - Assim, foram movimentados a crédito nas contas bancárias referidas, entre o dia 22 de Setembro de 2014 e o dia 31 de Dezembro de 2021, os seguintes valores:
Conta
Banco
Titular
Total
...00
Banco 2...
AA
e VVV
€ 316 884,58
...30
Banco 2...
AA
€ 2 800,00
...30
Banco 2...
AA
€ 100 344,94
TOTAL GLOBAL
€ 420 029,52
86 - Os rendimentos declarados e comunicados à Autoridade Tributária como tendo sido pagos ao arguido AA e ao seu cônjuge VVV, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, constantes da tabela junta a fls. 742 do Apenso GRA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, permitiram-lhes obter, efectuados os respectivos descontos obrigatórios, em cada ano, o seguinte rendimento disponível, no montante global de € 123.012,96:
ANO
TITULARES DOS RENDIMENTOS
RENDIMENTO DISPONÍVEL + IVA
2014
AA e VVV
8 076,61 €
2015
AA e VVV
14 641,45 €
2016
AA e VVV
15 337,61 €
2017
AA e VVV
11 643,38 €
2018
AA e VVV
19 642,07 €
2019
AA e VVV
22 703,61 €
2020
AA e VVV
13 310,60 €
2021
AA e VVV
17 657,63 €
TOTAL GLOBAL
123 012,96 €
87 - O arguido AA obteve da actividade por si desenvolvida e acima descrita, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, a quantia global de € 297.016,56, correspondente à diferença entre o valor do seu património (€ 420 029,52) e o valor do seu rendimento disponível (€ 123 012,96).
*
88 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021, o arguido CC foi co-titular da conta bancária nº ...20 domiciliada no Banco 3..., conforme informações de fls. 502 e 567 verso do apenso GRA.
89 - O outro titular da mencionada conta não é interveniente no presente processo.
90 - Em 2015 foram efectuadas transferências a crédito para essa conta, emitidas pelo Instituto de Segurança Social e relativas a prestações sociais recebidas pelo arguido CC nesse ano.
91 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021 o total de créditos bancários contabilizados nessa conta foi de € 25.239,88, conforme consta da seguinte tabela:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
(€)
7211,70
15 960,21
1 380,00
295,00
-
-
-
392,97
25.239,88
92 - Desse montante global foi considerado património do arguido CC a proporção de metade, no montante de € 12.619,94, por se tratar de conta co-titulada por sujeito alheio ao processo.
93 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021, o arguido CC foi o único titular da conta bancária nº ...64 domiciliada no Banco 4... (Banco 4...), conforme informação do Banco de Portugal de fls. 502 do Apenso GRA.
94 - Nesse período temporal essa conta apresentou os seguintes movimentos credores:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
(€)
-
-
-
735,36
604,48
2 622,11
8 799,77
2 665,71
15 417,43
95 - Entre 22/09/2014 e 31/12/2021, o arguido CC foi o único titular da conta bancária nº ...30 domiciliada na Banco 2..., conforme informação do Banco de Portugal de fls. 502 verso do Apenso GRA.
96 - Nesse período temporal essa conta apresentou os seguintes movimentos credores:
Ano
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Total
Valor
(€)
-
-
665,00
7 126,50
310,00
-
-
1 277,50
9 379,00
97 - Assim, foram movimentados a crédito nas contas bancárias referidas, entre o dia 22 de Setembro de 2014 e o dia 31 de Dezembro de 2021, os seguintes valores globais:
Conta
Banco
Titular
Total
...20
Banco 3...
CC e outro
€ 12 619,94
...64
Banco 4...
CC
€ 15 417,43
...30
Banco 2...
CC
€ 9 379,00
TOTAL GLOBAL
€ 37 416,67
98 - Os rendimentos declarados e comunicados à Autoridade Tributária como tendo sido recebidos pelo arguido CC, no mesmo período temporal, constantes da tabela junta a fls. 754 do Apenso GRA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, permitiram-lhe obter, efectuados os respectivos descontos obrigatórios, em cada ano, o seguinte rendimento disponível, no montante global de € 29 004,70:
ANO
TITULAR DOS RENDIMENTOS
RENDIMENTO DISPONÍVEL + IVA
2014
CC
4 975,31 €
2015
CC
3 148,49 €
2016
CC
300,00 €
2017
CC
0,00 €
2018
CC
0,00 €
2019
CC
1 253,33 €
2020
CC
4 466,96 €
2021
CC
14 860,61 €
TOTAL GLOBAL
29 004,70 €
99 - O arguido CC obteve da actividade por si desenvolvida e acima descrita, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, a quantia global de € 8.411,67, correspondente à diferença entre o valor do seu património (€ 37 416,67) e o valor do seu rendimento disponível (€ 29 004,70).
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(Das contestações)
100 - No exercício da actividade de alterne desenvolvida no estabelecimento mencionado nos pontos 3) e 12) as mulheres que ali trabalhavam aliciavam os clientes para obterem deles o pagamento de bebidas, usualmente de valor elevado, como contrapartida pela companhia que lhes dispensavam.
101 - Como contrapartida por esses serviços essas mulheres auferiam 50% do preço das bebidas que os clientes do estabelecimento comercial lhes pagavam.
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(Relatórios sociais)
102 - O arguido AA descende de uma família de condição humilde, sendo o mais velho de dois irmãos.
103 - A sua infância e adolescência foi marcada pela ausência do pai, que se encontrava recluído.
104 - Foi a mãe quem se encarregou da sua educação e da gestão do quotidiano familiar.
105 - O agregado habitava uma casa numa freguesia periférica da cidade ..., mantendo relações de vizinhança de proximidade.
106 - O arguido iniciou o seu percurso escolar na escola primária da sua área de residência e frequentou a escolaridade obrigatória até concluir, sem reprovações, o 5º ano de escolaridade.
107 - Após, aos 11 anos de idade, começou a trabalhar para auxiliar monetariamente a família.
108 - Iniciou-se profissionalmente como aprendiz de serralheiro na EMP10..., em ..., onde permaneceu três anos.
109 - Posteriormente trabalhou na serralharia “WWW”, em ..., ..., onde desempenhou funções durante vinte e quatro anos consecutivos.
110 - Nos últimos sete anos dedicou-se a explorar uma hospedaria no ....
111 - Aos 16 anos de idade iniciou uma relação de namoro com VVV, que manteve durante cerca de dez anos, e com quem contraiu matrimónio aos 25 anos de idade.
112 - Reside com o cônjuge e as duas filhas, em habitação própria, e beneficia do apoio dos progenitores, residentes no mesmo bloco de apartamentos.
113 - Aufere o salário mensal de € 830,00, enquanto a esposa, que é funcionária de uma lavandaria, aufere um salário mensal de € 730,00.
114 - As despesas mensais do agregado ascendem a € 550,00 e reportam-se ao pagamento de água, electricidade, condomínio, gás e telecomunicações.
115 - A habitação oferece adequadas condições de habitabilidade e situa-se numa zona residencial da cidade ....
116 - O quotidiano do arguido é organizado em função do seu trabalho, que ocupa grande parte do seu tempo, regressando a ... apenas de noite.
117 - Passa os tempos livres junto da família.
118 - No meio de residência interage pouco com a comunidade vicinal, sendo percepcionado como pessoa educada e reservada.
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119 - O arguido BB é oriundo de ... e descende de uma família de condição socioeconómica humilde, composta pelos pais e por quatro filhos.
120 - O pai era funcionário dos Transportes Urbanos ... e a mãe costureira no domicílio.
121 - A mãe foi a responsável pela gestão do quotidiano familiar e pela educação dos filhos.
122 - A dinâmica familiar foi marcada pelos consumos excessivos de álcool por parte do pai, ex-combatente na guerra do Ultramar.
123 - O arguido tem como habilitações literárias o 5º ano de escolaridade.
124 - Aos 14 anos de idade deu início ao seu percurso laboral como aprendiz de consertos de calçado junto de um tio, onde permaneceu até aos 17 anos de idade.
125 - Aos 18 anos iniciou funções como operário na construção civil em ..., onde permaneceu durante 10 anos, e onde também trabalhou num hipermercado.
126 - Regressou a Portugal aos 37 anos e adquiriu um apartamento em ..., na Rua ..., onde residiu com o agregado constituído e que, posteriormente, vendeu.
127 - Manteve uma relação de namoro com EE com quem contraiu matrimónio aos 27 anos de idade e com quem permanece casado.
128 - Após regressar de ... desempenhou actividades como vendedor ambulante de vestuário de criança em feiras da região na companhia do cônjuge, como serralheiro numa empresa de restauro de jantes de automóveis e, posteriormente, numa casa de diversão nocturna, propriedade da família do cônjuge.
129 - Actualmente reside em ... e o seu agregado familiar é composto pelo cônjuge e pelo único filho do casal, com 24 anos, portador de paralisia cerebral.
130 - Beneficia do apoio dos progenitores, também residentes em ... e que visita regularmente.
131 - Desde há um ano que desempenha actividade como serralheiro na empresa EMP11..., SA, com sede em ..., ..., auferindo o salário mensal de € 946,00.
132 - O seu quotidiano é organizado em função do seu trabalho.
133 - A cônjuge é cuidadora do filho e aufere um subsídio no valor de € 306,33, a que acresce o valor da pensão social de inserção atribuída ao filho num valor de € 208,92 mensais.
134 - O agregado familiar beneficia do apoio financeiro da família alargada, que contribui para as despesas do filho do casal, designadamente, as despesas com a terapia da fala.
135 - A habitação onde o agregado reside é propriedade da família e as despesas mensais ascendem a cerca de € 300 mensais, sendo referentes ao pagamento de água, electricidade, condomínio, gás, telecomunicações e medicação do filho.
136 - A habitação oferece adequadas condições de habitabilidade e situa-se numa zona residencial da cidade ....
137 - No meio de residência o arguido, que não mantém interacção com os vizinhos, é considerado pessoa educada e discreta.
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138 - Na data dos factos o arguido CC residia na cidade ..., numa habitação propriedade da progenitora e dotada de condições de habitabilidade.
139 - Integrava o agregado composto pela mãe e por uma irmã.
140 - Desde Julho de 2024 passou a residir sozinho na freguesia ..., em ....
141 - Habilitou-se com o 6º ano de escolaridade e, aos 16 anos, iniciou o seu percurso laboral.
142 - Concluiu o 12º ano em regime nocturno e frequentou o 2º ano do curso superior de matemática.
143 - À data dos factos exercia actividade profissional no estabelecimento de diversão nocturna, enquanto empregado de bar, na empresa EMP02..., unipessoal Lda., passando depois a exercer funções na sociedade arguida, auferindo um vencimento de 1.000,00 euros mensais.
144 - O rendimento do agregado familiar composto, na data, pelo próprio, a mãe e a irmã, ascendia ao valor global de € 4.000,00 mensais.
145 - O agregado suportava despesas relativas à amortização do crédito para a aquisição da habitação, no valor de € 800,00 mensais, acrescido do valor de cerca de € 170,00 mensais, referente ao consumo de energia, comunicações e água.
146 - Actualmente, e após um período de inactividade profissional de cerca de um ano e de posteriores passagens por ... e ..., onde laborou, respectivamente, como operário da construção civil e serralheiro, exerce a actividade de serralheiro numa empresa situada na freguesia onde reside, auferindo o salário mínimo nacional.
147 - Reside em habitação arrendada e as suas despesas mensais cifram-se em cerca de € 90,00 e reportam-se ao consumo de energia, comunicações e gás.
148 - Nos seus tempos livres executa tarefas domésticas e frequenta cafés e espaços de convívio social, situados na sua área de residência.
149 - No meio de residência não existe rejeição à sua presença.
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150 - O arguido DD cresceu integrado no agregado familiar de origem.
151 - Os pais divorciaram-se e o arguido tem uma irmã mais nova, fruto da segunda união do pai.
152 - Iniciou o consumo de substâncias psicoactivas há 30 anos, no período da adolescência.
153 - Submeteu-se, sem sucesso, a vários tratamentos de desabituação com internamento em comunidades terapêuticas quer Portugal, quer em Espanha, custeados pelos pais.
154 - Reside com o filho mais velho, fruto de um primeiro relacionamento afectivo e tem um outro filho, com 8 anos de idade, que reside com a progenitora.
155 - Mantém uma relação próxima com os progenitores.
156 - Habita um apartamento propriedade do progenitor, sem encargos, inserido em zona residencial.
157 - Tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade, tendo ingressado o ensino superior, frequentando os cursos de direito e de economia, sem que tivesse concluído qualquer um deles.
158 - Está desempregado há dois anos e não dispõe de rendimentos, sendo apoiado economicamente pelos pais.
159 - Trabalhou durante vários anos com o progenitor, economista e consultor de empresas, em espaço próprio.
160 - Até Abril de 2023 usufruiu de subsídio de desemprego no valor de € 500 mensais.
161 - Convive diariamente com a mãe e presta cuidados ao filho, passando a maior parte do tempo em casa.
162 - Mantém convivência com o pai e a irmã, com quem preserva uma relação cordial.
163 - Devido a adição ao consumo de substâncias psicoactivas e bebidas alcoólicas, beneficia de acompanhamento clínico prestado pelo médico de família, sendo medicado com antagonista buprenorfina.
164 - Abandonou o consumo de heroína e cocaína em Novembro de 2023 e consome bebidas alcoólicas de forma moderada.
165 - Inscreveu-se no CRI - Equipa de ..., orientado pelo médico de família.
166 - Na data dos factos era consumidor de substancias psicoactivas.
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167 - À arguida EMP01..., Unipessoal Lda. não são conhecidos antecedentes criminais.
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168 - Para além da condenação mencionada no ponto 54) o arguido AA foi condenado no âmbito do processo Comum Colectivo nº 40/12.7JABRG do Juízo Central Criminal de ..., - Juiz ... por acórdão proferido em 17/03/2016 e transitado em julgado em 22/05/2017 pela prática, em 27/01/2012, de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos art. 143º e 145º, nº 1, al. a) e nº 2, por referência ao art. 132º, nº2, al. h) e i) do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada p. e p. pelos art. 22º, 23º, 73º, 143º e 145º, nº 1, al. a) e nº 2, por referência ao art. 132º, nº2, al. h) e i) do Código Penal na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 2 meses e subordinada à condição de, no prazo de 12 meses, pagar aos bombeiros voluntários de ... a importância de € 1.000,00 (mil euros), já julgada extinta ao abrigo do disposto pelo art. 57º do Código Penal.
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169 - Para além da condenação mencionada no ponto 54) ao arguido BB não lhe são conhecidas outras.
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170 - Ao arguido CC não são conhecidos antecedentes criminais.
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171 - O arguido DD foi condenado no âmbito dos seguintes processos:
I - Comum Singular nº 1347/12.9PCBRG do Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., por decisão proferida em 12/12/13 e transitada em julgado a 24/01/14 pela prática, em 06/12/2012 de um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo art.º 86º, nº 1, alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e de um crime de desobediência p.p. pelo art. 348º, nº 1, alínea a), e 69º, nº 1, alínea c), todos do Código Penal, na pena única de 240 dias de multa à taxa diária de € 5 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses, ambas já declaradas extintas pelo cumprimento;
II - Comum Singular nº 1636/16.3JABRG do Juízo Local Criminal de ..., Juiz ..., por decisão proferida em 24/04/19 e transitada em julgado a 24/05/19 pela prática, em 05/11/2017, de um crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo art. 40º, nº 2, da Lei 15/93 de 22/1 na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 6, já declarada extinta pelo cumprimento;
III - Abreviado nº 265/23.0GCBRG do Juízo Local Criminal de ..., Juiz ..., por decisão proferida em 08/03/2024 e transitada em julgado em 09/10/23 pela prática, em 10/04/23, de um crime de desobediência p.e p. pelo art. 348º, nº 1, alínea a), e 69º, nº 1, alínea c), do Código Penal na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5,50 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses, ambas já julgadas extintas pelo cumprimento.
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Factos não provados:
Com interesse para a discussão da causa não se consideraram provados outros factos, designadamente, os seguintes:
a) A actividade mencionada no ponto 3) dos factos provados foi desenvolvida até ../../2023, data em que foi deduzida a acusação.
b) As sociedades referidas nos factos provados foram constituídas para iludir as autoridades policiais e com a finalidade exclusiva de criar um estabelecimento para promover a prática da prostituição.
c) As denominações dessas sociedades foram alteradas sempre que as autoridades policiais/judiciais as investigavam.
d) FF é tia do arguido BB.
e) O acesso ao perímetro do estabelecimento mencionado no ponto 3) dos factos provados era condicionado.
f) O arguido AA encontrava-se no estabelecimento durante o período da tarde.
g) O arguido AA efectuava o transporte de algumas das mulheres que não pernoitavam no estabelecimento.
h) O arguido BB fazia a entrega das chaves dos quartos às mulheres e efectuava o seu transporte de e para o estabelecimento.
i) Os arguidos XXX e BB contratavam mulheres de baixa condição económica e social, sem suporte familiar e preferencialmente que não tivessem a situação legalizada em Portugal, de modo a, aproveitando-se da sua situação de ilegalidade, precariedade, insegurança e isolamento, terem maior ascendente sobre elas e garantirem que se dedicassem efectivamente a manterem relações sexuais com homens, não abandonassem as mesmas a qualquer altura e não revelassem o que ali se passava a terceiros, nomeadamente às autoridades.
j) O arguido CC exercia as funções de segurança do estabelecimento durante o período nocturno, cabendo-lhe a sinalização atempada de prováveis riscos, de acções policiais ou de clientes problemáticos, e ainda a segurança das prostitutas e funcionários.
k) O valor referido no ponto 24) dos factos provados era pago pelas mulheres ainda que não praticassem qualquer acto sexual remunerado.
l) A fiscalização mencionada no ponto 26) dos factos provados teve lugar no dia 31 de Novembro de 2016.
m) Foram onze as mulheres de origem estrangeira detectadas nessa fiscalização.
n) A cidadã LL, em 30/11/16 desobedecia há mais de sete meses a uma notificação para abandono voluntário de território nacional, determinação pronunciada na sequência da apreciação de um pedido de regularização extraordinário que se verificou inviável ou fraudulento.
o) A cidadã MM, em 30/11/16, estava em excesso de permanência em Espaço Schengen há mais de 40 dias e não apresentava qualquer antecedente migratório em território português.
p) Na fiscalização mencionada no ponto 29) dos factos provados eram quatro as cidadãs que se encontravam em situação irregular em território nacional.
q) Nas circunstâncias mencionadas no ponto 33) dos factos provados o casal mantinha, ou tinha acabado de manter, relações sexuais.
r) O arguido BB efectuava o transporte das mulheres de e para o estabelecimento referido em 3).
s) Para o efeito o arguido usava a viatura automóvel ... de matrícula ..-VG-...
t) O cartão de visita do Banco 1... encontrado na busca de 22/9/19 foi emitido em nome de YYY.
u) No dia 22/9/19 foi apreendido um cartão do Banco 3... em nome da sociedade “EMP02..., Lda.”.
v) A cidadã QQQ é nacional ....
w) No quarto nº 5 referido no ponto 43) dos factos provados foi encontrado mais do que um dildo.
x) Os arguidos AA e BB mantinham registo dos actos de prostituição praticados no estabelecimento mencionado no ponto 3) dos factos provados.
y) Não obstante terem conhecimento que as mulheres estrangeiras entraram e permaneciam ilegalmente em Portugal por não serem portadoras de visto de trabalho, nem de autorização de permanência ou de residência, os arguidos BB e AA admitiram-nas a trabalhar nessas condições, não diligenciando pela sua legalização.
z) Os arguidos AA e BB sabiam que grande parte das mulheres que, juntamente com os seus colaboradores, admitiram para desenvolverem a actividade de prostituição se encontravam em situação ilegal em Portugal e, por essa razão, as admitiram a ali prestar serviços.
aa) Os arguidos BB e AA foram responsáveis por um estabelecimento derivado do prostíbulo “EMP08...” que operou em .../Espanha junto à fronteira com Portugal.
bb) O arguido AA é responsável pelo estabelecimento “EMP08... 2”, sito em ..., ..., Espanha.
cc) A criação das sociedades “EMP04..., Lda.”, “EMP03..., Unipessoal, Lda.”, “EMP02..., Unipessoal Lda.”, e “EMP01..., Unipessoal Lda.” permitiu a abertura de linhas de cobrança electrónica.
dd) Para além dos três terminais de pagamento referidos no ponto 58) dos factos provados existissem outros.
ee) Os terminais de pagamento referidos no ponto 58) dos factos provados eram utilizados para pagamentos de “diárias”.
ff) O terminal de pagamento automático mencionado no ponto 58.1) dos factos provados estava associado a conta titulada por EE.
gg) Os arguidos davam preferência a pagamento em numerário.
hh) Só nos anos de 2017 e 2018, o somatório dos fechos de caixa dos pagamentos efectuados por via dos TPA das referidas sociedades ultrapassaram os quinhentos mil euros - 500.000,00€ -, um registo médio mensal de pagamentos, só por esta via, superior a vinte e um mil euros (ver quadros a fls. 75 a 82 e 95 a 97 do apenso A).
ii) Cientes dos riscos da actividade que desenvolviam os arguidos AA e BB privilegiaram a acumulação e a movimentação dos ganhos em numerário.
jj) Assim, todos os montantes registados diariamente nos sucessivos fechos de TPA e retidos nas contas das sociedades foram movimentados ou convertidos em dinheiro, mantendo estas contas apenas um plafond de trabalho.
kk) Na verdade, conforme resulta do quadro infra, ocorre um “esvaziar” de duas das contas:
Entradas TPA 17/18:
Levantamento numerário:
Movimento de cheques:
EMP04...
333.345,45 €
-97.066,55 €
-183.483,86
EMP03...
180.629,28 €
-73.542,40€
-56.982,47 €
Totais:
513.974,73 €
-170.608,95€
-240.466,33 €
ll) Dos mais de quinhentos mil euros entrados por via TPA durante os anos de 2017 e 2018, cerca de quatrocentos e onze mil euros foram convertidos em numerários ou movimentados através de cheques, ou seja, 80% das vantagens entradas através de pagamento automático foram convertidos ou movimentados nos dias imediatamente subsequentes aos fechos de TPA (cf. quadros a fls. 75 a 87 e 95 a 99 do apenso A).
mm) Ocorre a conversão em numerário através da emissão de cheques, levantamentos ao balcão ou com recurso ao cartão de débito atribuído à sociedade “EMP03..., Lda.”, conforme quadro seguinte:
...30
24/05/2018
...18 POS VENDAS
+
243,41
€
...30
25/05/2018
...18 POS VENDAS
+
346,15
€
...30
26/05/2018
...18 POS VENDAS
+
973,63
€
...30
28/05/2018
...18 POS VENDAS
+
1097,81
€
...30
29/05/2018
...18 POS VENDAS
+
287,57
€
...30
29/05/2018
CHEQUE Banco 2...
-
1400
€
...30
30/05/2018
...18 POS VENDAS
+
193,12
€
...30
31/05/2018
...18 POS VENDAS
+
273,21
€
...30
01/06/2018
...18 POS VENDAS
+
252,35
€
...30
01/06/2018
DEBITO CHEQUE
-
614,74
€
...30
02/06/2018
...18 POS VENDAS
+
830,1
€
...30
03/06/2018
...18 POS VENDAS
+
109,24
€
...30
04/06/2018
...18 POS VENDAS
+
124,19
€
...30
04/06/2018
SAGE PORTUGAL
-
36,27
€
...30
04/06/2018
CHEQUE Banco 2...
-
2000
€
...30
05/06/2018
...18 POS VENDAS
+
296,97
€
...30
06/06/2018
...18 POS VENDAS
+
114,25
€
...30
07/06/2018
...18 POS VENDAS
+
2225,43
€
...30
07/06/2018
CHEQUE Banco 2...
-
2000
€
...30
08/06/2018
...18 POS VENDAS
+
59,61
€
...30
09/06/2018
...18 POS VENDAS
+
1286,54
€
...30
10/06/2018
...18 POS VENDAS
+
397,38
€
...30
11/06/2018
...18 POS VENDAS
+
59,61
€
...30
11/06/2018
PAGAMENTO
-
338,89
€
...30
11/06/2018
CHEQUE Banco 2...
-
2000
€
...30
11/06/2018
TRF EMP04...
-
700
€
...30
04/08/2018
...18 POS VENDAS
+
640,32
€
...30
05/08/2018
...18 POS VENDAS
+
4438,33
€
...30
05/08/2018
ZZZ
-
300
€
...30
05/08/2018
ZZZ
-
100
€
...30
06/08/2018
...18 POS VENDAS
+
933,88
€
...30
06/08/2018
LEVANTAMENTO
-
6000
€
nn) Nestas contas bancárias, apenas foram mantidos à ordem os montantes suficientes para pagamentos ao Estado e a fornecedores, dado que foram os montantes recebidos por via do TPA que suportaram, entre outros, os pagamentos de taxas e impostos, serviços de contabilidades e a liquidação das facturas por bebidas fornecidas.
oo) Os montantes em dinheiro acumulados diariamente na caixa do estabelecimento foram ocultados ou depositados em contas de terceiros, homens da confiança dos arguidos AA e BB.
pp) A maior parte do ganho bruto da actividade movimentada através dos terminais de pagamento automático não ultrapassou 40% do valor total transaccionado.
qq) Existe uma vantagem ilícita bruta mensal decorrente da operação de prostituição superior a cinquenta mil euros, o que representa uma vantagem ilícita bruta anual superior a seiscentos mil euros (análise dos movimentos bancários compilados no apenso A).
rr) O estabelecimento em causa manteve o mesmo gerente ao longo dos anos.
ss) Os arguidos AA e BB agiram de forma concertada e mediante prévio acordo, tendentes a colocar na esfera patrimonial das sociedades nomeadamente nas contas bancárias que eram abertas em nome de terceiros, os lucros que provinham da actividade de exploração sexual de mulheres, evitando a sua detecção e apreensão por parte das autoridades policiais, judiciais e outras.
tt) Ao assim actuarem agiram os arguidos AA e BB sempre de forma deliberada, livre e conscientemente.
*
(Das contestações)
uu) As funções desempenhadas pelo arguido CC mencionadas no ponto 19) dos factos provados foram-no durante o período temporal de cerca de três meses.
vv) Os arguidos AA e BB não dispunham de poder decisório dentro do estabelecimento comercial mencionado nos factos provados.
ww) Eram meros assalariados, desempenhando as suas funções sob as ordens e direcção da gerência do estabelecimento, nunca tendo participado nos lucros ou resultados económicos decorrentes da exploração comercial do estabelecimento.
xx) Os arguidos AA e BB nunca contactaram nem contrataram qualquer uma das cidadãs estrangeiras mencionadas nos factos provados para trabalharem naquele estabelecimento.
yy) Nunca definiram as relações de trabalho no estabelecimento, nem admitiram ou dispensaram trabalhadores ou ajustaram remunerações.
zz) Os arguidos AA e BB nunca contactaram qualquer cidadã de nacionalidade ... ou de qualquer outra nacionalidade para a prática de actos sexuais, nem apoiaram ou facilitaram a prática de relações sexuais por mulheres no estabelecimento comercial explorado pela sociedade arguida, com vista à obtenção de vantagens patrimoniais.
aaa) A sociedade comercial que explorava a hospedaria e o bar não recebia percentagem ou comissão de natureza económica pela prática de actos sexuais que fossem praticados por alguma ou algumas das mulheres identificadas nos factos provados.
bbb) Os arguidos AA e BB não fomentaram nem favorecem ou facilitam o exercício da prostituição, com intuito lucrativo.
ccc) No estabelecimento comercial referido no ponto 3) dos factos provados não eram praticados quaisquer actos sexuais com as mulheres que ali prestavam serviço de “alterne”.
ddd) Os arguidos AA, BB e CC desconheciam se as mulheres que praticavam o alterne aliciavam os clientes do estabelecimento para a prática de actos sexuais.
eee) Os arguidos são pessoas devidamente integradas socialmente e tidas pelos seus pares como educadas, respeitadoras e com um comportamento adequado às normas e valores socialmente aceites.
*
Fundamentação de facto:
Nos termos do disposto pelo art. 124º, nº 1 do Código de Processo Penal constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicável.
Cumpre, portanto, em primeiro lugar, salientar que, no que respeita à fixação da matéria de facto, do elenco dos factos provados e não provados, expurgámos os conceitos conclusivos e/ou jurídicos, bem como as imputações genéricas, não alicerçadas em factos concretos que constam da acusação, tal como advém do disposto pelos art. 124º e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal que impõem apenas a exposição dos factos que foram objecto de prova.
No que respeita aos conceitos conclusivos, sem alegação de factos concretos que os sustentem, e/ou jurídicos abundantemente referidos na acusação, que não foram objecto de pronúncia por parte do tribunal pelos motivos acima referidos, destacamos, entre o mais, os seguintes: “procurando iludir as autoridades policiais e disfarçando o verdadeiro fim a que se destinava”; “a coberto de uma suposta actividade paralela”; “a especialização e a aparente separação física dos espaços apenas serve um terceiro propósito, a de iludir as autoridades administrativas, policiais e judiciais locais, as quais sempre aceitaram que estão perante espaços estanques: um bar legítimo sem uma relação directa ou qualquer responsabilidade sobre o comportamento das clientes do sexo feminino, mulheres que por mera coincidência pernoitam na hospedaria ou residencial contígua e escolhem prostituir-se por iniciativa própria”; “coordenavam no terreno toda a actividade”; “vindo a passar todos os conhecimentos que possuem sobre a gestão deste tipo de negócios, desempenhando um papel crucial na organização do plano criminoso, tomando parte na execução do facto”; “prováveis riscos para a operação”; “clientes problemáticos”; “contingente de mulheres em regime de «praça»; “logística simples, mas sectorizada: 1) segurança, controlo de acessos e vigilância, 2) serviço de bar e caixa, 3) recrutamento, transporte e alojamento das prostitutas e 4) coordenação e iniciativa criminosa”; “taxa diária era assumida «à cabeça» (…) ainda que camuflada em pretensos custos de alojamento, ou seja, uma mulher que tenha acordado com os arguidos uma «praça» de quinze dias, na realidade assumiu uma dívida fraccionada que pode chegar aos quatrocentos e cinquenta euros em «diárias», que só é amortizada ao fim de um conjunto relevante de actos de prostituição, provavelmente só o décimo primeiro cliente é que representou o primeiro rendimento desta mulher”; “não tendo manifestado interesse viável em qualquer mecanismo de regularização extraordinária em vigor nem tendo requerido ou alegado asilo ou protecção subsidiária ao Estado Português, encontravam-se num contexto de imigração ilegal”; “conjunto relevante de mulheres”;“períodos de praça”, “actividade profissional lícita (…), ”sinais exteriores de riqueza”.
E ainda a referência: a “sociedade substituída”, figura jurídica inexistente; à circunstância de os arguidos surgirem “associados a um estabelecimento”, sem se indicar o tipo de “associação”; ao “grande volume de clientes”; a “contas veículo”; ou a um “ritual de conversão” de valores, expressões carecidas de enquadramento fáctico.
As inúmeras afirmações vagas e genéricas quanto à suposta actividade de branqueamento como sejam: “sociedades fachada, dando preferência a que terceiros, normalmente dependentes economicamente e da sua confiança figurassem como sócios, para não terem os seus nomes associados às sociedades”, sem que se identifiquem esses terceiros, ou sequer factos que permitam concluir que os mesmos fossem pessoas dependentes economicamente dos arguidos ou pessoas da sua confiança.
As referências a “situação económica e social vulneráveis”, à “sistemática rotação de mulheres”, ao “grande volume de clientes”, a “contas veículo”, a um “ritual de conversão em numerário”.
Às afirmações: “por norma, não eram depositados nas contas das sociedades fachadas montantes em numerário expressivos”; “arrojo dos preços praticados”;“acumularam ao longo dos anos vantagens ilícitas relevantes, que trataram de dissimular, ocultando a identidade dos principais e reais beneficiários, conforme já referido”, todas desacompanhadas da alegação da imprescindível componente factual.
*
Das razões quanto à concreta decisão sobre a matéria de facto.
A convicção do tribunal, quanto aos factos que considerou provados e não provados alicerçou-se na análise conjugada da prova produzida e examinada em audiência e dos documentos juntos autos.
Assim, no que respeita à prova documental, atentou-se, designadamente:
- Ao relatório operacional referente à fiscalização efectuada pelo então SEF à EMP04..., a 30 de Novembro de 2016, de fls. 11 a 15 e 50 a 53, ao quadro a ele anexo de fls. 16 e de fls. 54, que identifica as cidadãs estrangeiras em situação irregular em Portugal que ali se encontravam nessa ocasião (quatro) e ainda às fichas de identificação de fls. 17, 18, 28, 30 e 31, 56 a 59, 67, 69 e 70 (cópias e originais), respeitantes às pessoas que foram identificadas no decurso dessa acção inspectiva;
- À certidão do processo de contra-ordenação nº ...7 junta a fls. 83 a 96 que, na sequência dessa fiscalização, foi instaurado a Hospedaria EMP04... - Sociedade Hoteleira Lda.;
- Ao relatório operacional referente à fiscalização efectuada pelo então SEF à EMP04... no dia 29 de Junho de 2017 junto a fls. 111 a 112 e ao quadro a ele anexo junto a fls. 113, que identifica as cidadãs estrangeiras em situação irregular em Portugal que ali se encontravam nessa ocasião (duas), à ficha de identificação de fls. 114, às cópias dos documentos de identificação, do auto de detenção, do termo de constituição como arguido, do TIR, da guia de condução, do boletim individual de detido e do auto de 1º interrogatório de fls. 115 a 146, todos referentes à cidadã QQ;
- Às fichas de identificação e documentos de identificação de fls. 147 a 163 e de fls. 1407 a 1409, referentes às outras pessoas identificadas nessa fiscalização;
- Ao registo fotográfico do estabelecimento fiscalizado nesse dia junto a fls. 164 a 173, colhido na mesma ocasião;
- À certidão do processo de contra-ordenação nº ...7, instaurado a Hospedaria EMP04... – Sociedade Hoteleira, Lda. na sequência dessa fiscalização, junta a fls. 233 a 263;
- Ao auto de diligência externa de fls. 178, referente a fiscalização efectuada pelo Inspector AAAA do então SEF do no dia 25 de Janeiro de 2018 à residencial “EMP04...” onde consta, entre o mais, a identificação das mulheres que se encontravam registadas nas bases de dados associadas aos boletins de alojamento de cidadãos estrangeiros comunicados ao SEF por esse estabelecimento;
- Ao relatório da operação de fiscalização efectuada pelo, na data, SEF na noite de 31 de Janeiro para 1 de Fevereiro de 2018 a diversos estabelecimentos de diversão nocturna, entre os quais a residencial EMP04..., junto a fls. 184 a 189, onde foram identificadas nove mulheres, quatro das quais vieram a ser detidas por permanência ilegal em Portugal e duas notificadas para abandonarem voluntariamente o território nacional, bem como as fichas de identificação de todas as pessoas que se encontravam nesse local, estas juntas a fls. 192 a 200;
- Às cópias dos processos de afastamento coercivo relativos às cidadãs BBBB e VV instaurados pelo SEF na sequência da fiscalização efectuada a 1 de Fevereiro de 2018, juntas a fls. 547 a 553;
- Às notificações para abandono voluntário do território nacional de fls. 204 e 205 referentes às cidadãs XX e WW, fiscalizadas na ocasião;
- Aos autos de detenção e documentos de fls. 206 a 225, referentes às quatro cidadãs estrangeiras que, nesse dia 1 de Fevereiro de 2018, foram detidas por permanência ilegal em Portugal;
- À certidão do processo de contra-ordenação nº ...8 instaurado à EMP04..., Lda. na sequência da fiscalização realizada a 1 de Fevereiro de 2018, junta a fls. 264 a 278;
- Às facturas simplificadas de fls. 190 e ao talão extraído do terminal de pagamento automático com o número ...15, junto a fls. 191, que, nessa ocasião, operava no local;
- À informação prestada pela SIBS a fls. 528 dando conta que esse terminal de pagamento automático era operado pela Banco 2...;
- Ao auto de fls. 281 referente à consulta das bases de dados associadas aos boletins de alojamento comunicados por esse estabelecimento ao SEF;
- Ao relatório de operação de fiscalização de fls. 283 a 287, relativo à fiscalização realizada pelo SEF a diversos estabelecimentos, entre os quais a EMP05..., no dia 17 de Outubro de 2018, do qual resulta (cf. fls. 286) terem sido identificadas quatro mulheres, duas das quais notificadas para abandonarem voluntariamente o território nacional, e ainda às fichas de identificação que, a fls. 288, 294 a 296, o acompanham;
- Às notificações para abandono voluntário do território nacional de fls. 297 a 300 referentes às cidadãs CCCC, fiscalizadas na ocasião e cujos documentos de identificação também dali constam;
- À factura simplificada e ao talão extraído do terminal de pagamento automático (TPA) número ...18 que se encontrava a operar no local nesse dia, ambos juntos a fls. 289;
- À informação prestada pela Banco 2... a fls. 523 atestando que esse TPA número ...18 se encontrava associado à conta nº ...30 titulada pela sociedade EMP03... Unipessoal, Lda.;
- Ao auto informativo e documentos de fls. 492 a 494 referentes à consulta dos boletins de alojamento de hóspedes estrangeiros que comprova não ter sido comunicado ao SEF o registo de hóspedes estrangeiros por parte da EMP05...;
- Ao relato de diligência externa de fls. 625 a 627, relativo a diligências efectuadas com vista a determinar o local de residência dos arguidos AA e BB e bem assim os veículos por eles utilizados;
- À informação de serviço de fls. 670 referente a diligência realizada no dia 22 de Setembro de 2019 no estabelecimento EMP06... e relativamente à qual prestou depoimento a testemunha II, ali identificado, que se assumiu como cliente do estabelecimento e encontrar-se no quarto com uma das mulheres para com ela manter relações sexuais remuneradas, a testemunha HH;
- Aos autos de busca e apreensão:
· a casa do arguido AA junto a fls. 677 a 680, bem como os documentos apreendidos nessa ocasião, estes juntos a fls. 681 a 764;
· a casa do arguido DDDD junto a fls. 767 a 769 e aos documentos apreendidos nessa ocasião, estes juntos a fls. 770 a 795, dos quais se destacam os recibos de remuneração de fls. 782, os documentos bancários de fls. 783 a 788 e 792 a 795, a certidão da escritura de constituição da sociedade EMP02... - Unipessoal, Lda. de fls. 789 a 791;
- Ao auto de revista e apreensão de fls. 804, relativo ao montante em numerário apreendido ao arguido BB;
- Ao auto de apreensão do telemóvel ... 10 ao arguido BB de fls. 805;
- Ao auto de apreensão da viatura de matrícula ..-VG-.., pertença do arguido BB;
- Ao auto de busca e apreensão que teve por objecto esse veículo, junto a fls. 807 e 808;
- Aos autos de apreensão dos telemóveis de marca ..., modelo ..., e ..., modelo ..., ao arguido DD, juntos a fls. 813 e 814, respectivamente;
- Ao auto de apreensão do telemóvel de marca ... ao arguido CC de fls. 818;
- Ao auto de busca e apreensão ao estabelecimento de diversão nocturna de fls. 820 a 823 e ao conjunto de documentos apreendidos e juntos a fls. 824 a 1006;
- Os talões de fls. 831 a 842, relativos ao TPA nº ...62 que ali funcionava nessa ocasião e os documentos bancários a ele respeitantes de fls. 783 a 788, 792 e 793;
- Aos autos de apreensão e selagem de imóvel de fls. 1007 e 1085;
- Aos inventários do recheio do imóvel apreendido juntos a fls. 1008 e 1083;
- Ao auto de busca e apreensão nos quartos do estabelecimento junto a fls. 1011 a 1017;
- Às mensagens encontradas no telemóvel da testemunha HH juntas a fls. 1030 a 1034 (cujo acesso foi por ela devidamente autorizado, conforme auto fls. 1029);
- Às fotografias e mensagens encontradas no telemóvel da testemunha GG, juntas a fls. 1048 a 1052 (cujo acesso foi por ela devidamente autorizado, conforme auto fls. 1045);
- Às mensagens encontradas no telemóvel da testemunha DDD juntas a fls. 1060 a 1064 (cujo acesso foi por ela devidamente autorizado, conforme auto fls. 1059);
- Aos contactos e mensagens encontradas no telemóvel da testemunha EEEE juntos a fls. 1071 a 1077 (cujo acesso foi por ela devidamente autorizado, conforme auto fls. 1070);
- À notificação para abandono voluntário do território nacional de fls. 1053;
- À reportagem fotográfica de fls. 1087 a 1111 que retrata o local, no dia 22 de Setembro de 2019, data, em que foram efectuadas as mencionadas buscas e apreensões;
- À caderneta predial urbana relativa ao imóvel onde funcionava o estabelecimento comercial de fls. 1223;
- À certidão do registo predial relativa ao mesmo imóvel junta a fls. 1225, que comprova que os arguidos AA e BB são seus co-proprietários de desde ../../2013, sendo em data anterior o imóvel propriedade de AA;
- Ao alvará de autorização e utilização de fls. 1227 emitido em nome do arguido AA que autorizou a utilização do imóvel como alojamento local por despacho proferido em 24/06/11 pela Câmara Municipal ...;
- Ao pedido formulado pelo arguido AA junto da Câmara Municipal ... relativo ao licenciamento de obras nesse imóvel e aos documentos que o acompanham, remetidos pelo município e juntos a fls. 1289 a 1308;
- Ao contrato de arrendamento celebrado, em ../../2019, entre o arguido AA e a sociedade EMP02..., representada pelo arguido BB, nos termos do qual o primeiro, na qualidade de senhorio, dá de arrendamento à segunda o imóvel onde funciona o estabelecimento em questão para a prática da actividade de alojamento local e de serviço de bar, junto a fls. 1228 e respectiva comunicação à Autoridade Tributária de fls. 1231;
- Aos elementos de identificação do arguido AA de fls. 226 a 228 e de fls. 342 a 344;
- Aos assentos de nascimento e de casamento do arguido AA de fls. 611 e 605, respectivamente;
- Aos assentos de nascimento de FFFF, GGGG e HHHH, filhas do arguido AA, juntos a fls. 599 a 604;
- Aos elementos de identificação do arguido BB de fls. 341, 345 e 346;
- Ao assento de casamento do arguido BB de fls. 595, que comprova ser cônjuge de EE;
- Ao assento de nascimento de TTT, que comprova ser filho do arguido BB, de fls. 597;
- À ficha de identificação civil de FF de fls. 1419 e 1420 e ao seu assento de nascimento, este junto a fls. 1428;
- Ao assento de nascimento de IIII, pai do arguido AA, de fls. 1422;
- À ficha de identificação civil do arguido DD de fls. 1430;
- À ficha de identificação civil do arguido CC de fls. 1492;
- Aos extractos de remuneração de JJ de fls. 310 e 311, com rendimentos declarados entre Maio e Setembro de 2018 como membro de órgão estatutário da sociedade EMP03..., Unipessoal, Lda. e à acta da reunião Câmara Municipal ... de 9/5/16 junta a fls. 323 a 336, que, em deliberou atribuir-lhe um apoio financeiro para realização de obras na sua habitação, dadas as suas precárias condições de vida;
- Aos extractos de remuneração do arguido BB de fls. 313 a 315, tendo recebido rendimentos pagos pelas sociedades EMP03... e EMP04...;
- Aos extractos de remuneração do arguido DD de fls. 320 a 321 e de fls. 1431 a 1433, os últimos dos quais comprovam que, desde 10/2018 até 09/2019, recebeu remunerações pagas pelas sociedades EMP03... e EMP02...;
- Ao registo junto do SIBA (Sistema de Informação de Boletins de Alojamento) da unidade hoteleira EMP01... Unipessoal por parte de AA junto a fls. 1398, 1399 e 1564;
- Os documentos de fls. 32 a 34, 290 a 293 e 551, publicações on-line de actos societários referentes às sociedades EMP04... e EMP03...;
- Às certidões permanentes das sociedades EMP04... de fls. 408 a 414, EMP03... de fls. 415, EMP01... de fls. 1393 todas dos autos principais e EMP02... de fls. 189, 190 e 191 do Apenso A;
- À certidão da sentença proferida nos autos de processo comum singular nº 472/13.3GAPTB de fls. 428 a 448;
- Às informações prestadas pelas autoridades espanholas juntas a fls. 616 a 624;
- Ao registo de propriedade da viatura de matrícula ..-VM-..;
- Às informações bancárias de fls. 4 a 44 do Apenso A, juntas pela Banco 2... e reportadas aos extractos bancários, no período compreendido entre 01/01/2017 e 19/02/2019 de contas tituladas por EMP04... Unipessoal, Lda., AA e EMP03..., Unipessoal, Lda.
- Os extractos bancários das contas tituladas por EMP04... Unipessoal, Lda., AA, remetidos pela Banco 2... a fls. 46 a 49 do Apenso A e referentes ao período compreendido entre 19/02/2019 e 01/04/2019;
- Os extractos bancários das contas tituladas por EMP04... Unipessoal, Lda., AA, remetidos pela Banco 2... a fls. 50 a 53 do Apenso A e referentes ao período compreendido entre 22/03/2019 e 10/05/2019;
- Aos quadros de movimentos relativos às sociedades: EMP04... de fls. 54 a 87 e EMP03... de fls. 88 a 99, todos do Apenso A;
- Aos quadros de movimentos relativos ao arguido AA de fls. 100 a 118 do Apenso A;
- Ao “cruzamento de movimentos” de fls. 118 a 143 do mesmo Apenso;
- Aos documentos bancários remetidos pela Banco 2... e juntos a fls. 145 a 175 relativos à conta nº ...30;
- Aos documentos de fls. 176 a 210 do mesmo apenso A.
- Aos relatórios dos exames efectuados aos telemóveis apreendidos aos arguidos que compõem o Apenso B, nomeadamente, no que respeita:
· ao telemóvel da marca ... do arguido BB, o conjunto de ficheiros com registos CCTV do interior e exterior do estabelecimento, constantes de fls. 9, 10 e 12;
· ao telemóvel apreendido ao arguido DD, o que consta do relatório de fls. 29 a 59, em especial as conversações de “chat” de fls. 47 e 48, onde refere que “trabalha num cabaré”, explica que mantém relações com mulheres que ali trabalham que, em consequência uma delas já não mantém relações sexuais “com clientes”, que mora “com 7 gajas”, que trabalha “com mulheres numa hospedaria em ...”, culminando com a frase “sex, drugs & musica ...”.
E ainda as mensagens de fls. 49 a 59 que demonstram claramente que o arguido DD sabia qual a actividade desenvolvida no estabelecimento e colaborava com os arguidos BB e XXX. Veja-se, por exemplo, a mensagem que consta de fls. 58, onde afirma que trabalha no bar e faz considerações sobre o chefe (o arguido BB com quem troca diversas mensagens) e um patrão, que identifica como sendo o arguido XXX.
· O relatório de exame do computador portátil do arguido AA de fls. 117 e ss, de onde constam cinco vídeos com imagens retiradas do sistema de videovigilância existente no estabelecimento.
- Aos documentos e relatórios que constam dos três volumes que compõem o apenso elaborado pelo Gabinete de Recuperação de Activos, que realizou a investigação patrimonial e financeira que permitiu o património incongruente relativamente a alguns dos arguidos.
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Relativamente aos demais autos de diligência externa, designadamente, (i) o de fls. 97 a 100, referente a fiscalização efectuada a 27 de Junho de 2017, (ii) o de fls. 279 e 280, relativo a diligência prévia à fiscalização efectuada no dia 17 de Outubro de 2018, (iii) o de fls. 490 e 491, referente a diligência efectuada a 5 de Janeiro de 2019, (iv) o de fls. 590, referente a diligência efectuada a 16 de Fevereiro de 2019 e (v) o de fls. 628 e 629, referente a diligência efectuada a 10 de Maio de 2019, por se reportarem a diligências não mencionadas na acusação, os elementos do SEF que terão presenciado os factos neles descritos não terem sido inquiridos e o inspector JJJJ, como referiu, não ter participado em nenhuma dessas diligências, sendo apenas quem determinou a sua realização, como, aliás, consta de cada um desses documentos, não foram considerados. O mesmo sucedendo relativamente à informação de serviço de fls. 667 referente a diligência efectuada a 19 de Setembro de 2019, não mencionada pelo Ministério Público na acusação e cujo subscritor não foi inquirido dado não ter sido sequer indicado como testemunha.
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Da análise critica destes elementos documentais, conjugada com a prova testemunhal e pericial e com as declarações prestadas pelos arguidos BB, em sede de primeiro interrogatório judicial, e de DD e CC, em audiência de julgamento, foi possível comprovar que todos comparticiparam, de maneiras diferentes, no favorecimento da actividade de prostituição que se desenvolvia no estabelecimento de diversão nocturna sito em ..., ..., o que sucedeu em períodos temporais distintos e com diversos graus de participação.
Vejamos.
O arguido BB, que não prestou declarações em sede de julgamento, fê-lo em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 23 de Setembro de 2019 (cf. fls. 1163) declarações essas que foram reproduzidas em audiência e que podem ser livremente valoradas pelo tribunal tal como advém do disposto pelo art. 357º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal.
Nelas mencionou que o estabelecimento na altura da fiscalização (em 22 de Setembro de 2019) era por si explorado, através da sociedade EMP02..., e que, nesse edifício, operava um bar e uma hospedaria. Reconheceu ainda trabalhar no bar desde que o abriu, cerca de um ano antes, e já antes ter trabalhado na mesma “casa”. Isto porque, em data anterior àquela, operou no mesmo local, o mesmo estabelecimento de bar e hospedaria, mas com um nome diferente, “EMP03...”, tendo ele alterado o nome quando tomou conta do negócio. Assumiu ainda que a “EMP04...” também funcionou nos mesmos moldes e no mesmo local, como bar e residencial.
Admitiu trabalhar no bar, onde também trabalhavam outros dois funcionários, o arguido DD e o arguido CC, sendo a actividade ali desenvolvida o alterne, ou seja, as mulheres que ali trabalhavam levavam os clientes a consumir bebidas e, em compensação, recebiam metade do valor dos consumos, ficando a casa com a outra metade.
Negou a existência de práticas de prostituição no local e, embora reconhecesse que as mulheres que ali trabalhavam dispunham de quartos na residencial, que alugavam pelo valor diário de € 20, e tivesse conhecimento que ali se deslocavam com os clientes, afirmou não ter conhecimento sobre o que faziam nos quartos.
Explicou que as mulheres que ali trabalhavam se deslocavam ao local em viatura própria ou de táxi, ali permanecendo “a alternar” normalmente por um período de 15 dias.
Relativamente ao modo como iniciavam funções referiu que eram as mulheres que se dirigiam ao local para saber se existia disponibilidade para ali trabalharem como alternadeiras, se tinham “praça”, como referiu, e, se tivessem, explicava-lhes que ficando alojadas nos quartos teriam que pagar € 20 por dia por cada quarto, sendo este o valor dos quartos mais baratos.
Nunca firmou contratos com essas mulheres e, embora reconhecesse que parte delas eram de nacionalidade ..., disse que lhes perguntava se tinham autorização de residência e, como elas ou lhe diziam que sim, ou lhe exibiam um cartão de residência, estava convencido de que seriam titulares de autorização de residência em Portugal.
Relativamente à hospedaria disse que o bar dava “apoio” à hospedaria, sem especificar como, e que esse estabelecimento era pertença do seu cunhado o arguido AA, também proprietário do edifício onde os dois espaços funcionavam. Afirmou que a residencial era “uma coisa à parte”, uma vez que o edifício não pertencia à sociedade por si constituída, a “EMP02...”, a qual apenas explorava o bar.
Quanto ao arguido DD reconheceu ser seu funcionário, trabalhando com ele no bar, ajudando no serviço de mesas e desempenhando ainda funções como recepcionista, tendo um outro funcionário a quem trata por KKKK, o arguido CC, presente no local na data da fiscalização.
Questionado sobre as mulheres identificadas a fls. 1166 dos autos que trabalhariam como alternadeiras no bar que explorava, disse que muitas delas utilizavam um nome “artístico” e, por isso, não conseguiu identificar outras que não a LL, a LLL e a OOO.
Já no que se reporta à identidade das mulheres que se encontravam no local a trabalhar no dia 22/9/19, noite em que foram efectuadas as buscas que culminaram na sua detenção, afirmou serem duas portuguesas, uma com o nome artístico “LLLL” e outra a quem chamava “MMMM”. Disse ainda que nessa ocasião ele estava sentado na cabine do DJ e que uma dessas duas mulheres estava a beber champanhe com um cliente.
A propósito do pagamento dos valores devidos pela ocupação dos quartos disse ser pago na caixa do bar, e descontado no valor das bebidas a que as mulheres teriam direito em virtude do alterne, o que sucedia porque o bar dava apoio à zona dos quartos, por exemplo, levando champanhe ou bebidas aos quartos. Apoio esse que passava também, segundo disse, pela limpeza, já que afirmou que os lençóis da hospedaria eram lavados na lavandaria que existia no estabelecimento de bar e que era o arguido DD quem fazia as camas e a limpeza na hospedaria.
Relativamente a JJ afirmou ser a pessoa que em data anterior à sua explorava o bar, na data sob a designação “EMP03...”, sendo o gerente da sociedade com o mesmo nome. E, porque o JJ abandonou a exploração do bar ele transmitiu ao cunhado, o arguido AA, que ia ficar a explorar o bar, tendo, para o efeito, celebrado um contrato de arrendamento com o cunhado.
A propósito do dinheiro que recebia no estabelecimento, designadamente, o proveniente do alterne, referiu que entregava às mulheres a parte que lhes cabia (50% do valor das bebidas facturadas) e ficava com os restantes 50%, explicando que o pagamento das bebidas às mulheres era efectuado ao final da noite tendo por base um ticket que saía da máquina com o número do quarto, ficando um ticket na posse delas e outo no bar. O número do quarto servia para identificar a mulher a quem teria que pagar os valores do alterne ao final da noite.
Já quanto aos valores entregues para pagar os quartos da hospedaria, disse que eram por ele entregues ao cunhado AA em numerário, contabilizando os valores descontados no que era devido pelo alterne. Justificou efectuar esses pagamentos em numerário em virtude de os clientes lhe pagarem muitas vezes com cartão multibanco e, por isso, posteriormente, entregava a parte correspondente ao alojamento ao arguido XXX em numerário.
Também assumiu operar no bar um terminal de pagamento bancário associado à sociedade EMP02... referindo que através desse terminal eram efectuados pagamentos tanto do serviço prestado pelo bar como do serviço prestado pela residencial, o qual estava associado a conta da Banco 2....
Instado a explicar como é que as funcionárias do bar acediam aos quartos disse que o faziam pelo exterior através de uma porta que existia no corredor das casas de banho da qual tinham chave, e que, através de umas escadas exteriores, acediam à residencial. Do bar, que se situa no rés-do-chão, não era possível aceder directamente aos quartos.
Confrontado com a apreensão de cerca de 500 preservativos e embalagens de gel lubrificante na hospedaria disse desconhecer esses factos.
No mais, assumiu na altura ter cerca de € 500 no bolso, valor que referiu ter-lhe sido emprestado por uma tia para proceder ao pagamento da revisão do carro, e, na sua carteira, € 305 em numerário, que destinava a despesas domésticas.
Disse que a viatura ... apreendida é sua pertença e que contraiu um crédito para a adquirir.
Confrontado com a fotografia de fls. 172 que retrata a tabela de preços dos dez quartos existentes no local disse que a disparidade de valores se refere à qualidade da bebida e ao tamanho do quarto, indo desde o mais caro, quarto champanhe até ao mais barato, o quarto económico.
Também reconheceu que no computador da caixa do bar estava a tabela de preços dos apontados quartos, que eram 10 no total.
O arguido DD admitiu trabalhar no bar do estabelecimento de diversão nocturna sito em ..., o que sucedeu desde ../../2019, conforme contrato de trabalho a termo certo que outorgou com a sociedade EMP02... Unipessoal e que juntou aos autos em sede de audiência, que mais não é do que uma cópia do contrato apreendido nesse estabelecimento a 22/9/22 (cf. fls. 872). Referiu ter sido contratado pelo arguido AA, inicialmente por um período probatório de 15 dias, tendo ali trabalhado durante 8 meses. Disse que, na altura, tinha um problema de dependência de estupefacientes e viu necessidade de sair da cidade ... e, por isso, aceitou exercer aquelas funções, uma vez que o lugar estava disponível porque a pessoa que exercia anteriormente essas funções tinha tido um acidente.
Confrontado com a circunstância de no contrato de trabalho constar ter sido contratado pelo arguido BB não soube explicar esse facto.
Quanto às funções que ali exerceu referiu que trabalhava no bar, não exercendo a função de recepcionista de segunda que consta do contrato, não adiantando qualquer explicação coerente para tal dissidência, limitando-se a afirmar ter sido “a contabilidade” que tomou essa decisão.
Disse que o estabelecimento se situava em ... e era composto por um bar e uma hospedaria ou residencial e que o seu horário de trabalho era das 21:00 horas até às 02:00 ou 03:00 horas da madrugada.
No bar existia um espaço onde estavam clientes e mulheres estrangeiras que se dedicavam ao alterne que também ali residiam temporariamente e que afirmou serem clientes da hospedaria que existia no piso superior.
Assumiu ser ele quem recebia dos clientes o pagamento das bebidas consumidas, cujos montantes colocava na caixa, e quem registava esses consumos nos cartões disponíveis para o efeito. Explicou que as mulheres não pagavam as bebidas, sendo os consumos pagos pelos clientes homens e que, ao fim da noite, o responsável pelo espaço, que identificou como sendo o arguido BB, recolhia o dinheiro existente em caixa.
Também referiu desconhecer a prática naquele local de quaisquer actos de prostituição, afirmando ainda que apenas esteve presente na acção de fiscalização efectuada a 22 de Setembro de 2019, altura em que foram identificadas algumas cidadãs estrangeiras, cujas condições de entrada ou permanência em Portugal disse desconhecer.
A respeito dos pagamentos referentes à ocupação dos quartos da hospedaria disse não serem da sua responsabilidade, e, não obstante, referisse que as mulheres iam aos quartos, asseverou nunca ter visto homens a acompanhá-las.
Disse que algumas das mulheres ali pernoitavam por uma noite enquanto outras ali permaneciam por um mês ou 15 dias, que existia uma cozinha comum e que as mulheres que trabalhavam no bar não cumpriam qualquer horário.
Detalhou que o acesso aos quartos, tanto os situados no ... andar como os do anexo, não era feito através do bar, mas pelo exterior.
Ao contrário do afirmado pelo arguido BB, que lhe atribuiu essas funções, disse desconhecer quem seria o responsável pela limpeza dos quartos. Negou também ser o responsável pela atribuição dos quartos.
Relativamente ao arguido CC disse conhecê-lo por ambos terem trabalhado nesse local, atribuindo-lhe a função de “desentupir canos” e ajudar, esporadicamente, no bar, recolhendo os copos.
O arguido CC prestou declarações depois de produzida a prova reconhecendo ter trabalhado no estabelecimento em questão entre Julho e Setembro de 2019, exercendo funções como empregado de bar, nomeadamente recolhendo copos, e, por vezes, como porteiro. Disse ainda que o bar dava apoio à hospedaria.
Explicou que, tendo conhecimento da existência de uma vaga como empregado de bar naquele estabelecimento, telefonou para a hospedaria e falou com o arguido BB, tendo-lhe sido agendada uma entrevista. Esteve um dia “à experiência” e depois foi contratado pelo arguido BB para desempenhar funções no bar, tendo ainda desempenhado funções como porteiro, no mês de Agosto, quando o movimento era maior. Dava assistência ao bar, onde desempenhavam funções os arguidos BB e DD.
Questionado disse que nunca se apercebeu da prática de actos de prostituição na hospedaria, admitindo apenas que viu as “meninas” e os clientes a “conviver”.
Identificou as pessoas responsáveis pelo bar como sendo os arguidos BB e DD.
Também referiu que, se fosse necessário, efectuava limpezas no corredor dos quartos da hospedaria e no pátio e que o arguido DD dormia lá.
Trabalhava das 22:00 às 04:00 da manhã e tinha um dia de folga por semana. Disse que quem lhe pagava o salário, no valor de € 1000 mensais, era o arguido BB, que lhe pagava por cheque e lhe dava o resto “por fora”.
Quanto aos montantes pagos pelas mulheres para se alojarem na hospedaria disse que pagavam € 30.
Os elementos policiais inquiridos, na data todos funcionários do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, referiram-se às diversas acções de fiscalização que, ao longo dos anos, foram realizadas no estabelecimento em questão e que estão documentalmente comprovadas nos autos, nas quais foram invariavelmente detectadas mulheres estrangeiras em situação irregular em território nacional e que determinaram a instauração dos processos de contra-ordenação mencionados contra a sociedade que explorava o estabelecimento, por emprego de mão de obra ilegal, bem como a detenção de algumas dessas cidadãs ou a notificação para que voluntariamente abandonassem o território nacional, tal como emerge dos documentos acima elencados.
O, na data, inspector chefe do SEF e, actualmente, Inspector Chefe da Polícia Judiciária (na disponibilidade) NNNN, referiu não conhecer os arguidos fora do âmbito das suas funções, que o levaram a participar em duas acções de fiscalização ao estabelecimento de diversão nocturna sito em ..., uma em 2016 e outra em 2017, as quais tiveram em vista verificar a situação regular ou irregular de cidadãs estrangeiras que ali trabalhavam.
Confirmou ter participado na inspecção de dia 30 de Novembro de 2016, cujo relatório operacional está junto a fls. 11 e cujo teor confirmou, e na inspecção efectuada de 28 para 29 de Junho de 2017, cujo relatório operacional está junto a fls. 111. Mencionou que, nessas duas ocasiões, verificou que no espaço funcionava um bar, onde se encontravam mulheres “em trajes reduzidos” e apenas clientes do sexo masculino.
Na primeira acção, ocorrida a 30 de Novembro de 2016, quando o estabelecimento dava pelo nome “EMP04...”, foi identificado o porteiro, OOOO, conforme ficha de identificação de fls. 17 e o arguido BB, identificado como gerente (não sócio), conforme ficha de identificação de fls. 18.
Quanto à nacionalidade das mulheres que ali se encontravam disse que a maioria eram cidadãs estrangeiras e que algumas delas não possuíam documentos que as autorizassem a permanecer em Portugal, tendo sido identificadas algumas em situação ilegal no nosso país, tal como consta do documento de fls. 16.
Todavia, nada soube esclarecer relativamente às concretas circunstâncias em que essas mulheres entraram ou permaneciam em território nacional.
Confirmou existir no local uma zona de quartos, a que se acedia pelo exterior do bar, onde em nenhuma das ocasiões encontraram quaisquer homens.
Confrontado com o relatório operacional de fls. 111 e 112 referiu reportar-se à fiscalização efectuada em 29 de Junho de 2017 quando foram identificadas no mesmo estabelecimento três mulheres que permaneciam em situação irregular em Portugal (cf. fichas de identificação de fls. 155 158 e 161), assim como clientes do bar (cf. fichas de identificação de fls. 149, 150 a 152), o arguido BB, que se apresentou como sendo o gerente (cf. ficha de identificação de fls. 147) e o arguido AA, que se apresentou como familiar do gerente (conforme ficha de identificação de fls. 153), e ainda PPPP, que se identificou como porteiro (conforme ficha de identificação de fls. 148).
Quanto às cidadãs estrangeiras referiu que, através do SIBA - Sistema de Informação de Boletins de Alojamento, plataforma onde as unidades hoteleiras comunicam as estadias de cidadãos estrangeiros ao SEF, verificaram se a permanência das apontadas cidadãs havia sido comunicada ao SEF, tendo constatado que algumas delas se encontravam em situação irregular em Portugal.
QQQQ, na data Inspector chefe do SEF e, actualmente, Inspector Chefe da Polícia Judiciária a prestar serviço como Director de departamento da AIMA, no ..., referiu ter participado em duas acções inspectivas à hospedaria sita em ..., ..., na altura em que era o responsável pela Delegação Regional do SEF de ..., cujas funções eram de coordenação dos inspectores responsáveis pelas fiscalizações.
Quanto às datas dessas duas fiscalizações referiu que uma delas ocorreu a 30 de Novembro de 2016, conforme relatório operacional de fls. 11, e a outra a 28 de Junho de 2017, conforme relatório operacional de fls. 111 e ss. Na primeira encontravam-se no local os arguidos AA e BB, cujas funções eram de gerência, sendo os responsáveis do estabelecimento, sendo a sociedade que explorava o espaço, na ocasião, a EMP04....
Mencionou que nas duas fiscalizações em que participou foram detectadas cidadãs estrangeiras em situação ilegal, que estavam a trabalhar no estabelecimento, situação comprovada por uma equipa de inspectores do SEF que, previamente à fiscalização, entrou no estabelecimento e pôde constatar que as mencionadas cidadãs ali exerciam funções de alterne.
Também referiu que as pessoas identificadas que disseram viver na hospedaria eram apenas mulheres e que algumas delas se encontravam em situação irregular em território Português, conforme documento de fls. 16, cujo teor confirmou.
No mais, mencionou nada saber quanto à repartição do dinheiro proveniente do alterne, não ter presenciado quaisquer actos de prostituição e não se ter deslocado aos quartos em nenhuma das apontadas ocasiões.
RRRR, na data Inspector-chefe do SEF a prestar serviço na Delegação Regional ... e, actualmente, a exercer as funções de Inspector Chefe da Polícia Judiciária, na disponibilidade, referiu ter participado em duas fiscalizações ao estabelecimento em questão, uma em 2016 e outra em 2017, cuja finalidade era verificar a situação regular ou irregular de cidadãs estrangeiras e na sequência das quais vieram a ser detectadas cidadãs brasileiras e uma cidadã dominicana, esta detida por permanência ilegal em território nacional.
Confrontado com os relatórios operacionais de fls. 11 e 111 (de 30/11/16 e de 29/6/17), referiu serem essas as operações de fiscalização em que participou, reconhecendo, nas fotografias de fls. 164 a 172, o estabelecimento em causa. Disse que ali se encontravam mulheres trajando roupas curtas e apelativas para pessoas de sexo masculino e que no local funcionava um bar de alterne, onde os clientes pagam bebidas incentivados pelas mulheres que ali trabalhavam, beneficiando tanto o bar como as cidadãs do consumo dos clientes.
Referiu que, no mesmo edifício, também funcionava uma hospedaria, que essa hospedaria preenchia o registo SIBA (Sistema de Informação de Boletins de Alojamento), que permitia ao SEF identificar as pessoas que ali se encontravam hospedadas, não obstante, por vezes, esses registos fossem omissos quanto à data de saída dos hóspedes.
Afirmou que maioria dos hóspedes eram mulheres, mas, em situações pontuais, também existiriam homens ali hospedados.
No mais, disse já não conseguir identificar a pessoa responsável pelo bar na data das fiscalizações ou o a pessoa que geria o espaço.
SSSS, na data Inspector do SEF, a prestar serviço na Delegação Regional ... e, actualmente, a exercer funções como Inspector da Polícia Judiciária no Departamento de Investigação Criminal de ..., afirmou ter participado na fiscalização ocorrida no dia 30 de Novembro de 2016. Nessa ocasião foram efectuadas consultas ao Sistema de Informação de Boletins de Alojamento (SIBA) - que obriga as unidades hoteleiras a comunicarem os estrangeiros que tenham alojados - e, por terem sido detectadas cidadãs estrangeiras em situação ilegal ali alojadas, efectuaram a fiscalização, até porque havia notícia de tratar-se de um bar de alterne.
Assegurou que no local se encontrava, pelo menos, um cliente e senhoras que se dedicavam ao alterne, trajando roupas reduzidas e acompanhando clientes homens. Dessas mulheres duas encontravam-se em situação ilegal em território nacional, embora não soubesse esclarecer a forma como entraram no nosso país.
Quanto ao acesso aos quartos disse que era efectuado pelo exterior do edifício e não através do bar.
Por fim, confirmou ter sido ele quem, na ocasião, identificou o arguido BB, como sendo gerente não sócio, e um indivíduo que ali exercia as funções de porteiro, tal como se consta das fichas de identificação de fls. 17 e 18 que lhe foram exibidas e cujo teor confirmou.
Embora se tivesse deslocado numa outra ocasião ao local, quando foram cumpridos os mandados de busca, disse nada ter presenciado por, nessa ocasião, a sua intervenção se ter limitado a efectuar a segurança no perímetro exterior.
WWW, na data Inspector do SEF a prestar serviço na Delegação Regional ... e, desde Outubro de 2018, assim como actualmente, a exercer funções enquanto Inspector da Polícia Judiciária junto do aeroporto do Porto, referiu ter participado numa acção de fiscalização em 2018 em data anterior a Junho, ao estabelecimento comercial em causa nos autos, a qual abarcou também outros estabelecimentos.
Confrontado com o relatório de operação de fiscalização de fls. 184 a 189 onde está identificado, confirmou ter participado nessa acção, que teve lugar no dia 31 de Janeiro de 2018, integrada numa operação que envolveu diversos estabelecimentos, entre os quais a residencial EMP04....
TTTT, na data inspectora do SEF a prestar serviço na Delegação Regional ... e, actualmente, a exercer funções na Polícia Judiciária, confirmou ter participado na fiscalização efectuada ao estabelecimento comercial sito em ..., no dia 30 de Novembro de 2016, conforme consta do relatório junto a fls. 11, que lhe foi exibido. Contudo, esclareceu que as suas funções no âmbito dessa operação se limitaram a acompanhar as mulheres que se encontravam no bar aos respectivos quartos para irem buscar os seus documentos de identificação, por forma a poderem efectuar as consultas às bases de dados do SEF e verificarem a legalidade da permanência de cada uma delas em território nacional. Referiu ainda que essas mulheres se dedicavam ao alterne e que algumas se encontravam em situação ilegal em Portugal.
Instada, explicou inexistir acesso directo entre o bar e os quartos, uma vez que efectuou esse acesso pelo exterior. A propósito dos quartos disse que se tratava do mesmo tipo de quartos que habitualmente via nas operações a casas de alterne, quartos numerados, cada um com os pertences da respectiva ocupante, pertences esses que não evidenciavam estadias de longa duração e onde cada uma das mulheres guardava a respectiva documentação.
Também referiu que normalmente as mulheres que se dedicam ao alterne costumam permanecer nos bares de alterne por curtos períodos, prestando serviços onde querem. Explicou que esses períodos temporais são designados pelos elementos policiais como “praça” que, normalmente, era de cerca de 15 dias, uma vez que as mulheres “circulavam” entre diversos estabelecimentos de alterne.
Sobre os factos nada mais esclareceu.
UUUU na data Inspector do SEF a prestar serviço na Direcção Regional ... e, actualmente, a exercer funções no Gabinete de Recuperação de Activos, em ..., também referiu que o conhecimento que tem dos factos adveio do exercício das suas funções, tendo participado apenas numa acção de fiscalização, que referiu, sem certeza, ter ocorrido em Junho de 2017. Explicou que as mulheres que se encontravam no bar usavam roupas reduzidas e que se tratava de um bar de alterne, disse não ter entrado nos quartos, embora soubesse da existência de quartos no local, que caracterizou como uma casa de alterne. Referiu ainda que uma das mulheres que nessa ocasião ali trabalhava se encontrava em situação irregular em Portugal.
VVVV, na data a exercer funções como Inspector do SEF na Delegação Regional do Norte e, actualmente, a prestar serviço na Delegação ..., referiu ter participado em duas acções de fiscalização ao estabelecimento comercial sito em ..., ..., uma em 30/11/2016 e outra em 31/1/2018, o que se acha corroborado pelos relatórios fls. 11 e de fls. 184. Explicou que, nessas datas, identificaram as mulheres que trabalhavam no bar, os clientes e os funcionários e que o estabelecimento era composto por um bar, no piso térreo, e uma residencial, sita no piso superior. Disse que as mulheres tinham “pouca roupa”, mas não acedeu ao espaço como cliente e, como tal, referiu desconhecer a prática de quaisquer actos de prostituição no local.
WWWW, na data Inspector do SEF a exercer funções na Delegação Regional ... e, actualmente, a exercer as funções de Inspector da Polícia Judiciária na Delegação ..., mencionou ter participado numa acção de inspecção ao estabelecimento em questão em Janeiro de 2018, resultando ainda do relatório de operação de fiscalização de fls. 184 que participou também na operação iniciada a 31 de Janeiro de 2018 e terminada a 1 de Fevereiro de 2018, que envolveu vários estabelecimentos, o último dos quais a Residencial EMP04....
XXXX, na data Inspectora do SEF a prestar serviço na Delegação Regional do Norte, no ..., e, actualmente, a prestar funções na Directoria do Centro da Polícia Judiciária referiu ter intervindo na fiscalização realizada no dia 30 de Novembro de 2016, o que se acha corroborado pelo relatório operacional de fls. 11. Afirmou que, nessa ocasião o estabelecimento tinha a designação EMP04... e que ali foram detectadas a trabalhar algumas mulheres estrangeiras em situação irregular no nosso país.
YYYY, na data a exercer funções como Inspector do SEF na Delegação Regional ... e, actualmente, como Inspector Chefe no Departamento de Investigação Criminal de ... da Polícia Judiciária, referiu conhecer o arguido AA por via do exercício das suas funções, já que interveio na fiscalização realizada ao estabelecimento no dia 30 de Novembro de 2016, conforme relatório operacional de fls. 11, no decurso da qual foram identificadas as cidadãs estrangeiras que se encontravam no local a fim de determinar se se encontravam em situação irregular em Portugal. Todavia, porque a sua intervenção se limitou a assegurar a segurança do perímetro exterior, do seu depoimento resultou nada ter presenciado que pudesse contribuir para a descoberta da verdade.
AAAA, na data Inspector do SEF, a prestar serviço na Direcção Regional ..., no ..., e, actualmente, a exercer as funções de Inspector da Polícia Judiciária em ..., referiu ter participado nas acções de fiscalização realizadas pelo SEF a 29 de Junho de 2017, conforme relatório de fls. 111, entre 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2018, conforme relatório de fls. 184 e a 17 de Outubro de 2018, conforme relatório de fls. 283, cujos teores confirmou.
Disse que em todas essas acções foram detectadas a trabalharem no estabelecimento diversas mulheres estrangeiras algumas das quais em situação irregular, sendo esse precisamente o objectivo dessas acções de fiscalizações.
Descreveu o local, afirmando que existia um bar no rés-do-chão e uma residencial no ... andar e que no bar trabalhavam mulheres predominantemente estrangeiras.
Nada adiantou quanto à prática no local de actos de prostituição, que não presenciou.
Quanto à forma como essas mulheres seriam recrutadas para trabalharem naquele local, disse que seria através do “passa-palavra” entre as mulheres, tal como se constata a partir da troca de mensagens de uma das mulheres, HH, juntas a fls. 1029 a 1037.
Também confirmou a presença do arguido AA no tribunal de ... quando uma das mulheres que trabalhava no estabelecimento foi detida por permanência ilegal em Portugal.
ZZZZ, na data Inspector do SEF a prestar serviço na Delegação Regional ... e, actualmente, a prestar serviço como Inspector no Departamento de Investigação Criminal de ... da Polícia Judiciária, mencionou ter intervindo na acção de fiscalização realizada no dia 30 de Novembro de 2016, conforme relatório operacional de fls. 11 ao estabelecimento EMP04....
Disse que entrou no local acompanhado por um colega, como se fossem clientes, tendo recebido um cartão de consumo, após deslocaram-se ao bar onde cada um pediu uma cerveja, que foi anotada no cartão, de seguida sentaram-se num canto onde pudessem observar toda a casa e logo vieram três mulheres latino-americanas sentar-se ao lado deles, tendo-lhes sido oferecidos serviços sexuais remunerados, caracterizando, por isso, o local como uma casa de alterne e de prostituição.
AAAAA, na data Inspector do SEF a prestar serviço na Delegação Regional do Norte, no ..., e, actualmente, em situação de disponibilidade, referiu ter participado na inspecção ocorrida no dia 17 de Outubro de 2018 conforme relatório de operação de fls. 283 e também na data das buscas realizadas no dia 22/09/19, conforme auto de busca e apreensão de fls. 820.
Quanto à fiscalização de 2018 disse ter-se tratado de uma operação muito rápida cujo objectivo foi apenas identificar potenciais pessoas em situação ilegal. E que na outra fiscalização, em 22 de Setembro de 2019, interveio na busca ao bar. Em ambas as ocasiões permaneceu no bar, nunca tendo acedido aos quartos. Confirmou a presença no local de mulheres estrangeiras, sul americanas, com pouca roupa, como disse ser normal nas casas de alterne.
No mais, não soube identificar a pessoa responsável por explorar o bar, nem ter visto qualquer acto de prostituição.
BBBBB, na ocasião Inspector do SEF a prestar serviço na Delegação Regional do Norte, no ..., e, actualmente, a prestar serviço na Directoria do Norte da Polícia Judiciária, disse ter participado em duas fiscalizações que foram as realizadas em 29 de Junho de 2017, conforme relatório de fls. 111 verso e, entre 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2018, conforme relatório de fls. 184 e ainda na diligência de busca efectuada ao bar a fls. 820 realizada no dia 22/9/19.
Disse que as fiscalizações visavam identificar cidadãs estrangeiras tendo, em todas elas detectado pessoas em situação ilegal, a maior parte das quais brasileiras, tendo os procedimentos variado entre a notificação para abandono voluntário do território e a detenção. Nessas ocasiões também foram identificados clientes. Todas as mencionadas mulheres trajavam roupas reduzidas.
CCCCC, na data Inspector-Chefe do SEF a prestar serviço na Delegação Regional do Norte, no ..., e, actualmente, a prestar serviço como Inspector Chefe da Polícia Judiciária na Delegação Regional do Norte, no ..., referiu ter participado na fiscalização realizada a 29 de Junho de 2017, conforme relatório de fls. 111 verso, cujo teor confirmou, e na fiscalização realizada entre 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2018, conforme relatório de fls. 184, que também confirmou.
Descreveu com pormenor o local, um estabelecimento de diversão nocturna composto por bar e salão, onde se encontravam os clientes.
Apontou como objectivo principal das acções de fiscalização em que participou identificar cidadãos estrangeiros e aferir da regularidade da sua situação em Portugal. Afirmando que em todas as fiscalizações foram detectadas cidadãs estrangeiras em situação irregular.
Pronunciou-se ainda sobre as buscas e apreensões efectuadas no dia 22 de Setembro de 2019 nas quais participou, confirmando o que consta dos autos de fls. 820 e 1011. Adiantou ainda que, nessa ocasião, o arguido BB se encontrava no local.
No mais revelou nada saber relativamente ao recrutamento das cidadãs estrangeiras.
A propósito da diligência de fls. 97, realizada a 27 de Junho de 2017 na qual dois inspectores do SEF se fizeram passar por clientes do estabelecimento, referiu ter sido por si determinada, mas não presenciada.
Foi com base nos depoimentos prestados por cada um destes elementos do extinto SEF e nos factos por eles presenciados, conjugados com os relatórios operacionais e documentos que os acompanham acima referidos relativos às operações efectuadas nos dias 30 de Novembro de 2016, 29 de Junho de 2017, 1 de Fevereiro de 2018, 17 de Outubro de 2018 e 22 de Setembro de 2019, que o tribunal alicerçou a sua convicção relativamente aos factos que julgou provados nos pontos 25) a 44).
Assim, quanto à fiscalização do dia 30 de Novembro de 2016 (e não dia 31 - o mês de Novembro não tem 31 dias e do relatório resulta que a fiscalização ocorreu no dia 30), atentou-se ao relatório operacional de fls. 11 a 14, ao auto de notícia de fls. 87, aos documentos de fls. 158 a 160, ao auto de notícia de fls. 87, ao depoimento prestado pela testemunha PP conjugado com o auto de notícia de fls. 87.
Por resultar do mencionado relatório operacional não terem sido onze as mulheres de origem estrangeira detectadas nessa fiscalização, esse facto foi julgado não provado.
Por inexistir qualquer documento que comprovasse que a cidadã LL, em 30/11/16 “desobedecesse há mais de sete meses a uma notificação para abandono voluntário de território nacional, determinação pronunciada na sequência da apreciação de um pedido de regularização extraordinário que se verificou inviável ou fraudulento” e a mesma, quando prestou depoimento, não o ter confirmado, esse facto foi julgado não provado.
Por, do auto de notícia de fls. 87, não resultar que a cidadã MM, em 30/11/16, se encontrasse em excesso de permanência no Espaço Schengen há mais de 40 dias ou que não apresentasse qualquer antecedente migratório em território português nem ter sido produzida qualquer prova que comprovasse essa afirmação, esse facto foi julgado não provado.
Quanto à fiscalização realizada na noite de 28 para 29 de Junho de 2017, atentou-se ao teor do relatório operacional de fls. 111 a 113, aos documentos de fls. 114 a 146, e de fls. 158 a 160 e ao auto de notícia de fls. 235.
A propósito da fiscalização realizada na noite de 31 de Janeiro para 1 de Fevereiro de 2018, à identificação das mulheres que trabalhavam naquele estabelecimento e à irregularidade da permanência de algumas delas em território nacional, atentou-se o relatório de operação de fiscalização de fls. 187 e 189, às fichas de identificação de fls. 196 e 197, às notificações de fls. 204 e 205 e aos autos de notícia de fls. 206 a 225.
Por resultar desse relatório da operação de fls. 187 e 189 que foram seis as cidadãs que se encontravam irregular ou ilegalmente em território nacional, tendo quatro delas sido detidas e duas notificadas para abandonarem voluntariamente o nosso país, não se deu como assente que fossem apenas quatro as cidadãs que se encontravam em situação irregular em território nacional nessa ocasião.
Quanto à fiscalização do dia 17 de Outubro de 2018 ao mesmo estabelecimento, nessa ocasião a operar sob a designação “EMP05...”, à identidade das mulheres estrangeiras que ali trabalhavam, e à situação irregular em território nacional de duas delas o tribunal considerou o teor do relatório de fls. 283, a ficha de identificação de fls. 295, a notificação para abandono voluntário do território nacional de fls. 297 e o documento de fls. 298.
Que, no âmbito das mencionadas acções de fiscalização desenvolvidas pelo SEF, sete das mulheres estrangeiras fiscalizadas foram detidas por permanecerem ilegalmente em território nacional e presentes a juiz para efeito de afastamento coercivo do território nacional, é o que resulta dos documentos:
- De fls. 16 e 54, que comprovam a detenção, no dia 30/11/16, das cidadãs MM e PP;
- De fls. 113 e da certidão de fls. 120 a 146, que comprovam a detenção, no dia 29/6/17, de QQ;
- De fls. 206, 208, 213 e 220, que comprovam a detenção, no dia 01/02/18, de DDDDD, TT, VV e BBBB.
A instauração dos processos de contra-ordenação contra a EMP04... Lda., por emprego de mão-de-obra irregular atesta-se a partir das certidões de fls. fls. 83 a 96, 233 a 263 e 264 a 278.
No que respeita à fiscalização do 22 de Setembro de 2019, no mesmo estabelecimento, nessa data denominado “EMP06...” (o arguido BB disse que alterou o nome do bar e dos cartões de consumo apreendidos consta a designação “EMP06...” – cf. fls. 852 a 854) e mais precisamente ao facto de terem sido encontrados num dos quartos as testemunhas HH e II, prestes a iniciar relacionamento sexual remunerado, o tribunal atentou à informação de serviço de fls. 670 e ao depoimento a testemunha II, ali identificado, que se assumiu como cliente do estabelecimento e encontrar-se no quarto com uma das mulheres para com ela manter relações sexuais remuneradas, a testemunha HH.
Já HH, não obstante a evidência do que é relatado no auto de fls. 670 e do que resultou do depoimento prestado pelo cliente II, não teve pejo em afirmar que estava no quarto a “conversar” e que nunca se prostituiu naquela hospedaria, local onde afirmou ter estado três a quatro vezes e cujo espaço conheceu sob várias denominações como EMP03..., EMP02... e EMP04..., afirmando que era “tudo o mesmo”.
Negou ter praticado actos de prostituição na hospedaria, mas não conseguiu justificar porque motivo pagava € 30 por dia (portanto cerca de € 900 por mês) para ter acesso a um dos quartos, onde referiu não pernoitar, pois todas as noites regressava a casa em ... (habitação que arrendava pelo valor mensal de € 250), uma vez que, durante o dia, trabalhava como manicure num salão dessa cidade.
Disse que auferira pela prática de alterne o valor mensal de cerca de € 500 a € 600, o que também não se compagina com o pagamento de € 900 mensais pelo acesso ao quarto onde não dormia.
Confrontada com a tabela dos preços dos quartos de fls. 1088 disse apenas referir-se ao preço do champanhe, o que não se compreende se não levasse clientes para o quarto.
A respeito do pagamento do valor devido pela utilização do quarto disse que efectuava o pagamento ao funcionário do bar (que não soube, ou não quis identificar), e que esse pagamento era diário, ao final da noite, na mesma altura em que recebia o valor devido pelo alterne. Afirmou que esse funcionário do bar é que lhe marcou o quarto, que lhe foram pedidos os seus documentos e que tinha a sua situação em Portugal regularizada.
Confrontada com as mensagens retiradas do seu telemóvel juntas a fls. 1029 e ss disse serem conversas mantidas com colegas de trabalho, da mesma e de outras casas de alterne, e que o indivíduo de nome XXX era o taxista de ....
No mais referiu que trabalhou naquele local três meses, que se identificava como “LLLL”, que conheceu o arguido BB nesse bar e o arguido AA em ... e que é cidadã portuguesa (facto atestado a fls. 1115).
As declarações por ela prestadas relativamente ao sucedido a 22 de Setembro de 2019, quando foi surpreendida num dos quartos da hospedaria com um cliente não mereceram, portanto, qualquer credibilidade e, como tal, com base no depoimento de II e do que consta a esse propósito no auto de fls. 670, o tribunal deu como assentes esses factos.
Por não resultar da prova produzida que o cliente e a testemunha HH estivessem a manter relações sexuais ou tivessem acabado de as manter quando foram surpreendidos, esse facto foi julgado não provado.
No que se refere às mulheres identificadas nessa ocasião o tribunal considerou o que consta do auto de notícia de fls. 1115 a 1116 e da notificação para abandono voluntário do território nacional de fls. 1053.
E, relativamente às apreensões efectuadas ao arguido BB os autos de revista e apreensão de fls. 804 a 807.
Quanto às apreensões efectuadas no estabelecimento o auto de busca e apreensão e os documentos de fls. 820 a 1008.
Por constar de fls. 850 que o cartão de visita do banco Banco 1... encontrado na busca de 22/9/19 não foi emitido em nome de YYY (mas sim de AAA) e de fls. 851 que o cartão apreendido em nome da sociedade “EMP02..., Lda.” não se referia a Banco 3... (é um cartão de cliente da empresa “EMP07...”) esses factos foram julgados não provados.
No que respeita às apreensões efectuadas na hospedaria atentou-se ao que consta do auto de busca e apreensão de fls. 1011 a 1014 e aos talões juntos a fls. 1015 a 1017. Foi com base nesse auto que foi possível apurar a identidade de cada uma das mulheres que ocupavam esses quartos. Na verdade, esse documento evidencia que cada ocupante do respectivo quarto tomou conhecimento da busca e das apreensões realizadas e assinou o respectivo auto – cf. fls. 1011 a 1014 – o que permitiu ao tribunal julgar esses factos como provados.
Por não resultar desse auto que, no quarto nº 5, tivesse sido encontrado mais do que um dildo esse facto foi julgado não provado.
A identificação das cidadãs que, em cada uma das acções de fiscalização efectuadas, trabalhavam no apontado estabelecimento comprovou-se a partir do que consta de cada um desses relatórios e dos documentos que os acompanham, designadamente, das fichas de identificação das pessoas encontradas nesses locais, acima já mencionadas.
Que a cidadã QQQ identificada na fiscalização de 30 de Novembro de 2016 tem nacionalidade portuguesa é o que resulta da ficha de identificação junta a fls. 30, motivo pelo qual não se julgou provado que tivesse nacionalidade ....
Que nem todas as cidadãs fiscalizadas se encontravam em situação irregular é facto que também advém da análise dos mencionados documentos. Veja-se que do relatório de fls. 11 resulta que algumas das mulheres que ali trabalhavam eram titulares de cartão de residência válido, outras tinham autorização de residência em Espanha e outras tinham pedidos pendentes de apreciação junto do SEF, o mesmo se verificando, por exemplo, pela análise do relatório de fls. 112.
No que respeita à propriedade do imóvel onde funcionava o bar e a hospedaria, que se comprovou ser pertença dos arguidos AA e BB, desde ../../2013, atentou-se ao teor da certidão predial de fls. 1225 e 1226.
A emissão do Alvará de Autorização de Utilização nº ...11 por parte da Câmara Municipal ... em 24 de Junho de 2011, em nome de AA, na data proprietário do imóvel (conforme emerge da certidão predial referida), que autorizou a sua utilização como alojamento local comprovou-se a partir do Alvará junto a fls. 1227.
A constituição de diversas sociedades cujo objecto era a exploração do estabelecimento de hotelaria e restauração em questão resultou demonstrada a partir das certidões permanentes juntas aos autos.
Na verdade, emerge da certidão permanente de fls. 408 a 414 que, em 27/04/2011, o arguido AA constituiu a sociedade “EMP04..., Lda.”, com sede no Lugar ..., ..., em ..., ..., cujo objecto era a exploração de actividade de hotelaria e de restauração e da qual era único sócio e gerente. E que, entre 21/11/16 e 18/5/2018, data em que a sociedade foi dissolvida e a matrícula cancelada, as funções de gerente foram exercidas pelo arguido BB.
Que, em 16/5/2018, para a exploração do mesmo estabelecimento, foi constituída a sociedade “EMP03..., Unipessoal Lda.” com sede no Lugar ..., ..., em ..., ..., cujo objecto social era a exploração de actividades de hotelaria e restauração, figurando JJ como seu único sócio e gerente é o que atesta a certidão permanente de fls. 415 e 416.
A constituição, em 1 de Fevereiro de 2019, com o mesmo objecto social e sede no mesmo local, pelo arguido BB da sociedade “EMP02... - Unipessoal, Lda.”, da qual foi o único sócio e gerente até 20 de Dezembro de 2019, data em que a mesma foi dissolvida e a matrícula cancelada, é o que resulta do contrato de constituição da sociedade junto a fls. 789 a 791 e da certidão permanente de fls. 189, 190 e 191 do Apenso A.
Por fim, a constituição, em 3 de Março de 2020, da sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda.”, titular do NIF ...10, com sede no mesmo local - Lugar ..., ..., em ..., ..., - e com o mesmo objecto social (exploração de estabelecimentos hoteleiros, sem restaurante, e bares), tendo como sócia e gerente FF é o que se constata do teor da certidão permanente de fls. 1394.
A data de nascimento de FF (a quem a acusação se refere como “quase septuagenária”) e a sua relação de parentesco com o arguido AA foi o que resultou comprovado a partir dos assentos de nascimento de fls. 611, 1422 e 1428, de onde emerge ser irmã do seu pai, IIII. Por isso, não se considerou provado, como se mencionava na acusação, que fosse tia do arguido BB, é tia do arguido AA.
O tribunal deu como assente que todas estas sociedades eram, de facto, geridas (e foram constituídas) pelos arguidos AA e BB para explorarem o estabelecimento comercial de bebidas e diversão nocturna instalado no edifício de que eram co-proprietários desde 2013, com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas e nos documentos juntos aos autos.
Efectivamente, JJ, sócio e gerente da sociedade EMP03... (cf. certidão permanente de fls. 415), disse conhecer os arguidos AA e BB, e, não obstante figurasse (como ainda figura) como sócio e gerente dessa sociedade nunca exerceu de facto essas funções, já que, na altura, se encontrava em situação de sem abrigo, tendo sido o arguido AA quem lhe propôs ser sócio “no papel”, o que aceitou mediante o pagamento de um salário mensal.
Afirmou ainda que quem geria de facto o estabelecimento e a sociedade era o arguido AA, sendo ele quem lhe pagava o salário ao fim do mês, e que o arguido BB trabalhava no bar, sendo as únicas pessoas que, nessa época, trabalhavam no estabelecimento. Também referiu que ele próprio ali exerceu funções enquanto porteiro durante três meses no ano de 2018 (depois deixou de aparecer porque ficou doente), tendo sido contratado pelo arguido AA, funções que exercia apenas à noite a partir das 21:00 horas e até de madrugada.
Mencionou que no local funcionava um bar de alterne onde trabalhavam mulheres, a maioria das quais sul americanas, onde as pessoas “bebiam copos”. Também disse ter conhecimento da existência da hospedaria, mas afirmou desconhecer se as mulheres levavam os clientes para os quartos.
O seu depoimento mostra-se corroborado pelos extractos de remuneração de fls. 310 e 311 (com rendimentos declarados apenas entre Maio e Setembro de 2018 como membro de órgão estatutário da sociedade EMP03..., Unipessoal, Lda.) pela acta da reunião da Câmara Municipal ... de 9/5/16 junta a fls. 323 a 336, que, deliberou atribuir-lhe um apoio financeiro para realização de obras na sua habitação, dadas as suas precárias condições de vida. E ainda pelos depoimentos prestados pelas testemunhas HH, que trabalhou no estabelecimento em 2018 e em 2019, GG, que ali trabalhou no Verão de 2019, DDD, que ali trabalhou entre Julho e Setembro de 2019, CCC, que também ali trabalhou em Setembro de 2019, PP, que trabalhou no mesmo local em 2016, 2018 e em 2019, KKK, que ali trabalhava em 30 de Novembro de 2016 e LL, que também ali trabalhava em 30/11/16, já que todas mencionaram que o espaço era gerido pelos arguidos AA e BB, sendo o segundo o responsável pelo bar.
Vão ao encontro destas afirmações as declarações prestadas pelo arguido DD ao admitir trabalhar no bar desde ../../2019, referindo ter celebrado um contrato de trabalho a termo certo com a sociedade EMP02... Unipessoal, representada pelo arguido BB, mas ter sido contratado pelo arguido AA.
Os extractos de remuneração do arguido BB de fls. 313 a 315 também comprovam ter auferido rendimentos pagos pelas sociedades EMP03... (entre 06/10 e 09/18) e EMP04... (entre 06/2011 e 05/2018).
Veja-se ainda que o contrato de arrendamento junto a fls. 1228, celebrado em ../../2019 entre o arguido AA e a sociedade EMP02..., representada pelo arguido BB, também demonstra que eram estes arguidos quem, de facto, explorava o local. Pois, não obstante fossem co-proprietários do imóvel, o arguido AA, na qualidade de senhorio, deu de arrendamento à sociedade representada pelo arguido BB o imóvel onde funciona o estabelecimento para o exercício da actividade de alojamento local e de serviço de bar, quando é certo que o arguido BB, em sede de primeiro interrogatório, afirmou ser o cunhado, o arguido AA, quem explorava a hospedaria, sendo ele o responsável pelo bar, bar que apenas “dava apoio” à hospedaria.
Por fim, e no que diz respeito à sociedade arguida EMP01..., cumpre salientar que resultou da prova testemunhal produzida que a sua sócia e gerente FF é pessoa desconhecida dos funcionários do bar ou das mulheres que ali prestavam serviços. O que, aliado ao facto de, dos documentos de fls. 1397, 1398, 1399 e 1564, resultar que o registo da unidade hoteleira EMP01... Unipessoal junto do Sistema de Informação de Boletins de Alojamento foi efectuado pelo arguido AA, demonstra que a mesma não exercia, de facto, as funções de gerente.
Da conjugação de todos estes elementos probatórios foi possível ao tribunal concluir, sem qualquer dúvida, que, no período a que se reportam os autos, foram os arguidos AA e BB que, de facto, exploraram o estabelecimento comercial instalado naquele imóvel, quer o bar quer a hospedaria, cujas actividades se complementavam, e que as sociedades que foram sendo constituídas ao longo dos anos, quer por um, quer por outro, quer por terceiros por sua ordem e interesse, visaram permitir o exercício dessa actividade comercial por parte de ambos.
A menção de que essas sociedades teriam sido constituídas para iludir as autoridades policiais não tem sustentação na prova recolhida nos autos e produzida em audiência e, como tal, foi julgada não provada.
Por também não existir qualquer evidência que a “denominação” das sociedades tivesse sido “alterada sempre que as autoridades judiciais/policiais as investigavam”, esse facto também se julgou não provado.
Quanto à actividade desenvolvida pelos arguidos AA e BB no estabelecimento comercial referido, foi possível comprovar tratar-se de actividade de “alterne” e de prostituição feminina, com vista à obtenção de proventos económicos.
O exercício da actividade de alterne foi confirmado, não só pelo arguido BB nas declarações que prestou em sede de primeiro interrogatório judicial, ao referir que a actividade desenvolvida pelas mulheres que ali trabalhavam era o alterne, ou seja, levavam os clientes a consumir bebidas e, em compensação, recebiam metade do valor desses consumos, ficando a casa com a outra metade. Mas também pelas testemunhas HH, GG, DDD, CCC, PP, KKK e LL, pois todas referiram ali terem exercido actividade como alternadeiras, nos moldes indicados pelo arguido Quintas, sendo o espaço gerido pelos arguidos AA e BB, este último responsável pelo bar.
A actividade de alterne foi ainda confirmada pelo inspectores do SEF inquiridos, como acima se referiu.
Que naquele local se praticavam actos de prostituição feminina foi o que se pôde comprovar a partir do depoimento da testemunha II, ao reconhecer que, no dia 22 de Setembro de 2019, data em que foi surpreendido no quarto com a testemunha HH, com ela iria praticar actos sexuais remunerados, conforme previamente acordado entre ambos.
Este facto foi ainda confirmado pelo inspector ZZZZ que se deslocou ao local com um colega, fazendo-se passar por clientes, tendo sido abordados por três mulheres que lhes propuseram a prática de actos sexuais remunerados.
A testemunha GG também admitiu ter trabalhado naquele espaço comercial como acompanhante, ainda antes da pandemia de Covid19, detalhando que os clientes lhe pagavam bebidas e que alugava um quarto na hospedaria para onde levava os clientes do bar e onde praticava actos de prostituição. Mais referiu que os montantes que recebia pela prática desses actos de prostituição eram todos para si, mas tinha de pagar à casa pela ocupação do quarto. Disse que esteve lá a trabalhar cerca de 15 dias, no ano de 2019.
Exibido que lhe foi o caderno A5 apreendido a 22 de Setembro de 2019, junto no Apenso A e cujas cópias constam de fls. 200 a 205 do mesmo apenso, confirmou ser sua pertença e nele anotar os valores que lhe eram devidos tanto pelos consumos no bar como pelos actos sexuais remunerados que praticava. Detalhou que os valores que constam da coluna da esquerda, sob a designação “programa” são os que recebia pelos actos sexuais remunerados que praticava com os clientes do bar no quarto da hospedaria, mencionando que valor que cobrava era de € 50, valor a que poderia acrescer outro (no caso mais € 40) se os serviços sexuais prestados fossem mais além do que os que tinham sido previamente acordados. Na coluna à direita anotava o valor das bebidas e os montantes que a que teria direito e aqueles que teria que entregar à casa pelo alterne.
Explicou que, para praticar aqueles actos de prostituição no quarto da hospedaria, tinha que pagar à casa uma quantia entre € 20 e € 30, e que esse montante só era por ela devido se fizesse “programa”, isto é, só pagava pela utilização do quarto se praticasse actos sexuais remunerados com os clientes. Caso não os praticasse pernoitava no quarto gratuitamente.
Quanto aos valores que tinha que entregar à casa pelos actos de prostituição que praticasse disse que os entregava no balcão do bar.
Trabalhou naquele local no Verão de 2019, tendo contactado para o efeito ou o arguido BB ou o arguido AA, que identificou como sendo os responsáveis pela gestão do espaço.
Por fim, assegurou que todas mulheres que trabalhavam no bar praticavam, tal como ela, actos de prostituição nos quartos e que pagavam pela utilização do quarto aos arguidos quando tal sucedia, também como ela fazia.
É certo que as outras mulheres que trabalharam naquele local negaram a prática de actos de prostituição, como sucedeu relativamente à testemunha HH, cujo depoimento, como vimos, não mereceu qualquer credibilidade, por ter sido surpreendida com um cliente no quarto quando se preparava para com ele manter relações sexuais remuneradas. Além de, no quarto por ela ocupado na hospedaria (quarto 8), terem sido apreendidos 69 (sessenta e nove) preservativos masculinos, um preservativo feminino e um dildo, encontrando-se ainda preservativos usados no caixote do lixo, tudo conforme auto de busca e apreensão de fls. 1011 e ss e reportagem fotográfica de fls. 1087 e ss, em especial as fotografias de fls. 1104 a 1106, elementos objectivos que contrariam frontalmente as suas declarações.
O mesmo sucedendo relativamente ao declarado pelas testemunhas CCC, DDD, PP, KKK e LL, que embora admitindo alternar, negaram prostituírem-se.
Sucede que, como consta do auto de busca e apreensão de fls. 1011 e ss e da reportagem fotográfica de fls. 1087 e ss, foram encontrados e apreendidos nos quartos por elas ocupados diversos objectos que permitem concluir que ali praticavam actos sexuais a troco de dinheiro, tal como foi referido pela testemunha GG.
Vejamos: no quarto 5, ocupado por CCC, foi encontrado um dildo, um gel lubrificante e dois preservativos; no quarto 7, ocupado por DDD, foi encontrado um talão de caixa respeitante ao consumo de um espumante no valor de € 100, um talão de caixa referente ao consumo de um cocktail no valor de € 20, quatro frascos de gel lubrificante e 89 (oitenta e nove) preservativos masculinos; no quarto 9, ocupado por PP, foram encontrados 99 (noventa e nove) preservativos masculinos, 2 (dois) preservativos femininos e um talão de caixa referente ao consumo de um cocktail no valor de € 20 (vinte euros).
No quarto 6, ocupado por GG, foram encontrados 84 preservativos e um gel lubrificante e, no quarto 10, ocupado por EEE, 131 (cento e trinta e um) preservativos masculinos e duas embalagens de gel lubrificante.
Aliás, até no quarto 1, que se encontrava desocupado foram encontrados um dildo, quinze preservativos e dois frascos de gel lubrificante, enquanto no armário do corredor, em frente ao quarto nº 8, foram encontrados e apreendidos 98 (noventa e oito) preservativos masculinos e um frasco de gel lubrificante.
Portanto, no dia 22 de Setembro de 2019, foram encontrados e apreendidos 590 preservativos e diversos frascos de gel lubrificante, entre o mais, nos quartos ocupados pelas testemunhas que referiram que ali apenas trabalhavam como alternadeiras. A apreensão destes objectos, conjugada com os depoimentos prestados pelas testemunhas GG e II e com a análise das mensagens encontradas no telemóvel da testemunha DDD juntas a fls. 1060 a 1064 (cujo acesso foi por ela devidamente autorizado, conforme auto fls. 1059) e com os contactos e as mensagens encontradas no telemóvel da testemunha EEEE juntos a fls. 1071 a 1077 (cujo acesso foi por ela devidamente autorizado, conforme auto fls. 1070), permitiu ao tribunal concluir que, ao contrário do por elas afirmado, praticavam naquele local actos de prostituição.
A forma articulada como funcionava o bar e a hospedaria evidencia-se pelo facto de as mulheres que trabalhavam no bar se prostituírem na hospedaria, de o valor que deviam pela ocupação dos quartos ser pago no bar e até descontado na actividade do alterne, como o próprio arguido BB mencionou em sede de primeiro interrogatório. O que foi confirmado pela testemunha LL ao afirmar que chegavam a descontar o que devia pela hospedagem nas contas do bar e que tanto fazia contas com o arguido AA como com o arguido BB. E, embora o arguido AA estivesse na recepção da hospedaria, tanto fazia as contas no bar como na recepção da hospedaria.
O contrato de arrendamento celebrado, em ../../2019, entre o arguido AA e a sociedade EMP02..., representada pelo arguido BB, nos termos do qual o primeiro, na qualidade de senhorio, dá de arrendamento à segunda o imóvel onde funciona o estabelecimento em questão para a prática da actividade de alojamento local e de serviço de bar, junto a fls. 1228, também permite concluir pela interdependência dos espaços, apesar de, como referiram os inspectores inquiridos e as mulheres que ali trabalhavam, o acesso aos quartos fosse feito pelo exterior do bar.
As características do local foram confirmadas pelos inspectores do então SEF que realizaram as fiscalizações já mencionadas, assim como se comprovam pelas reportagens fotográficas de fls. 164 a 172 e de fls. 1087 a 1111 e pelo processo de licenciamento de obras de fls. 1290 a 1307.
A instalação no local por parte dos arguidos AA e BB de um sistema de videovigilância composto por um conjunto de câmaras, exteriores e interiores, com a possibilidade de visualização remota que lhes permitia monitorizarem a actividade ali desenvolvida resultou comprovada pelas reportagens fotográficas de fls. 164 a 172 e de fls. 1087 a 1111, que evidenciam a existência de câmaras de vigilância no local. E bem assim a partir do relatório pericial de fls. 9 a 12 do apenso B que detectou, no telemóvel da marca ... do arguido BB, um conjunto de ficheiros com registos CCTV do interior e exterior do estabelecimento. Bem como o relatório do exame ao computador portátil do arguido AA junto a fls. 117 e ss do mesmo apenso, que encontrou cinco vídeos com imagens retiradas do sistema de videovigilância existente no estabelecimento.
A circunstância de o acesso ao perímetro do estabelecimento ser condicionado ficou por demonstrar, dado não ter sido produzida qualquer prova a esse respeito.
Que, no exercício daquela actividade, os arguidos AA e BB contaram com a colaboração dos arguidos DD e CC foi o que se pôde comprovar a partir das declarações prestadas pelo arguido BB em sede de primeiro interrogatório judicial ao afirmar que o arguido DD era seu funcionário, trabalhando com ele no bar, ajudando no serviço de mesas e desempenhando ainda funções como recepcionista, tendo ainda um outro funcionário a quem trata por KKKK (o arguido CC). Mencionando que o apoio que o bar dava à hospedaria passava também pela limpeza, pois os lençóis da hospedaria eram lavados na lavandaria que existia no bar sendo o arguido DD quem fazia as camas e a limpeza da hospedaria.
Acresce a circunstância de resultar dos extractos de remuneração juntos aos autos que, não obstante o arguido DD tenha celebrado com a sociedade “EMP02...”, em ../../2019, um contrato de trabalho para o exercício da actividade de recepcionista de 2ª (cf. fls. 872), embora exercendo, de facto, como referiu, funções no bar, não trabalhou nesse local apenas durante 8 meses, entre Fevereiro e Setembro de 2019 como afirmou. Efectivamente, resulta demonstrado pelos documentos juntos aos autos que o arguido DD já ali exercia funções pelo menos desde 17 de Outubro de 2018, como comprovam os extractos de remuneração de fls. 1431 a 1433 e a ficha de identificação de fls. 294, que atesta ter sido uma das pessoas identificadas pelo SEF na fiscalização ocorrida nesse dia, como exercendo no local a função de recepcionista de 2ª desde Outubro de 2018, na data, contratado pela sociedade EMP03....
Aliás, diversas testemunhas identificaram os arguidos DD e CC como sendo funcionários do estabelecimento. A testemunha DDD, disse conhecer todos os arguidos do bar de ..., onde trabalhou durante dois meses em 2019, estando presente aquando da fiscalização de 22 de Setembro de 2019, e confirmou que os arguidos CC e DD trabalhavam no bar. A testemunha PP, que trabalhou no mesmo estabelecimento em 2018 e em 2019, e que também estava presente aquando da operação ocorrida a 22 Setembro de 2019, também referiu que os arguidos CC e DD serviam bebidas e trabalhavam no bar. Enquanto a testemunha CCC que também ali trabalhou em 2019 disse que o arguido CC era “segurança”.
Estes depoimentos aliados à circunstância de o arguido CC ter admitido ter exercido funções como empregado de bar, nomeadamente recolhendo copos, e, por vezes, como porteiro, levaram o tribunal a concluir que ali exerceu funções auxiliando os arguidos AA e BB.
Corrobora este facto a existência de registos de remunerações pagas ao arguido CC nos anos de 2019 e 2020, a fls. 489 verso do Apenso GRA, pelas sociedades EMP02... e EMP01... e ter sido identificado na operação realizada em 22 de Setembro de 2019 quando se encontrava a trabalhar no local.
Que o arguido CC não desconhecia a actividade de prostituição desenvolvida naquele local é o que advém da conjugação dos elementos de prova mencionados com as regras de experiência comum. Na verdade, trabalhando naquele local, dando apoio ao bar e à hospedaria e admitindo que viu as “meninas” e os clientes a “conviver”, não se nos afigurou plausível que não conhecesse a actividade ali desenvolvida.
Não obstante a testemunha CCC tenha referido que o arguido CC exercia as funções de segurança, a verdade é que nenhum outro elemento de prova corrobora essa função. Por isso, não foi possível concluir, sem dúvida, que efectivamente exercesse essas funções, inexistindo qualquer evidência que lhe coubesse “a sinalização atempada de prováveis riscos para a operação, acções policiais ou clientes problemáticos, e a segurança das prostitutas e funcionários”.
Que o arguido DD também conhecia a actividade ali desenvolvida é o que emerge do relatório do exame ao telemóvel que lhe foi apreendido junto a fls. 29 a 59 do Apenso B, em especial das conversações de “chat” de fls. 47 e 48, onde refere que “trabalha num cabaré”, explica que mantém relações com mulheres que ali trabalham que, em consequência uma delas já não mantém relações sexuais “com clientes”, que mora “com 7 gajas”, que trabalha “com mulheres numa hospedaria em ...”, culminando com a frase “sex, drugs & musica ...”. E bem assim das mensagens de fls. 49 a 59, que demonstram claramente que sabia qual a actividade desenvolvida no estabelecimento e colaborava com os arguidos BB e XXX. Veja-se, por exemplo, a mensagem que consta de fls. 58, onde afirma que trabalha no bar e faz considerações sobre o “chefe” (o arguido BB com quem troca diversas mensagens) e um “patrão”, que identifica como sendo o arguido XXX.
Quanto ao período em que esse estabelecimento operou o tribunal fixou-o entre a data da primeira operação de fiscalização efectuada pelo SEF, a 30 de Novembro de 2016 e o dia em que o imóvel foi apreendido e selado a 22 de Setembro de 2019, conforme auto de fls. 1007. Por não resultar comprovado que o estabelecimento desenvolveu a mencionada actividade até à data em que a acusação foi deduzida, isto é, até ../../2023, uma vez que nenhuma das testemunhas inquiridas mencionou esse facto e o imóvel foi selado em 22 de Setembro de 2019, esse facto foi julgado não provado.
O horário de funcionamento do estabelecimento foi confirmado pelo arguido CC e, como tal, foi julgado provado.
Que os arguidos AA e BB contratavam cidadãs estrangeiras, a maioria das quais oriundas da América do Sul, nomeadamente de nacionalidade ..., foi o que se evidenciou da prova produzida em audiência, as sete testemunhas inquiridas que ali trabalharam eram todas originárias do ..., embora algumas delas naturalizadas portuguesas, e ainda do que consta de cada um dos relatórios das inspecções efectuadas pelo SEF que, invariavelmente, detectou cidadãs estrangeira a ali laborar.
Não obstante assim seja, a verdade é que não foi produzida prova que permitisse concluir, conforme vinha alegado na acusação, que “os arguidos XXX e BB contratavam mulheres de baixa condição económica e social, sem suporte familiar e preferencialmente que não tivessem a situação legalizada em Portugal, de modo a, aproveitando-se da sua situação de ilegalidade, precariedade, insegurança e isolamento, terem maior ascendente sobre elas e garantirem que se dedicassem efectivamente a manterem relações sexuais com homens, e não abandonassem as mesmas a qualquer altura e não revelassem o que ali se passava a terceiros, nomeadamente às autoridades” ou que tivesse conhecimento que as mesmas entraram e permaneciam ilegalmente em Portugal.
Isto porque nenhuma das mulheres que trabalharam naquele estabelecimento confirmou estas afirmações, evidenciando-se dos seus depoimentos que eram elas que contactavam o estabelecimento para saberem se tinham vaga e se podiam ali trabalhar, sendo livres de abandonarem o local quando assim entendessem. Anote-se que os inspectores do SEF afirmaram que as mulheres tinham os passaportes e demais documentos na sua posse.
E, embora algumas delas não tivessem a situação regularizada em Portugal, não resultou demonstrado que os arguidos tivessem conhecimento desse facto, que tivessem sido os arguidos quem facilitou a entrada das mesmas em território nacional ou que facilitassem a sua permanência em Portugal, permitindo que trabalhassem no estabelecimento, não obstante conhecessem a sua situação ilegal.
Que os arguidos BB e AA têm moradas registadas em ..., Espanha é o que se comprova a partir das informações de fls. 616 a 624. Resultando ainda da informação de fls. 619 que, no ano de 2011, o arguido BB foi responsável pelo estabelecimento “EMP08... 2”, sito em ..., ..., Espanha.
Por não constar dessas informações, nem ter sido produzida qualquer prova nesse sentido, o tribunal não pôde julgar provado que arguidos BB e AA tivessem sido responsáveis por um estabelecimento “derivado” do prostíbulo “EMP08...”, ou que o arguido AA seja responsável pelo estabelecimento “EMP08... 2”.
A utilização no estabelecimento comercial em causa de três terminais de pagamento automático (TPA) usados pelos clientes para efectuarem os pagamentos dos actos de prostituição, dos consumos obrigatórios e do alterne comprovou-se através dos documentos juntos aos autos.
Assim, quanto ao TPA nº ...15, associado à conta com o NIB ...26 da Banco 2... e à titularidade dessa conta, o tribunal considerou o talão junto a fls. 191 dos autos principais, a informação prestada pela SIBS a fls. 528, o ofício da Banco 2... junto sob a referência de 23/01/19 ao processo principal, as informações bancárias de fls. de fls. 4, 46 e 50 do Apenso A e a certidão permanente de fls. 408 e ss dos autos principais, esta comprovando que EE (cônjuge do arguido BB, conforme assento de casamento de fls. 595) foi sócia da sociedade EMP04... entre ../../2012 e ../../2018, data em que a sociedade foi dissolvida e liquidada.
Por não resultar desses documentos que a conta mencionada fosse titulada por EE, mas sim pela sociedade da qual a mesma era sócia, esse facto foi julgado não provado.
Já a existência de um outro TPA com o nº ...66 ficou por demonstrar, não só por não existir nenhuma informação bancária que a confirme, mas também porque, da análise dos talões apreendidos no estabelecimento e juntos a fls. 991 a 1006 não se pode inferir que esteja em causa outro terminal de pagamento. Isto porque todos esses pagamentos se reportam ao mês de Agosto de 2016 e a maior parte deles indica que o TPA tem o número ...15, resultando, de uma análise cuidada a esses documentos, que, em alguns dos talões falta apenas o número 5 e noutros o número 1 de tal forma que, nuns o TPA tem o nº ...66, noutros º nº ...61 e na maioria o nº ...15, o que nos leva a crer que o terminal é o mesmo, tendo os últimos números desvanecido daqueles talões.
Quanto ao TPA nº ...18 atentou-se ao talão junto a fls. 289, à informação prestada pela SIBS a fls. 478 e à informação bancária prestada pela Banco 2... a fls. 523 e também a fls. 539 dos autos principais e bem assim à de fls. 4 do apenso A, de onde se constata que esse terminal está associado a conta titulada pela sociedade EMP03....
Quanto ao TPA nº ...62 consideraram-se os talões de fls. 831 a 842 e os documentos bancários de fls. 783 a 788, 792 e 793 que comprovam que a conta indicada nos talões emitidos por esse TPA era a conta titulada pela sociedade EMP02... junto da Banco 2....
A circunstância de serem os arguidos BB e AA quem geria as sociedades mencionadas e as respectivas contas bancárias, dando instruções sobre os movimentos das mesmas, depósitos e levantamentos, comprovou-se a partir do depoimento da testemunha JJ que, no que à sociedade EMP03... concerne, mencionou nunca ter movimentado a respectiva conta bancária, que também nunca geriu, o que se evidencia pela análise dos movimentos realizados nessa conta, na medida em que os documentos de fls. 1324 a 1343 têm aposto o nome EEEEE, quando o gerente era JJ, escrito de diversas formas - “EEEEE”, “EEEEE”, “EEEEE”, “...”, ...”, “EEEEE”. Enquanto os documentos de fls. 1343 a 1354 têm apenas aposto o nome JJ, sem qualquer outro elemento identificativo, quando, por exemplo, do contrato de trabalho celebrado entre essa sociedade e o arguido AA junto a fls. 957 se verifica que o nome ali aposto é o nome completo do gerente JJ. Aliás, o cartão multibanco e o cartão de empresa dessa sociedade foram encontrados no estabelecimento sito em ... – cf. documentos de fls. 927 – assim como o cartão de empresa da sociedade EMP04... e vários documentos a ela respeitantes.
A circunstância de terem sido instaurados contra a EMP04... Lda., três processos de contra-ordenação e os pagamentos de duas das coimas terem sido efectuados pelo arguido AA, o primeiro por débito na conta da sociedade EMP04... em 2017, quando quem era o gerente da sociedade era o arguido BB, conforme documento de fls. 95, certidão de fls. 408 e ss e informação bancária de fls. 4 do Apenso A e, o segundo, efectuado por débito na sua conta pessoal, conforme documento de fls. 259 e 260 dos autos principais e informação bancária de fls. 4 do apenso A, também corrobora o que se deixou dito.
Que o arguido BB enquanto gerente da sociedade EMP02... movimentava a conta por ela titulada - conta nº ...30 domiciliada na Banco 2... – é o que se constata das suas próprias declarações e dos documentos de fls. 783 a 788, 792 e 793.
Por fim, e no que respeita à sociedade arguida, por ter resultado da prova testemunhal produzida que a sua sócia e gerente FF é pessoa desconhecida de todas as pessoas que ali trabalhavam e que não contratou nenhuma delas, o que, aliado ao facto de, dos documentos de fls. 1397, 1398, 1399 e 1564, resultar que o registo da unidade hoteleira EMP01... Unipessoal junto do Sistema de Informação de Boletins de Alojamento foi efectuado pelo arguido AA, permitiu concluir ser este quem, de facto, a geria.
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No que se refere aos factos atinentes à liquidação do património o tribunal alicerçou a sua convicção nos valores encontrados na investigação financeira e patrimonial efectuada pelo Gabinete de Recuperação de Activos (GRA) que consta do Apenso B, composto por 3 volumes, conjugada com os elementos documentais também juntos a esse apenso, designadamente, as informações prestadas pelo Banco de Portugal de fls. 90 a 93, 98 a 100 e 501 e 502, 506, 509, 529 e 530, 532, as informações bancárias de fls. 172 a 177 e 600 (Banco 2...), 555 e 570 a 571, 574 a 581 (Banco 1...), 567 verso (Banco 3...), 603 (Banco 5...), 608 a 610 (Banco 4...), as informações fiscais, as informações colhidas junto do Instituto de Registos e Notariado e os documentos remetidos pelas entidades bancárias juntos em suporte digital a fls. 178 e 179 (volume 1º do Apenso GRA) e a fls. 709 (volume 3º do mesmo apenso), as informações recolhidas junto das bases de dados do Instituto de Registos e Notariado relativas aos familiares dos arguidos de fls. 456 a 460, e as relativas aos bens móveis e imóveis que compõem o seu património juntas a fls. 469 a 482 e de fls. 623, as informações recolhidas junto das bases de dados da Autoridade Tributária de fls. 461 a 468, 484 a 494, 612 a 618, o apuramento do rendimento disponível de cada um dos arguidos junto a fls. 618 verso a 634, as informações relativas ao património mobiliário e imobiliário e contas bancárias registadas em nome dos arguidos constantes dos documentos juntos a fls. 635 a 708 (assim como o CD junto a fls. 709, contendo as informações analisadas no âmbito da investigação patrimonial e financeira efectuada) e o relatório final de fls. 710 a 754, todos do apenso GRA.
Foram igualmente considerados os autos de constituição como arguidos de BB de fls. 802, de AA de fls. 675 e de CC de fls. 815, todos do processo principal.
Todavia, cumpre salientar que, uma leitura atenta do relatório da investigação financeira do GRA de fls. 710 e ss (designadamente, da explicitação da metodologia seguida na investigação e dos pressupostos aplicados no cálculo da vantagem) permite, desde logo, concluir que, para determinar o património incongruente dos arguidos embora sejam normalmente considerados os rendimentos declarados em contraposição com o património móvel, imóvel e financeiro, situações existem em que determinado património não pode ser considerado para aquele efeito.
Efectivamente, conforme razões explanadas a fls. 715 a 722, no que respeita aos rendimentos declarados/comunicados em sede de IRS, foram contabilizados os referentes aos anos de 2014 a 2021, de qualquer categoria, com dedução das respectivas retenções e contribuições, tendo por base as categorias e códigos aplicadas pela Autoridade Tributária, o que permitiu determinar o rendimento disponível de cada um dos arguidos no período em análise, conforme tabelas de fls. 729, 742 e 754, onde também está espelhado o património financeiro (contas bancárias) de cada um dos visados no mesmo período temporal, que foi o único considerado, motivo pelo qual o tribunal se viu na contingência de incluir esses valores nos factos provados.
Ora, não obstante resulte expressamente do relatório final do GRA que “não se consideraram os valores comerciais das viaturas adquiridas e/ou alienadas dentro do período de investigação (22/9/14 a 31/12/21) – cf. fls. 717, 718, 724, 737, 750 – nem “o imóvel transaccionado durante o período de investigação” pelo arguido AA (cf. fls. 718 e 738 e 739), ou “as quotas comerciais adquiridas dentro do período de investigação, dado o seu valor diminuto”, o que sucedeu relativamente a todos os investigados, o Ministério Público fez constar da liquidação do património incongruente todos esses elementos patrimoniais (cf. art. 2º a 5º, 14º a 18º, 23º a 26º). Sendo assim, porque a menção a património que não foi considerado na determinação da vantagem não tem razão de ser, o tribunal expurgou essas tabelas da factualidade que julgou provada e não provada. Vindo, outrossim, a considerar as tabelas de fls. 729, 742 e 754, que são aquelas que permitem compreender como foi calculado o património incongruente.
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Relativamente às condições pessoais, sociais e económicas dos arguidos o tribunal teve em consideração os relatórios sociais juntos aos autos a 24/09/24 (ref. ...14 - arguido AA), (ref. ...13 - arguido BB), a 25/09/24 (arguido DD) e a 15/10/24 (arguido CC), conjugados com as declarações que os arguidos DD e CC prestaram em audiência.
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A ausência de antecedentes criminais por parte dos arguidos EMP01... e CC, atesta-se pelos certificados de registo criminal juntos a 16/9/24, sob as referências ...41 e ...38, respectivamente.
Quanto às condenações sofridas pelos arguidos AA, BB e DD, o tribunal atentou ao teor dos certificados de registo criminal juntos a 16/9/24, sob as referências ...36, ...35, ...37, respectivamente.
Por fim, foi ainda considerada a certidão da sentença proferida nos autos de processo Comum Singular nº 472/13.3GAPTB do Juízo Local Criminal de Ponte da Barca que condenou os arguidos AA e BB pela prática de crime de lenocínio junta a fls. 428 a 448. Foi com base no que nela consta que não se considerou assente que ambos tivessem sido condenados numa pena de 6 meses de prisão substituída por multa, pois, enquanto ao arguido BB foi imposta essa pena, o arguido AA foi condenado na pena de 7 meses de prisão substituída por multa.
Por resultar dessa decisão comprovada a realização, nesse processo, no dia 8 de Novembro de 2015, de uma busca ao estabelecimento o tribunal julgou esse facto provado.
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Os demais factos não provados assim se consideraram por se encontrarem em contradição com os factos provados, como sucede com os factos impugnatórios alegados nas contestações e, bem assim, por não ter sido produzida prova que os corroborasse. Assim, por não ter sido mencionado por nenhuma das pessoas inquiridas que o arguido AA se encontrasse no estabelecimento durante o dia, que tanto ele como o arguido BB efectuassem o transporte das mulheres de e para o estabelecimento e que este último o fizesse utilizado a viatura automóvel ... de matrícula ..-VG-.. esses factos foram julgados não provados.
Pelo mesmo motivo, ausência probatória, não se comprovou que o arguido Quintas entregasse as chaves dos quartos às mulheres.
Por fim, e no que respeita às alegadas operações de conversão em numerário dos pagamentos efectuados através de terminais de pagamento automático ou de movimentação de capitais para contas de “terceiros” com vista a encobrir lucros provenientes da actividade de prostituição desenvolvida naquele estabelecimento, porque não se mostram descritas na acusação o tribunal não as pôde dar como provadas.
Na verdade, não se indica o que sejam “sociedades fachada”, que montantes foram registados diariamente nos sucessivos fechos de TPA e retidos nas contas dessas sociedades e depois movimentados ou convertidos em dinheiro. Não se indicam que “linhas de cobrança electrónica” a criação das sociedades permitiu abrir. Refere-se, contraditoriamente, que os arguidos davam preferência a pagamentos em numerário para se concluir, sem a necessária alegação factual, que o somatório dos fechos de caixa dos pagamentos efectuados via TPA, nos anos de 2017 e 2018, ultrapassou € 500.000,00, num registo médio mensal de cerca de € 21.000,00.
Na acusação remete-se para os quadros de fls. 75 a 82 e 95 a 97 do Apenso A cujos valores, além de não terem coincidência com essas menções, se reportam a movimentos ocorridos entre 2017 e 2019. Ao que acresce não ter sido inquirida qualquer testemunha que se tivesse pronunciado sobre os dados inseridos nesses quadros, de modo a que o tribunal pudesse concluir, como fez o Ministério Público, pela existência de pagamentos electrónicos naqueles valores nos anos de 2017 e 2018.
Também não se concretiza qual fosse o plafom de trabalho que as contas da sociedade alegadamente teriam, contas essas que não são sequer identificadas. Alega-se que existiram movimentações de valores através de cheques (não identificados) sem que se concretizem essas operações. Menciona-se um “ritual de conversão em numerário através da emissão de cheques, levantamentos ao balcão ou com recurso a cartão de crédito atribuído à sociedade EMP03...”, quando não é sequer alegado que a sociedade fosse titular de qualquer cartão de crédito e, para justificar essas conclusões, apresenta-se um quadro, no ponto 53) da acusação, absolutamente ininteligível, com menções numéricas não identificadas, datas, valores e letras que não é possível deslindar a que se reportam.
Diz-se que foram depositados em contas de terceiros valores, sem que essas contas, os seus titulares ou os alegados depósitos sejam identificados, de modo a poder concluir-se que assim sucedeu.
Diz-se que os valores monetários diariamente acumulados na caixa do estabelecimento foram ocultados, sem se indicar como.
Para se concluir pela existência de uma “vantagem ilícita bruta mensal decorrente da operação desta casa de prostituição superior a cinquenta mil euros” sem que se alegue qualquer factualidade que permita ao tribunal concluir que assim sucedeu.
Esta total ausência de descrição factual, aliada à ausência de qualquer perícia financeira que permitisse demonstrar o que vem alegado conclusivamente na acusação, não permitiu ao tribunal julgar provados os demais factos.»
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO A. Nulidade da sentença por falta de fundamentação factual.
Os recorrentes invocam a nulidade da sentença, por deficiente fundamentação da matéria de facto, argumentando não terem sido indicadas «as razões da descredibilização das declarações da testemunha HH», não se encontrando «qualquer facto objetivo ou regra da experiência comum que afaste as declarações da testemunha que afirmou não estar no quarto para praticar actos sexuais de relevo», ancorando-se no disposto nos artigos 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Nos termos das normas legais invocadas pelos recorrentes, um dos requisitos da sentença/acórdão cuja falta é cominada com nulidade, é efetivamente a exposição tanto quanto possível completa, ainda que sucinta, dos motivos que fundamentam a decisão de facto, com indicação e exame crítico das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal.
No caso em apreço, da leitura atenta da motivação do acórdão recorrido logo se constata que o tribunal coletivo a quo não só elencou todas as provas em que se baseou e considerou relevantes, como indicou os motivos de credibilidade das mesmas, mencionando a razão de ciência das testemunhas e teor dos respetivos depoimentos, correlacionando-os entre si. E, sempre que se impunha, apreciou também as provas à luz das regras da experiência comum e da lógica, explicando porque não atendeu a provas de sinal contrário.
Foi o que aconteceu, designadamente, quanto à testemunha HH, esclarecendo a motivação de forma exaustiva as razões pelas quais não concedeu credibilidade a todo o seu depoimento, como ilustram os seguintes segmentos:
A fls. 73 e 74 do acórdão: «Já HH, não obstante a evidência do que é relatado no auto de fls. 670 e do que resultou do depoimento prestado pelo cliente II, não teve pejo em afirmar que estava no quarto a “conversar” e que nunca se prostituiu naquela hospedaria, local onde afirmou ter estado três a quatro vezes e cujo espaço conheceu sob várias denominações como EMP03..., EMP02... e EMP04..., afirmando que era “tudo o mesmo”.
Negou ter praticado actos de prostituição na hospedaria, mas não conseguiu justificar porque motivo pagava € 30 por dia (portanto cerca de € 900 por mês) para ter acesso a um dos quartos, onde referiu não pernoitar, pois todas as noites regressava a casa em ... (habitação que arrendava pelo valor mensal de € 250), uma vez que, durante o dia, trabalhava como manicure num salão dessa cidade. Disse que auferira pela prática de alterne o valor mensal de cerca de € 500 a € 600, o que também não se compagina com o pagamento de € 900 mensais pelo acesso ao quarto onde não dormia. Confrontada com a tabela dos preços dos quartos de fls. 1088 disse apenas referir-se ao preço do champanhe, o que não se compreende se não levasse clientes para o quarto.
A respeito do pagamento do valor devido pela utilização do quarto disse que efectuava o pagamento ao funcionário do bar (que não soube, ou não quis identificar), e que esse pagamento era diário, ao final da noite, na mesma altura em que recebia o valor devido pelo alterne. Afirmou que esse funcionário do bar é que lhe marcou o quarto, que lhe foram pedidos os seus documentos e que tinha a sua situação em Portugal regularizada.
Confrontada com as mensagens retiradas do seu telemóvel juntas a fls. 1029 e ss disse serem conversas mantidas com colegas de trabalho, da mesma e de outras casas de alterne, e que o indivíduo de nome XXX era o taxista de ....
No mais referiu que trabalhou naquele local três meses, que se identificava como “LLLL”, que conheceu o arguido BB nesse bar e o arguido AA em ... e que é cidadã portuguesa (facto atestado a fls. 1115). As declarações por ela prestadas relativamente ao sucedido a 22 de Setembro de 2019, quando foi surpreendida num dos quartos da hospedaria com um cliente não mereceram, portanto, qualquer credibilidade e, como tal, com base no depoimento de II e do que consta a esse propósito no auto de fls. 670, o tribunal deu como assentes esses factos.
Por não resultar da prova produzida que o cliente e a testemunha HH estivessem a manter relações sexuais ou tivessem acabado de as manter quando foram surpreendidos, esse facto foi julgado não provado.» (Negrito nosso).
A fls. 81 e 82 do acórdão: «É certo que as outras mulheres que trabalharam naquele local negaram a prática de actos de prostituição, como sucedeu relativamente à testemunha HH, cujo depoimento, como vimos, não mereceu qualquer credibilidade, por ter sido surpreendida com um cliente no quarto quando se preparava para com ele manter relações sexuais remuneradas. Além de, no quarto por ela ocupado na hospedaria (quarto 8), terem sido apreendidos 69 (sessenta e nove) preservativos masculinos, um preservativo feminino e um dildo, encontrando-se ainda preservativos usados no caixote do lixo, tudo conforme auto de busca e apreensão de fls. 1011 e ss e reportagem fotográfica de fls. 1087 e ss, em especial as fotografias de fls. 1104 a 1106, elementos objectivos que contrariam frontalmente as suas declarações.»
Perante a clareza dos transcritos excertos, a alegação recursória da falta de fundamentação quanto aos motivos pelos quais não foi conferida credibilidade ao depoimento de HH, com o devido respeito, só se pode entender por desatenção na leitura da extensa motivação, que se desenvolve ao longo de 40 páginas.
Diferente é a questão de saber se o tribunal coletivo a quo errou na apreciação e valoração da prova, mas tal inconformismo tem o seu lugar em sede de impugnação da matéria de facto, do que trataremos já de seguida.
Naufragando manifestamente o segmento do recurso a invocar a falta/deficiente fundamentação da matéria de facto.
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B. Impugnação da matéria de facto por errada apreciação e valoração da prova; violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo.
Os recorrentes impugnam a matéria de facto considerada como provada nos números 12, 14, 17, 22, 24, 45 e 46 do acórdão recorrido.
A matéria de facto pode ser impugnada de duas formas distintas, através da invocação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que respeita o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios da sentença, previstos nas alíneas a), b) e c), do nº 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal, os quais têm necessariamente de resultar «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos.
No segundo caso, ou seja, na impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e se pode extrair da prova produzida em audiência, devidamente documentada, embora sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente.
No caso em apreço os recorrentes pretendem claramente fazer uma impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, alargada à análise do que se pode, ou não, extrair da prova produzida em audiência. Sobre eles recaindo, assim, o cumprimento do ónus de especificação, que lhes é imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Estabelece tal preceito, no n.º 3, que nestes casos o recorrente tem de especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
Acrescentando, ainda, o n.º 4 da mesma norma:
«Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b), e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos no disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação».
Estas imposições legais fundam-se na necessidade da delimitação objetiva do recurso da matéria de facto, na medida em que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico [2].
De tudo decorrendo a conclusão que as especificações consagradas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, apesar de serem de forma, não têm natureza meramente formal ou secundária, antes estando diretamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, já que só a sua observância permite que o tribunal de recurso se pronuncie sobre o objeto que foi verdadeiramente escolhido pelo recorrente.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.04.2006 [3], com inteira atualidade, com as especificações consagradas nos nºs 3 e 4 do art.º 412.º do Código de Processo Penal «visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Impõe-se, por isso uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos».
Revertendo novamente ao caso em apreço,constatamos que embora os recorrentes alarguem o recurso às «concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida», não observam integralmente o regime prescrito nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Embora especifiquem os concretos pontos da matéria de facto considerados incorretamente julgados, no que respeita à indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida já não cumprem o ónus de impugnação especificada que sobre eles recaía.
Limitando-se os recorrentes a remeter para os depoimentos de testemunhas prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, mas sem nunca identificar as concretas passagens da respetiva reprodução áudio deles que pretendem que o Tribunal reaprecie (por em seu entender imporem diferente decisão), por referência ao momento inicial e final (minutos e segundos) do ficheiro áudio do concreto excerto ou excertos em que se fundam. O que não se satisfaz com a mera indicação, e apenas quanto a uma das várias testemunhas a que aludem, do momento inicial de um determinado excerto do depoimento.
Sem essa indicação, tem de se concluir que a pretensão dos recorrentes é que este tribunal oiça integralmente as declarações e depoimentos que indicam, e, depois, conjugando-os com outros elementos de prova documental (cuja localização nos autos e explicitação da concreta parte ou partes do seu teor também não especificam), extraia conclusão diversa e oposta àquela que chegou o tribunal coletivo a quo.
O que manifestamente não chega para considerar cumprido o ónus da impugnação especificada, ainda que reduzindo o grau de exigência ao limiar mínimo compatível com a imposição legal do artigo 412.º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal.[4]
Em última análise, tem de se concluir que o recurso não tem verdadeiramente por objeto a reapreciação da prova gravada tal como essa reapreciação está prevista na lei, pois a sua apreciação implicaria que nesta instância se realizasse um novo julgamento sobre toda a factualidade que é objeto do processo, o que não é legalmente permitido.
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Acresce, que atentos os moldes em que se encontra estruturado o recurso, não era sequer legalmente admissível a formulação de um convite ao seu aperfeiçoamento, em ordem ao suprimento das falhas detetadas.
É que embora o artigo 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal disponha que «se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada», tal prerrogativa destina-se apenas aos casos em que o recurso sofre de algumas daquelas enfermidades e não, como acontece no caso dos autos, em que a essa enfermidade atinge não só as conclusões, como também a própria motivação.
A este propósito, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 259/2002, de 18.06.2002[5], decidiu já que quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal reside tanto na fundamentação como nas conclusões, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos, na medida em que a existência de um despacho de aperfeiçoamento quando o vício seja da própria motivação equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
Tendo, por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça decidido em acórdão de 05.06.2008, proferido no proc. n.º 08P1884[6], que o referido entendimento não foi posto em causa pelas alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, pois se as mencionadas especificações não constam do texto da motivação, não deve o recorrente ser convidado a corrigir as conclusões da motivação. Pois, o estabelecido pelo n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Penal é, apenas, que se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 3 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada. Esclarecendo logo de seguida no n.º 4, que tal aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação. Ora, para se evitar essa modificação, só pode ser considerado legalmente admissível o convite à correção das conclusões, permanecendo inalterada a motivação, que não é por isso mesmo suscetível de convite à correção.
Assim, in casu,se se convidassem os recorrentes a apresentarem novas conclusões nas quais especificassem as concretas provas que impõem decisão diversa quanto aos pontos da matéria de facto que impugnam, uma vez que esse elemento não consta da motivação, acabaria por se conseguir por essa via alteração da própria motivação, não obstante a proibição legal nesse sentido.
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Resta fazer uma alusão à alegada violação do princípio in dubio pro reo, pois embora os recorrentes a relacionem com a impugnação da matéria de facto por erro de julgamento, o certo é que a sua demonstração pode afirmar-se pela respetiva notoriedade, aferida pelo texto da decisão, ou seja, em termos idênticos aos que vigoram para os vícios da sentença.
O princípio do in dubio pro reo, postulado do princípio da presunção de inocência – consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição sempre que a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado. Tendo esse non liquet de ser resolvido sempre a favor do arguido, sob pena de preterição do referido princípio da presunção de inocência.
Nesta perspetiva, o princípio do in dubio pro reo constitui um verdadeiro limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, regulando o procedimento do tribunal quando tenha dúvidas sobre a matéria de facto.
No caso dos autos, da leitura do acórdão recorrido resulta de forma muito clara que o julgador coletivo a quo considerou provados os factos para além de qualquer dúvida razoável sobre qualquer deles, sem dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos, como decorre da exteriorização do percurso lógico do raciocínio do tribunal constante da motivação, perfeitamente plausível segundo as regras da experiência comum e ancorado nas provas aí indicadas.
Não decorrendo do acórdão a existência ou confronto dos julgadores com qualquer dúvida insanável sobre factos, motivo pelo qual não houve nem há dúvida para ser valorada a favor dos arguidos/recorrentes.
Não tendo, por conseguinte, aqui aplicação o princípio do in dubio pro reo, que não se destina a resolver as dúvidas que os recorrentes entendem que o julgador a quo devia ter tido e não teve, mas unicamente as do próprio julgador, que no caso inexistem.
Improcedendo totalmente a impugnação da matéria de facto.
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C. Forma de comparticipação dos recorrentes nos factos: autoria ou cumplicidade.
Defendem os recorrentes não deverem ser punidos como autores, mas sim como cúmplices, pois que da matéria de facto provada não resulta que eles «hajam fomentado a prostituição das mulheres que alternavam no seu estabelecimento de diversão noturna, limitando-se, pois, a favorecer ou facilitar a prática eventual de tais actos. Pelo que a culpa não é acentuada, podendo a atuação dos arguidos enquadrar-se no ilícito previsto no n.º 1 do artigo 169.º, do Código Penal, a título de mera cumplicidade.»
Vejamos.
A autoria e a cumplicidade são formas de comparticipação criminosa com contornos perfeitamente distintos entre si.
Estabelece o artigo 26.º do Código Penal, que «É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.»
Este preceito consagra a teoria do domínio do facto, segundo a qual autor é quem dá causa à ação típica, governando e dirigindo o curso do facto[7].
No mesmo sentido, nas expressivas palavras do acórdão do STJ de 17.06.2016, proc. 119/14.0GBPRG.G1.S1, Relator Senhor Conselheiro Francisco Caetano[8], «Autor é quem domina o facto, quem dele é senhor, quem toma a execução nas "suas próprias mãos", de tal modo que dele decisivamente dependa o se e o como da realização típica. Aqui se distingue um domínio positivo do facto, de o fazer prosseguir até à consumação, e um domínio negativo, de o fazer cessar ou abortar.»
Já a cumplicidade, tal como definida no artigo 27.º, n.º 1, do Código Penal, reporta-se a «quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso».
Na cumplicidade não há um domínio do facto, limitando-se o cúmplice a favorecer a prática do facto, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral). O cúmplice tem conhecimento de que favorece a prática de um crime, mas não toma parte nele, apenas facilitando o facto principal.
É, pois, a ausência de domínio do facto que diferencia a cumplicidade da autoria.
Revertendo ao caso em apreço, do elenco dos factos provados resulta que os arguidos/recorrentes se dedicavam à exploração de um bar, também de «alterne», no qual mulheres por eles angariadas aliciavam clientes a pagar-lhes bebidas mediante uma comissão. Os arguidos cediam o espaço do bar e controlavam horários e consumos. As mulheres tinham relações sexuais e/ou atos sexuais de relevo com clientes, remunerados, para o que usavam quartos que se situavam no andar superior e num anexo, com o consentimento dos arguidos, que cediam, de forma onerosa, os espaços onde era desenvolvida tal prática de prostituição, fiscalizada por um sistema de videovigilância que lhes permitia monitorizar a atividade ali desenvolvida; como retribuição pelos atos de prostituição as mulheres pagavam aos arguidos um valor diário que se situava entre 20/30 euros.
Por sua vez, o tipo legal base de crime de lenocínio encontra-se previsto no artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal, nos seguintes termos: «1 - Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.»
Ora, das descritas atuações dos recorrentes decorre que eles tinham intervenção direta na exploração do estabelecimento e que a atividade aí desenvolvida foi articulada entre ambos, assim praticando as atividades típicas previstas no artigo 169.º, nº 1 do Código Penal, de fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição.
Dessa forma, os recorrentes tomavam a execução nas «suas próprias mãos», deles e só deles dependendo o «se» e o «como» da realização típica, ou seja, o domínio do facto, do qual eram os «senhores» e não meros auxiliares.
Repare-se, como pertinentemente chama a atenção a Exma. Senhora Procuradora-Geral adjunta, no seu douto parecer, que «O legislador, ao recortar o atual tipo legal de lenocínio, não quer punir o indivíduo enquanto influenciador da atividade da prostituta ou prostituto. O que pretende, de facto, é a punição de quem se aproveita da atividade de outrem para daí retirar vantagens patrimoniais, situação que conflitua com o princípio da dignidade humana»
Nenhuma censura merecendo a decisão recorrida, quando qualifica como autoria a participação dos recorrentes nos factos criminosos em causa nos autos.
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D. Nulidade da sentença, nos termos da al. c), in fine, do n.º 1, do artigo 379.º do Código de Processo Penal, por considerar antecedentes criminais respeitantes a penas extintas há mais de 5 anos.
- inconstitucionalidade do acórdão recorrido, na interpretação que faz dos artigos 70º e 71º do Código Penal, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, 26.º, n.º 2 e 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e artigo 11.º da Lei 37/2015, de 5 de maio.
Sustentam os recorrentes que a anterior condenação que sofreram, no âmbito do processo comum singular n.º 472/13.3GAPTB, não podia ter sido valorada pelo Tribunal a quo, na medida em que as respetivas penas já se encontravam extintas, pelo cumprimento, há mais cinco anos, não devendo sequer constar dos certificados de registo criminal, nos termos prescritos pelo artigo 11.º Lei 37/2015, de 05.05.
Em matéria de cancelamento definitivo de decisões condenatórias inscritas no registo criminal regula, realmente, e em primeira linha, a citada norma do artigo 11.º da Lei n.º 37/2015, de 05.05 (Lei da Identificação Criminal), que prevê o cancelamento automático das condenações, decorridos 5 anos a contar da data de extinção das respetivas penas aplicadas ao arguido, sem que este tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, por novo crime
No caso em apreço, o inconformismo dos recorrentes reporta-se à valoração da condenação elencada no ponto 54 dos Factos Provados, nos seguintes termos:
«Por sentença proferida em 24 de Maio de 2018 e transitada em julgado em 25 de Junho de 2018 nos autos de processo comum singular nº 472/13.3GAPTB do Juízo Local Criminal de Ponte da Barca foram os ora arguidos BB e AA, bem como “EMP04..., Unipessoal, Lda.” condenados por desde pelo menos Abril de 2011 e até Março de 2017, se dedicarem em comunhão de esforços, à exploração sexual de mulheres, a maioria delas de nacionalidade ... e/ou de baixa condição económica, com intenção lucrativa, facilitando e fomentando o exercício da prostituição por essas mulheres no estabelecimento nocturno denominado “EMP04...”, sito no Lugar ..., freguesia ..., em ..., na prática de um crime de lenocínio na forma continuada, p. e p. pelo art. 169º, nº 1 e 30º, nº 1 do Código Penal, o arguido BB na pena de 6 meses de prisão, substituída por 100 dias de multa à taxa diária de € 6,50 e o arguido AA na pena de 7 meses de prisão substituída por 130 dias de multa à taxa diária de € 6,50, conforme certidão de fls. 428 a 449, cujo teor aqui se dá por reproduzido.»
Esta condenação respeita à aplicação de penas pela prática do crime de lenocínio, que se encontra previsto no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, e, como tal, expressamente ressalvado naquele artigo 11.º Lei n.º 37/2015, de 05.05, que o exclui da sua previsão.
Sobre o cancelamento definitivo de decisões condenatórias inscritas no registo criminal relativamente a tais crimes, regula especialmente o artigo 4.º da Lei n.º 113/2009, de 17.09 (PROTECÇÃO MENORES - ART. 5.º DA CONVENÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA - EXPLORAÇÃO SEXUAL E O ABUSO SEXUAL), com a seguinte redação:
«Artigo 4.º
Identificação criminal
1 - Tratando-se de condenação por crime previsto no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, o cancelamento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, ocorre decorridos 25 anos sobre a extinção da pena, principal ou de substituição, ou da medida de segurança, e desde que entretanto não tenha ocorrido nova condenação por crime.»
Assim, não tendo decorrido ainda 25 anos sobre a extinção das penas em que os arguidos foram condenados pelo crime de lenocínio, no âmbito do processo comum singular nº 472/13.3GAPTB, a aplicação da transcrita norma especial afasta qualquer hipótese legal de o registo das respetivas condenações poder ser cancelado.
Resulta do exposto que não existe vício, nulidade ou inconstitucionalidade que afete este ponto do acórdão recorrido.
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E. Medidas concretas das penas de prisão aplicadas aos recorrentes e possibilidade de suspensão da respetiva execução.
Os recorrentes sustentam que a pena que a cada um foi aplicada, de 2 anos e 6 meses de prisão, é manifestamente exagerada, não se filiando numa visão factual ponderada pela gravidade global dos factos e da culpa neles desenhada, devendo ser minorada para 1 ano de prisão, e suspensa na sua execução.
Vejamos.
Ao crime de lenocínio simples, p. e p. pelo artigo 169.º, nº 1 do Código Penal, corresponde a moldura penal legal abstrata de prisão de seis meses a cinco anos.
A concretização da pena dentro desta moldura deve ser feita em conformidade com os critérios definidos nos artigos 40.º, nºs 1 e 2 e 71.º do Código Penal, já explicitados no acórdão recorrido.
Em concreto, e no caso sub judice, temos como fatores de valoração que militam a favor dos arguidos/recorrentes, desde logo, a sua integração familiar (uma vez que ambos vivem com a respetiva mulher e filhos e convivem com os respetivos progenitores); o exercício de atividades profissionais legais (o AA explora uma hospedaria já há cerca de sete anos e o BB desde há um ano que desempenha atividade como serralheiro, numa empresa de ...); bem como as origens humildes e parcas habilitações académicas (ambos os arguidos têm o 5.º ano de escolaridade e começaram a trabalhar ainda crianças).
O grau a ilicitude situa-se acima da média, pois que, como realça o acórdão recorrido, os recorrentes «contaram com a colaboração um do outro e ainda dos demais arguidos para melhor concretizarem os seus intentos, não obstante o modo de execução do crime se insira no que é habitual neste tipo de crime»; ao que acresce o período de tempo que perdurou a atividade criminosa, entre abril de 2017 e 22 de setembro de 2019 (quase dois anos e meio); e o benefício económico que cada um deles retirou da atividade desenvolvida: o arguido BB, no valor de € 58.667,05 €, e o arguido AA, no valor de 297.016,56 €.
A culpa é intensa, atenta a modalidade de dolo direto que revestiu a conduta dos agentes.
No que respeita à prevenção geral, os crimes de lenocínio não causam em regra alarme social, havendo inclusive, quanto a eles, uma preocupante indiferença da comunidade e até de alguns poderes de controlo e de fiscalização relativamente à perseguição criminal da exploração da prostituição alheia. Porém, sendo por demais conhecido que o lenocínio constitui a antecâmara do tráfico de mulheres a nível global e que é esta circunstância, aliada à exploração económica da liberdade sexual alheia, que justifica a antecipação da tutela penal, não pode deixar de se considerar que as exigências de prevenção geral assumem aqui alguma acuidade.
Quanto à prevenção especial, é muito acentuada, face aos antecedentes criminais dos recorrentes, entre os quais se conta a prática anterior de um crime de lenocínio, precisamente da mesma natureza do destes autos, praticado no mesmo local e nos mesmos moldes, com aplicação de penas de prisão substituídas por multa. Para além do que, o arguido AA, foi ainda condenado pela prática de crimes de ofensa à integridade física, em pena de prisão suspensa na sua execução.
Sopesando todos estes elementos, afigura-se que a pena concreta aplicada pelo Tribunal a quo, de 2 anos e 6 meses de prisão, próxima do ponto médio da respetiva moldura legal, que só excede em três meses, mostra-se perfeitamente justa e equitativa.
De todo o modo, é hoje jurisprudência unânime ao nível do STJ, que pequenas divergências na fixação da pena concreta, absolutamente alheias a incorreções ou distorções no seu processo de aplicação legal não devem, em princípio, ser fundamento para a sua alteração pelo Tribunal de recurso.
Precisamente neste sentido, é muito esclarecedor o Acórdão do STJ de 12-07-2018[9], no qual se pode ler: «pode sindicar-se a decisão, quer quanto à desconsideração ou errada aplicação pelo tribunal dos princípios gerais de determinação da medida da pena, à correcção das operações nela efectuadas, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção. Mas o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.»
Assim improcedendo mais este ponto do recurso.
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Vejamos agora da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
No caso em apreço, o tribunal coletivo a quo afastou essa possibilidade, justificando que os recorrentes «foram condenados, em 25 de Junho de 2018, por, desde pelo menos Abril de 2011 e até Março de 2017, se dedicarem em comunhão de esforços, à exploração sexual de mulheres, a maioria delas de nacionalidade ... e/ou de baixa condição económica, com intenção lucrativa, facilitando e fomentando o exercício da prostituição por essas mulheres no estabelecimento nocturno denominado “EMP04...”, sito no Lugar ..., freguesia ..., em ..., ambos em penas de prisão substituídas por multa (cf. ponto 54) dos factos provados).
E que os factos que levaram à presente condenação foram praticados no mesmo local, nos mesmos moldes, desde Abril de 2017 até 22 de Setembro de 2019, ou seja, os arguidos não obstante aquela condenação continuaram a explorar o mesmo estabelecimento comercial, dedicando-se à actividade de lenocínio, pelo menos durante mais dois anos e cinco meses, auferindo com essa actividade um rendimento avultado.»
Esta actuação evidencia, de forma impressiva, uma personalidade destes dois arguidos com propensão para a prática deste tipo de crime no aludido estabelecimento, indiferente às consequências penais do seu comportamento. De resto, a forma como executaram o crime pelo qual foram condenados nos presentes autos evidencia um certo grau de “profissionalização” na prática criminosa pois, não obstante terem o rendimento da venda de bebidas no estabelecimento de bar, preferiram aumentar os seus rendimentos, fazendo da prática do crime de lenocínio uma fonte de rendimento, da qual, manifestamente, não se arrependeram – tanto que voltaram à mesma actividade, apesar de terem sido condenados em penas de prisão substituídas por multa por crime idêntico, cometido no mesmo estabelecimento.»
Realmente, a natureza profissional, ao longo de vários anos, da atividade criminosa de lenocínio, com condenação anterior, que se reporta à prática da mesma atividade, nos mesmos moldes e no mesmo estabelecimento, e a indiferença pelas penas de substituição de que então beneficiaram, e que não levaram os recorrentes sequer a uma pausa na atividade ilícita, demonstram um claro alheamento de qualquer projeto de reabilitação.
Por sua vez, a inserção familiar e até o facto de exercerem atividades profissionais licitas, considerando a natureza do crime em causa, não oferece uma perspetiva de afastamento do ilícito, que se provou constituir uma fonte muito relevante de rendimento dos arguidos.
Para além de a inserção familiar e profissional já existir anteriormente e não ter inibido os recorrentes de prosseguirem a atividade criminosa.
O circunstancialismo de vida dos recorrentes não permite concluir que a simples ameaça da pena e a censura dos factos, sejam suficientes para assegurar as finalidades da punição.
Não sendo os argumentos invocados pelos recorrentes por qualquer forma bastantes para, face a tudo o mais, convencer da suficiência de uma ressocialização dos condenados em liberdade.
Nenhuma censura nos merecendo também este ponto do acórdão recorrido.
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F. Perda de vantagens (pressupostos e cálculo).
Alegam os recorrentes que o crime em causa não respeita a criminalidade organizada e/ou económico financeira, pelo que falha desde logo um pressuposto essencial para que fosse decretada a perda de vantagens.
Sem prescindir, sustentam haver um erro de cálculo das vantagens, por não se terem descontado as despesas.
Vejamos.
Encontra-se em causa a declaração de perda a favor do Estado do valor do património incongruente com o rendimento lícito dos arguidos AA e BB, decretada ao abrigo do disposto pelo artigo 7.º, nº 1 e 2 da Lei 5/2002, de 11.01, e em consequência das suas condenações pela prática de crime de lenocínio p. e p. pelo artigo 169.º, nº 1 do Código Penal.
A Lei 5/2002, de 11.01, insere-se no âmbito do combate à criminalidade organizada e económico-financeira e estabelece regimes especiais em determinadas matérias, designadamente quanto à perda de bens a favor do Estado, para os crimes catalogados no seu artigo 1.º, que considera integrarem criminalidade organizada e económico-financeira para efeitos da sua aplicação.
Na al. p) desse artigo 1º, incluiu o legislador o crime de lenocínio, praticado de forma organizada, nos termos do nº 2 da mesma norma.
Para efeitos deste preceito, a prática do crime de forma organizada é algo que se distingue da simples comparticipação criminosa, indo além dela, mas sem chegar a atingir o patamar da associação criminosa.
A figura da associação criminosa tem um alcance e definição muito precisos em matéria penal, não sendo concebível que o legislador da Lei 5/2002 a desconhecesse, pelo que, se optou por usar a expressão «de forma organizada» é porque quis afastar expressamente a exigência de que exista uma associação criminosa.
No caso em apreço, embora inexistindo uma associação criminosa, a factualidade apurada espelha a prática do crime de forma organizada e, por isso, estamos perante um crime catalogado no artigo 1.º da Lei 5/2002, como se explica no seguinte excerto do acórdão recorrido:
«Ora, no caso, cumpre referir que o crime de lenocínio (fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição) foi praticado de forma organizada, com repartição de tarefas, sendo a sua prática circunstanciada por outros arguidos, e esse “plus” integra a “organização” a que se refere o nº 2 daquele art. 1º da Lei 5/2002, face à repartição de tarefas e exercício do controle do desempenho dos demais arguidos, nomeadamente os cúmplices.»
Improcedendo mais este ponto do recurso.
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No que respeita ao cálculo património incongruente, os critérios definidores dos bens que, para efeitos da Lei 5/2002, de 11.01, fazem parte do património amplo do arguido, constam do seu artigo 7.º, nos seguintes termos:
- estarem os bens na titularidade do arguido, ou este ter domínio sobre eles ou deles beneficiar, à data da sua constituição como arguido ou posteriormente;
- terem sido transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória nos cinco anos anteriores à constituição de arguido;
- terem sido recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
Por conseguinte, quaisquer que sejam os bens que se encontrem nesta situação, são suscetíveis da perda ampliada e, consequentemente, de sobre eles incidir o arresto.
Concretizando, apurado o valor do património do arguido, há que confrontá-lo com os rendimentos de proveniência comprovadamente lícita por ele auferidos naquele período. Se da comparação daquele valor e dos rendimentos lícitos resultar um «valor incongruente», não justificado, incompatível com os rendimentos lícitos, é esse o montante da incongruência patrimonial, que poderá ser declarado perdido a favor do Estado. Pois que, uma vez condenado o arguido, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime do catálogo, opera a presunção (juris tantum) da origem ilícita desse valor.
O cálculo do património incongruente de ambos os recorrentes encontra-se já primorosamente efetuado no acórdão recorrido, nos seguintes termos:
«No caso resulta comprovada a condenação por parte dos arguidos AA, BB e … pela prática de um dos crimes catalogados no nº 1 do art. 7º da Lei 5/02, o crime de lenocínio previsto na alínea p) desse preceito praticado, como vimos, de forma organizada.
Para além disso, comprovou-se a existência de um património na titularidade de cada um deles, em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos.
No caso, demonstrou-se que BB, AA e …. foram constituídos arguidos no dia 22 de Setembro de 2019 e que, entre 22 de Setembro de 2014 e 31 de Dezembro de 2021, portanto nos cinco anos anteriores à constituição como arguidos, e ainda nos dois anos subsequentes (cf. art. 7º, al. a) e c) da Lei 5/02), declararam rendimentos e que nas contas bancárias de que eram titulares ou co-titulares ou que se encontram na titularidade dos cônjuges ou filhos, existiram movimentos a crédito, que representam um incremento patrimonial financeiro.
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Assim, no que respeita ao arguido BB apurou-se que, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, era o único titular das seguintes contas bancárias:
- Nº ...00, domiciliada na Banco 2..., aberta a 15/01/2015;
- Nº ...46, domiciliada no Banco 5...;
- Nº ...70 domiciliada no Banco 1..., aberta em 01/03/19 e encerrada em 01/02/2020.
Que, no mesmo período, a sua mulher, EE, e a mãe dela, SSS, eram titulares da conta bancária domiciliada na Banco 2... nº ...00. Que EE não era titular outras contas bancárias para além dessa, que a maioria dos movimentos a crédito efectuados nessa conta, nesse período, foram relativos a transferências emitidas pelo Instituto da Segurança Social (ISS). E que, ao longo do mesmo período, foram declarados/comunicados em nome de EE, em sede fiscal, rendimentos resultantes de prestações sociais, de trabalho dependente, rendas e subsídios de refeição, que totalizaram o montante global de € 57.562,40.
Sendo a mencionada conta utilizada para os pagamentos recebidos por via da actividade profissional exercida por EE e para o recebimento das transferências efectuadas pelo ISS.
Mais se provou que, no mesmo período, o filho de ambos, TTT, era titular da conta domiciliada no Banco 5..., com o IBAN ...46, que EE estava autorizada a movimentar.
Quanto aos movimentos efectuados nessas contas, demonstrou-se que, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, foram movimentados créditos nas contas tituladas pelo arguido BB, assim discriminados:
1 - Na Conta do Banco 5..., nº ...46, em 2020 e 2021, o valor total de € 4 050,00;
2 - Na conta nº ...70, domiciliada no banco Banco 1..., em 2019, o valor de € 3230;
3 - Na conta nº ...00 domiciliada na Banco 2..., em 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, no total de € 76 328,32.
E bem assim que, no mesmo período, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, foram movimentados créditos, no valor global de € 76 908,33, na conta da Banco 2... nº ...00 titulada por EE e pela sua mãe
E que, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, foram movimentados créditos na conta do Banco 5..., com o IBAN ...46, titulada por TTT, no valor global de € 40 154,14.
Assim, conforme consta da factualidade provada, comprovou-se que foram movimentados a crédito nestas contas bancárias, entre o dia 22 de Setembro de 2014 e o dia 31 de Dezembro de 2021, o valor global total de € 200 670,79.
Ora, como resulta da tabela junta a fls. 729 do Apenso GRA e dos factos provados, os rendimentos declarados e comunicados à Autoridade Tributária como tendo sido pagos ao arguido BB, ao seu cônjuge EE e ao filho de ambos, TTT, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, permitiram-lhes obter, efectuados os respectivos descontos obrigatórios, em cada ano, o seguinte rendimento disponível, no montante global de € 142 003,74, conforme vem detalhado nos factos provados.
Assim, há que concluir que o arguido BB obteve da actividade por si desenvolvida e acima descrita, no período mencionado, a quantia global de € 58.667,05, (cinquenta e oito mil seiscentos e sessenta e sete euros e cinco cêntimos), obtida pela diferença entre o valor dos incrementos patrimoniais, que ascenderam a € 200 670,79, e o valor do rendimento líquido disponível no montante de € 142 003,74.
Em face do exposto, e ao abrigo do disposto pelo art. 7º, nº 1 e 2 da Lei 5/02, de 11/01, cumpre proceder à declaração de perda a favor do Estado do valor do património incongruente com o rendimento lícito do arguido BB, e, consequentemente, condená-lo a pagar ao Estado a quantia de € 58.667,05 (cinquenta e oito mil seiscentos e sessenta e sete euros e cinco cêntimos).
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No que respeita ao arguido AA comprovou-se que ele e o seu cônjuge, VVV, são titulares da conta bancária domiciliada na Banco 2... nº ...00.
E ainda que ele é o único titular das seguintes contas bancárias domiciliadas na Banco 2...:
- Nº ...30, aberta a 09/09/2016 e encerrada a 14/11/16; e
- Nº ...30, aberta a 03/04/2017.
Também se provou que, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, foram movimentados créditos na conta da Banco 2... nº ...00 co-titulada pelo arguido AA e pelo seu cônjuge VVV, no montante global total de € 316 884,58.
Que, no mesmo período, foram movimentados créditos na conta da Banco 2... nº ...30 titulada pelo arguido AA, no montante global de € 2 800,00.
Que, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, foram movimentados créditos na conta da Banco 2... nº ...30 cujo único titular é o arguido AA, no montante global de € 100 344,94.
Portanto, como resultou demonstrado, foram movimentados a crédito nessas contas bancárias e no apontado período temporal, os valores que constam da factualidade provada e que ascendem ao montante global de € 420 029,52.
Sucede que, como se demonstrou, os rendimentos declarados e comunicados à Autoridade Tributária como tendo sido pagos ao arguido AA e ao seu cônjuge VVV, no mesmo período temporal - entre 22/09/2014 e 31/12/2021 - constantes da tabela junta a fls. 742 do Apenso GRA, permitiram-lhes obter, efectuados os respectivos descontos obrigatórios, o rendimento disponível, no montante global de € 123.012,96, tal como consta do da factualidade apurada.
Sendo assim, há que concluir que o arguido AA obteve da actividade por si desenvolvida e acima descrita, entre 22/09/2014 e 31/12/2021, a quantia global de € 297.016,56 (duzentos e noventa e sete mil e dezasseis euros e cinquenta e seis cêntimos), obtida pela diferença entre o valor dos incrementos patrimoniais, que ascenderam a € 420 029,52, e o valor do rendimento líquido disponível no montante de € 123 012,96.
Cumpre, por isso, ao abrigo do disposto pelo art. 7º, nº 1 e 2 da Lei 5/02, de 11/01, proceder à declaração de perda a favor do Estado do valor do património incongruente com o rendimento lícito do arguido AA, e, consequentemente, condená-lo a pagar ao Estado a quantia de € 297.016,56 (duzentos e noventa e sete mil e dezasseis euros e cinquenta e seis cêntimos).»
Os bens referenciados enquadram-se nos critérios definidos no artigo 7.º, n.º 2, da Lei da Lei 5/2002, de 11.01, desde que conjuguemos as alíneas a) e c) do preceito, de onde decorre que todos eles estavam na titularidade dos arguidos nos cinco anos anteriores à data da constituição de arguidos e posteriormente.
Por sua vez, tal como considerou a decisão recorrida, e no seguimento de grande parte da jurisprudência[10], também entendemos que o perdimento dos bens deve incidir na vantagem ilíquida/bruta, correspondente ao valor recebido e não sobre a vantagem líquida, obtida depois de descontados os custos, designadamente os suportados com a própria atividade criminosa, como pretendem os recorrentes.
É que sendo o lenocínio uma atividade ilícita e penalmente censurável, inexiste justificação para a consideração das despesas/custos inerentes à sua prática, ou seja, à preparação e consumação do crime.
Essas despesas não podem obter tutela legal com a sua dedução à receita obtida, a fim de se apurar o lucro, como se estivéssemos perante uma atividade lícita sujeita a tributação fiscal, pois tal redundaria na legitimação de condutas que também são ilícitas.
Nenhuma censura merecendo o cálculo aritmético do valor do património incongruente com o rendimento lícito de cada um dos recorrentes, nos termos efetuados no acórdão recorrido.
***
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos AA e BB.
Vão os recorrentes condenados em custas, fixando a taxa de justiça individualmente devida em 4 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III].
Notifique.
*
Guimarães, 25 de junho de 2025
(Texto integralmente elaborado pela relatora e revisto pelas suas signatárias – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal –, encontrando-se assinado na primeira página, nos termos do artigo 19.º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.)
[1] Cf. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V. [2] Cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, atualizada e aumentada, 2008, pág. 105. [3] Proferido no Proc. nº 06P120, disponível em www.dgsi/jstj.pt. [4] Neste sentido cf. Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal anotado, 4ª ed., p. 948. [5] Publicado no D.R. II Série, de 13.12.2002. [6] Disponível em www.dgsi/jstj.pt. [7] Cf. Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, trad. da 5.ª ed., 1996, págs. 701 e 702. [8] Disponível em www.dgsi.pt. [9]Proc. nº 116/15.9JACBR.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, disponível em www.dgsi.pt. [10] Cf. o acórdão deste TRG de 05.03.2024 (e jurisprudência nele citada), Proc. 179/17.2GAMNC.G1, relatora Isabel Castro, disponível em www.dgsi.pt.