REIVINDICAÇÃO
MURO DIVISÓRIO
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário


- A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

AA e esposa BB, intentaram a presente ação peticionando a condenação de CC a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio inscrito na matriz predial da União de Freguesias ... e ... sob o art. ....º, proveniente do art. ...76 da extinta freguesia ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...14; a remover, a expensas suas, a grade/rede existente nos muros dos AA., bem como retirar o bloco de granito que foi colocado transversalmente no muro dos AA., junto à estrema com DD e que suporta a grade/rede de aço em toda a sua extensão; a substituir todas as pedras de granito danificadas no muro dos AA., num total de 15, por pedras idênticas, repondo o muro nas condições em que se encontrava antes da sua intervenção; no pagamento de uma compensação por cada dia de permanência da grade sobre os ditos muros, não inferior a 10,00€ por dia; e no pagamento de indemnização em montante não inferior a 5.000,00€, a título de danos não patrimoniais.

Para tanto alegaram, em suma, que adquiriram o referido prédio por herança dos pais e tia do autor marido (na proporção de 2/3) e por compra à irmã do autor marido (1/3), bem como por usucapião; que, entre 2009 e março/abril de 2010, construíram integralmente no seu terreno, com recurso a mão de obra externa, um muro a suas expensas; que no dia 11/08/2023, a R. colocou no dito muro, que confronta com o prédio da R. a sul, através de parafusos cravados nas pedras, uma grade/rede malha de aço, com mais de 2 metros de altura, suportada por 13 postes de ferro cravados na rocha com quatro parafusos; que no dia 19/08/2023, a R. voltou a intervencionar outro dos muros dos AA., em 10 metros da sua extensão, ao colocar uma rede/grade com mais de dois metros de altura, presa em 2 postes de ferro cravados com 4 parafusos cada um, junto ao portão de entrada para o prédio da R.; que as pedras objeto de perfuração, num total de 15, não são recuperáveis, detendo um valor unitário de 250,00€; que, em virtude desta situação, os AA, sentiram medo e tensão nervosa, angústia, bem como se sentiram humilhados e muito ofendidos.
Em sede de contestação, a R. excecionou a incompetência material do Tribunal por violação do princípio da adesão e a sua ilegitimidade passiva, mais se defendendo por impugnação.
Nessa sequência, os AA. suscitaram o incidente de intervenção provocada dos herdeiros de EE, FF e GG, o qual culminou com a admissão da intervenção aos autos destes últimos a fim de figurar como réus.
Foi julgada improcedente a exceção de incompetência material invocada, bem como foi conhecida oficiosamente a exceção de ineptidão parcial da petição inicial, na sequência do que se absolveu os RR. da instância quanto à seguinte parte do pedido formulado em B. do petitório: «bem como retirar o bloco de granito que foi colocado transversalmente no muro dos autores, junto à estrema com DD e que suporta a grade/rede de aço em toda a sua extensão».

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Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:

“A. CONDENAR CC, EE, FF E GG a reconhecer o direito de propriedade plena de AA e BB sobre o prédio inscrito na matriz predial da União de Freguesias ... e ..., sob o artigo ....º, proveniente do artigo ...76.º da extinta freguesia ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...14.
B. ABSOLVER CC, EE, FF E GG do demais peticionado.
C. CONDENAR AA e BB no pagamento de custas processuais.
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Inconformados vieram os AA recorrer formulando as seguintes conclusões:

1ª Nos termos do nº 1 do artº 1344º do CC., a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que nele se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.
2ª A douta sentença condenou os RR. a reconhecerem o direito de propriedade plena dos AA. ora apelantes, sobre o prédio inscrito na matriz da União de Freguesias ... e ... sob o artº ...56º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...14.
3ª Encontrando-se reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre o referido prédio, convenhamos que o espaço aéreo correspondente à superfície abrange além do terreno, todos os muros ou paredes que se encontram dentro do espaço aéreo dessa superfície, pelo que todos os muros encontram-se por lei incorporados no referido prédio rústico.
Sem conceder,
4ª O prédio dos AA. denominado “...”, sito em ... constitui um prédio rústico encontrando-se inscrito na respetiva matriz sob o artº ...56º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...14.
5ª O prédio dos RR, constitui um prédio urbano composto por moradia de R/C e logradouro, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... e ... sob o artº ...45º.
6ª Em data não concretamente apurada, mas anterior a Janeiro de 2023, os AA. contrataram o Sr. HH para lhes construir um muro em granito, ao longo de toda a estrema do lado sul, que confina com o prédio da R. .
7ª O muro foi integralmente pago pelos AA. ao Sr. HH.
8ª O muro de vedação edificado a mando dos AA, tem cerca de 30 metros de comprimento e meio metro de largura, sendo que na parte mais alta, a nascente, atinge 1,80 metros de altura e a poente cerca de 7 metros de altura.
9ª A R. e seu falecido marido EE não apresentaram quaisquer entraves à construção ou existência do muro ou configuração.
10ª Em data não concretamente apurada a Ré pediu ao A. para colocar uma grade /rede malha de aço num dos muros que circunscreve o prédio dos AA.
11ª Em data não concretamente apurada, mas anterior a 27-11-2023, a R. ou alguém a seu mando colocou no muro construído pelos AA. que confronta com o prédio da R. a sul, através de parafusos cravados nas pedras, uma grade de /rede de malha de aço suportada por 12 postes de ferro cravados na rocha com 4 parafusos.
12ª Em data não concretamente apurada, mas anterior a 27-11-2023 a R. ou alguém a seu mando colocou uma rede/grade, presa em 2 postes de ferro cravados com 4 parafusos cada um no muro junto ao portão de entrada para o prédio da R. do lado poente ficando assim ligada em angulo reto à grade do lado sul.
13ª O prédio dos AA. confina do lado sul, ao longo de 30 metros de extensão e a poente ao longo de 3 metros de extensão com o prédio dos RR.
14ª Na confrontação poente o prédio dos AA. situa-se no mesmo nível do prédio dos RR.
15ª Já na confrontação sul o prédio dos AA, situa-se num plano inferior ao prédio dos RR. desnível que é de cerca de meio metro no vértice sudoeste e de 2 metros no vértice sudeste.
16ª Em data não apurada foi construído um murete no prédio da R. para onde foi transferida a dita vedação, deixando a mesma de encontrar-se colocada no muro que divide os prédios a poente.
17ª Em virtude do comportamento da R. o A. sentiu nervosismo.
18ª Atento o exposto, verifica-se que inexiste qualquer presunção de compropriedade do muro em apreço, porquanto os prédios são de natureza diferente na configuração do disposto no artº 204 º nº 2 do CC, ou seja, o dos AA. apelantes é um prédio rústico, sendo certo que o prédio dos RR. é um prédio urbano.
19ª Com efeito, refere o nº 2 do artº 1371º do CC que apenas há presunção de compropriedade entre os muros de prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos”, o que não se verifica nos presentes autos.
20ª Na verdade, tratando de um muro entre um prédio rústico (o dos AA) e de um prédio urbano (o dos RR.), não opera a presunção de compropriedade. Neste sentido decidiu o douto Ac. do STJ de 10-7-2008; Ac da relação de Coimbra de 24-04-2013 e Ac. da Relação de Guimarães de 9-11-2017 podendo ser consultados em www.dgsi.pt.
21ª Assim, tendo os AA. mandado construir o muro a expensas suas não tendo merecido quaisquer entraves por parte dos RR., quer quanto à sua existência, quer contra a sua configuração constata-se com clareza que os AA. são os proprietários em exclusivo do muro que confronta a sul com o prédio dos RR. Neste sentido decidiu o douto Ac do STJ de 20-10-2011(in www.dgsi.pt).
22ª A douta sentença não se pronunciou sobre os danos causados pelos 2 postes que abusivamente foram colocados com os respetivos parafusos nas pedras de granito dos AA. no muro a poente junto à entrada para o prédio dos RR., pelo que deve este douto Tribunal condenar os RR. a substituírem as pedras danificadas.
23ª Ao conceder aos RR. compropriedade no muro mandado erigir pelos AA. e pago por estes, e sem quaisquer encargos, convenhamos que se verifica um autentico enriquecimento sem causa dos RR., à custa do património dos AA. em violação do artº 473º e seguintes do CC.
A douta sentença violou o disposto no nº 2 do artº 204º, o artº 473º o artº 483º,o artº 1344º, os artºs 1371º, 1372º e 1373º todos do Código Civil e ainda o nº 1 al.d) do artº 615º do CPC. e bem assim o nº 1 do artº 62º da CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA.

NESTES TERMOS, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, A QUAL DEVE SER SUBSTITUÍDA POR DOUTO ACÓRDÃO QUE CONDENE OS RR. INTEGRALMENTE NOS PEDIDOS.
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Questões a decidir:
           
- Verificar se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;  - Analisar a quem pertence o direito de propriedade sobre o muro descrito nos autos e tirar daí as consequências legais.      
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Factos provados na decisão recorrida:
1. Mostra-se registada a favor de AA e BB, na proporção de 1/3 quanto a esta última, a propriedade do prédio rústico denominado ..., composto de eira, tulhão, canastro e terra, sito na ..., que confronta do norte com estrada municipal, do Sul com a R., do nascente com DD e poente com caminho público, inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias ... e ... sob o artigo ....º, proveniente do artigo ...76 da extinta freguesia ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o número ...14.
2. O prédio foi adquirido na proporção de 2/3 por herança dos pais e tia do A. e 1/3 deste foi comprado à irmã do A.
3. Há mais de 15, 20, 40, 60 e 70 anos que os AA. retiram todas as utilidades proporcionadas pelo prédio, nomeadamente, pasto para os animais, e guardando produtos agrícolas no edifício, e milho no canastro.
4. Dele entrando e saindo livremente, por ele transitando quando e como lhes apraz, limpando das silvas, guiando os respetivos muros de vedação, zelando-o e vigiando-o, pagando a contribuição predial respetiva.
5. Tudo à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem estorvo de quem quer que fosse e sem oposição de ninguém, dia após dia, ano após ano.
6. Na convicção de que eram proprietários e de que não lesavam terceiros.
7. A R., emigrante na ... há mais de 30 anos, em 21 de julho de 1993, ainda no estado de solteira, adquiriu por compra a II e irmã JJ o prédio rústico denominado ... ou ..., inscrito na matriz predial anterior a 1997 da freguesia ... sob o art. ...83.º.
8. Há mais de 50 anos foi construído pelos familiares dos AA. um muro de vedação do prédio identificado em 1. com cerca de meio metro de largura, metro e meio de altura e 50 metros de comprimento, em granito, ao longo de toda a Rua ... até ao limite da anterior entrada para o prédio da R.
9. Os AA., em data não concretamente apurada, mas anterior a janeiro de 2023 contrataram o Sr. HH de ... para lhes construir um muro, em granito, ao longo de toda a estrema do lado sul, que confina com o prédio da R.
10. O muro foi pago pelos AA. ao Sr. HH.
11. O muro de vedação edificado a mando dos AA. tem cerca de 30 metros de comprimento e meio metro de largura, sendo que na parte mais alta, a nascente, atinge cerca de 1,80 metros de altura e, a poente, cerca de 7 metros de altura.
12. A R. e seu falecido marido EE não apresentaram quaisquer entraves à construção ou existência do muro ou configuração.
13. Em data não concretamente apurada, a R. pediu ao A. para colocar uma grade/rede malha de aço num dos muros que circunscreve o prédio dos AA.
14. Em data não concretamente apurada, mas anterior a ../../2023, a R. ou alguém a seu mando colocou no muro construído pelos AA. que confronta com o prédio da R a sul, através de parafusos cravados nas pedras, uma grade/rede de malha de aço, suportada por 12 postes de ferro cravados na rocha com quatro parafusos.
15. Em data não concretamente apurada, mas anterior a ../../2023, a R. ou alguém a seu mando colocou uma rede/grade, presa em 2 postes de ferro cravados com  parafusos cada um, no muro situado junto ao portão de entrada para o prédio da R., do lado poente, ficando assim ligada em ângulo reto à grade do lado Sul.
16. Em virtude do comportamento da R., o A. sentiu nervosismo.
17. O prédio referido em 1. confina, do lado sul, ao longo de cerca de 30 metros de extensão, e a poente, ao longo de 3 metros de extensão, com o prédio referido em 7.
18. Foi construída uma moradia no prédio rústico referido em 7.
19. Na confrontação poente, o prédio referido em 1. situa-se sensivelmente ao mesmo nível do prédio referido em 7.
20. Já na confrontação sul, o prédio referido em 1. situa-se num plano inferior ao prédio referido em 7., desnível que é de cerca de meio metro no vértice sudoeste e de 2 m no vértice sudeste.
21. Em data não concretamente apurada, mas após o descrito em 15., foi construído um murete no prédio da R. para onde foi transferida a dita vedação, deixando a mesma de encontrar-se colocada no muro que divide os prédios referidos em 1. e 7., a poente.
22. A R. procedeu à aplicação da vedação metálica exclusivamente na metade sul do muro em causa.
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Factos não provados

a) Há mais de 15, 20, 40, 60 e 70 anos que os AA. retiram todas as utilidades proporcionadas pelo prédio, nomeadamente batatas, centeio, milho, mato, couves, feijões, cebolas e hortícolas variados.
b) Os AA. decidiram agir conforme descrito em 9. devido às sucessivas derrocadas de terra e pedras que caiam no seu prédio, provenientes do terreno da R. na época das chuvas, bem como ao declive ali existente.
c) O muro referido em 9. foi construído integralmente no terreno dos AA.
d) E foi concluído em março/abril de 2010.
e) Os AA. pagaram a quantia de 15.000,00€ pela construção do muro referido em 9.
f) Em julho/agosto de 2010, a R. e seu falecido marido EE, então emigrantes na ..., gozaram férias em Portugal.
g) O A. respondeu à R., nesse mesmo dia, afirmando que não autorizava que fosse colocada nos seus muros de granito qualquer rede ou grade em ferro ou em aço, porque desvalorizavam e descaracterizavam o seu prédio.
h) As grades/redes referidas em 14. e 15. têm mais de 2 metros de altura.
i) A R. tem perfeito conhecimento que os muros onde concretizou a obra não lhe pertencem.
j) As pedras de granito danificadas, num total de 15, não podem ser reparadas.
k) A substituição de cada pedra danificada implicará um custo não inferior a 250,00€ por cada pedra.
l) Em virtude do comportamento da R., os AA. sentiram angústia e medo.
m) Em virtude do comportamento da R., a A. sentiu nervosismo.
n) Sentiram-se, ainda, humilhados e ofendidos com o comportamento da R.
o) Toda a situação trouxe aos AA. noites mal dormidas.
p) Vendo-se o A. obrigado a recorrer a ajuda médica e medicamentosa para poder dormir.
q) Desde que a R. iniciou tais comportamentos, os AA. nunca mais tiveram paz e sossego, vivendo em constante ansiedade e receio.
r) Os desníveis aludidos existem desde tempos imemoriais.
s) A moradia referida em 18. foi construída pelo casal que formaram a R. e o seu falecido marido, na constância do seu casamento.
t) O prédio identificado em 7. corresponde ao imóvel composto por moradia de r/chão e logradouro e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... e ... sob o artigo ....º (antigo art. ...17.º da extinta freguesia ...).
u) A demarcar o prédio referido em 7. do prédio referido em 1., na confrontação norte daquele e sul deste, sempre existiu um muro em pedra, que era simultaneamente de delimitação e de suporte das terras do prédio situado no nível superior.
v) Muro esse antigo que foi construído e zelado pela R. e pelas anteriores pessoas que usufruíam daquele prédio.
w) Como o dito muro apresentava um traçado irregular e encontrava-se em mau estado de conservação, o A. e o falecido marido da R. acordaram que aquele procederia, a expensas próprias, à sua reconstrução.
x) A compensação dos AA. residiu na autorização que o marido da R. lhes deu para procederem ao alinhamento do dito muro, de modo a que o mesmo deixasse de ter o traçado irregular que apresentava para passar a ter um traçado retilíneo, permitindo que o terreno dos AA. ficasse em esquadria.
y) A implantação anterior do muro do prédio da R. coincidia a poente sensivelmente com a atual, sendo que, a nascente, situava-se cerca de 3 metros para norte da implantação atual.
z) Ou seja, os AA. incorporaram no seu prédio uma parcela de terreno com a área de cerca de 45 m2, correspondente a um triângulo retângulo com 3 metros de base, a nascente, e com os catetos com o comprimento aproximado de 30 metros.
aa) Na dita parcela de terreno com 45 m2 de área existiam alguns carvalhos que os AA. arrancaram, tendo depositado a lenha que daí resultou, raizeiros incluídos, no interior do prédio da R., local onde atualmente ainda se encontra.
bb) Como na sequência do acordo efetuado pelo A. e pelo falecido marido da R. a profundidade do prédio dos AA., junto à estrema nascente, alongou 3 metros, estes completaram, em igual medida, o muro de vedação do seu prédio, do lado nascente.
cc) Sempre a R. e o seu falecido marido estiveram convencidos que o muro de suporte de terras situado na confrontação a norte com o prédio dos AA. continuou a pertencer-lhes de forma exclusiva, não obstante as despesas decorrentes da sua reconstrução e retificação do respetivo traçado terem ficado a cargo dos AA.
dd) O pedido de autorização para aplicar a referida vedação metálica foi efetuado somente para o troço com 3 metros de extensão do muro poente, por pertencer exclusivamente aos AA.
ee) Distorções de comunicação levaram a R. a acreditar que tal autorização havia sido dada, o que levou a que a vedação tivesse sido aplicada nesse troço do muro.
ff) O mesmo muro acha-se implantado totalmente no interior do terreno da R.
gg) A R. e o seu falecido marido e, após a morte deste, a R. e os filhos de ambos, por si e através de II e JJ e marido, KK e os pais daquelas e sogros deste), durante mais de 20, 30, 40, 50, 60 e mais anos, utilizaram o prédio referido em t), cultivando-o e dele retirando as utilidades pelo mesmo proporcionadas, pastoreando-o com gado e cortando o mato, nele efetuando a construção de uma moradia e habitando-a, vedando-o, e nele efetuando obras.
hh) Tudo dia após dia, ano após ano, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, convencidos de que eram proprietários exclusivos do prédio referido e ignorando lesar direitos ou interesses de terceiros.
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Cumpre apreciar e decidir:

Da alegada nulidade por omissão de pronúncia:

Os AA. alegam que a sentença padece do vício de omissão de pronúncia porque não se pronunciou sobre os danos causados nas rochas dos AA. pela Ré.
O vício de omissão de pronúncia está previsto no art. 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável à 2ª instância por via do preceituado no art. 666º do mesmo Código.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina as questões a resolver e que é a prevista no art. 608º nº 2 do Código de Processo Civil.

Resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;  não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Como se refere no Ac. da R.L. de 29/11/05 (in www.dgsi.pt ), o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou decisões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Ora, como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol. V, pg. 143)são coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.
Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

No caso, a Srª Juíza concluiu que o muro não pertencia em exclusivo aos AA. e que era lícito aos RR. colocar no mesmo a vedação descrita nos autos, concluindo ainda que, dessa forma, não assistia aos AA. o direito à substituição das pedras perfuradas que constituem o muro e que, “Pois que, pela sua licitude, também nunca poderia ser assacada qualquer responsabilidade civil extracontratual à R. pela sua conduta em levar a cabo aquelas obras de implantação.
O que implica, logicamente, a improcedência do pedido formulado destinado a obter uma indemnização por danos morais, bem como do pedido consistente na condenação do pagamento de uma quantia por cada dia em que a grade/rede permanecer sobre o muro, a qual, destinando-se a constranger a R. à remoção da vedação implantada, terá a natureza de uma sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 829.º-A do CC, pedidos dependentes do surgimento de uma obrigação de indemnizar na esfera da R.”
Desta forma, a Srª Juíza que elaborou a sentença recorrida, pronunciou-se sobre a questão em apreço, pelo que, não se verifica a nulidade invocada, que assim, improcede.
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Da propriedade do muro:

Na decisão recorrida, a Srª Juiz concluiu pela compropriedade do muro em questão nos autos, com base na presunção prevista no art. 1371º, do C. Civil.

Os AA. discordam deste entendimento, desde logo, porque dizem que a presunção de propriedade não pode aplicar-se porque um dos prédios tem natureza rústica e o outro natureza urbana.

Vejamos:
 
De acordo com o disposto no art. 1371º do C. Civil, a parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem (1), por outro lado, os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se comuns, não havendo sinal em contrário (2).

No caso, ao contrário do que dizem os AA. no seu recurso, os prédios são ambos rústicos (v. pontos 1 e 7 dos factos provados que não foram impugnados), como aliás referiram os AA. na petição inicial.
Assim, estando em causa prédios de idêntica configuração, a presunção em causa pode aplicar-se ao caso em apreço, desde que estejam reunidas, para o efeito, as necessárias condições legais.
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Os AA. dizem ainda que estando provada a existência do seu direito de propriedade sobre o prédio descrito no ponto 1 da matéria de facto e, sendo certo que tal propriedade abrange o espaço aéreo existente sobre essa propriedade, o muro lhes pertence por estar incorporado nesse prédio.

É certo que, de acordo com o disposto no art. 1344º, nº 1, do C. Civil, a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à sua superfície, bem como o subsolo, com tudo o que nele se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico, contudo, no caso, os AA. não provaram que o muro estivesse implantado em terreno seu, pelo que, não se pode concluir sobre a sua propriedade sobre o muro com base neste preceito.
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Argumentam os AA. que, tendo custeado em exclusivo a construção do muro, o mesmo lhes pertence.
No caso estamos perante um muro divisório entre prédios rústicos.
Já vimos que o nº 1 do art. 1371º, do C. Civil estabelece uma presunção de compropriedade. Por outro lado, no caso não se provou a existência de qualquer dos sinais que poderiam excluir tal presunção e que se encontram mencionados nos nºs 2 e 5 do mencionado preceito.
A presunção em causa poderia ser ilidida mediante prova em contrário (v. art. 350º, do C. Civil).
Os AA. não provaram que o muro em causa tinha sido construído em terreno seu, mas provaram que a construção do mesmo foi custeada por si em exclusivo.

Será que isto basta para concluir que o muro pertence em exclusivo aos AA.?
Entendemos que não.

Com efeito, tal como se refere no Ac. da Relação de Coimbra, de 26/04/16, proferido no proc. nº 170/13.8TBSBG.C1 (in www.dgsi.pt ) “se é verdade que a construção de um bem imóvel, através da celebração de um contrato de empreitada, constitui um modo de aquisição originária do direito de propriedade sobre a coisa a favor do dono da obra, sob a forma de uma acessão atípica, nos termos do art.º 1212º, n.º 2, do C. Civil, desde que o solo ou a superfície onde é construída a coisa seja propriedade deste, no caso dos muros divisórios, em que é incerto este último requisito (estes muros situam-se na linha divisória dos prédios), tal construção, só por si, não é suficiente para ilidir a presunção que consta do n.º 2 do art.º 1371º, até porque, como lembrou Cunha Gonçalves, o facto do preço da construção do muro ter sido pago apenas por um dos proprietários confinantes não significa que não possa ter existido uma comunhão convencional, consistindo a contribuição do outro proprietário na cessão gratuita do terreno, quando só o proprietário dono da obra tenha empenho e maior proveito em tal construção.” (no mesmo sentido Ac. R.P. de 16/11/15, proferido no proc. 2794/12.1TBVNG.P1 e Ac. R.G. de 2/2/23, proferido no proc. 89/21.9T8MAC.G1, ambos in www.dgsi.pt ).

Improcede, pois este argumento, tal como também se entendeu na decisão recorrida.           
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No seu recurso, dizem também os AA. que a sentença, a coberto do disposto no art. 1373º, do C. Civil, permitiu que a Ré se apoderasse do muro dos AA. gratuitamente, pelo que há enriquecimento sem causa da Ré à custa do património dos AA.
Esta questão nunca foi abordada na primeira instância, sendo, pois, uma questão nova.
Visando os recursos ordinários o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu e sendo eles meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido (v. por todos Ac. R. C. de 23/5/12 in www.dgsi.pt ).

Conforme diz Abrantes Geraldes (in Os Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 98), “As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais graus de jurisdição.”
Por outro lado, o tribunal não pode conhecer oficiosamente do enriquecimento sem causa, porque não está em causa matéria excluída da disponibilidade das partes, tendo, pois, de ser invocada pela parte a quem aproveita (v. neste sentido Ac. R.P. de 25/02/25; Ac. R. E. de 30/4/15; Acs. RL de 7/11/19 e de 21/6/22) e Ac. STJ de 22/06/04, todos in www.dgsi.pt ).
Desta forma, tal questão não vai ser conhecida neste recurso.
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Por último, dizem os AA. que a sentença permitiu a violação do direito de propriedade dos AA. pela Ré “gerando a inconstitucionalidade das normas inerentes aos artigos 1372º e 1373º do CC., quando interpretadas no sentido de que um consorte pode apoderar-se de metade de um muro de vedação sem qualquer encargo ou despesa, face à
violação do direito de propriedade privada previsto no nº 1 do artº 62º da Constituição da República Portuguesa.

O art. 62º da C.R.P., sob a epígrafe “Direito de propriedade privada”, diz o seguinte:

“1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante pagamento de justa indemnização.”

Como se pode ler no Acórdão do Tribunal Constitucional de 19/1/99, proferido no processo nº 682/97, “o artigo 62º, nº 1, da Constituição, não consagra uma garantia ilimitada da propriedade privada. Como os próprios recorrentes reconhecem, aquele direito constitucionalmente consagrado não o é em termos absolutos ou ilimitados, antes «dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição» (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1992, pág. 332). A este propósito, escreveu-se no Acórdão nº 866/96 (Diário da República, I Série–A, de 18 de Dezembro de 1996):
Não definindo o texto constitucional o que deva entender-se por direito de propriedade, nem sempre têm sido pacíficas as conclusões atingidas pelos seus intérpretes a propósito da dimensão e contornos daquele conceito, sendo, porém, seguro que a velha concepção clássica da propriedade, o jus fruendi ac abutendi individualista e liberal, foi, nomeadamente nas últimas décadas deste século, cedendo o passo a uma concepção nova daquele direito, em que avulta a sua função social.
Como quer que seja, o direito de propriedade constitucionalmente consagrado não beneficia de uma garantia em termos absolutos, havendo de conter-se dentro dos limites e nos termos definidos noutros lugares do texto constitucional, [...]
Por fim, cabe citar J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., págs. 332 - 333:
Teoricamente, o direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: (a) o direito de adquirir bens; (b) o direito de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; (c) o direito de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles (…)”

Luís Carvalho Fernandes (in Lições de Direitos Reais, 2ª ed. revista e atualizada, pág. 304), caracteriza o direito de propriedade como “o direito real de gozo máximo, no sentido de ele reconhecer ao seu titular a generalidade das faculdades atribuíveis a um particular, em vista do aproveitamento pleno da utilidade de uma coisa, dirigido à satisfação de necessidades legítimas, “dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.”.

No caso, não provando os AA., como lhes competia (v. art. 342º, nº 1 do C. Civil), que o muro em causa nos autos se encontrava implantado em terreno seu e não demonstrando que o muro lhes pertencia em exclusivo, operando a presunção de compropriedade prevista no art. 1371º, do C. Civil, tal como se analisou na decisão recorrida e para cujos fundamentos e remete, não há qualquer violação do direito de propriedade dos AA. e, bem assim, qualquer violação de preceitos constitucionais, designadamente o disposto no art. 62º da C.R.P..

Deste modo, julga-se totalmente improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Recorrentes.                       
Guimarães, 13 de novembro de 2025

Alexandra Rolim Mendes
Joaquim Boavida
Raquel Baptista Tavares