Sumário
I. Nas ações de anulação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo administrador, e não aos condóminos ou ao administrador, em nome pessoal.
II. A petição inicial, enquanto ato jurídico, deve ser interpretada de acordo com as regras da interpretação das declarações negociais (artigos 236.º e 295.º do Código Civil), atendendo ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição do Réu, deduziria do seu teor, em detrimento de uma interpretação puramente literal ou formalista.
III. Se do contexto da petição inicial resultar que a ação foi dirigida contra o condomínio, identificado com morada e NIF próprios, a referência prévia ao administrador constitui mera imprecisão formal e não conduz à ilegitimidade passiva.
IV. Em todo o caso, existindo dúvida quanto à correta identificação do Réu, deve a parte ser convidada, nos termos do artigo 6.º 146.º e 590 do CPC, a esclarecer contra quem efetivamente pretende intentar a ação, não podendo sem mais ser julgada verificada a ilegitimidade passiva do Réu.
V. O alegado erro sobre quem é o administrador do condomínio diz respeito a uma irregularidade de representação processual, que pode e deve ser sanada, nos termos dos artigos 27.º e 28.º do CPC e não se confunde com o pressuposto processual da legitimidade para a causa.
ACÓRDÃO
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
1. Relatório:
COGIMOL – CONSTRUÇÃO E GESTÃO IMOBILIÁRIA, LDA., e PORTA DA VILA APARTAMENTOS, LDA., ambas com sede em Lisboa, intentaram, nos termos do artigo 1433.º, n.º 6 do CC, a presente ação declarativa constitutiva de anulação de deliberações de Assembleia de Condóminos, com forma de processo comum “contra AA, solteiro, maior, na qualidade de Administrador do CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA Rua 1, com sede na Rua 1, com o NIPC ..., pedindo que sejam anuladas as deliberações da Assembleia Geral de Condóminos, do referido Condomínio do Edifício 1, sito em Lagos, datada de 11 de março de 2024.
O Réu contestou, por exceção e por impugnação.
Invoca que é parte ilegítima, por não ser o administrador do condomínio, pois a administradora do condomínio é a sociedade Gaspvillas, Lda., que foi eleita para tal na Assembleia de Condóminos do dito prédio, de 11 de Março de 2024, conforme a acta nº 1 de 2024, que contém as deliberações impugnadas e que foi junta com a petição inicial. Mais refere que as próprias AA reconhecem que a administradora do Condomínio é a sociedade Gaspvilas, Lda, sendo AA seu sócio e gerente.
Por cautela, o réu rebate os fundamentos invocados pelas AA para sustentar a anulação das deliberações impugnadas, que entende serem válidas.
Termina, pedindo a absolvição da instância ou, se assim não se entender, a absolvição do pedido
As AA. responderam, pugnando pela improcedência da exceção de ilegitimidade, dizendo que o administrador do condomínio é efetivamente AA e não a referida sociedade, por considerarem que a deliberação realizada a 11-03-2024 quanto à apreciação e votação sobre a recondução da atual administração do condomínio para o ano de 2024, donde foi votada e deliberada a administração do condomínio a cargo da mencionada sociedade, é anulável visto que, na convocatória e no ponto II da ordem de trabalhos não consta um ponto de eleição de nova administração para o ano de 2024, mas tão somente a apreciação e votação sobre a recondução da mesma para esse ano, concluindo que não poderia a sociedade ser eleita nessa assembleia, continuando a administração a cargo da pessoa singular AA, que era o administrador nomeado em 28-02-2023.
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Foi dispensada a audiência prévia e, após, proferido despacho saneador-sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos arts. 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. e) e 578.º, todos do Código de Processo Civil determina-se o réu AA parte ilegítima na presente ação e em consequência absolve-se o mesmo da instância.”
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Inconformadas com a SENTENÇA, as AA interpuseram o presente recurso, que terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
I. Resulta do Despacho Saneador - Sentença, a ilegitimidade do Réu AA na qualidade de Administrador do Condomínio sito na Rua 1.
II. Porque entendeu o Tribunal a quo que a presente ação de Impugnação das deliberações foi intentada contra AA na sua pessoa singular e não como representante (administrador) do Condomínio sito na Rua 1.
III. Ora, salvo o devido respeito, não concordam as Recorrentes, uma vez que, na sua petição inicial, as Recorrentes propuseram a ação contra e passam a citar: “AA, solteiro, maior, na qualidade de Administrador do CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA Rua 1, com sede na Rua 1, com NIPC ... (…)”.
IV. Neste sentido, a ação foi proposta contra o Condomínio Sito na Rua 1, com o número de identificação de pessoa coletiva do Condomínio e não o de pessoa singular do Administrador.
V. Aliás, aquando do preenchimento do formulário na plataforma Citius, novamente foi indicado como número de identificação do Réu, o NIPC (número de identificação de pessoa coletiva) do Condomínio, pelo que a ação foi proposta contra o Condomínio, sendo este representado pelo seu administrador, como prescreve o artigo 1433.º, n.º 6 do Código Civil.
VI. O artigo 1436.º do Código Civil enumera as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui, sob a alínea i), a execução das deliberações da assembleia.
VII. Conforme dispõe o n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil, prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a Assembleia designar para o efeito.
VIII. Ainda que a legitimidade passiva nas ações de impugnação se refira aos condóminos que votaram favoravelmente essas deliberações, são depois representados judiciariamente pelo administrador do Condomínio, na pessoa do qual são citados.
IX. Sempre se dirá que, a deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da Assembleia de Condóminos, órgão a quem compete a tomada de deliberações sobre as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, sendo o administrador o órgão executivo da Assembleia de Condóminos.
X. Na presente ação foi o administrador citado, em representação do Condomínio, conforme previsto na lei.
XI. Ainda que as Recorrentes tivessem indicado que o administrador do Condomínio é AA, é certo que sempre identificou o Condomínio do Prédio sito na Rua 1, na petição inicial da presente ação, sendo o Condomínio a parte Ré e não o seu administrador, que atua como seu representante.
XII. A legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da Assembleia de Condóminos compete ao Condomínio, representado pelo seu administrador, pois só a este cabe executar as deliberações da Assembleia de Condóminos, nos termos do artigo 1436.º, alínea i) do Código Civil, por igualdade de razão cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácias dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
XIII. As deliberações da Assembleia de Condóminos exprimem a vontade do Condomínio e não dos condóminos individualmente considerados, atuando o Condomínio em nome de um interesse coletivo, distinto das posições individuais de cada condómino.
XIV. A referência aos condóminos constante do artigo 1433, n.º 6 do Código Civil, deverá ser interpretada como referida ao conjunto dos condóminos, que reunidos em Assembleia votaram favoravelmente a deliberação impugnada, assim vinculando o Condomínio e cuja execução compete ao administrador.
XV. A legitimidade passiva nas ações de anulação de deliberações da Assembleia de Condóminos destinado à sua suspensão, pertence ao condomínio, representado pelo administrador.
XVI. No caso de ações propostas pelo administrador ou naquelas em que este seja demandado, a legitimidade terá de se aferir pelo interesse que o património comum que ele representa (e não ele próprio) tenha em demandar (utilidade derivada da procedência da ação) ou contradizer (prejuízo que a procedência da ação possa causar).
XVII. O artigo 1437 do Código Civil, refere-se à chamada legitimidade formal, isto é, à capacidade judiciária ou processual, como possibilidade da parte estar em Tribunal, pessoal e livremente, e não à legitimidade “ad causam”.
XVIII. O Condomínio tem personalidade judiciária, mas tem falta de capacidade judiciária. Sendo aqui, que aparece a figura do administrador como entidade à qual cabe o exercício desses direitos processuais, que adquire legitimidade formal, embora em nome e no interesse do Condomínio.
XIX. A função do artigo 1437 do Código Civil, prende-se com a necessidade de suprimento por falta de capacidade processual do Condomínio.
XX. Pelo que é o administrador que deverá depois ser citado para contestar, como representante legal do Condomínio, que é em si o conjunto dos condóminos.
XXI. O Condomínio terá sempre interesse em defender a validade das deliberações aprovadas, e como tal terá interesse em contradizer a ação de impugnação, uma vez que não lhe é indiferente o resultado que possa resultar da procedência ou improcedência da ação, o que permite avalisar a sua legitimidade, conforme o artigo 30.º do Código de Processo Civil, isto é, “o interesse em contradizer pelo prejuízo que desse procedência advenha (artigo n.º 30.º, n.º 2 parte final do Código de Processo Civil)”.
XXII. Uma vez que, os condóminos por si só gozam de personalidade e capacidade judiciária, sempre se entenderá que o Condomínio, como universalidade dos condóminos terá de ser representado em juízo pelo seu administrador, por ser em si uma entidade diferente, de cada condómino, logo por essa razão é atribuído ao administrador do Condomínio a função de defesa em juízo das deliberações da Assembleia Geral de Condóminos e a consequente legitimidade para essas ações de impugnação.
XXIII. Por não estar em causa a atuação do administrador do Condomínio em nome próprio, resultante apenas no exercício dessas funções de representação, nenhum sentido faz falar de legitimidade processual do administrador, uma vez que essa legitimidade passiva é do próprio Condomínio.
XXIV. As Recorrentes entendem que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 12.º, alínea e), 383.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e artigos 1433.º, n.º 6 e 1436.º alínea i) do Código Civil, pelo que não concordam com a decisão do Tribunal a quo.
XXV. As Recorrentes só podem considerar que o Réu é parte legitima na presente ação, nos termos dos artigos 1433º, nº6 do Código Civil e 30, nº3 do Código de Processo Civil, porque foi demandado o Condomínio representado pelo Administrador e não o Administrador em nome pessoal.
XXVI. Assim, a decisão deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
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O apelado apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes CONCLUSÕES:
I. A douta sentença recorrida apreciou a questão da ilegitimidade passiva do R AA de acordo com as normas legais aplicáveis pelo que tal decisão não merece reparo.
II. A presente ação foi intentada contra o Reu AA na qualidade de administrador do condomínio, quando não tinha essa qualidade por, ao tempo, ter sido eleito administrador do referido condomínio a sociedade Gaspvilas, Lda
III. A presente ação de impugnação de deliberações tomadas em Assembleia de Condomínios deveria ter sido intentada contra o próprio condomínio como resulta do disposto nos arts. 1433 e 1437 nº1 e 2 do Cod. Civil e não contra o R AA que não era administrador do condomínio.
IV. Improcedem todas as conclusões apresentadas pelos recorrentes.
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O recurso foi admitido, como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata nos próprios autos;
Colhidos os Vistos Legais, cumpre decidir.
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Nos termos dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso,
Atentas essas conclusões, importa apreciar e decidir se o réu é parte legítima ou ilegítima, o que implica determinar, previamente, contra quem se deve considerar ter sido proposta a ação: se contra o condomínio, representado pelo respetivo administrador, ou contra a pessoa singular identificada como tal.
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2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório, a que acrescem os seguintes factos que resultam dos autos:
1. No formulário que capeia a Petição inicial o Réu é identificado como AA, Adm. Cond. Sito na Rua 1, com morada em Rua 1, NIF ....
2. Na Petição Inicial, as AA referem que propõem a ação contra AA, solteiro, maior, na qualidade de Administrador do CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA Rua 1, com o NIPC ...,
3. O NIPC/NIF ... pertence ao referido Condomínio.
4. No formulário que capeia a contestação e na contestação o Réu assumiu a mesma identificação, designadamente o NIF ...;
5. AA tem o NIF ... e reside em Estrada 2.
6. A taxa de justiça da contestação foi paga pelo NIF ....
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2.2. Fundamentação de direito:
Considerou o Tribunal a quo que ação tinha sido intentada contra o Réu AA, que considerou ser parte ilegítima, motivo pelo qual o absolveu da instância.
Já as Recorrentes sustentam que deve considerar-se a ação proposta contra o condomínio sito na Rua 1, com a morada identificada e o NIPC mencionado, representado pelo administrador, pois nas ações de anulação de deliberações da assembleia de Condóminos, como a dos autos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, ainda que representada pelo administrador, pelo que não se verifica a exceção de ilegitimidade.
Como bem se refere na sentença recorrida, a questão da legitimidade passiva nas ações de impugnação de deliberações foi amplamente debatida na doutrina e na jurisprudência. Enquanto uns entendiam que a legitimidade nestas ações cabia aos condóminos, outros, fazendo uma interpretação atualista do n.º 6 do artigo 1433.º do CC defendiam que estas ações deveriam ser instauradas contra o condomínio representado pelo administrador. Nos últimos anos, afirmou-se, se não de forma unânime, pelo menos maioritariamente, este último entendimento, ou seja, que as ações de anulação de deliberações de condomínio devem ser propostas contra o condomínio, representado pelo administrador.
Conforme se refere no recente Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 16-10-2025 (Relator: Ricardo Peixoto) “IV.Este entendimento agiliza o exercício do direito de impugnação judicial, obviando à necessidade de identificar os condóminos que votaram a favor da deliberação impugnada se se considerasse que estes deviam figurar como parte, do lado passivo.”.
Assim, assente que nas ações de impugnação de deliberações da Assembleia de Condóminos, como a presente, a legitimidade passiva pertence ao condomínio e não aos condóminos, nem ao administrador pessoalmente considerado, importa agora aferir contra quem se deve considerar ter sido proposta a ação, no caso concreto.
Quanto à interpretação da petição inicial, vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência, que a mesma deve ser interpretada segundo os princípios comuns à interpretação das declarações negociais, devendo prevalecer o sentido que um declaratário normal diligente pode e deve apreender dos seus termos, postergando-se interpretações meramente literais ou formais.
Assim, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 25-03-2004 (Relator: Araújo de Barros)1, ao afirmar que: “A petição inicial, à semelhança de outros articulados, reveste a natureza de acto jurídico, devendo ser interpretada, por força do artigo 295.º do Código Civil, em conformidade com as regras atinentes à interpretação da declaração negocial, nomeadamente as do artigo 236.º do mesmo diploma.” Acrescentou ainda o Supremo que a interpretação deve atender ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição de contraparte deduziria do comportamento do declarante, determinando assim a sua vontade objetivamente manifestada.
No caso dos autos, quer no formulário citius que antecede a petição inicial, quer no cabeçalho da própria petição, as AA identificaram o Réu como AA, Adm. Cond. Sito na Rua 1, com morada em Rua 1 e NIF ....
Porém, resulta da procuração junta aos autos, que a pessoa singular AA, que foi julgada parte ilegítima pelo Tribunal, não é titular do referido NIF, nem tem aquela morada.
Com efeito, tanto o número fiscal indicado na petição e no formulário, na identificação do Réu, como a morada aí indicada, correspondem inequivocamente ao Condomínio do Prédio sito na Rua 1.
Também o Réu, ao contestar, utilizou a identificação do condomínio – mesma morada, mesmo NIF – e procedeu ao pagamento da taxa de justiça com o referido número fiscal do condomínio.
Do exposto resulta que, embora a identificação do Réu não seja a mais rigorosa do ponto de vista formal, pois coloca o nome do administrador antes da identificação do condomínio, o contexto da petição, conjugado com a contestação, permite concluir que a ação foi proposta contra o condomínio, que é, aliás, quem nos termos do artigo 30.º do CPC tem interesse em contradizer a ação. A referência ao administrador (no caso, identificado pelas AA como sendo AA) justifica-se, pelo facto de, como aliás referem as Recorrentes, o mesmo representar o condomínio, entidade que carece de um substrato físico, nos termos do disposto nos artigos 1433.º, n.º 6 e 1437.º, n.º 1 do CC, ao administrador.
Para um declaratário normal, colocado na posição do Réu, o sentido da petição é, pois, o de que a ação foi intentada contra o condomínio e não contra o administrador pessoalmente considerado.
O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 03-06-2015 (Relator: Mário Belo Morgado, Processo n.º 88/09.0TTLSB.L1.S1 afirmou, a este respeito, que:
“O NCPC, no seu art. 146.º, consagra um regime de suprimento de deficiências formais dos atos das partes que, para além da retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada, admite, mais genérica e latamente, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.
(…) III – Instaurada a ação contra a “TAP, Transportes Aéreos Portugueses SGPS, SA”, e não contra a “TAP, Transportes Aéreos Portugueses, SA”, se do contexto da petição inicial se extrai, com clareza, que o sujeito da relação jurídica emergente do contrato de trabalho é esta última sociedade (a quem a autora imputa os factos que constituem a causa petendi da ação), encontramo-nos perante um mero erro de escrita, impondo-se, para todos os efeitos, considerar a ação proposta na data em que a petição inicial, via citius, foi remetida ao tribunal.”.
O Supremo afirmou que tal regime decorre dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, da boa-fé processual da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma e traduz uma manifestação do princípio do aproveitamento dos atos processuais.
Em suma, do contexto da petição inicial, tendo em consideração que estamos perante uma ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos e a forma como o Réu foi identificado, resulta que a ação foi intentada contra o Condomínio do Prédio sito na Rua 1, representado pelo administrador.
Aliás, da análise da contestação, verifica-se que o próprio Réu Condomínio, representado por AA – quer este atue em nome próprio, quer atue enquanto representante legal da Sociedade Gaspvilas, Lda, da qual é sócio-gerente - demonstrou sempre compreender que a ação foi dirigida contra o condomínio, o que afasta qualquer leitura estritamente literal e formalista da forma como figura a sua identificação no cabeçalho da petição.
Primeiro, porque indicou como morada e NIF do Réu, o do condomínio e pagou taxa de justiça com o NIF do condomínio.
Segundo porque, o Réu, na contestação, para fundamentar a exceção que denominou de ilegitimidade, não alega que esta não pertença ao condomínio, alega sim que a administradora do condomínio é a sociedade Gaspvilas, a qual foi eleita para tal numa Assembleia de Condóminos e não AA que apenas é gerente da referida sociedade.
Ora, esta questão, contudo, não respeita à legitimidade, mas sim à regularidade (ou irregularidade) da representação processual.
Como bem refere Gonçalo Oliveira Magalhães, na revista Julgar2
“(…) a propositura de acção inserida no âmbito dos poderes do administrador por quem o não seja configura um caso de irregularidade de representação, sanável mediante a intervenção do titular do órgão executivo do condomínio, nos termos previstos no art. 27.º/1 do Código de Processo Civil, sem que daí derive qual quer modificação subjectiva da instância, certo como é que «parte é quem o é e não quem o representa», para usarmos a expressão de ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO.”
Logo, a eventual dúvida quanto à pessoa concreta do administrador do condomínio não gera ilegitimidade passiva conducente da extinção da ação, traduz apenas uma eventual irregularidade de representação, sanável, mediante convite ao suprimento, nos termos dos artigos 27.º e 28.º do CPC.
Ainda, assim, se o Tribunal, perante a forma como o Réu foi identificado pelas AA, tinha dúvidas quanto à sua identificação, deveria ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, 146.º e 590.º do CPC, ter convidado as AA a esclarecer/corrigir essa identificação, em vez de, de imediato, julgar procedente a exceção de ilegitimidade passiva,
Este foi o entendimento sufragado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-20223 cujo sumário é elucidativo:
“III. Se da petição inicial se pode extrair a ideia de que mais do que demandar a sociedade administradora os autores/condóminos pretendiam demandar o Condomínio representado pela administradora, embora tal não transpareça com nitidez do seu articulado, deve-lhes ser dada oportunidade de, através da apresentação de nova petição inicial, eliminarem as ambiguidades verificadas e de assim afastarem a situação de ilegitimidade passiva que dela poderia decorrer e que foi declarada na decisão recorrida.”
Em conclusão, deve considerar-se que na presente ação a parte é o condomínio, que é parte legítima e que é aliás, quem tem interesse em contradizer (artigo 30, n.º 2.º do CPC). O administrador figura nos autos apenas enquanto representante legal do condomínio e qualquer duvida quanto à sua representação deve ser sanada, pelo juiz, nos termos dos artigos 27.º e 28.º do CPC.
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Porque vencida no recurso, suportará a Apelada as custas da apelação, nos termos dos artigos 527.º e 529.º do CPC.
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3. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente a apelação, revogar a decisão recorrida, e consequentemente, declarar o Réu Condomínio Sito na Rua 1, com morada em Rua 1, NIF ..., parte legítima na presente ação de anulação de deliberações de Assembleia de Condóminos, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pelo Apelado.
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Évora, 13 de novembro de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto (1.ª Adjunta)
António Fernando Marques da Silva (2.º Adjunta)
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1. Acessível in
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/82ae42b427d94a4280256e8a00551c52?OpenDocument↩︎
2. A personalidade judiciária do condomínio e a sua representação em juízo , Julgar n.º 23 – 2014, pág. 56↩︎
3. Acessível in
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/b82b8e7410c3b2f980258817002f8d6c?OpenDocument↩︎