PER
SENTENÇA
RECONHECIMENTO DOS CRÉDITOS
EFEITOS DA SENTENÇA
INJUNÇÃO
Sumário

Sumário:
1. As acções declarativas, nelas se incluindo os requerimentos de injunção, não estão abrangidas pelo disposto no n.º 1, do artigo 17.º‑E do Código Da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), na redação da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, pois este apenas contempla as acções executivas.
2. A decisão judicial de reconhecimento dos créditos no âmbito do processo especial de revitalização (PER) não tem força de caso julgado material fora desse procedimento.
3. A sentença de aprovação do plano de recuperação no âmbito do PER não contém qualquer decisão condenatória ou absolutória, limitando-se a um controle de legalidade da deliberação tomada (verificação do quórum deliberativo) e a um controlo da conformidade do conteúdo do plano aprovado com as regras legais imperativas aplicáveis, pelo que não constitui título executivo.
4. Mesmo estando o crédito abrangido pelo plano de recuperação homologado por sentença transitada em julgado tal não acarreta a inutilidade superveniente da lide no processo injuntivo onde se reclamou o seu reconhecimento.

Texto Integral

Apelação n.º 27600/24.0YIPRT.E1
(1.ª Secção)

Relator: Filipe Aveiro Marques


1.º Adjunto: Manuel Bargado


2.ª Adjunta: Sónia Moura


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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO:

I.A.


“AA – SOCIEDADE DE TRANSPORTES MERCADORIAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS, LDA.”, requerida na injunção que contra ela foi apresentada por “CCACP - CENTRO COMERCIAL E AGRÍCOLA DO CANAL PROFISSIONAL, S.A.”, veio recorrer da decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Santarém - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, e atendendo ao preceituado no artigo 2.º do referido diploma legal, confiro força executiva ao requerimento inicial.

Não se incluindo a quantia paga a título de taxa de justiça que o Requerente pagou, com vista a implementar o procedimento de injunção, por não constituir um elemento de facto integrante da causa de pedir, nem integra o respectivo pedido, mas trata-se de um requisito relativo a custas.

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Condeno a Requerida nas custas do processo – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.

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Fixo o valor da causa em €5.421,50

I.B.

A requerida/recorrente apresentou alegações e termina com as seguintes conclusões:

1. Por muito respeito que mereça o vertido a sentença com a referência 100046119, que conferiu força executiva ao requerimento inicial (injunção), e com a mesma não se pode concordar.

2. O Tribunal a quo considerou que sic: “Face à actual redação do artigo 17.º-E, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [dada pela Lei n.º 9/2022 de 11.01, a qual entrou em vigor em 11.04.2022- que deixou de prever a extinção das acções em curso logo que aprovado e homologado plano de recuperação pelo Decreto Lei 79/2017], inexiste actualmente fundamento para a extinção da instância por inutilidade da lide, mesmo quando, como no caso dos autos, o crédito haja sido reclamado e reconhecido naqueles autos Destarte, prosseguem os autos.”, e por conseguinte, decidiu “Pelo exposto, e atendendo ao preceituado no artigo 2.º do referido diploma legal, confiro força executiva ao requerimento inicial.”

3. Ainda que não tenha formalmente deduzido oposição, a recorrente apresentou requerimento, por meio do qual informou que se encontrava a decorrer o processo especial de revitalização, juntando prova da pendência desses autos, e que em função da sentença a proferir nesse processo, seria determinada a sorte do requerimento injuntivo, em função do que vier a ser aprovado pelos credores.

4. Com efeito, dos autos resulta a factualidade seguinte:

1. A Autora apresentou requerimento injuntivo no dia 27-01-2024, nos termos do qual solicitou à Ré o pagamento da quantia de € 4.573,60 (quatro mil quinhentos e setenta e três euros e sessenta cêntimos) a título de capital, acrescida de juros de mora e outras quantias, por conta de contrato de fornecimentos de bens e serviços celebrado com a Requerida, que deu origem à emissão da fatura n.º FC-P2222/000014, emitida em 14-02-2022, a qual não foi paga na totalidade.

2. No dia 28-02-2024, a R. instaurou, processo especial de revitalização, que se encontra a correr no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Processo: 611/24.9T8STR, Juízo de Comércio de Santarém - Juiz 2

3. A 08-03-2024, foi proferido, no âmbito dos autos referidos em 2, despacho de nomeação de administrador judicial provisório da Ré.

4. Em 19-04-2024, o Sr. administrador judicial provisório juntou aos referidos autos lista provisória de créditos, da qual consta o reconhecimento à A. de um crédito comum no montante de 5.532,15 € (no requerimento injuntivo consta 5.523,50€), com fundamento no fornecimento de bens e serviços, conforme resulta da consulta do respetivo processo de 05-06-2024 – referência 10721616 citius, que se transcreve, sic

5. No âmbito dos autos referidos em 2, foi proferida sentença homologatória, datada de 20-02-2025, transitada em 10-03-2025, conforme resulta da certidão referência citius 11716291.

6. Do plano de recuperação apresentado pela recorrente do qual consta, de entre o mais, o seguinte: «Créditos Comuns: 1) Fixação de um período de carência de amortização de capital em 24 (vinte e quatro) meses, iniciando-se a contagem do período a partir do trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano. 2)Pagamento da totalidade da dívida, à data do trânsito em julgado da sentença homologatório do plano de recuperação, em 180 prestações mensais, vencendo-se a primeira prestação de capital após o término do período de carência. 3) Perdão de juros vencidos e vincendos. 4) Manutenção das garantias prestadas.

7. Saliente-se que, no âmbito das publicações do Portal Citius, a aqui A. figura como credora, bem como a evidência de a mesma não ter colocado em causa, nestes autos, que figurou como credora no âmbito do Processo Especial de Revitalização apresentado pela aqui R nem o reconhecimento do crédito reclamado nestes autos.

8. A A., no âmbito do processo especial de revitalização a que se alude em 2, figura na qualidade de credora, factualidade que não só se encontra assente por acordo, como reconhecido pela A. no requerimento apresentado em 05-06-2025.

5. Sendo esta a factualidade relevante, cumpria que o Tribunal à quo, então, perscrutar se ocorria fundamento para se declarar, a extinção da instância, com fundamento em impossibilidade da lide, por via da homologação do Plano de revitalização.

6. Nos casos em que é homologado judicialmente um plano de recuperação de determinada empresa, nos termos do qual é redefinido o prazo de pagamento de determinado crédito cuja condenação no respetivo pagamento é peticionada no âmbito de uma ação declarativa, a causa do litígio que subjazeu à instauração desta ação desaparece, dado que o mesmo assentava na circunstância de o devedor se encontrar em incumprimento e de o crédito ser imediatamente exigível (o que, com a homologação judicial do plano de recuperação, que redefine o prazo de cumprimento da obrigação, deixa de se verificar). E, por assim ser, a instância declarativa torna-se supervenientemente impossível, dado que o objeto que a enformava deixa de subsistir.

7. Saliente-se, a este respeito, que, no nosso entender, a nova redação dada pela Lei n.º 9/2022, de 11/01, ao art.º 17.º-F, n.º 1 do CIRE não altera os dados da questão.

8. Com efeito, a previsão, em sede de tal normativo, da impossibilidade, durante determinado período, de instauração de ações executivas para cobrança de créditos contra a empresa em recuperação, bem como a suspensão, durante o mesmo período, de ações em curso com idêntica finalidade, não significa que, no âmbito das ações declarativas, deixem de vigorar as causas de extinção da instância previstas no art.º 277.º do CPC.

9. Isto é, o fundamento, nos termos supra expostos, para a declaração da extinção da instância não é a existência de qualquer disposição do CIRE que o determine, mas sim a causa geral de extinção da instância prevista no art.º 277.º, al. e) do CPC, a saber, a impossibilidade superveniente da lide.

10. E, por assim ser, as alterações ao CIRE não têm qualquer virtualidade para infirmar a solução avançada supra.

11. Conforme resulta da factualidade provada nos autos, o crédito relativamente ao qual a A. peticiona a condenação da R. no respetivo pagamento, com fundamento em incumprimento do contrato alegadamente celebrado entre as partes, foi reconhecido no âmbito do PER instaurado pela aqui R.

12. Mais resulta da factualidade constante do processo, no plano de recuperação, objeto de homologação judicial no âmbito do PER, foi incluída uma medida que redefine o prazo de pagamento dos créditos comuns (no qual se inclui o crédito em causa nos autos), estabelecendo uma moratória de 24 meses, por reporte à data do trânsito em julgado daquela decisão de homologação, bem como o estabelecimento de um plano prestacional, após esse período, tendente à satisfação daqueles créditos.

13. Ora, daqui resulta que o crédito relativamente ao qual a Autora, no âmbito dos presentes autos, peticiona a condenação da Recorrente no respetivo pagamento, foi alvo de uma redefinição, com a homologação judicial do plano de recuperação apresentado pela R., no que concerne ao prazo de pagamento do mesmo.

14. E, por assim ser, a causa que enformava o presente litígio, a saber, o incumprimento por parte da Recorrente das obrigações assumidas no âmbito do contrato em causa nos autos, deixou de subsistir, dado que o prazo de pagamento do crédito em causa nos autos foi redefinido no âmbito do referido plano de recuperação, em relação ao qual não só a Recorrente, mas também a Autora, se encontram vinculadas.

15. Razão pela qual desapareceu, nos termos configurados pela Autora em sede de requerimento injuntivo, o objeto do litígio.

16. Em conformidade, não poderia o tribunal ter conferido força executiva ao requerimento injuntivo, na medida em que, posteriormente à apresentação da injunção, ocorreu uma alteração das obrigações contratuais que vinculavam as partes, as quais foram redefinidas quanto ao prazo de vencimento e forma de pagamento entre outras.

17. Donde, a relação contratual, que constituiu a causa de pedir do requerimento injuntivo, ao qual foi conferida força executiva, já não existe, pelo que o Tribunal a quo errou ao conferir-lhe tal “força”.

18. Ademais, verificando-se que desapareceu o objeto do litígio nos termos configurados no requerimento injuntivo, o que nessa medida, configura uma impossibilidade superveniente (dado que a homologação do plano de recuperação ocorreu após a instauração da presente ação) do presente litígio, determina da extinção da instância, nos termos do art.º 277.º, al. e) do CPC.

19. O Tribunal a quo, deveria ter concluído pela extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º, al. e) do CPC, e nunca pela condenação de recorrente por adesão aos fatos alegados pela autora, os quais inexistem por terem sido redefinidos no âmbito do PER.

20. Pelo exposto, deverá ser revogada a decisão que conferiu força executiva ao requerimento inicial de injunção, e, em consequência, a decisão substituída por outra que determine a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º, al. e) do CPC, face à homologação do plano de recuperação ocorrida após a instauração da presente ação.

21. Mais deverá ser revogado o despacho que consignou que inexiste fundamento para extinção da instância extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º, al. e) do CPC

22. O Tribunal a quo ao decidir violou o disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC, do artigos 17-C, n.º 5, 17º-F, n.º 1 ambos do CIRE.

Assim fazendo a costumada JUSTIÇA

I.C.

A recorrida apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso.


I.D.


O recurso foi devidamente recebido pelo tribunal a quo.


Após os vistos, cumpre decidir.


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II. QUESTÕES A DECIDIR:

As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).


No caso impõe-se apreciar:

a. Se ocorreu erro ao conferir-se força executiva ao requerimento de injunção e se deveria ter sido extinta a instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.


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III. FUNDAMENTAÇÃO:

III.A. Fundamentação de facto:

III.A.1 Factos provados:

Considera-se a seguinte matéria relevante para a decisão:

1. No dia 27/02/2024 a requerente “CCACP - CENTRO COMERCIAL E AGRÍCOLA DO CANAL PROFISSIONAL, S.A.” apresentou requerimento de injunção contra a requerida solicitando que seja notificada esta no sentido de lhe ser paga a quantia de 5.523,50€, sendo de capital 4.573,60€, juros de mora 807,90€, despesas de cobrança de 40,00€ e valor de 102,00€ pago a título de taxa de justiça.

2. Alegou, em suma, que no exercício da sua atividade comercial, forneceu à Requerida diversos bens por conta do seu comércio, que originaram a emissão da seguinte fatura: Fatura n.º FC -P2222/000014, emitida em 14.02.2022 e vencida em 16.03.2022 , no valor de € 9.073,60, do qual permanece por liquidar o montante de € 4.573,60; a fatura foi emitida e enviada à Requerida, sem que tivesse sido objeto de reclamação ou devolução, pelo que há muito que se encontra vencida; interpelada para o efeito, a Requerida não realizou qualquer pagamento por conta do valor em dívida.

3. Notificada, com aviso de recepção assinado a 12/03/2024, veio a requerida “AA – SOCIEDADE DE TRANSPORTES MERCADORIAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS, LDA.” apresentar requerimento a 4/04/2024 dizendo, em suma, que: em 28/02/2024 apresentou-se a processo especial de revitalização (processo n.º 611/24.9T8STR do Juízo de Comércio de Santarém - Juiz 2) onde foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório no dia 08/03/2024 (publicado no CITUS no dia 11/03/2024); por via da apresentação a PER , a requerente não poderá proceder ao pagamento do crédito peticionado no processo de injunção, porquanto a dívida é anterior à apresentação a revitalização, sob pena de favorecimento de credores; reconhece a existência do crédito e o mesmo será pago nos termos que vier a ser definido pelo Plano a aprovar pelos credores.

4. Terminou pedindo a suspensão do procedimento injuntivo enquanto durarem as negociações e até à aprovação do Plano e, em função do que vier a ser aprovado no Plano de Revitalização, determinada a sorte do requerimento injuntivo.

5. Por requerimento de 18/04/2024 a requerente “CCACP - CENTRO COMERCIAL E AGRÍCOLA DO CANAL PROFISSIONAL, S.A.” veio requerer a suspensão da instância.

6. Após determinação nesse sentido, foi junta a certidão permanente do registo comercial da requerida de onde se retira que, pela Ap. 1/20240313, consta a inscrição da nomeação de administrador judicial provisório no âmbito de processo especial de revitalização.

7. Por despacho de 31/05/2024 foi suspensa a instância com o fundamento de ter sido proferida decisão de nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 611/24.9T8STR.

8. Por despacho de 22/05/2025 determinou-se a junção aos autos da certidão da lista de credores, da sentença e do edital de encerramento do referido processo e, mais se determinou que, em face do plano de recuperação homologado, que contempla o crédito aqui reclamado, se notifiquem as partes para se pronunciarem quanto a eventual impossibilidade da lide.

9. Da certidão junta consta a lista provisória de créditos elaborada pelo administrador nomeado e dela, em sexto lugar, consta como “crédito reclamado comum” o crédito da requerente “CCACP – C. C. Agric. Canal ProfIssional, S.A.” no valor de 5.532,15€ e a sentença de 17/02/2025 que homologou o plano de recuperação apresentado.

10. Por requerimento de 31/05/2025 a requerida “AA – SOCIEDADE DE TRANSPORTES MERCADORIAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS, LDA.” veio pronunciar-se no sentido de ser declarada a impossibilidade da lide com custas pela autora, por lhe ter dado causa.

11. Por requerimento de 5/06/2025 a requerente pronunciou-se no sentido de dever ser conferida força executiva ao requerimento de injunção.

12. Em 23/06/2025 foi proferida a decisão recorrida que, na primeira parte, tem a seguinte fundamentação:

“Face à actual redação do artigo 17.º-E, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [dada pela Lei n.º 9/2022 de 11.01, a qual entrou em vigor em 11.04.2022 - que deixou de prever a extinção das acções em curso logo que aprovado e homologado plano de recuperação pelo Decreto Lei 79/2017], inexiste actualmente fundamento para a extinção da instância por inutilidade da lide, mesmo quando, como no caso dos autos, o crédito haja sido reclamado e reconhecido naqueles autos.

Destarte, prosseguem os autos”.

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III.B. Fundamentação jurídica:


O artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (na alteração introduzida a este diploma pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que criou o regime do PER – processo especial de revitalização) tinha a seguinte redacção: “A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.


Após alguma divergência, a jurisprudência norteou-se pelo entendimento de que essa norma compreendia tanto as acções executivas como as declarativas (entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/01/2016, processo n.º 172724/12.6YIPRT.L1.S1[1] em que estava em causa, precisamente, um requerimento de injunção e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/09/2018, processo n.º 190/13.2TBVNC.G1.S1[2]; contra este entendimento, porém, Maria do Rosário Epifânio[3] e Nuno Salazar Casanova[4]).


No seguimento dessa posição entendia-se que, uma vez aprovado o plano de recuperação, se mostrava inútil o prosseguimento das acções para reconhecimento ou cobrança dos créditos já verificados e contemplados naquele mesmo plano (ver, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/05/2017, processo n.º 3436/11.8TBBRG.G1.S1[5]).


No entanto, a verdade é que a redacção do artigo 17.º-E do CIRE, designadamente do seu n.º 1, foi alterada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro e tem, agora, a seguinte redacção:

1 - A decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.

A mudança de redacção é bem expressiva. Onde antes se falava em “quaisquer ações” fala-se, agora e claramente, apenas em “ações executivas”. E deixou de se prever a extinção das acções declarativas pendentes.


Ora, a Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro visou, expressamente, transpor a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019. Para a correcta interpretação do sentido da norma impõe-se, por isso, uma referência ao regime instituído pela referida Diretiva e salientar que esta impõe que os Estados Membros assegurem que os devedores possam beneficiar de suspensão das medidas de execução para apoiar as negociações do plano de reestruturação num regime de reestruturação preventiva.


No considerando 32 do preâmbulo dessa Diretiva consta que se visou o seguinte objectivo: “Um devedor deverá poder beneficiar de uma suspensão temporária das medidas de execução, quer seja concedida por uma autoridade judicial ou administrativa quer por força da lei, no intuito de apoiar as negociações de um plano de restruturação, a fim de continuar a exercer a sua atividade ou, pelo menos, preservar o valor do seu património, durante as negociações”.


No artigo 2.º, n.º 4, a Diretiva estabeleceu o que se deve considerar por suspensão das medidas de execução: “a suspensão temporária, concedida por uma autoridade judicial ou administrativa ou aplicada por força da lei, do direito de um credor executar créditos reclamados junto de um devedor e, se o direito nacional assim o previr, junto de terceiros prestadores de garantias, no contexto de processos judiciais, administrativos ou outros, ou de suspender o direito de apreender ou liquidar por via extrajudicial os ativos ou a empresa do devedor”.


Para efeitos da Diretiva, são os seguintes os direitos do credor que são suspensos para apoiar as negociações do devedor: (1) Direito de um credor de executar créditos reclamados junto de um devedor, ou junto de terceiros prestadores de garantias, no contexto de processos judiciais, administrativos ou outros; (2) Direito de um credor apreender ou liquidar por via extrajudicial os activos ou a empresa do devedor.


Ora, com o requerimento de injunção o requerente não está a executar um crédito, nem está a apreender ou liquidar extrajudicialmente os bens ou activos da requerida. Está, simplesmente (como em qualquer acção declarativa) a pretender obter um título executivo e essa pretensão não é, nos termos da lei vigente, suspensa.


Segue-se, por isso, o que se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2025, (processo n.º 9354/24.2T8SNT.L1-A.S1[6]): “Para efeitos do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, acções executivas contra a empresa para cobrança de créditos são acções executivas para pagamento de quantia certa”.


As acções declarativas não estão abrangidas pelo disposto no n.º 1, do artigo 17.º‑E do CIRE, na redação da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, pois este apenas contempla as acções executivas (neste sentido ver, também, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4/06/2024, processo n.º 4793/23.9T8LRA.C1[7] e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/06/2025, processo n.º 916/24.9T8CLD.C1[8]).


E, naturalmente, que o requerimento de injunção não está abrangido por esse novo regime, pelo que o processo injuntivo não deverá ser suspenso.


Resta apreciar a questão colocada pela recorrente: a eventual inutilidade da lide por, em substância, se tratar de crédito que foi expressamente considerado no plano de recuperação judicialmente homologado.


A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide estão previstas na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil enquanto causas determinantes da extinção da instância. Resultam de “circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do autor não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida. (…) a inutilidade do prosseguimento da lide verificar-se-á, pois, quando seja patente, objectivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a acção judicial intentada” (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 1/2014, de 25 de Fevereiro[9]).


A decisão judicial de reconhecimento dos créditos no âmbito do PER não tem força de caso julgado material, isto é, tem força obrigatória apenas dentro daquele processo especial de revitalização, pelo que a decisão que venha aí a ser proferida e que reconheça os créditos não será definitiva. Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/09/2025 (processo n.º 2502/23.1T8VFX.L2-1[10]) “É hoje, sem dissensão, considerado que a lista de credores (e a decisão das impugnações da mesma) não produz efeitos fora do PER, servindo apenas para a determinação do universo de créditos e para a aferição da base de cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação”.


Já a posterior decisão de homologação do plano de recuperação vincula a empresa e todos os seus credores, mesmo aqueles que não tenham reclamado créditos nem participado nas negociações, pois trata-se de um processo concursal (cf. artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE).


É verdade que, se não for aprovado o plano e havendo lista definitiva dos créditos reclamados e vier a ser declarada a insolvência, os credores da lista não necessitam de reclamar os créditos no processo de insolvência (cf. artigo 17.º-G, n.º 9, do CIRE). Mas essa hipótese não se coloca no caso dos autos, já que o plano foi aprovado e não foi declarada a insolvência da requerida/apelante.


Tendo sido aprovado o plano de recuperação (com o consequentemente encerramento do processo judicial de revitalização, nos termos do artigo 17.º-J, n.º 1, alínea a) do CIRE) importa considerar a eficácia desse plano para as partes deste processo.


Estando o crédito abrangido pelo plano de recuperação homologado por sentença transitada em julgado, tem algum encanto a tese de que o credor não poderia voltar a reclamar o seu crédito enquanto o mesmo estivesse sujeito às condições de tal plano. Numa primeira leitura, parecia não existir benefício ou vantagem na tutela que a requerente visou atingir ou assegurar com a injunção intentada.


Acontece que se não for cumprido o plano (risco que, neste momento, não pode estar ausente da equação), para que o credor possa interpor execução para pagamento do seu crédito terá de proceder à interpelação prevista no artigo 218.º, n.º 1, alínea a), do CIRE (aplicável por força do que se estabelece no artigo 17.º‑F, n.º 13 do mesmo diploma), provocando a repristinação dos créditos originais. E “para proceder à execução o título executivo a apresentar será o correspondente a tais créditos originais - não a sentença homologatória do plano de recuperação conjugada com a lista de créditos reconhecidos no PER e/ou com interpelação, pois aquele acordo mostra-se extinto e aquela lista, ainda que definitiva, não importa um verdadeiro reconhecimento dos créditos” (neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/02/2022, processo n.º 96/21.1T8SRE-D.S1[11] e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2021, processo n.º 4689/17.3T8VNG.2.P1[12] e cujo entendimento contrariou o que foi adoptado pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/01/2016, processo n.º 1963/14.4TBCL.1.G1[13] e do Tribunal da Relação do Porto de 19/03/2018, processo n.º 121/14.2TBAMT.P1[14]).


Na verdade, seguindo o entendimento expresso no indicado Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2021: “A sentença exequenda do plano de recuperação da executada, ao invés do que sucede na sentença homologatória de confissão, desistência e transação prevista no nº 3, do artigo 290º do Código de Processo Civil, não contém qualquer decisão condenatória ou absolutória, limitando-se a um controle de legalidade da deliberação tomada, nomeadamente, a verificação do quórum deliberativo e ao controlo da conformidade do conteúdo do plano aprovado com as regras legais imperativas aplicáveis (…). A vinculação jurídica decorrente da homologação do plano de recuperação no processo especial de revitalização, porventura por resultar de uma deliberação maioritária de credores da recuperanda, está como que sujeita a uma condição legal resolutiva, na medida em que, salvo disposição expressa do plano de recuperação em sentido diverso, a moratória ou o perdão ficam sem efeito, além do mais, quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de quinze dias após interpelação escrita pelo credor (…). Sublinhe‑se ainda que inexiste no processo de revitalização qualquer norma remissiva para o disposto no artigo 233º, nº 1, alínea c), do CIRE, quando o processo de revitalização se considera encerrado (…). De todo o modo, ainda que existisse uma previsão normativa dessa natureza ou que se devesse concluir pela aplicação daquele normativo, por analogia, ao processo especial de revitalização, ainda assim não se poderia concluir pela atribuição de força executiva à sentença homologatória do plano de recuperação.
(…) a haver alguma similitude funcional do plano de recuperação no processo especial de insolvência com algum outro instituto previsto em sede de processo especial de insolvência, a mesma existe sim com o plano de insolvência, assim se compreendendo as diversas remissões legais que foram introduzidas no regime jurídico do processo especial de revitalização para o plano de insolvência. Ora, se bem se atentar no conteúdo da alínea c) do nº 1, do artigo 233º do CIRE, constata-se que a sentença homologatória do plano de insolvência nunca constitui por si só título executivo, mas sempre em conjugação com a sentença de verificação de créditos ou com a decisão proferida em ação de verificação ulterior. De facto, inexistindo em sede de processo especial de revitalização sentença de verificação de créditos ou de verificação ulterior de créditos, mal se perceberia que pudesse ser conferida à sentença homologatória do plano de recuperação uma força executiva que não é reconhecida à sentença homologatória do plano de insolvência por si só.


A requerente tem, por isso e para prevenir o risco de incumprimento do plano de recuperação (e por não estar ainda munida de título executivo), um verdadeiro benefício em ficar munida de eficaz título executivo ou, em termos gerais, em ver judicialmente apreciada a injunção que instaurou ou qualquer acção declarativa onde reclame o reconhecimento do seu crédito.


Não existe, por isso, fundamento para extinguir a instância por inutilidade da lide.


Consequentemente, deverá manter-se a decisão recorrida.


*


As custas do presente recurso deverão ficar a cargo da recorrente, por ter ficado vencida, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.


***


IV. DECISÃO:


Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão recorrida.


Condena-se o autor/apelante nas custas do recurso.


Notifique.



Évora, 13 de Novembro de 2025


Filipe Aveiro Marques


Manuel Bargado


Sónia Moura

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1. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/E728255E4C7D438680257F310053D079.↩︎

2. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3e77dc7c260187f48025830e00492942.↩︎

3. Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 7ª edição, págs.428 e ss: “em nosso entender, no art.17º-E, nº1, estão abrangidas apenas as ações executivas, ou as diligências executivas, e ainda as providências cautelares de natureza executiva, propostas contra a empresa, e respeitantes a quaisquer dívidas (…)”↩︎

4. “Os Efeitos Processuais do PER e do PEAP nas Acções Declarativas de Condenação”, Actualidad Jurídica Uría Menéndez / ISSN: 2174-0828 / 49-2018, pág. 50 e ss., acessível em https://www.uria.com/documentos/publicaciones/5890/documento/art005.pdf?id=8342.↩︎

5. Sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-civel-2017.pdf.↩︎

6. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5fff21e8aeffef1480258c4c0061c6d3.↩︎

7. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/48888a0e2176d18580258b4000397baa.↩︎

8. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/e5eedc334ad4241780258cc100377e6e.↩︎

9. Acessível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/1-2014-572641.↩︎

10. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/5999fb004d811acf80258d31004dcde2.↩︎

11. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/74a1c969a8a49f57802587de00810112.↩︎

12. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/acb95b23a9aa7b41802587ed004b41e2.↩︎

13. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/08016F11889DCE3F80257F69005BA92C.↩︎

14. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/05bb90b2fdbf5e448025826b003548fb.↩︎