Sumário:
1. O dano biológico é indemnizável, dada a inferioridade em que o lesado se passa a encontrar na sua condição física, quanto à resistência e capacidade de esforço.
2. Deve atender-se, para o seu cálculo, à esperança média de vida e não à previsível idade de reforma, uma vez que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas.
3. Não estando provado que a lesada tenha sofrido uma efectiva diminuição dos rendimentos por causa da incapacidade deverá fixar-se, ainda assim, uma indemnização pela necessidade de realizar maiores esforços para obtenção dos mesmos rendimentos.
4. A fixação da indemnização por danos morais deve ser apurada por recurso a juízos de equidade, tomando-se ainda em especial consideração os padrões jurisprudenciais actualizados.
Relator: Filipe Aveiro Marques
1.ª Adjunta: Sónia Moura
2.ª Adjunta: Sónia Kietzmann Lopes
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO:
I.A.
AA e BB vieram instaurar acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra “GENERALI SEGUROS, S.A.” e terminaram com o seguinte pedido:
“Deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, em consequência, deve a R. ser condenada a pagar à 1.ª A. a quantia de 268.436,00€, acrescida do que se liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença, relativamente ao previsível agravamento das suas sequelas e novos períodos de ITA, e à 2.ª A. a quantia 106.495,00€, quantias estas acrescidas de juros legais de mora a partir da citação”.
A ré contestou e defendeu que a acção seja parcialmente improcedente, absolvendo-se e condenando-se a mesma em conformidade com a prova produzida em julgamento.
Citado, o “Instituto de Segurança Social, Centro Distrital do Porto, Instituto Público” veio pedir a condenação da ré a reembolsar a quantia de € 21. 496,29 que pagou à autora AA a título de subsídio de doença.
A ré, em resposta a este pedido, defendeu a sua improcedência.
Saneado o processo, fixado o valor da causa em 374.931,00 € e realizado o julgamento, foi proferida a sentença pelo Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, em face do exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condeno a Ré:
a) A pagar à 1ª Autora as quantias de € 19.292,08 (dezanove mil duzentos e noventa e dois euros e oito cêntimos), de perdas salariais, de € 4.769,42 (quatro mil, setecentos e sessenta e nove euros e quarenta e dois cêntimos), de despesas várias por si suportadas, de € 60.000,00 (sessenta mil euros), de dano biológico e € 20.000,00 (vinte mil euros), de danos morais, ou seja, a quantia global de € 104.061,50 (cento e quatro mil e sessenta e um euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização global, por todos os danos discriminados nesta sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento,
b) A pagar à 2ª Autora as quantias de € 745,00 (setecentos e quarenta e cinco euros), de despesas várias por si suportadas e € 15.000,00 (quinze mil euros), de danos morais, ou seja, a quantia global de € 15.745,50 (quinze mil setecentos e quarenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização global, por todos os danos discriminados nesta sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento,
c) A pagar ao Instituto de Segurança Social, Instituto Público, a quantia de € 21.496,29 (vinte e um mil, quatrocentos e noventa e seis euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento,
d) Absolver a Ré da restante parte do pedido.
As custas em divida a juízo, nesta parte (dada a transação parcial já realizada), ficam a cargo de Autor e Ré, na proporção do decaimento (cfr. art.º 527, n.ºs 1 e 2 do C.P.C.).”
I.B.
Por requerimento de 4/06/2025 (REFª: 52533069) a autora AA interpôs recurso dessa sentença.
A autora/apelante apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:
“1.ª- O montante fixado na douta sentença (60.000,00€) como indemnização, a título de ressarcimento dos danos de natureza patrimonial decorrentes da Incapacidade Permanente Geral (dano biológico de cariz patrimonial) de que ficou a padecer a recorrente é manifestamente exíguo e insuficiente.
2.ª- A indemnização destinada a compensar o dano patrimonial resultante da IPG deve, tal como tem sido fartamente sufragado pela jurisprudência conhecida, representar um capital que reponha a perda de capacidade de trabalho e de ganho perdida e proporcione um rendimento compensatório que se extinga no fim do tempo provável de vida do lesado.
3.ª- Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma e até ao final da vida (83 anos, para as mulheres, atualmente).
4.ª- É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares.
5.ª- Sem perder de vista a equidade, será adequado, na esteira do que tem sido decidido em várias decisões dos nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material inerente à IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II.
6.ª- Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais.
7.ª- Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade.
8.ª- Será apodítico concluir que a incapacidade permanente que afeta a recorrente constitui causa de relevantíssimo dano patrimonial.
9.ª- Nos cálculos da indemnização pelo dano patrimonial em apreço deverão ter-se em consideração os seguintes fatores relevantes: a idade da lesada à data do acidente, 38 anos, a IPG de 11 pontos, e a remuneração que auferiria, de cerca de 1.655,82€ mensais, como vendedora
10.ª- E convém também levar em linha de conta que ficou reduzido o leque de profissões a que a Autor poderá aspirar, caso mude de emprego e que a incapacidade permanente de que está afetada impõe esforços acrescidos na sua profissão atual.
11.ª- Através da atrás mencionada fórmula (usada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II), considerando os fatores relevantes (salário à data do acidente, de cerca de 1.655,82€ mensais, idade de 38 anos e grau de incapacidade, que é 11 pontos) e tendo em conta o período de vida expectável, até aos 83 anos, e a progressiva baixa da taxa de juro dos depósitos (neste momento e face à realidade atual, é de cerca de 1%) e a perda de rendimentos, encontramos um capital de cerca de 100.000,00€ (valor arredondado).
12.ª- Será igualmente pertinente lançar mão do método de cálculo usado no douto acórdão do STJ, de 09/09/2015, proferido no proc. n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1, 3.ª Secção.
13.ª- Mediante este último método e utilizando os mesmos fatores acima elencados, chegamos a um valor algo inferior – ou seja, cerca de 98.000,00€, por arredondamento, mas sempre substancialmente mais elevado do que o fixado na douta sentença.
14.ª- Tendo, pois, presentes as regras da equidade e da justa medida das coisas, e considerando as sequelas permanentes, compensar a Autora com o montante de 90.000,00€, como indemnização pelo dano patrimonial sofrido em razão da incapacidade permanente (dano biológico) que a afeta.
15.ª- Este montante não deverá ser alvo de qualquer desconto ou redução por suposto benefício económico e financeiro em razão do recebimento antecipado e de uma só vez, visto que, atualmente, as taxas de juro de depósitos bancários se cifram em 1% e não se vislumbram tendências para subida.
16.ª- Ademais, caso esse benefício existisse, seria ele residual e não chegaria para cobrir o malefício inerente à erosão monetária, à inflação dos custos e à evolução dos salários, que a indemnização também deverá prever e compensar.
17.ª- Peca também por relativa escassez a indemnização (20.000.00€) fixada pelo Tribunal a quo a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial.
18.ª- Em relação ao valor destinado ao ressarcimento dos danos não patrimoniais, deve, no seu arbitramento, atender-se às consequências físicas e morais que para a recorrente resultaram do acidente.
19.ª- A extensa factualidade apurada e que aqui damos por reproduzida fala por si e é esclarecedora quanto às gravíssimas consequências que do acidente advieram para a recorrente.
20.ª- Valendo-nos, pois e uma vez mais, da equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço e a função ressarcitória e punitiva da indemnização, temos que a justa e equilibrada compensação pelos danos não patrimoniais sofridos deverá corresponder ao montante mínimo de 40.000,00€.
21.ª- A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 352.º, 358.º, 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.
NESTES TERMOS,
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a douta sentença recorrida em conformidade, ou seja, atribuindo ao recorrente os montantes indemnizatórios destinados a ressarcir o dano patrimonial resultante da IPG e o dano não patrimonial nos valores ora preconizados.”
I.C.
Por seu turno, ré “GENERALI SEGUROS, S.A.”, por requerimento de 11/06/2025 (REFª: 52606294), veio igualmente recorrer da sentença.
Apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:
“1) Entende a Recorrente que o arbitramento de indemnizações emergentes de danos patrimoniais emergentes, futuros e morais não pode deixar de reflectir os critérios e valores orientadores consignados na Portaria n.º 377/2008 de 26.05 (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25.06), destinada a uniformizar o ressarcimento das vítimas de acidentes de viação
2) A razoabilidade de imposição de critérios de proposta pré-judicial, exige que os valores a definer judicialmente sejam aferidos pelos mesmos parâmetros.
3) Sem prejuízo da gravidade das consequências do sinistro para a Autora, a indemnização que lhe for arbitrada não deve coloca-la numa situação que inexistiria não fosse o acidente.
4) Todos os padrões usados para apuramento do quantum indemnizatório, se situam na metade inferior das escalas que lhes serve de baliza:
“As dores resultantes das lesões sofridas, as quais atingem um patamar que se situa num plano mediano (três graus, numa escala de sete graus de gravidade crescente);
A repercussão das sequelas na sua vida social, desportiva, lazer e sexual, fixadas em 2 graus, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
O dano estético, fixado em 1 grau, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;”
5) As sequelas determinaram na Autora uma incapacidade de 11 pontos, numa escala de 0-100, não sendo, de todo, um valor elevado conforme mencionado na douta Sentença recorrida.
6) Estas não significam, conforme Relatório Pericial, uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, porquanto permitem a continuação da actividade laboral da Autora, implicando, é certo, esforços acrescidos.
7) O dano biológico propriamente dito, como dano autónomo/misto, que corresponderá (quase) sempre a um dano não patrimonial em virtude da limitação física de que o examinado/sinistrado fica a padecer, pode (ou não) incorporar uma repercussão na actividade profissional, sendo que essa repercussão se traduz na necessidade (ou não) de aplicação de esforços acrescidos no exercício da mesma o que, natural e logicamente, não implica necessariamente uma perda de produtividade e, desta feita, não implica necessariamente uma perda rendimento futuro.
8) Ora, jurisprudencialmente, em casos que se podem considerar como análogos, os valores indemnizatórios situam-se em patamares inferiores ao arbitrado,
“- Acórdão do STJ de 29-10-2019, Proc. 7614/15.2T8GMR.G1.S1 - atribui-se ao lesado, com 34 anos, com um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), o montante de €36.000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 18-03-2021, Proc. 1337/18.8T8PDL.L1.S1, foi atribuído à lesada, com 50 anos, médica, que ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 13 pontos, que, sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, além de ter passado a sofrer de dor crónica e permanente no pé esquerdo, o montante de €45 000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 26/05/2021, Proc. n.º 763/17.4T8GRD.C1.S1 – “I - Tendo a autora (de 51 anos de idade e auferindo o salário líquido de € 515,00 x 14), em consequência de acidente de viação, sofrido lesões que, para além do coeficiente de incapacidade de que ficou afectada (13 pontos), lhe provocam sérias dificuldades no desempenho da sua actividade profissional habitual ou outra qualquer actividade similar (que implique força, agilidade e mobilidade) e mesmo para as tarefas normais e mais básicas do seu dia-a-dia (vestir-se, calçar-se, higiene pessoal); que essas dificuldades, só atenuadas pelo recurso permanente a ajudas (colete dorso lombar), medicação e tratamentos médicos, para além do esforço acrescido que exigem, se traduzem numa redução acentuada da possibilidade de adaptação e de escolha da actividade profissional, mesmo como trabalhadora indiferenciada, é adequado para ressarcir este dano patrimonial futuro o montante de € 50.000,00.”
- Acórdão do STJ 03/02/2022 (Proc. 24267/15.0T8SNT.L1.S1) em que foi atribuído ao lesado com 50 anos, afetado de uma incapacidade permanente parcial de 10 ponto, com sequelas resultantes do evento compatíveis com o exercício da profissão habitual, mas que implicam esforços suplementares o montante de €35 000,00.
- Acórdão do TRL de 15-09-2022, Proc. 5986/18.6T8LRS.L1-2 “(…) V–Provando-se que a Autora, com 23 anos de idade, ficou afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14,8 pontos, sendo as lesões sofridas e as sequelas que apresenta compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, é equitativamente ajustado quantificar o dano biológico em 50.000 €, fixando-se a respetiva parcela indemnizatória, face à aludida redução (25%), em 37.500 €.”
- Acórdão do TRL de 09-06-2022, Proc. 10849/17.0T8SNT.L1-6, “(…) IV - Na comparação jurisprudencial orientada pelo artigo 8º nº 3 do Código Civil, é conforme a fixação de uma indemnização de quarenta mil euros a título de perda da capacidade de ganho a um lesado de 43 anos, que ficou com défice funcional de 15 pontos em 100 que apenas o obrigam a esforços suplementares na sua profissão habitual. (…)”.
9) Quanto à 2ª Autora o valor arbitrado a título de danos morais é igualmente exorbitante,
10) Face às concretas maleitas que a Autora padeceu mostra-se excessivamente valorados os danos morais arbitrados.
11) Se compararmos entre o valor peticionado (atentas as maleitas invocadas) e o arbitrado (face à matéria dada como provada) existe uma clara diferença entre ambos, que não é espelhado no valor de €15.000,00.
12) Aliás reputa-se como praticamente irrelevantes, felizmente, as consequências que advieram para a 2ª Autora do sinistro,
13) Aliás, todas as potenciais maleitas pela mesma invocadas que poderiam, essas sim, permitir o arbitramento de valores indemnizatórios como aquele ora alvo de censura, foram julgados não provados.
14) Ao decidir nos termos em que o fez, e conforme supra alegado, violou a douta Sentença recorrida, entre outros, o disposto nos artºs 483º e 566º do Cód. Civil e a Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio.
Termos em que deve o presente recurso proceder, nos moldes supra expostos, revogando-se a decisão recorrida, e, bem assim, promovendo-se a redução substancial dos valores indemnizatórios arbitrados em conformidade com as presentes alegações,”
I.D.
Por seu turno a ré respondeu às alegações da autora/recorrente (requerimento de 2/07/2025 - REFª: 52810960), defendendo que se deve negar provimento ao recurso da autora.
E ambas as autoras AA e BB responderam às alegações da ré/recorrente (requerimento de 1/09/2025 - REFª: 53185654), dizendo em suma que os montantes arbitrados para compensação dos danos sofridos pela recorrida AA pecam por escassez (como disse no seu recurso), mas a indemnização arbitrada à autora BB é justa e equitativa e deve manter-se.
I.E.
Os recursos foram devidamente recebidos pelo tribunal a quo.
Após os vistos, cumpre decidir.
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II. QUESTÕES A DECIDIR:
As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
No caso, impõe-se apreciar:
- O eventual erro de julgamento no tocante, apenas, à fixação dos montantes das indemnizações às autoras a título de dano biológico e danos não patrimoniais.
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III. FUNDAMENTAÇÃO:
III.A. Fundamentação de facto:
III.A.1 Factos provados:
Na falta de impugnação, considera-se provado, tal como constante da sentença recorrida, o seguinte:
1. A Ré dedica-se, à actividade de seguro e de resseguro de todos os ramos e operações, salvo no que respeita ao seguro de crédito com garantia do Estado, podendo ainda exercer atividades conexas ou complementares das de seguro ou resseguro, conforme certidão permanente de 16.07.2021 junta aos autos;
2. No exercício da sua actividade, a então Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., que, entretanto, mudou a sua denominação social, para Seguradoras Unidas, S.A. e ulteriormente para Generali Seguros, S.A., celebrou com a empresa Instalsafe, Lda., contrato de seguro, do ramo Automóvel, titulado pela Apólice n.º ..., assumindo a responsabilidade emergente da circulação do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Seat, modelo Cordoba Diesel 1.4 TDI Fresc, matrícula ..-..-ZB, em vigor na data infra, cfr. doc. 1 com a Contestação;
3. AA nasceu em ... de ... de 1980, cfr. doc. 7 com a PI;
4. BB, nasceu em ... de ... de 1999, e é filha de CC, cfr. doc. 70 com a PI;
5. Na data infra, a 2ª Autora tinha 19 anos de idade e frequentava o ano lectivo 2017/2018, do Curso de Licenciatura em Contabilidade e Administração (Pós-laboral), do Instituto Politécnico ... (...), cfr. doc. 71 junto com a PI;
6. No dia 6 de agosto de 2018, cerca das 14:10 horas, na Auto Estrada n.º 1 (doravante A1), ao km 106,200, sentido Sul / Norte, na localidade de Fátima, freguesia de Ourém e concelho de Santarém, o veículo de matrícula ..-..-ZB, pertença da empresa Instalsafe, Lda., era tripulado, na altura, por CC, que perdeu o controlo da viatura e despistou-se, invadindo a berma direita da A1, atento o sentido de trânsito que tomava, indo embater nas guardas metálicas, com violência, após o que seguiu marcha, desgovernado, e capotou, imobilizando-se num terreno existente na margem direita da A1, atento o sentido de trânsito que tomava;
7. No veículo ..-..-ZB, seguiam, como passageiras, ambas as Autoras, a 1ª Autora ao lado do condutor, à frente, no lugar do “pendura”, e a 2ª Autora, no banco traseiro;
8. Ambas utilizavam método de contenção;
9. O tempo estava bom e o piso da via, em betuminoso, estava limpo e seco,
10. era pleno dia e a visibilidade era excelente,
11. naquele local, a A1 possui duas faixas de rodagem, destinadas ambas ao sentido Sul / Norte, com a largura de 3,40 metros, cada,
12. o local desenha-se ali, em reta, sendo a velocidade máxima consentida de 120 km / hora, tudo cfr. doc. 1 da PI;
13. O tripulante CC e as aqui Autoras, encontravam‑se a regressar de férias, sendo à data, a 1ª Autora namorada daquele;
14. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o tripulante do ZB, seguia a velocidade superior a 140 km / hora;
15. E distraído;
16. A 1.ª Autora ficou encarcerada no ZB, tendo sido os Bombeiros Voluntários de Torres Novas que acorreram ao local, quem procedeu ao seu desencarceramento;
17. E foi assistida, ainda no local, por esses Bombeiros, que lhe prestaram os primeiros socorros;
18. Depois de estabilizada, foi levada de ambulância, para o Hospital de Leiria, onde deu entrada, nos serviços de urgência, com o seguinte quadro, “Refere queixas a nível do tórax à esquerda e ambos os tornozelos. Apresenta abrasão a nível do tórax." "Tórax doloroso à palpação com queimadura por abrasão a nível face anterior e superior possivelmente pelo cinto de segurança." Submetida a "desinfecção + sutura de ferida no maléolo externo do pé esquerdo”, cfr. menção em relatório pericial de 26.01.2023;
19. Aí realizou vários exames, tais como RX do tornozelo e pé esquerdo e TC Torácica, com repetição TC Tórax;
20. No Hospital de Leiria as suas feridas foram suturadas e a Autora foi medicada, foi imobilizada com bota gessada no membro inferior direito e foi colocada em vigilância;
21. No dia seguinte (7 de agosto de 2018[1]), foi transferida para internamento, no Hospital de Cidade 1, por ser o da sua área de residência;
22. Neste último Hospital, ficou internada no serviço de Cirurgia Cardiotorácica, e repetiu vários exames, tais como TC abdominal, TC cerebral, radiografia ao tornozelo direito, TAC do tornozelo;
23. Após dois dias de internamento no Hospital de Cidade 1, a 1ª Autora teve alta para o domicílio, medicada, e com indicações para repouso e para seguimento em consulta externa das especialidades de Ortopedia e de Cirurgia Cardiotorácica;
24. Só cerca de seis semanas após o evento, a Autora pode retirar a imobilização gessada, supra referida;
25. E durante um período de cerca de dois meses, após o evento, a 1ª Autora locomoveu-se exclusivamente com o recurso a uma cadeira de rodas;
26. Nesse período, manteve-se dependente da ajuda de terceira pessoa;
27. Após a retirada do gesso, a 1ª Autora foi encaminhada para tratamentos de fisioterapia, aos tornozelos e ao ombro esquerdo;
28. Decorridos cerca de dois meses, após o evento, em outubro de 2018, a 1ª Autora foi observada pelos serviços clínicos da Ré;
29. Em virtude de, nessa altura, persistir uma sintomatologia dolorosa, com especial incidência no tornozelo esquerdo, os serviços clínicos da Ré, preconizaram a realização de uma RMN (Ressonância Magnética Nuclear) tibiotársica à esquerda;
30. Este exame, revelou fratura do astrágalo com traço vertical na junção do corpo com o colo, lesão osteocondral da cúpula astragalina já com área de necrose, contusão do perónio com edema ósseo e rotura do ligamento deltoide;
31. Os serviços clínicos da Ré propuseram, então, a realização de um tratamento conservador e a realização de tratamentos de fisioterapia (Medicina Física e Reabilitação);
32. Durante cerca de um ano, após essa data, a 1ª Autora realizou sessões de fisioterapia;
33. Sucede que, ao fim desse período de tempo, não registou melhorias;
34. E por isso, recorreu, particularmente, ao Hospital Privado de Cidade 1;
35. Aí foi observada pelo médico cirurgião, Dr. DD, o qual preconizou a realização de uma intervenção cirúrgica, cfr. doc. 3 junto com a PI;
36. A Autora deu entrada, no Hospital Privado de Cidade 1, em 7 de novembro de 2019, foi internada e nesse mesmo dia, submetida a intervenção cirúrgica, sob anestesia geral, onde foi realizada endoscopia do seio do tarso e artroscopia anterior do tornozelo esquerdo, com tratamento da lesão osteocondral medial do tálus, cfr. doc. 4 junto com a PI;
37. Após a realização da cirurgia, a Autora passou a locomover-se com canadianas, o que decorreu durante um período de cerca de um mês;
38. Findo este período, passou a locomover-se sem canadianas, e com uma bota “Walker” durante cerca de um mês;
39. A 1ª Autora realizou tratamentos de fisioterapia, até agosto de 2020;
40. Em maio de 2021, a Autora recorreu novamente a consulta da especialidade de Ortopedia – Cirurgia do pé e tornozelo, com o médico cirurgião, Dr. DD, referindo um agravamento da sintomatologia com dor medial; foi requisitada a realização de uma RMN, cfr. doc. 4 junto com a PI;
41. Assim e segundo a 1ª Autora, as lesões por si sofridas só atingiram a consolidação médico-legal e a fase sequelar, sendo-lhe concedida alta definitiva, com Afectação Permanente da Integridade Físico Psíquica (APIFP) fixável em 12 pontos, com esforços acrescidos para o trabalho habitual, pelo Dr. EE, perito em avaliação do dano corporal pelo INML, somente em 16 de março de 2021, cfr. relatório de avaliação do dano corporal em direito civil elaborado em 27 de março de 2021, doc. 5 junto com a PI;
42. Já os serviços clínicos da Ré, por sua vez, concederam-lhe alta definitiva em 13 de agosto de 2020, com uma IPG fixável em 8 pontos, com esforços acrescidos para o trabalho habitual, cfr. relatório de avaliação elaborado em 28 de dezembro de 2020, doc. 6 junto com a PI e doc. 9 da Contestação;
43. E apesar da alta clínica, segundo relatório referido em 41), a Autora ficou a padecer de
a. A nível do pescoço: cicatriz de queimadura, arredondada, com 10 cm de maior diâmetro;
b. A nível do períneo: dor à palpação do cóccix;
c. A nível do membro superior esquerdo: redução da força do ombro esquerdo;
d. A nível do membro inferior direito: redução da força à extensão e flexão do tornozelo.
e. A nível do membro inferior esquerdo: rigidez tíbio-társica (mobilidade 0º a 25º) e cicatriz na face anterior da perna, com cerca de 9 cm e na face anterior do tornozelo (2 incisões), tudo, cfr. doc. 5 junto com a pi;
44. Logo e apesar da alta clínica, a Autora ficou a padecer de
- rigidez na articulação tibiotársica esquerda, ou tornozelo esquerdo – flexão dorsal de 0º a 5º,
- rigidez na articulação tibiotársica esquerda, ou tornozelo esquerdo – flexão plantar de 0º a 30º,
- talalgia direita,
- coccidínia,
- ombro esquerdo doloroso;
45. A 1ª Autora tem dificuldade em pegar e transportar objectos pesados (mais de 5 Kg), com o membro superior esquerdo;
46. Sofre de dores no ombro esquerdo;
47. A 1ª Autora apresenta dores intercostais posteriores à factura das costelas;
48. Sofre de dores fortes, e permanentes, na tibiotársica à esquerda, e frequentes, na tibiotársica à direita;
49. A Autora não consegue saltar ou correr, mas consegue agachar;
50. A Autora sobe e desce escadas, com dificuldade;
51. É-lhe difícil percorrer pisos irregulares ou inclinados, e quando percorre distâncias superiores, mais do que apenas alguns metros, passa a claudicar na sua marcha;
52. A Autora não consegue permanecer grandes períodos de tempo sentada, ou de pé, pois sofre de dores no cóccix, o que depende ainda do material no caso de assento;
53. A Autora apresenta dificuldade na execução das lides domésticas e em se deslocar para fazer compras;
54. A Autora deixou de frequentar o ginásio, o que fazia e o que lhe traz desgosto;
55. E deixou de poder calçar sapatos de salto alto, o que fazia e o que lhe traz desgosto;
56. A sua actividade sexual ficou afectada pelas dores que sente nomeadamente no cóccix, o que lhe traz desgosto;
57. Na altura do evento, a Autora estava em processo de tentar engravidar, o que se tornou mais difícil, depois do evento, o que lhe traz desgosto;
58. A 1ª Autora era uma pessoa saudável, praticava caminhada e frequentava regularmente ginásio;
59. A 1ª Autora não sente vergonha das suas cicatrizes, mas tem cuidados em escondê-las e em protegê-las do sol;
60. À data do evento, a 1ª Autora exercia as funções de vendedor, para a empresa “Manuel Rui Azinhais Nabeiro, Lda.” (Grupo Nabeiro), cfr. doc. 8 com a PI;
61. A 1ª Autora auferia uma retribuição base de € 794,00 mensais ilíquidos, acrescida de complementos, a título de isenção de horário de trabalho, de € 198,50 mensais ilíquidos e de ajudas de custo, de € 297,66 mensais ilíquidos, cfr. doc. 8 junto com a PI;
62. E auferia ainda € 700,00 trimestralmente, a título de incentivo de vendas;
63. Durante o período da sua ITA, a 1ª Autora recebeu da Segurança Social, a quantia de € 21.496,29, a título de subsídio de doença, como referido infra;
64. Em virtude das sequelas de que padece, a Autora tem de desenvolver esforços acrescidos no desempenho das tarefas inerentes à sua profissão:
65. Em virtude do evento, a 1ª Autora viu danificados ou destruídos os seguintes bens de sua pertença:
a. um relógio, de marca Omega, para cuja reparação, terá de despender quantia não inferior a € 1.880,00, cfr. doc. 9 com a PI,
b. uns óculos de sol, no valor de € 150,00,
c. um telemóvel, no valor de € 600,00,
d. uma mala de viagem, no valor de € 150,00,
e. uma carteira, no valor de € 60,00,
f. uma mala pequena, no valor de € 40,00,
g. um vestido, no valor de € 50,00,
h. um casaco, no valor de € 70,00,
i. umas sandálias, no valor de € 70,00,
j. umas sapatilhas e duas camisolas, no valor total de € 47,50,
k. um livro, no valor de € 13,20, estes todos destruídos, e no valor global de € 1.250,70;
66. Em virtude do evento e em perícia médica, despesas médicas, exames de diagnóstico, despesas medicamentosas e material de fisiatria/ortopedia, a 1ª Autora despendeu a quantia de € 1.638,72, ressalvadas as despesas com taxas moderadoras no Centro de Saúde, de € 4.50 cada, que se desconhece se se devem ao evento dos autos, tudo cfr. doc. 10 a 68 com a PI;
67. Com o auxílio permanente de terceira pessoa, a 1ª Autora teria despendido quantia não concretamente apurada, mas tal apoio, recebeu e foi-lhe prestado pela sua mãe;
68. A 2.ª Autora foi igualmente assistida pelos Bombeiros Voluntários de Torres Novas, que acorreram ao local e lhe prestaram os primeiros socorros;
69. Depois foi levada de ambulância, para o Hospital de Leiria, onde deu entrada, nos serviços de urgência, com o seguinte quadro, “Admissão no SU no dia 06/08/2018, pelas 15:54h, vítima de acidente de viação com automóvel - despiste com capotamento a velocidade não especificada, mas em autoestrada, vinha sentada no banco de trás a dormir. Queixas de TCE, dor ao nível da coluna cervical, omoplata esquerda, tórax, bacia, perna direita. Em plano duro; Ao exame objetivo à admissão: "Queixosa. Corada hidratada. Via aérea patente. Sat O2 98% aa. CCO. Com colar cervical. FC 95bpm; TA 130/85mmHg; Instabilidade bacia?? Feridas incisas - perna direita + mão direita. AP - MV + simétrico bilat"; Realizou ecografia abdominal, que não revelou sinais sugestivos de lesões traumáticas; Realizou radiografia de tórax e esterno descrita como "sem evidencia de alterações traumáticas" e realizou TC CE e cervical, que não terá revelado lesões traumáticas agudas; Realizada desinfeção e sutura de feridas punctiformes a nível da perna direita após desinfeção e anestesia local; cfr. menção em relatório pericial de 21.07.2023;
70. Aí foi submetida a vários exames, incluindo TAC e RX;
71. No Hospital de Leiria, as suas feridas foram suturadas e a 2ª Autora foi medicada e ficou em vigilância;
72. No dia seguinte (7 de agosto de 2018[2]), foi transferida para o Hospital de Cidade 1, por ser o da sua área de residência;
73. Neste último Hospital, foi novamente avaliada, e saiu para o domicílio, medicada, e com indicações para repouso; voltou no dia seguinte, para consulta de ortopedia e teve alta clínica;
74. A 2ª Autora fez mudança de penso às feridas;
75. E cerca de quinze dias, após o evento, retirou todos os pontos;
76. Apesar do lapso de tempo passado, manteve queixas álgicas lombares e dos joelhos, bilateralmente;
77. Segundo a 2ª Autora, as lesões por si sofridas, atingiram a consolidação médico-legal e a fase sequelar, tendo-lhe sido concedida alta definitiva, com Afectação Permanente da Integridade Físico Psíquica (APIFP) fixável em 4 pontos, pelo Dr. EE, perito em avaliação do dano corporal pelo INML, em 3 de janeiro de 2019, cfr. relatório de avaliação do dano corporal em direito civil elaborado em 13 de março de 2021, doc. 69 junto com a PI;
78. Já os serviços clínicos da Ré, concederam-lhe alta definitiva igualmente em 3 de janeiro de 2019, sem desvalorização, cfr. relatório de 10 de janeiro de 2019, doc. 12 junto com a Contestação;
79. À data do evento, como referido em 5), a 2ª Autora era estudante e boa aluna;
80. Atualmente frequenta, no mesmo estabelecimento de ensino, o curso de Mestrado em Auditoria;
81. Acresce que, como referido supra, a 2ª Autora ficou com as seguintes sequelas
a. No membro superior esquerdo: cicatrizes, com cerca de 1 cm cada, em vários dedos da mão,
b. No membro superior direito: cicatrizes, com cerca de 1 cm cada, em vários dedos da mão,
c. No membro inferior esquerdo: cicatriz na perna, com cerca de 2 cm,
d. No membro inferior direito: 4 cicatrizes, com cerca de 2 cm cada, todas na face anterior da perna, tudo conforme doc. 69 junto com a PI;
82. Tais cicatrizes causam-lhe desgosto;
83. Em virtude do evento, a 2ª Autora viu destruídos os seguintes bens de sua pertença:
a. uma mala de viagem, no valor de € 150,00,
b. um telemóvel, no valor de € 150,00,
c. um saco de desporto, no valor de € 50,00,
d. uma mochila, no valor de € 50,00,
e. diversas peças de vestuário, no valor de € 100,00, no valor global de € 500,00;
84. Em virtude do evento e em consulta médica e avaliação, a 2ª Autora despendeu a quantia de € 245,00, cfr. doc. 73 e 74 com a PI;
85. Em consequência do sinistro, a 1ª Autora apresenta à data da consolidação médico legal das lesões, fixável em 13 de agosto de 2020
um período de défice funcional temporário total de 4 dias
um período de défice funcional temporário parcial de 735 dias
um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 543 dias
um período de repercussão temporária na actividade profissional parcial de 196 dias
um quantum doloris foi fixado no grau de 3/7,
um período de défice funcional permanente da Integridade Físico-psíquica de 11 pontos
as sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares,
um dano estético permanente, fixado no grau de 1/7,
repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, foi fixado no grau de 2/7,
repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau de 2/7, conforme exame objectivo de fls. 315 e ss., datado de 18.07.2023;
86. Em consequência do sinistro, a 2ª Autora apresenta à data da consolidação médico legal das lesões, fixável em 25 de agosto de 2018
um período de défice funcional temporário total de 1 dia
um período de défice funcional temporário parcial de 19 dias
um quantum doloris foi fixado no grau de 2/7,
um dano estético permanente, fixável no grau 2/7,
sem haver lugar à atribuição de outros parâmetros de dano temporário ou permanente, conforme exame objectivo de fls. 352 e ss., datado de 5.04.2024;
87. Do relatório de perícia psiquiátrica, complemento do anterior, resulta que
“(…) Ao exame do estado mental, a examinanda não evidenciou quaisquer alterações psicopatológicas relacionadas com o evento em apreço e que consubstanciem um quadro psiquiátrico; não evidenciou quaisquer queixas para além das queixas álgicas, nem evidenciou mudança das suas rotinas ou nível de desempenho devido ao acidente em apreço”, conforme exame objectivo de fls. 343 e ss., datado de 30.11.2023;
88. Após participação efetuada pelo tripulante CC, a Ré iniciou processo de averiguações e através de cartas datadas de 18 de setembro de 2018, comunicou às aqui Autoras assumir a responsabilidade pela regularização do sinistro, tudo conforme docs. n.º 6 e 7 com a Contestação;
89. Mais solicitou às aqui Autoras, nessas missivas, o envio das “eventuais despesas que tenha suportado com o sinistro em referência, devidamente justificadas e acompanhadas dos originais de faturas/recibos comprovativos dos respetivos pagamentos”, tendo ainda assumido subsequentes despesas médicas, conforme docs. 8 e 9 juntos com a Contestação;
90. Aquando da sua citação para a presente acção (20.07.2021), a Ré e as Autoras encontravam-se, ainda em negociações, e em apuramento dos danos;
91. Por carta datada de 18 de dezembro de 2018, o ISS, IP, comunicou à Ré que a 1º Autora estava a receber quantias, a título de subsídio de doença, desde 6 de agosto de 2018, pelo que em caso de transação, deveria ser apurado o montante entretanto pago por esta àquela, tudo cfr. doc. 10 da Contestação;
92. O ISS, IP – Centro Distrital do Porto, pagou à 1ª Autora, a título de subsídio de doença, a quantia global de € 21.496,29 (vinte e um mil, quatrocentos e noventa e seis euros e vinte e nove cêntimos), no período de 6 de agosto de 2018 a 13 de agosto de 2020, cfr. doc. 1 do RI de 27.12.2021 do ISS, IP;
93. O diagnóstico de urgência da 1ª Autora supra referido em 18), consistiu em doente politraumatizada, apresentando dificuldades respiratórias, trauma dos dois tornozelos, ferida no tornozelo esquerdo, trauma do ombro esquerdo e queimadura na face anterior e superior do tórax,
94. O diagnóstico de urgência da 2ª Autora supra referido em 68), consistiu em trauma lombar, trauma do ombro esquerdo e da região torácica à esquerda, trauma dos joelhos bilateralmente, além de extensas feridas na perna direita e nas mãos,
95. A Ré assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente de viação, mas não pagou todas as quantias aqui reclamadas pelas Autoras e supra referidas - exceptuando o pagamento que suportou das despesas com a intervenção cirúrgica no Hospital Privado de Cidade 1 pela 1ª Autora, e algumas despesas médicas e tratamentos de fisioterapia, que assumiu, além de alguns danos patrimoniais, em montante não concretamente apurado, conforme docs. 8 e 9 juntos com a Contestação;
III.A.2. Factos não provados:
Do elenco dos factos não provados continuará a constar, tal como na sentença recorrida, que não se provou que:
a. A 1ª Autora manteve-se em tratamentos médicos regulares, até 16 de março de 2021;
b. Durante o período da sua ITA, de 585 dias (19 meses e meio) com retribuição média mensal de € 2.122,49, a 1ª Autora deixou de auferir a quantia global de € 41.388,55, da sua entidade patronal;
c. A 1ª Autora carece, no futuro, de fazer tratamentos de fisioterapia, aos tornozelos e ombro esquerdo, à razão de 20 (vinte) sessões, 2 (duas) vezes ao ano, carece também de tomar medicação para a dor e deve submeter-se a nova intervenção cirúrgica, com anestesia geral, para realizar uma artrodese subastragalina;
d. A 1ª Autora deixou de poder fazer corrida e ou marcha, o que fazia, regularmente, anteriormente ao evento;
e. A 1ª Autora sofre de um quadro de perturbação de ansiedade e sofre de depressão;
f. Bem como perturbação de stress pós-traumático;
g. Tem problemas de sono, não descansa, tem insónias e tem frequentemente pesadelos;
h. Apesar da alta clínica, a 2ª Autora ficou a padecer, sob o ponto de vista psiquiátrico/psicológico, de sentimentos de intolerância, de menos valia, de medos patológicos e labilidade emocional;
i. Passou a revelar uma atitude ansiosa e um discurso de tonalidade depressiva;
j. Deixou de conseguir conduzir sozinha, veículos automóveis, por entrar em pânico;
k. Passou a padecer de insónias ou de pesadelos, frequentemente associados ao acidente;
l. A 2ª Autora passou a padecer de Síndrome de Stress pós-Traumático reativo ao acidente e às lesões físicas por si sofridas;
m. Em virtude do evento e em consultas médicas e despesas medicamentosas, a 1ª Autora despendeu a quantia global de € 1.638,72;
n. A 1ª Autora em deslocações, despendeu quantia não inferior a € 1.950,00;
o. E em refeições, despendeu quantia não inferior a € 975,00;
p. Com o auxílio permanente de terceira pessoa, a 1ª Autora despendeu quantia não inferior a € 5.850,00;
q. Já a 2ª Autora em deslocações, despendeu quantia não inferior a € 500,00;
r. E em refeições, despendeu quantia não inferior a € 250,00;
*
III.B. Fundamentação jurídica:
A) Não vem impugnada a responsabilidade da ré no ressarcimento dos danos provocados às autoras.
Nem está em causa, por outro lado, a restante parte da decisão recorrida que fixou o montante dos danos patrimoniais puros (para a 1.ª autora AA em 19.292,08€, mais 4.769,42€; para a 2.ª autora BB em 745,00€).
Insurgiu-se a autora/recorrente AA quanto à fixação dos concretos montantes da indemnização por dano biológico (60.000,00€) e por danos não patrimoniais (20.000,00€) feita na sentença recorrida e que, no seu entender, se revela escassa. Por seu turno, insurgiu-se a ré seguradora, quanto a esta autora, na fixação destes danos, considerando que se tratou de uma fixação exagerada.
Está em causa, também, por impugnação da ré/seguradora, a fixação da sentença recorrida dos danos não patrimoniais à 2.ª autora BB (15.000,00€).
Neste particular e quanto à 1.ª autora AA fundamentou a sentença recorrida nos seguintes termos:
“Resta o reclamado em b), c), d) e f), num total de € 170.000,00 que, concordamos, respeita ao dano biológico e como tal deve ser tratado, atentando no que se apurou supra em 85) dos factos provados.
E no caso vertente, quanto à 1ª Autora, e no que diz respeito a danos não patrimoniais, temos a ponderar:
- O défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, o qual atinge um valor elevado (11 pontos);
- As dores resultantes das lesões sofridas, as quais atingem um patamar que se situa num plano mediano (três graus, numa escala de sete graus de gravidade crescente);
- A repercussão das sequelas na sua vida social, desportiva, lazer e sexual, fixadas em 2 graus, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
- O dano estético, fixado em 1 grau, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
- A repercussão Permanente na sua Actividade profissional, que embora compatíveis com o seu exercício, exige esforços suplementares.
Atento o referido circunstancialismo, ponderando ainda a idade da Autora (44 anos, no presente) e o período de vida activa da mesma, que deverá prolongar-se por mais de duas décadas, considera-se adequado um montante de € 60.000,00 (sessenta mil euros), para ressarcir os prejuízos que a autora sofreu na esfera não patrimonial, e não os peticionados € 170.000,00 globais.
No que concerne aos demais danos morais reclamados, no valor de € 40.000,00, tendo em conta o apurado, as fortes dores sofridas, o número de intervenções cirúrgicas a que foi submetida, os períodos de convalescença e o sofrimento causado por aparatoso acidente com necessidade de desencarceramento, e ulterior condução a Hospital e internamento hospitalar, ainda que de período reduzido, considero ajustado fixar no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), e não no peticionado valor, a este título.”
E, quanto à 2.ª autora BB, a fundamentação é a seguinte:
“Resta o reclamado em a) a c) e e), num total de € 85.000,00 que, concordamos, respeita a dano biológico e como tal deve ser tratado, atentando no que se apurou supra em 86) e 87) dos factos provados.
E no caso vertente, quanto à 2ª Autora, e no que diz respeito a danos não patrimoniais, temos a ponderar:
- As dores resultantes das lesões sofridas, as quais atingem um patamar que se situa num plano abaixo do mediano, embora não seja mínimo (dois graus, numa escala de sete graus de gravidade crescente);
- O dano estético, fixado em 2 graus, numa escala de 7 graus, de gravidade crescente;
- um período de défice funcional temporário de 20 dias e que
- não há lugar a atribuição de outros parâmetros de dano temporário ou permanente.
Acresce que peticiona a 2ª autora ainda um pagamento na quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) de danos morais, e atento o supra referido circunstancialismo, e pese embora não seja de considerar o dano biológico, ponderando a idade da Autora à data do sinistro, as dores sofridas e as cicatrizes, apesar de provado (factos provados) de não ter ficado encarcerada, mas de ter sentido medo e ansiedade graves, considero adequado um montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), para ressarcir os prejuízos que esta autora sofreu na esfera não patrimonial, mas não os que vinham peticionados.”
Importa saber, por isso, se deve manter-se o decidido nesse particular.
*
B) Dano biológico da 1.ª autora AA:
A jurisprudência vem autonomizando este dano, reportado à violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa e que se repercute na potencialidade e qualidade de vida do lesado e susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas (ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/2013, processo n.º 1110/07.9TVLSB.L1.S1[3] e, mais recentemente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/10/2025, processo n.º 1268/21.4T8PVZ.P1.S1[4]).
Seguindo este último acórdão, o dano biológico ou deficit funcional permanente “tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral”. Ou seja, “depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”.
Assim, será sempre um dano indemnizável, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto à resistência e capacidade de esforço, pelo que é de considerar autonomamente esse dano, distinto do dano patrimonial nem não se diluindo no dano não patrimonial.
E, como ensina Maria da Graça Trigo [5], a relevância a atribuir à afectação da capacidade geral diz respeito, não apenas ao período de vida activa do lesado (ou seja, até ao período que medeia entre a data da lesão e a data da sua previsível reforma), mas também para além dela. Na afectação da capacidade geral de ganho deve ser tido em conta o denominado aumento da penosidade e esforço (neste mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2017, processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1[6]).
A sua discussão nestes autos prende-se, por isso, na repercussão do défice funcional desta autora na sua actividade laboral futura (enquanto causa de perda de oportunidades profissionais, constrangimentos e/ou esforços suplementares para o exercício das actividades profissionais). O que se confirma pelo facto de todas as demais repercussões serem discutidas autonomamente no quadro dos danos não patrimoniais.
De resto, não é nesse ponto que divergem as partes.
A dificuldade é que a sua fixação não se reconduz a uma mera ponderação aritmética ou à aplicação de critérios normativos estritos, antes obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum (cf. artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil), mas sempre na busca de uma certa uniformização dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (cf. artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e conforme o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.
Ainda seguindo Maria da Graça Trigo [7], os factores essenciais a ter em conta para a fixação da indemnização pelo dano biológico podem ser assim elencados: (i) Idade do lesado à data do sinistro; (ii) Esperança média de vida do lesado à data do acidente (sendo que este factor da esperança média de vida à data do acidente se deve aferir pela esperança média de vida que, à data do acidente, têm os nascidos no ano de nascimento do lesado); (iii) Índice de incapacidade geral permanente do lesado, fixado segundo as Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil; (iv) Potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (v) Conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação.
De notar que, de acordo com essa autora e jurisprudência mais recente, deve atender-se à esperança média de vida do lesado e não à sua previsível idade de reforma, uma vez que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas: directas pelo reflexo que, mesmo após a reforma do lesado, tal incapacidade terá no exercício de outras actividades de valor económico; indirectas pelas consequências que a afectação da capacidade geral tem na carreia contributiva do lesado, com reflexos sobre o montante das prestações sociais a auferir no período posterior à reforma.
Os critérios têm sido expostos pela jurisprudência (entre muitos outros: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2019, processo n.º 22392/16.0T8PRT.P1.S1[8], Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2025, processo n.º 15721/19.6T8SNT.L1.S1[9]) e devem ser aplicados na medida em que os mesmos resultem dos factos provados.
E é entendimento pacífico que as normas da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, não são vinculativas para a fixação, pelos Tribunais, de indemnizações por danos decorrentes de responsabilidade civil em acidentes de viação (entre muitos outros, ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/01/2025, processo n.º 3062/22.6T8VCT.G1.S1[10] e toda a jurisprudência citada na sua nota 13).
Não pode deixar de se concordar, no entanto, com o entendimento expresso por Rita Mota Soares [11] (e seguido, entre outros, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2024, processo n.º 8415/17.9T8LSB.L1.S1[12]): “se encararmos o dano biológico como uma lesão da integridade psicofísica, não podemos recusar a premissa de que esta é igual para todos (Vd. o n.º 1 do art. 25.º da CRP («[a]integridade moral e física das pessoas é inviolável»), o n.º 1 do art. 70.º do CC («[a] lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral») e o n.º 1 do art. 13.º da CRP («[t]odos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei»). Nessa medida, nos casos em que os lesados não sofram uma efectiva diminuição dos rendimentos profissionais (quer porque estes não ficam diminuídos, quer porque estão em causa estudantes, desempregados ou reformados), havendo antes a necessidade de maiores esforços para obtenção dos mesmos rendimentos, não há razão alguma para tratamentos diferenciados por referência ao salário ou ao rendimento habitual. Só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efectiva por causa da incapacidade, pois só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento”.
No caso concreto, não vem provado (ver pontos 61 a 64 e 85 dos factos provados) que a 1.ª autora AA tenha sofrido uma efectiva diminuição dos rendimentos por causa da incapacidade mas, ainda assim, deverá fixar-se uma indemnização pela necessidade de realizar maiores esforços para obtenção dos mesmos rendimentos.
Assim, partindo-se do salário médio anual à data do acidente (2018)[13] de 17.601,00€ [14] aplicando a redução de 11% da incapacidade fixada (ponto 85 dos factos provados) e tendo em conta a esperança média de vida de 83 anos (em 2018, para mulheres nascidas em 1980, como é o caso desta autora[15] e que, portanto, teremos de contar com 45 anos de vida útil) e com redução de 1/3 ou ¼ (pela antecipação da entrega do capital) chega-se a uma indemnização entre
A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade (neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/05/2017, processo n.º 868/10.2TBALR.E1.S1[16]).
Haverá, por isso, de recorrer à equidade e aos restantes dados do caso concreto. Perante os factos provados (na ausência de dados relacionados com as habilitações da lesada), apenas se pode deitar mão à conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias (normais) da actividade profissional da lesada. É que as limitações serão tanto mais relevantes quanto maior a componente física da actividade desenvolvida.
Assim, atento o que ficou provado: que esta autora era vendedora (ponto 60 dos factos provados), que ficou com rigidez na tibiotársica esquerda e dor no calcanhar direito (com limitações de locomoção: dificuldade em subir e descer escadas e dificuldade em andar em pisos irregulares – pontos 44, 48, 50 e 51 dos factos provados), que ficou com lesões no cóccix (com limitações em estar sentada e de pé – pontos 44 e 52 dos factos provados) e que ficou com lesões no ombro esquerdo (com dificuldade e pegar e transportar em pesos – pontos 44, 45 e 46 dos factos provados), entende-se que existem importantes limitações na actividade normalmente desenvolvida (mais dependente de actividade física que outras), a tender para uma aproximação ao montante encontrado e, por isso, julga-se adequada a fixação da indemnização pelo dano biológico que foi feita pelo Tribunal a quo em 60.000,00€.
Percorrendo a jurisprudência encontra-se:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2023 (processo n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1[17]): dano biológico fixado em 60.000,00€; lesada com 35 anos de idade; défice funcional permanente de 12 pontos; cabeleireira, sequelas são compatíveis com a sua profissão, implicando esforços acrescidos; desempregada na data do acidente;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/06/2023 (processo n.º 445/09.0TBAMT.P1.S1[18]): dano biológico fixado em 55.000,00€; lesado com 50 anos, trabalhava na Suíça como contramestre; défice funcional fixado em 11 pontos; sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas com esforços suplementares; entretanto reformado;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/05/2023 (processo n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S1[19]): dano biológico em 80.000,00€; lesado com 33 anos, médico dentista; défice funcional permanente de 6 pontos, mas com perda de rendimento durante 2 anos provada nos autos;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2024 (processo n.º 265/20.1T8VRL.G2.S1[20]): dano biológico fixado em 70.000,00€, mas lesado com 41 anos e défice funcional de 15 pontos;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2025 (processo n.º 15721/19.6T8SNT.L1.S1[21]): dano biológico em 30.000,00€ perante défice funcional permanente de 11 pontos; mas em que o lesado tinha 62 anos, estava desempregado desde há 3 anos.
Tendo em vista uma aplicação uniforme do direito, ponderando a jurisprudência análoga dos últimos anos, o valor fixado pelo tribunal a quo não se mostra irrazoável, antes adequado face aos danos e que, por isso, se mantém.
Improcedem, neste ponto, os recursos desta autora e da ré.
C) Danos não patrimoniais da 1.ª autora AA:
Não foi objecto de impugnação por nenhuma das partes a necessidade da atribuição de uma indemnização para compensação pelo sofrimento, angústia e perturbação psicológica que resultaram para a lesada em consequência do acidente e das sequelas associadas ao evento lesivo.
Apenas divergem as partes na sua quantificação.
Por força do que estabelece no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[22] o montante da compensação será fixado equitativamente pelo Tribunal, devendo ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. A fixação da indemnização deve, por isso, ser apurada por recurso a juízos de equidade nos termos gerais dos artigos 496.º, n.º 4, 494.º e 566.º, n.º 3 e 4, do Código Civil, tomando-se ainda em especial consideração os padrões jurisprudenciais actualizados, no seguimento do comando geral ínsito no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil (como se retira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2025, processo n.º 3488/22.5T8PNF.P1.S1[23]).
Constitui orientação pacífica da jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista (entre muitos outros o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 7/06/2011, processo n.º 160/2002.P1.S1[24]) devendo ser significativa e traduzir a justiça do caso concreto, não se podendo confundir a equidade com arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador (ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2019, processo n.º 2224/17.2T8BRG.G1.S1[25]).
No caso concreto, terá se ter de atender às dores sentidas, com o quantum doloris num grau 3 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente) e, ainda à circunstância de ter resultado um dano estético de grau 1 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente), uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente) e um repercussão permanente na actividade sexual de grau 2 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente) – conforme se retira do ponto 85 dos factos provados.
Além disso, terá de se ponderar que esta autora ficou encarcerada no veículo (ponto 16 dos factos provados), foi levada de ambulância para o hospital com queixas a nível do tórax à esquerda (com dor à palpação com queimadura por abrasão a nível do tórax, na face anterior e superior) e ambos os tornozelos (conforme ponto 18 dos factos provados). Realizou RX do tornozelo e pé esquerdo e TC Torácica, com repetição de TC Tórax (ponto 19 dos factos provados), foram suturadas as feridas, medicada e imobilizada com bota gessada no membro inferior direito (ponto 20 dos factos provados). No dia seguinte (7/08/2018), foi transferida para internamento para o Hospital da sua área de residência (ponto 21 dos factos provados) e aí ficou internada e repetiu vários exames, tais como TC abdominal, TC cerebral, radiografia ao tornozelo direito, TAC do tornozelo (ponto 22 dos factos provados). Após dois dias de internamento a 1.ª Autora teve alta para o domicílio, medicada e com indicações para repouso (ponto 23 dos factos provados). Ficou 6 semanas com a imobilização gessada do membro inferior direito (pontos 20 e 24 dos factos provados). Durante 2 meses locomoveu-se, exclusivamente, com recurso a uma cadeira de rodas (ponto 25 dos factos provados) e, nesse período, manteve-se dependente da ajuda de terceira pessoa (ponto 26 dos factos provados). Após a retirada do gesso a 1.ª Autora fez para tratamentos de fisioterapia, aos tornozelos e ao ombro esquerdo (ponto 27 dos factos provados) o que implicou que a dor referida se manteve durante 2 meses (ponto 28 dos factos provados), só então se revelando fratura do astrágalo com traço vertical na junção do corpo com o colo, lesão osteocondral da cúpula astragalina já com área de necrose, contusão do perónio com edema ósseo e rotura do ligamento deltoide (ponto 29 dos factos provados). As sessões de fisioterapia (preconizadas pelos serviços clínicos da seguradora) prosseguiram durante 1 ano sem melhoras (ponto 32 dos factos provados). Foi sujeita a intervenção cirúrgica a 7/11/2019 com anestesia geral (ponto 36 dos factos provados), passou a locomover-se sem canadianas e com bota “walker” durante 1 mês (ponto 39 dos factos provados) e realizou tratamentos de fisioterapia até Agosto de 2020 (ponto 39 dos factos provados). Em Maio de 2021 realizou novo exame de RMN (ponto 40 dos factos provados).
Ficou a autora com cicatrizes no pescoço, na face anterior da perna e face anterior do tornozelo, dor à palpação do cóccix, redução da força do ombro esquerdo e rigidez tibiotársica (pontos 43 e 44 dos factos provados). Apesar disso, não tem vergonha das suas cicatrizes, mas tem cuidados em escondê-las e em protegê-las do sol (ponto 59 dos factos provados).
Apresenta dores intercostais posteriores à fractura das costelas (ponto 47 dos factos provados), sofre de dores fortes e permanentes na tibiotársica à esquerda e, frequentes, na tibiotársica à direita (ponto 48 dos factos provados).
A 1ª Autora era uma pessoa saudável, praticava caminhada e frequentava regularmente ginásio (ponto 58 dos factos provados), mas em consequência do acidente apresenta dificuldade na execução das lides domésticas e em se deslocar para fazer compras (ponto 53 dos factos provados), deixou de frequentar o ginásio, o que fazia e o que lhe traz desgosto (ponto 54 dos factos provados) e deixou de poder calçar sapatos de salto alto, o que fazia e o que lhe traz desgosto (ponto 55 dos factos provados). É especialmente perniciosa a afectação da sua actividade sexual pelas dores que sente nomeadamente no cóccix, o que lhe traz desgosto (ponto 57 dos factos provados) sendo que, na altura do evento, estava em processo de tentar engravidar, o que se tornou mais difícil, depois do evento, o que lhe traz desgosto (ponto 58 dos factos provados).
Haverá que ponderar, a favor da pretensão da autora, que as suas dores não se limitaram aos momentos seguintes ao evento danoso, mas que se prolongaram por muito (demasiado) tempo: desde o acidente em Agosto de 2018 até Agosto de 2020. E, diga-se, que a persistência das dores da autora se ficou a dever, em grande medida, à responsabilidade dos serviços clínicos da ré seguradora, pois perante a relevação de que a autora mantinha dores e tinha uma fractura do astrágalo (já com área de necrose da cúpula astragalina), persistiu num tratamento conservador durante 1 ano (pontos 30 a 32 dos factos provados). Foi necessário a autora recorrer, de forma particular, a um hospital privado para diminuir as suas dores e debelar as lesões (ponto 34 dos factos provados).
Por tudo o exposto, parece limitada a fixação da indemnização realizada pelo Tribunal a quo a este título.
Percorrendo a jurisprudência encontra-se:
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016 (processo n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1[26]), justificando a indemnização de 40.000,00€ a título de danos não patrimoniais, tendo por base o quantum doloris de grau 5, sujeição a quatro operações, internamento por longos períodos, mais duas operações a que ainda teria de se sujeitar, vários tratamentos de reabilitação e dano estético de grau 4;
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/06/2018 (processo nº 418/13.9TVCDV.L1.S1[27]), foi fixada em 50.000,00€ a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir a um lesado com base no seguinte quadro factual: o lesado contava à data do acidente 30 anos de idade; em consequência do sinistro, sofreu várias fratures; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação anti-álgica.
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2022 (processo n.º 1991/15.2T8PTM.E1.S1[28]), no qual foi fixada a quantia indemnizatória de 85.000,00€ com base no seguinte quadro factual: o lesado contava à data do acidente trinta e cinco anos; ficou com um défice funcional permanente de 39 pontos, teve um quantum doloris de 5 numa escala de 7, um dano estético relevante (3 em 7), consequências permanentes na sua atividade sexual (fixado em 3 numa escala de 7), na repercussão nas actividades desportivas e de lazer (2 em 7), no relacionamento social com familiares e amigos, se sente menorizado em resultado da sua situação de incapacidade para o trabalho e se encontra reformado por invalidez, tendo o acidente ocorrido quando tinha apenas 30 anos de idade, a tudo acrescendo a circunstância de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro.
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/11/2022 (processo n.º 2133/16.2T8CTB.C1.S1[29]), no qual foi fixada a quantia indemnizatória de 70.000,00€ com base no seguinte quadro factual: sinistrado contava trinta anos à data do acidente; sofreu quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos - uma vez que, quanto a este índice, ficou privado de continuar a praticar o motociclismo, o que fazia com regularidade, participando em diversas provas, incluindo federadas e, ainda, impossibilitado de praticar desportos que também fazia, como bicicleta BTT, esqui na neve e esqui aquático, tendo ficado, ainda, condicionado no exercício da actividade desportiva de mergulho, que também praticava, acrescendo a circunstância de ter sido submetido a cinco intervenções cirúrgicas, com um pós-operatório prolongado (com uma repercussão temporária na actividade profissional total de 870 dias), de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro e de continuar padecer de dores.
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/12/2022 (processo n.º 2517/16.6T8AVR.P1.S1[30]), no qual foi fixada a quantia indemnizatória de 30.000,00€ com base no seguinte quadro factual: lesada contava trinta e sete anos de idade; passou a registar após o facto ilícito, e por causa dele, um défice de 11 pontos de eficiência funcional de integridade físico-psíquica por sintomatologia ansiosa e depressiva reactiva ao acontecimento, sem sequelas físicas definitivas, por agravamento de impacto moderado de anterior quadro psiquiátrico; quantum doloris de 4/7; repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 3/7; dependência permanente de tratamentos médicos regulares (consulta de psiquiatria de 2 em 2 meses);
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2023 (processo n.º 795/20.5T8LRA.C1.S1[31]), no qual foi fixada a quantia indemnizatória de 45.000,00€, com base no seguinte quadro factual: lesado contava quarenta e cinco anos à data do acidente; sofreu como sequela definitiva das lesões um défice funcional permanente de integridade físico-psiquica de 17 pontos, quantum doloris de 5/7, dano estético de 4/7, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 5/7;
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2024 (processo n.º 987/21.0T8GRD.C1.S1[32]), no qual foi fixada a quantia indemnizatória de 70.000,00€ com base no seguinte quadro factual: lesada contava quarenta e cinco anos à data do acidente; sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária. Ficou ainda com um dano estético permanente de grau 2 em 7; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares:
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2025 (processo n.º 3488/22.5T8PNF.P1.S1[33]) no qual foi fixada a quantia indemnizatória de 60.000,00€ a título de danos não patrimoniais (reduzida para 40.000,00€ por contribuição culposa do lesado na produção do evento lesivo) com o seguinte quando factual: politraumatizado (TCE, com alterações cognitivo-comportamentais; tetraparésia, alteração da deglutição e bexiga neurogénica; traumatismo da face, com fratura da lâmina papirácea, fratura das paredes medias dos seios maxilares, hemossinus nos seios etmoidais, maxilares e esfenoidais, fratura relativamente alinhada dos ossos próprios do nariz; traumatismo apendicular: fratura exposta do rádio direito; status pós-fratura do punho direito; fratura do escafoide; fratura articular rádio distal (fratura em consolidação viciosa) e luxação radiocubital distal;; lesão do ramo dorsal do nervo cubital direito; fratura diafisária do fémur direito; traumatismo da coluna axial, na região cervical; traumatismo da grelha costal, com fratura da 11.ª costela), duas cirurgias, período de défice funcional temporário total de 78 dias e período de défice funcional temporário parcial de 732 dias; quantum doloris no grau 6/7, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos; dano estético permanente é fixado no grau 4/7; com dependência permanentes de medicação analgésica em SOS e medicação psicofarmacológica.
Tendo em vista uma aplicação uniforme do direito, ponderando a jurisprudência análoga referida, altera-se a quantia fixada pelo Tribunal a quo, entendendo-se como mais adequada a fixação da indemnização pelos danos morais sofridos na quantia de 35.000,00€.
Assim procede, apenas nessa medida, o recurso da autora e improcede o recurso da ré quanto a este ponto.
D) Danos não patrimoniais da 2.ª autora BB:
Também neste caso não foi objecto de impugnação por nenhuma das partes a necessidade da atribuição de uma indemnização para compensação pelo sofrimento, angústia e perturbação psicológica que resultaram para a lesada em consequência do acidente e das sequelas associadas ao evento lesivo.
Mais uma vez, divergem as partes na sua quantificação.
Valem, naturalmente, as mesmas considerações gerais que a este propósito se fizeram acima.
No caso, quanto a esta 2.ª autora, resultou provado que consolidou as lesões em 25/08/2018, com défice funcional temporário total de 1 dia, défice funcional temporário parcial de 19 dias, quantum doloris de 2 graus (numa escala de 7) e dano estético de 2 graus (também numa escala de 7).
Mais resultou provado que foi levada de ambulância para o hospital onde deu entrada com queixas de TCE, dor ao nível da coluna cervical, omoplata esquerda, tórax, bacia, perna direita; tendo realizado ecografia abdominal, radiografia de tórax, e TC CE e cervical, com desinfecção e sutura, com anestesia local, de feridas punctiformes a nível da perna direita (pontos 69 a 71 dos factos provados); foi transferida no dia seguinte para o hospital da área da sua residência e saiu para o domicílio, medicada e no dia seguinte teve alta clínica (pontos 72 e 73 dos factos provados). Fez mudança de penso às feridas e após 15 dias retirou todos os pontos (pontos 74 e 75 dos factos provados). Teve dores na região lombar e nos joelhos (ponto 76 dos factos provados). Tinha, à data do acidente 19 anos, estava a estudar e ficou com cicatrizes nos dedos da mão esquerda e nos dedos da mão direita, cicatriz na perna esquerda de 2 cm e 4 cicatrizes de 2 cm na face anterior da perna direita, que lhe causa desgosto (pontos 81 e 82 dos factos provados).
Em comparação, contra a pretensão da autora vislumbra-se que não se prolongou muito no tempo a persistência das dores e não houve prejuízo escolar; a favor da sua pretensão encontra-se, como mais grave (numa jovem com essa idade), o dano estético (em zonas do corpo bem visíveis) que a pode impedir de prosseguir todo o seu potencial (quer a nível pessoal/relacional, quer ao nível profissional). Concretizando este último ponto: as cicatrizes são nas mãos, zona do corpo que está quase sempre à vista (e é particularmente valorizada em termos estéticos – com um importante mercado de adornos e joias a significar essa importância) e numa jovem em idade em que a imagem é particularmente relevante (cartão de visita junto dos pares, numa etapa da vida em que se consolidam amizades e se define amiúde o futuro em termos de relacionamentos pessoais) o que permite aumentar o valor em comparação com os casos em que o dano estético se esconde facilmente com roupa.
Percorrendo a jurisprudência encontra-se:
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/07/2023 (processo n.º 342/19.1T8PVZ.P1.S1[34]) julgou equitativa a indemnização de 20.000,00€ para compensar um quadro de sofrimento físico e psicológico de um lesado de 46 anos, caraterizado por um quantum doloris de 3/7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7, perturbações significativas no sono e na vida sexual, perda de autonomia na realização de tarefas domésticas e na movimentação de objetos pesados, irritabilidade, desconforto constante, insegurança, baixa capacidade de atenção e concentração, baixa tolerância à frustração
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/09/2023 (processo n.º 1974/21.3T8PNF.P1.S1[35]) fixou em 35.000,00€ a indemnização a título de danos não patrimoniais, com lesada de 22 anos à data do acidente, que sofreu dores que ainda hoje se mantêm, usou canadianas, claudica, deixou de praticar actividades que antes praticava, reflectido na repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 2/7, tendo ainda um dano estético de 4/7, um quantum doloris de 4/7 e repercussão na actividade sexual de 1/7 e que sofre de danos psicológicos que se reflectem no seu dia-a-dia;
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/01/2024 (processo n.º 3571/21.4T8VNG.P1.S1[36]) fixou a compensação de 15.000,00€ por danos morais conferida a um jovem de 22 anos, saudável e escorreito antes do acidente, o qual ficou com uma cicatriz de 13 cm sobre a clavícula esquerda, o que lhe causa desgosto; ficou com uma placa com 9 cm de comprimento aplicado sobre o corpo da clavícula; ficou com um dano estético de 2 em 7; suportou um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, em consequência das lesões e dos tratamentos a que foi submetido;
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/2024 (processo n.º 2481/20.7T8BRG.G1.S1[37]) indemnização por danos não patrimoniais fixada em 90.000,00€ para lesada de 17 anos, com dois anos de consolidação das sequelas, foi submetida a cirurgia, cicatriz cirúrgica na bacia com 20 cm, quantum doloris de 5/7, dano estético de 4/7, prejuízo de afirmação pessoal de 2/5, repercussão na actividade sexual de 2/7, défice funcional de 35 pontos e necessidade de acompanhamento médico periódico de psiquiatria e fisiatria.
O caso desta autora não foi, felizmente, tão grave quanto as relatadas, pelo que parece algo excessiva a fixação feita pelo Tribunal a quo, entendendo-se como mais adequada a fixação da indemnização pelos danos morais sofridos por esta 2.ª autora na quantia de 14.000,00€.
Assim procede, apenas nessa medida, esta parte do recurso da ré.
*
Custas:
Conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a regra geral na condenação em custas é a de condenar a parte vencida. E havendo uma partes vencidas no recurso não se passa ao critério subsidiário que é o da condenação em custas de quem tira proveito do recurso.
Assim, as custas do recurso deverão ficar a cargo da ré, por, numa apreciação global, ter ficado vencida.
***
III. DECISÃO:
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em conformidade, revoga-se parcialmente a sentença recorrida e, mantendo-se o demais ali decidido:
a. Condena-se a ré a pagar à 1.ª autora AA a quantia de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros) a título de danos morais e, consequentemente, a quantia global de 119.061,50€;
b. Condena-se a ré a pagar à 2.ª autora BB a quantia de 14.000,00€ (catorze mil euros) a título de danos morais e, consequentemente, a quantia global de 14.745,00€.
Condena-se a ré nas custas nas custas do recurso.
Notifique-se.
Évora, 13 de Novembro de 2025
Filipe Aveiro Marques
Sónia Moura
Sónia Kietzmann Lopes
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1. Data que, oficiosamente, se corrige por se tratar de mero lapso de escrita e que se deduz do restante teor dos factos provados: o dia seguinte ao do acidente, que ocorreu em 6/08/2018, é o dia 7/08/2018 e não o dia 7/08/2021 como, por lapso, se tinha plasmado na sentença recorrida.↩︎
2. Data que, oficiosamente, também se corrige por se tratar de mero lapso de escrita e que se deduz do restante teor dos factos provados: o dia seguinte ao do acidente, que ocorreu em 6/08/2018, é o dia 7/08/2018 e não o dia 7/08/2021 como, por lapso, se tinha plasmado na sentença recorrida.↩︎
3. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/92c9e3f86995513380257c35004cd1f5.↩︎
4. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/240f6dfe76ba9ac080258d1700539b76.↩︎
5. “O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos — breve contributo”, Revista Julgar, n.º 46, 2022, Almedina, pág. 266.↩︎
6. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/BACAFF34F3EEC7F48025812C003AFC4B.↩︎
7. Op. cit., Revista Julgar, n.º 46, 2022, Almedina, pág. 267.↩︎
8. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1daa6b8a6159deec8025841e0059e4b5.↩︎
9. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4fe05a4505c827080258c2200380a9a.↩︎
10. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/464145ae599747be80258c23005dbe4c.↩︎
11. “Poderes/deveres da relação na reapreciação da matéria de facto. O dano biológico quando da afectação funcional não resulte perda da capacidade de ganho — o princípio da igualdade”, Revista Julgar, n.º 33, 2017, Almedina, pág. 125.↩︎
12. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d9e21b9c8539f51d80258bf000450a83.↩︎
13. Consultável em https://www.pordata.pt/pt/estatisticas/salarios-e-pensoes/salarios/salario-medio-anual-ajustado-tempo-inteiro.↩︎
14. Que, de todo o modo, muito se aproxima do rendimento anual da autora.↩︎
15. Acessível em https://www.pordata.pt/pt/estatisticas/populacao/esperanca-de-vida-e-obitos/esperanca-de-vida-nascenca-por-sexo.↩︎
16. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/dee63f8b194e342d8025812c003c3ac5.↩︎
17. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a14d51b498dd3566802589c700351286.↩︎
18. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d8467638d04db38c802589da00304efa.↩︎
19. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/20a211facf91dc7b802589b1002b624d.↩︎
20. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2f2eba8a4b88438f80258be2003d9c73.↩︎
21. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4fe05a4505c827080258c2200380a9a.↩︎
22. Código Civil Anotado, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 435.↩︎
23. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/02c7537dd2f0931780258d1d003bd2cb.↩︎
24. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd205a6b3360bf1a802578b100475490, além dos Acórdãos do STJ nele citados a esse propósito: de 16/02/93, CJ, Tomo III, página 181; de 11/10/94, CJ, Tomo III, página 89 e de 13/01/2000, BMJ, 493º-354.↩︎
25. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/79b936dad3837320802584d3005ac46a.↩︎
26. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f7e690da9b50d25880257f48005a3d42.↩︎
27. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/85F6509D28C77AAF802582AC0050DE4A.↩︎
28. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f6b1251b938dd01e802588680058eee9.↩︎
29. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/343eb8d77e633c15802588f4006376d0.↩︎
30. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8fcc34991c606e07802589170040e31f.↩︎
31. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/de443e867543812f8025894a003f3f50.↩︎
32. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ad7454e16a1ca20980258afc003b9adc.↩︎
33. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/02c7537dd2f0931780258d1d003bd2cb.↩︎
34. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3983a7db62ff7bd6802589e50048a5ba.↩︎
35. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d2542e03d5ebeba380258a2b005cecd0.↩︎
36. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2dafdcf0fa78b61280258aa7002ee020.↩︎
37. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9837cf7e21a94be180258b9c00340962.↩︎