1. A competência internacional tem de ser aferida em razão dos termos em que o Autor configura a ação, a qual se define através do pedido, da causa de pedir e da natureza das partes, importando, necessariamente, ponderar sobre os elementos objetivos da demanda, ou seja, a natureza da providência solicitada, a natureza do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, o facto ou ato donde resulta o invocado direito, outrossim, dos elementos subjetivos da ação.
2. Se o cerne do objecto da acção, conforme é apresentado pela A., não corresponde a um alegado contrato, contrato de mandato sem representação, celebrado com os RR pessoas singulares, residentes em Portugal, mas sim um contrato celebrado entre a A. e a Ré, com sede na Suíça, sendo a obrigação desta comprar, para depois transferir para a A. as acções em causa, o lugar de cumprimento da obrigação localiza-se naquele país, sendo o Tribunal português internacionalmente incompetente.
1 – Relatório.
Noventiq Holdings Plc, com sede nas Ilhas Caimão, intentou ação declarativa de condenação contra AA, BB (residentes em Portugal) e Gushcloud Finance AG (antiga Youngtimers Asset Company AG), com sede na Suíça, pedindo que os Réus sejam condenados a:
a) a entregar à Autora 1.260.767 ações da ASBIS, representativas de 2,3% do capital desta sociedade, bem como o dinheiro sobrante da compra destas ações e /ou os direitos adquiridos com esse dinheiro por conta da Autora com o dinheiro sobrante;
b) ao pagamento à a., a título de sanção pecuniária compulsória, de uma quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação referida em a) antecedente;
e, subsidiariamente, na eventualidade de não ser possível a entrega das ações prevista na alínea a), deverá:
c) ser reconhecido o direito da Autora à resolução do contrato de mandato sem representação por incumprimento dos Réus – resolução que, a título subsidiário, se opera através da presente ação - e serem os mesmos condenados, solidariamente, a restituir à Autora a quantia de € 5.000.000,00 que receberam da mesma;
d) ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados pelo incumprimento os quais se traduzem (i) no eventual aumento do valor das ações da ASBIS que foram adquiridas, desde a data da compra até à restituição da quantia paga pela e (ii) nos respetivos dividendos eventualmente distribuídos, a liquidar em execução de sentença;
e) nos juros de mora, à taxa legal, calculados sobre o valor entregue à 2ª Ré - € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) - desde a data dessa entrega (16/06/2022), até efetivo pagamento, os quais, com referência à presente data ascendem a € 458.630,14 (quatrocentos e cinquenta e oito mil seiscentos e trinta euros e catorze cêntimos).
Fundamenta a sua pretensão no facto de, ter celebrado com a Ré Youngtimers Asset Company AG contrato para compra de ações de sociedade terceira, que posteriormente seriam transferidas para si, invocando que o fez através dos Réus AA e BB.
A Ré Youngtimers Asset Company AG seria controlada pelos Réus AA e BB, através da qual seriam compradas as ações da ASBIS para a Autora, tendo os referidos Réus se comprometido a transferirem posteriormente as ações para si, parte do acordo que não foi chegou a ser realizada por escrito.
A Ré Youngtimers Asset Company AG invocou, na sua contestação, para além do mais, a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer da presente ação, na medida em que, atento o disposto no artigo 773.º, n.º 1 do Código Civil, estando em causa. a entrega de coisa móvel, a obrigação deve ser cumprida no lugar onde a coisa se encontrava ao tempo da conclusão do negócio, ou seja, na Suíça e, considerando o estatuído no artigo 5º, n.º 1, al. a) da Convenção de Lugano II relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Lugano, em 30 de outubro de 2007, que refere que, uma pessoa com domicílio no território de um Estado, vinculado pela convenção, pode ser demandada noutro Estado, vinculado pela presente convenção, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, no caso a Suíça.
A Autora pugnou pela competência dos tribunais portugueses, na medida em que diz não ter demandado apenas a empresa Suíça, mas 2 Réus com residência em Portugal e que a ação é intentada contra todos os Réus com a mesma causa de pedir, ou seja, um contrato de contrato de mandato entre a Autora e Réu e logo é aplicável a exceção precita no artigo 6º, n.º 1 da Convenção de Lugano II, ou seja, que uma pessoa com domicílio no território de um Estado vinculado pela presente convenção pode também ser demandada, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.
Foi proferida decisão que julgou verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer dos autos, por infração as regras da competência internacional, e, em consequência, absolveu os Réus CC, BB e Gushcloud Finance AG da instância.
Desta decisão, recorreu a Autora e formulou as seguintes conclusões (transcrição):
«a) Constitui entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado que a aferição do pressuposto processual da competência, nomeadamente a da competência internacional, deve ser equacionada e decidida em função dos contornos da pretensão deduzida tal como se encontre configurada na p.i.
b) Ao Tribunal incumbe proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, mas deverá fazê-lo dentro da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido e enunciado pela autora, não podendo apreciar a excepção de competência internacional com base numa causa de pedir e pedido que não foi invocado, em obediência ao princípio do dispositivo que determina que haja coincidência entre a causa de pedir a a causa de julgar.
c) Tal como a a. configura a ação, a causa de pedir desta é o contrato de mandato sem representação celebrado inicialmente entre a a. e os rr. pessoas singulares e que depois, por intervenção destes concertada com a r. Sociedade, foi também estendido à r. Sociedade, que aceitou servir de veículo para a execução do mandato.
d) A questão de saber se o acordo celebrado entre a a. e os rr. pessoas singulares vincula a r. sociedade é matéria que se prende com o mérito da ação e que o Tribunal oportunamente decidirá, mas que não se confunde com os termos em que a a. configura a relação material controvertida e que o Tribunal tem de respeitar para efeitos de julgamento sobre a sua competência.
e) Se é certo que o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica dos factos, mais certo é que ao tribunal não assiste o poder de desatender aos factos articulados e considerar outra versão factual oposta à apresentada pela A. Não se trata de qualificação jurídica, mas sim de alteração da causa de pedir e, naturalmente, do pedido, o que ofende os princípios do dispositivo e da estabilidade da instância (arts. 5º, nº 1 e 260º do CPC).
f) Veja-se que o Senhor Juiz a quo considerou que a causa de pedir era o contrato com a r. Sociedade, relativamente ao qual a a. manifestou claramente não ser o centro da acção, tratando-se, inclusivamente, de contrato do qual os rr. pessoas singulares não eram partes.
g) O Senhor Juiz não se limitou a uma diferente qualificação da factualidade alegada pela a. Deslocou o objecto do processo para um contrato que não faz parte da causa de pedir nem do pedido. E se fosse esse o objecto da acção exigiria uma diferente formulação do pedido, que não compete ao tribunal fazer.
h) Ora, o contrato que o Tribunal entendeu ser a causa de pedir (doc. 26) tem por objecto a compra pela a. (então denominada Softline Holding Plc) de 500 “notes” (obrigações) da sociedade Garage Italia Finance S.à.r.l. (cfr. pontos 1 e 2 do referido contrato) ou seja, obrigações de outra sociedade e não da ASBIS, cuja entrega constitui o pedido formulado pela a..
i) Ou seja, a sentença desloca-se para outro contrato, com outro objecto, cujo cumprimento (ou incumprimento) não constitui o objecto da acção, nem corresponde ao efeito pretendido pela a. na presente acção. A a. não pediu a entrega das obrigações da sociedade Garage Italia Finance S.à.r.l, mas sim as acções da sociedade ASBIS que a 2ª r. adquiriu no exercício do mandato conferido aos 1ºs rr. e que estes, para sua execução, fizeram intervir a 2ª r., com a concordância desta.
j) É manifesto que a sentença recorrida extravasou os seus poderes de cognição, saindo do perímetro objectivo e subjectivo da pretensão deduzida pela a., perímetro a que o Tribunal a quo está vinculado por força das referidas normas dos artºs, 5º, nº 1, 260º e 609º do CPC.
k) Como já se evidenciou, o efeito prático-jurídico pretendido (o pedido formulado pela a. de entrega de acções da ASBIS) não coincide com o que resultaria da sentença recorrida, que aponta para outro contrato com outro objecto, o que só por si constitui evidência bastante do erro de julgamento de que padece a sentença.
l) À luz do que antecede, tendo em conta a causa de pedir e os pedidos formulados é forçoso concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses.
m) Na verdade, quanto aos rr. pessoas singulares, residentes em Portugal – facto assente, por não ter sido contestado – partes no contrato de mandato sem representação que constitui a causa de pedir, o Tribunal é competente, ao abrigo dos arts. 62º, a) e b) e 71º, nº 1 do CPC.
n) No que concerne à r. Sociedade vale a já citada regra do art. 6º, nº 1, da Convenção de Lugano II, cuja aplicação deve prevalecer.
o) Por um lado, porque a apreciação da competência deve ser feita em função dos factos articulados, da causa de pedir e do pedido tal como foram deduzidos na p.i. Esses e não outros (contrariamente ao que o Tribunal a quo decidiu).
p) Por outro, porque, sendo o Tribunal competente para decidir no que respeita aos pedidos deduzidos contra os 1ºs rr., verifica-se o pressuposto da referida disposição do art. 6º, nº 1 da Convenção, que justifica que aprecie também os pedidos formulados contra a 2ª r. : estamos perante causa de pedir complexa, com intervenção articulada de todos os rr. e ligação dos pedidos entre si por um nexo estreito que justifica “que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente”.
q) Ao ter julgado procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta para conhecer dos autos a sentença recorrida padece de erro na apreciação da matéria de facto e na aplicação da matéria de direito, tendo violado as regras dos arts.. 5º, nºs 1 e 3 e 260º, nº 1, do CPC, quanto à errada qualificação jurídica dos factos, em violação do princípio do dispositivo, e arts. 62º, a) e 71º, nº 1, do CPC e art. 6º, nº 1, da Convenção de Lugano II, quanto 15 de 16 à apreciação da competência internacional do Tribunal para apreciar o litígio dos autos.
Termos em que, com o suprimento de V. Exas. ao ora legado, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.»
Nas contra-alegações os Réus concluiem da seguinte forma:
« A competência internacional dos tribunais portugueses encontra-se subordinada às regras constantes da Convenção de Lugano II, a qual prevalece sobre a lei interna (artigo 8.º CRP e artigo 59.º CPC).
2. O pedido principal da Apelante consiste na entrega de ações depositadas na Suíça, pelo que o lugar de cumprimento da obrigação localiza-se naquele país (artigo 5.º, n.º 1, da Convenção de Lugano II).
3. A regra do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção de Lugano não é aplicável ao caso dos autos, pois não existe nexo estreito entre o pedido deduzido contra sociedade de direito suíço e os pedidos subsidiários contra os Réus domiciliados em Portugal.
4. Inexiste qualquer elemento de conexão relevante com Portugal, sendo irrelevantes as alegadas reuniões ocorridas em território nacional com pessoas aí domiciliadas, em virtude de as mesmas não serem as destinatárias das prestações contratuais alegadamente incumpridas.
5. Subsidiariamente, sempre se verificaria a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, atento o pacto arbitral invocado pelos Apelados na contestação.
6. Deve, pois, ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida que declarou a incompetência internacional dos tribunais portugueses e absolveu os Apelados da instância.»
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra.
2 – Objecto do recurso.
Questão a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso: Saber se o tribunal português é internacionalmente competente para a acção.
3 - Análise do recurso.
Em causa está a competência Internacional.
O artigo 59º do Código de Processo Civil consagra que, “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
O artigo 62º do Código de Processo Civil estabelece que: “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.
Por sua vez, o artigo 63º do Código de Processo Civil estatui que: “Os tribunais portugueses são exclusivamente competentes:
a) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português; todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado membro;
b) Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado;
c) Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal;
d) Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português;
e) Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português”.
Como decorre do estabelecido no artigo 8º da CRP e no artigo 59º do Código de Processo Civil, analisar, em primeiro lugar, se tendo o caso dos autos elementos de conexão com diversas ordens jurídicas, existe algum regulamento europeu ou instrumento internacional que atribua aos tribunais portugueses competência para julgar a ação e, em caso negativo, se se verifica alguns dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º do Código de Processo Civil.
Assim, no nosso ordenamento jurídico vigoram, em simultâneo, dois regimes gerais de competência internacional, o regime interno e o regime comunitário e a aplicação do regime comunitário prevalece sobre o regime interno, em razão do princípio do primado do direito europeu, alcandorado a fonte hierarquicamente superior.
As questões de competência internacional, entre pessoas domiciliadas nos diversos Estados, regulam-se quer pelas normas do Direito da União Europeia (Regulamento (UE) n. ° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012), quer pelas normas de Direito Internacional Público Convencional (Convenção de Lugano).
A Convenção de Lugano, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e criminal (JO da União Europeia de 21-12-2007, L-339), prescreve, no artigo 2.º/1, que as "pessoas domiciliadas no território de um Estado vinculado pela presente convenção devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado".
Por sua vez o artigo 5º da Convenção de Lugano prescreve que: “Uma pessoa com domicílio no território de um Estado vinculado pela presente convenção pode ser demandada noutro Estado vinculado pela presente convenção:
1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
— No caso da venda de bens, o lugar num Estado vinculado pela presente convenção onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, — no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado vinculado pela presente convenção onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;
c) Se a alínea b) não se aplicar, será aplicável a alínea a)”.
O artigo 6º da Convenção de Lugano consagra que “Uma pessoa com domicílio no território de um Estado vinculado pela presente convenção pode também ser demandada:
1. Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente; (…)”.
No caso concreto:
A Autora tem sede nas Ilhas Caimão, dois dos Réus são residentes em Portugal e a outra Ré tem sede na Suíça, pelo que, estando uma das partes domiciliada na Suíça, é aplicável a Convenção de Lugano.
O pedido principal é a entrega de ações representativas do capital social da sociedade ASBIS, ações essas que se encontram na Suíça, bem como o dinheiro sobrante da compra destas ações e /ou os direitos adquiridos com esse dinheiro por conta da Autora também com o dinheiro sobrante, pelo que, é nesse país que a obrigação teria de ser cumprida.
Ao contrário do que defende a recorrente, a competência em Portugal não tem justificação, ao abrigo do disposto no art. 6º suprarreferido.
Com efeito, o art. 6.º da Convenção tem carácter excepcional e exige, em primeiro lugar que existam vários pedidos principais e independentes contra diferentes RR., mas que apresentem entre si uma conexão estreita, de forma a justificar o julgamento conjunto.
Tal não sucede na situação dos autos, pois só há um pedido principal contra a ré com sede na Suíça, que emerge de um contrato celebrado entre a A. e a sociedade sediada na suíça e só subsidiariamente são formulados pedidos contra os demais Réus.
É o negócio jurídico que deve ser considerado e este negócio das ações que a Autora pretende reaver não tem qualquer conexão com Portugal, nem com a legislação portuguesa, sendo irrelevante que alegadamente tenham ocorrido reuniões para a sua celebração no Algarve.
O litígio tem por objeto matéria comercial emergente de uma relação transnacional e como sabemos a competência internacional tem de ser aferida em razão dos termos em que o Autor configura a ação, a qual se define através do pedido, da causa de pedir e da natureza das partes, importando, necessariamente, ponderar sobre os elementos objetivos da demanda, ou seja, a natureza da providência solicitada, a natureza do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, o facto ou ato donde resulta o invocado direito, outrossim, dos elementos subjetivos da ação.
Importa, pois, analisar os fundamentos da pretensão deduzida e do pedido formulado pelo Autor.
Quanto a esse aspecto, argumenta a recorrente que, “a decisão recorrida considerou um outro contrato, com outro objecto e não o contrato em causa, pois a A. não pediu a entrega das obrigações da sociedade Garage Italia Finance S.à.r.l, mas sim as acções da sociedade ASBIS que a 2ª r. adquiriu no exercício do mandato conferido aos 1ºs rr. e que estes, para sua execução, fizeram intervir a 2ª r., com a concordância desta, concluindo que, a decisão considera uma versão factual oposta à apresentada pela A., não se tratando de qualificação jurídica, mas sim de alteração da causa de pedir e, naturalmente, do pedido, o que ofende os princípios do dispositivo e da estabilidade da instância (arts. 5º, nº 1 e 260º do CPC), ou seja, considerou que a causa de pedir era o contrato com a r. Sociedade, relativamente ao qual a a. manifestou claramente não ser o centro da acção, tratando-se, inclusivamente, de contrato do qual os rr. pessoas singulares não eram partes, pelo que não se limitou a uma diferente qualificação da factualidade alegada, mas deslocou o objecto do processo para um contrato que não faz parte da causa de pedir nem do pedido. E se fosse esse o objecto da acção exigiria uma diferente formulação do pedido, que não compete ao tribunal fazer.”
Mas não cremos que tenha razão.
O cerne do objecto da acção, conforme é apresentado pela A., não corresponde a um alegado contrato, contrato de mandato sem representação, celebrado com os rr. pessoas singulares, residentes em Portugal, mas sim um contrato celebrado entre a A. e a Ré, com sede na Suíça, sendo a obrigação desta comprar, para depois transferir para a A. as acções em causa.
O que está em causa no pedido (entrega de ações depositadas na Suíça) pressupõe um momento anterior já ultrapassado, a sua compra pela Ré sociedade e tais bens deverão ser entregues no local onde se encontram, ou seja, na Suíça.
Logo, o lugar de cumprimento da obrigação localiza-se naquele país (artigo 5.º, n.º 1, da Convenção de Lugano II).
O mandato caracteriza-se pela obrigação do mandatário realizar um acto em nome do mandante.
Ora, no caso dos autos quem foi mandatado foi a Ré sociedade.
O papel dos Rr. Residentes em Portugal -que nem são Portugueses- é secundário: não de compra das acções, mas de veículo de passagem e acompanhamento, aparentemente, para ocultar o mais possível a ligação à A.
Aliás, a intervenção dos R. AA, BB, de acordo com o alegado, para além de secundária é ainda vaga e pouco clara.
Como se refere na decisão recorrida “Embora a Autora invoque que a casa de pedir dos autos é o alegado incumprimento de um contrato de mandado sem representação que celebrou com os Réus, na realidade, do alegado resulta que a Autora apenas celebrou um contrato com a sociedade Ré de intermediação na compra de ações de outras empresas com o objetivo de não se saber quem era a real compradora, entendendo que os Réus pessoas singulares também incumpriram esse contrato atentas as relações de proximidade e de domínio sobre aquela sociedade, mas o que a Autora efetivamente pretende, a título principal, é a entrega de ações que estarão depositas na Suíça, cuja compra foi feita pela Ré sociedade, a qual estaria obrigada pelo acordo que celebraram a entrega-las à Autora (não sendo invocada qualquer desconsideração da pessoa coletiva e não respondendo as pessoas singulares pelos atos de uma sociedade)”.
Apenas subsidiariamente, a Autora pede a condenação dos Réus na entrega do preço que entregou para a compra das ações e dos prejuízos sofridos, mas novamente este pedido tem por base o incumprimento do contrato celebrado entre Autora e Ré sociedade.
Em suma o contrato celebrado entre a a. e a r. sociedade constitui o núcleo da causa de pedir.
Assim sendo, é aplicável à situação dos autos o disposto no artigo 5º, n.º 12, al. a) da Convenção do Lugano, sendo este Tribunal internacionalmente incompetente para conhecer da acção dos autos.
Em suma:
Ponderados os termos do contrato ajuizado, donde emerge o direito que a Autora se arroga entendemos que é de confirmar a decisão recorrida improcedendo o recurso.
4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente -artigo 527.º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil.
13-11-2025
Elisabete Valente
Maria Adelaide Domingos
José António Moita