Sumário:
I. Apesar de o procedimento cautelar ser, por regra, dependente da causa que tenha como fundamento o direito acautelado ( art.º 364º, nº1 do CPC), desde o CPC de 2013 que instituiu o regime da inversão do contencioso, a instrumentalidade deixou de ser um requisito típico de determinadas providências cautelares pois admite-se que a decisão cautelar possa assumir carácter definitivo verificados que estejam determinados pressupostos;
II. O regime de inversão do contencioso está vocacionado para as medidas cautelares de natureza antecipatória o que se verifica quando ambas as tutelas têm o mesmo objecto, ou seja, quando o que pode ser obtido na tutela cautelar é o mesmo que pode ser conseguido na tutela definitiva.
III. Assim, a providência pode não só coincidir com o que se pretende obter na acção principal mas pode, também, consumir a necessidade da propositura de uma acção principal, caso seja aplicável o regime da inversão do contencioso.
IV. O que releva, sobretudo, é que se evidencie o que a tutela cautelar intenta prevenir com a urgência legalmente determinada.
ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO
1. AA e BB, requerentes no procedimento cautelar não especificado que moveram a CC e Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A., inconformados com a decisão que o indeferiu liminarmente, dela vieram recorrer formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
“a) Os pedidos efetuados pelos Recorrentes são, naturalmente, independentes entre si, pelo que o deferimento ou indeferimento de um não implica o deferimento ou indeferimento dos outros.
b) Erra, portanto, o tribunal a quo ao afirmar que a proceder a sua pretensão, ficariam já os Recorrentes definitivamente condenados no pagamento de determinadas quantias a título de responsabilidade civil extracontratual,
c) O Tribunal a quo poderia, caso assim o entendesse, indeferir o primeiro dos pedidos e deferir o último, referente à realização das obras necessárias de modo a cessar as infiltrações de água.
d) Num cenário de deferimento parcial do peticionado, não ficariam os Recorridos definitivamente condenados no pagamento de determinadas quantias a título de responsabilidade civil extracontratual.
e) Os pressupostos legais para decretamento das providencias requeridas encontram-se preenchidos.
f) Decidiu mal o tribunal a quo ao considerar que “... não se verificam no caso concreto dos autos os pressupostos legais para o decretamento da providencia cautelar comum previstos no art. 362º, nº 1 do CPC...”.
g) Com o Novo Código de Processo Civil, a típica provisoriedade das providências cautelares e a necessidade de existência da ação principal deixaram de ser características absolutas da tutela cautelar.
H) Ao indeferir o presente procedimento cautelar com base na violação do seu carácter instrumental, o tribunal a quo, considera, por outras palavras, que as providencias requeridas não devem ser objeto de deferimento cautelar.
I) A matéria e prova carreada para estes autos configuram a existência de uma dano - a violação do direito de propriedade - consubstanciado nas condições de habitabilidade da fração autónoma dos Recorrentes e no seu normal gozo e fruição, afetados pelas infiltrações por água oriundas da fração do Recorrido.
J) A matéria e prova carreada para estes autos configuram ainda um perigo real para a vida, integridade física, saúde e bem estar dos Recorrentes.
L) Errou o tribunal a quo ao considerar inadequado o presente procedimento cautelar, por violação do seu carácter instrumental, decidindo pelo seu indeferimento liminar.
M) A jurisprudência dominante é reveladora de inúmeros acórdãos que versam sobre o deferimento de procedimentos cautelares, quando em causa estão danos por água e condições de habitabilidade num prédio urbano.
N) É perfeitamente possível a produção de prova pericial no âmbito dos procedimentos cautelares.
o) Errou o tribunal a quo ao afastar a eventual realização de prova pericial, por tratar-se de um procedimento cautelar.
P) Errou o tribunal a quo ao concluir que as alegadas infiltrações de água foram causadas no imóvel dos Requerentes apenas no passado (em junho de 2025 e agosto de 2025, até ao dia 20 de agosto), não sendo reportada qualquer factualidade concreta de ocorrência de novas infiltrações de água no imóvel dos Requerentes desde o dia 20 de agosto de 2025 em diante até à data da instauração desta acção (em 8 de outubro de 2025), fazendo-se apenas um juízo hipotético e especulatório que irá ocorrer no futuro uma tendência de alastramento de água e de agravamento/ocorrência de novos danos (cfr. Artigos 22º e 23º do RI),
Q) O agravamento da situação no imóvel dos aqui Recorrentes foi igualmente detetado e relatado no relatório junto como DOC 13, realizado em 13 de setembro de 2025.
R) A matéria retratada nos autos configura a existência de fundado receio de que as infiltrações de água causem perigo para a vida, integridade física, saúde e bem estar dos Recorrentes.
S) Não é de indeferir liminarmente o procedimento cautelar, justificando-se por isso a procedência do presente recurso de apelação.
T) A decisão de indeferimento liminar deve ser revogada.
TERMOS EM QUE – a que acresce o muito que V. Exªs doutamente suprirão, deverão V. Exaªs:
I. Julgar procedente a apelação e nessa conformidade revogar a decisão recorrida.
II. Condenar os Recorridos nas providencias cautelares peticionadas pelos Requerentes.
III. Caso assim não se entenda, ordenar o processo baixar ao Tribunal de 1ª Instância, a fim de prosseguirem os autos, se necessário para tanto permitindo aos Recorrentes a produção da prova testemunhal oferecida.
Assim deliberando e ordenando, farão V. Exªs, Venerandos Desembargadores, JUSTIÇA!”.
2. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões dos apelantes (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se apenas a apreciar se há fundamento para indeferir liminarmente a providência.
II. FUNDAMENTAÇÃO
3. É o seguinte o teor da decisão recorrida:
“ (…) Ora, analisando a pretensão supra dos Requerentes, consideramos que os mesmos pretendem, através do decretamento de uma providência cautelar não especificada, a produção de todos os efeitos jurídicos e práticos normais de uma acção declarativa condenatória definitiva.
Pois, a proceder a sua pretensão, ficariam já os Requeridos definitivamente condenados no pagamento de determinadas quantias pecuniárias a título de responsabilidade civil extracontratual, e ficaria já o Requerido CC definitivamente condenado a proceder à realização de determinadas obras de reparação no seu imóvel, com os inerentes custos e alterações relevantes em tal imóvel, e até obrigados a fazê-lo sob pena de prática de ilícito criminal, conforme é a consequência legal da violação de uma providência cautelar (cfr. art. 375.º do CPC).
Donde consideramos que os Requerentes não pretendem a obtenção nestes autos de uma providência provisória, conservatória ou antecipatória, para assegurar a efectividade futura do direito ameaçado a reconhecer em sede da respectiva acção principal, mas antes pretendem a obtenção nestes autos cautelares da própria decisão judicial principal e definitiva que reconhecerá o seu alegado direito indemnizatório sobre os Requeridos, e que reconhecerá o seu alegado direito de exigir a realização de obras no imóvel do Requerido CC, obras essas que terão um carácter duradouro e definitivo no imóvel de tal Requerido.
Sendo que tal decisão judicial pretendida pelos Requerentes, que possui carácter definitivo e não provisório, apenas poderá ser obtida em sede da respectiva acção declarativa principal e não de um procedimento cautelar.
Pelo que consideramos encontrar-se violado pelos Requerentes o carácter provisório e instrumental das providências cautelares perante a decisão judicial definitiva a obter em sede da respectiva acção principal, não pretendendo os Requerentes uma tutela provisória do seu direito, mas antes o respectivo reconhecimento e execução a título definitivo, ficando totalmente esgotado o objecto da acção principal, tudo em prejuízo da posição jurídica dos Requeridos (cujos meios de defesa ficariam limitados com a decisão de uma matéria definitiva numa sede cautelar, nomeadamente a nível do prazo de defesa e do número de testemunhas a arrolar, bem como restrições à demais prova a produzir, em particular a prova pericial, de habitual não produção devido à natureza urgente do processo cautelar).
Com efeito, dispõe o n.º 1 do art. 364.º do CPC que o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.
Nesse âmbito se defendendo no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/10/2023, relator Paulo Correia, processo n.º 1093/23.8T8GRD.C1, in www.dgsi.pt, que:
“I – A instrumentalidade das providências cautelares implica, ao demais, que o tribunal não possa decretar uma providência cautelar cujos efeitos sejam irreversíveis ao ponto de esvaziarem de conteúdo a ação principal.
II – Não é possível no âmbito de um procedimento cautelar comum obter os efeitos do despejo.”
Também se expondo no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2/2/2010, relator Maria do Rosário Barbosa, processo n.º 1214/09.3T2AMD.L1-1, in www.dgsi.pt, que:
“1. As providências cautelares não devam ser utilizadas para resolver questões de fundo, que só nas acções adequadas podem ser decididas uma vez que o processo cautelar não tem por escopo corrigir situações, mas prevenir lesão que venha a ser grave e dificilmente reparável.”
Ora, concordando integralmente com a doutrina supra exposta, concluímos que não se verificam no caso concreto dos autos os pressupostos legais para o decretamento da providência cautelar comum previstos no art. 362.º, n.º 1 do CPC, de modo a que, nesse âmbito, pudessem ser decretadas as providências cautelares requeridas nos autos pelos Requerentes, por violação do carácter instrumental dos procedimentos cautelares e das providências cautelares a decretar neles.
Sendo que do requerimento inicial, a nosso ver, se depreende que as alegadas infiltrações de água foram causadas no imóvel dos Requerentes apenas no passado (em Junho de 2025 e em Agosto de 2025, até ao dia 20 de Agosto), não sendo reportada qualquer factualidade concreta de ocorrência de novas infiltrações de água no imóvel dos Requerentes desde o dia 20 de Agosto de 2025 em diante até à data da instauração desta acção (em 8 de Outubro de 2025), fazendo-se apenas um juízo hipotético e especulatório que irá ocorrer no futuro uma tendência de alastramento da água e de agravamento/ocorrência de novos danos (cfr. artigos 22.º e 23.º do RI), pelo que a existência de uma situação de perigo actual e concreto para a esfera jurídica dos Requerentes sempre seria de julgar bastante duvidosa e, logo, improcedente.
Assim, face ao exposto, cumpre indeferir liminarmente o presente procedimento cautelar por manifesta improcedência, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 590.º do Código de Processo Civil, dado que a pretensão dos Requerentes não poderá em caso algum ser deferida, mesmo que viessem a ser considerados indiciariamente provados todos os factos articulados nos autos pelos Requerentes.
O que se decidirá.
*
Nos termos expostos, decido indeferir liminarmente o requerimento inicial de procedimento cautelar comum apresentado nos autos pelos Requerentes AA e DD, contra os Requeridos CC e Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.”.
4. Do mérito do recurso
Invocando a existência de danos na sua fracção provenientes de infiltração decorrente de uma banheira existente na fracção do 1ª requerido e na omissão deste em resolver o problema que a origina (ausência de impermeabilização entre a banheira e a cerâmica da fracção do requerido) formularam os requerentes da providência os seguintes pedidos:
“A) Serem os requeridos condenados no pagamento aos requerentes do montante de 14.944,50 (catorze mil novecentos e quarenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), respeitantes aos danos patrimoniais referenciados e quantificados nesta peça processual.
B) Serem os requeridos condenados no pagamento do custo com a peritagem levada a cabo pelos requerentes, consubstanciado em 344,40 (trezentos e quarenta e quatro euros e quarenta cêntimos).
C) Ser o requerido condenado na realização das obras necessárias na sua fração, de modo a que cesse a infiltração de água proveniente da mesma para a fracção dos requerentes, fixando-se para o efeito o prazo máximo de 30 dias.
II. Mais se requer, nos termos do previstos no artigo 829º-A do Código Civil, a aplicação ao requerido de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do peticionado na alínea c) do ponto anterior, em montante justo e equitativo e que os requerentes entendem não dever ser inferior a 100,00 (cem euros) diários.
III. Mais deve ser decretada a inversão do contencioso, nos termos do artigo 369º do Código de Processo Civil, por ter sido apresentada e produzida prova suficiente que permita formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado.”.
Como se viu, entendeu-se na decisão recorrida que perante os pedidos formulados fenece o requisito da instrumentalidade que se considerou ser característico dos procedimentos cautelares.
Na verdade, o procedimento cautelar é, por regra, dependente da causa que tenha como fundamento o direito acautelado ( art.º 364º, nº1 do CPC).
Porém, desde o CPC de 2013 que instituiu o regime da inversão do contencioso, a instrumentalidade que implica a dependência da providência face à acção - sem que tal determine a existência de uma coincidência de pedidos formulados numa e noutra – deixou de ser um requisito típico de determinadas providências cautelares pois admite-se que a decisão cautelar possa assumir carácter definitivo verificados que estejam determinados pressupostos.
“Abala-se o princípio segundo o qual os procedimentos cautelares são sempre dependência de uma lide principal, intentada pelo requerente para obstar à caducidade da providência cautelar decretada em sua proteção, assim impedindo a que se haja de repetir na íntegra, em contexto de ação principal, o mesmo dissídio que acabou de ser conhecido e decidido no âmbito do procedimento cautelar. Logo se contornam os encargos e delongas resultantes da duplicação de procedimentos, nas situações em que, apesar das menores garantias formais, a decisão cautelar tenha, no essencial, resolvido a desavença das partes. (…)
Assim, na decisão que decrete a medida cautelar, pode o julgador inverter o contencioso, dispensando o sujeito ativo do ónus de propositura da causa principal, quando se reúnam dois requisitos de verificação cumulativa: (i) A matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar uma convicção segura quanto à existência do direito acautelado; e (ii) A natureza da providência decretada se revelar como ajustada à realização da composição definitiva da contenda. Estabelece-se que o julgador possa dispensar o requerente do ónus de propositura da causa principal, na decisão que decrete a providência e mediante requerimento prévio (nunca, evidentemente, no exercício da sua oficiosidade), se a matéria factual granjeada no procedimento lhe permita formar convicção segura sobre a existência do direito acautelado e, ainda, se a natureza intrínseca da providência decretada for apta a realizar a composição definitiva do litígio, certeza de que tal dispensa pode ser solicitada até ao encerramento da audiência final e não, necessariamente, logo em contexto de requerimento inicial. Na situação de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso em conjunto com a impugnação da providência cautelar decretada, devendo o julgador decidir quanto à manutenção ou revogação da inversão do contencioso ditada em sede vestibular, e constituindo tal apreciação um complemento e parte integrante da decisão inicial.”1.
Por conseguinte, a questão que se coloca é: tendo sido requerida a inversão do contencioso, que requisitos se terão de ter por verificados para se poder admitir o recurso a uma providência cautelar comum que possa vir a decidir com carácter definitivo o litígio?
Desde já importa lembrar que o regime só pode ser accionado em procedimentos cautelares de natureza preliminar (artº 364º, nºs 1 e 2 do CPC), não já nos casos em que o procedimento surja como incidente de uma acção pendente ( art.º 364º, nº3 do CPC).
Está, outrossim, vocacionado para as medidas cautelares de natureza antecipatória2.
Como bem recorda Miguel Teixeira de Sousa3, “[e]m geral, o objeto do procedimento cautelar é um minus e um aliud em relação ao objeto da ação principal: as providências cautelares não visam obter o mesmo que se pretende alcançar através da ação principal. A exceção a esta regra é constituída pelas providências com uma finalidade de antecipação: estas providências constituem um tantus e um similis em relação ao objeto da ação principal. Na verdade, a antecipação da tutela definitiva na tutela cautelar só se pode verificar quando ambas as tutelas tenham o mesmo objeto, ou seja, quando o que pode ser obtido na tutela cautelar é o mesmo que pode ser conseguido na tutela definitiva. Pode assim afirmar-se que, quando a tutela cautelar antecipa a tutela definitiva, aquela tutela cumpre uma função satisfativa.”.
Para além disso, ter-se-ão de verificar os requisitos da concessão da tutela cautelar comum e que são: a probabilidade séria da existência do direito invocado, o receio fundado (em termos objetivos) de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação, a adequação da providência à situação de lesão iminente e a inviabilidade de encontrar essa tutela através de procedimentos cautelares especificados4.
Sendo o periculum in mora o traço característico das medidas cautelares - sem ele não deverá ser concedida a providência requerida – a sua apreciação pode preceder a dos demais requisitos exigidos para a decretação da providência.
O “periculum in mora” caracteriza-se pela iminência de grave prejuízo causado pela demora da decisão definitiva e que ponha em risco o direito a acautelar, o “fumus boni juris”, ou a aparência da realidade do direito invocado.
É precisamente tal perigo que a tutela cautelar intenta prevenir com a urgência legalmente determinada.
Ora, revertendo ao caso dos autos, não podemos deixar de acompanhar, na essencialidade, o juízo de inviabilidade e de inadequação da instauração de uma providência destinada a obter o pagamento de uma indemnização em razão dos prejuízos causados na fracção dos requerentes pelas infiltrações oriundas da fracção do 1º requerido e do custo da peritagem que os mesmos suportaram.
Porém, foi igualmente peticionada a condenação do 1º requerido na realização das obras necessárias na sua fracção, de modo a que cesse a infiltração de água proveniente da mesma para a fracção dos requerentes.
E para justificar tal pedido foi alegado que:
“Considerando que o requerido não fez cessar a origem da infiltração de água na sua casa de banho, a água tem tendência a alastrar-se”; “ (…) com a infiltração por água veio também a humidade e bolor”; “(…) com o risco de comprometer a instalação eléctrica da fracção dos requerentes”; “ (…) a requerente sofre de doença pulmonar crónica obstrutiva, não devendo permanecer em ambientes húmidos”.
Tais factos evidenciam que os recorrentes necessitam de uma providência tendente a evitar o agravamento dos prejuízos ou mesmo a verificação de outros danos, designadamente de natureza pessoal.
“[N]ada obsta que relativamente a lesões continuadas ou repetidas seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de actos lesivos v.g. em casos de lesões ao direito de personalidade resultantes de actividades ruidosas e perturbadoras do direito ao descanso ou quando se pretenda prevenir a continuação de infiltrações provenientes de condutas de água.
Nessas situações, as lesões já verificadas não são inócuas. Elas servem ainda para dar maior seriedade e, assim, justificar a concessão de uma providência destinada a evitar a repetição ou persistência de situações lesivas (…).5
Assim, a providência pode não só coincidir com o que se pretende obter na acção principal mas pode, também, consumir a necessidade da propositura de uma acção principal, caso seja aplicável o regime da inversão do contencioso.
Posto isto, é de concluir que a decisão recorrida não pode manter-se.
III.DECISÃO
Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação procedente e, revogando a decisão recorrida, determina-se que os autos prossigam os seus ulteriores termos.
Sem custas.
Évora, 13 de Novembro de 2025
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Susana Ferrão da Costa Cabral
Manuel Bargado
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1. Assim, Tomás Núncio, “Reflexão sobre o regime da inversão do contencioso e os procedimentos cautelares de arresto e de arrolamento “, Revista Julgar on Line , Julho de 2013, pag.2.↩︎
2. Assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 471.↩︎
3. In “AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES E A INVERSÃO DO CONTENCIOSO”, p.5, consultável em http://www.fd.unl.pt.↩︎
4. Idem, p.458.↩︎
5. Assim, Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol.III., p.90.↩︎