EMPREITADA
CONSUMIDOR
PAGAMENTO DO PREÇO
FACTURA COMERCIAL
Sumário

Sumário:
I. Não resultando provado que a Ré tenha a qualidade de consumidora de acordo com o disposto no art.º 2 nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho – Lei de Defesa do Consumidor (LDC)) não se pode considerar que o contrato de empreitada que esteve na origem da dívida aqui reclamada esteja excluído da aplicação do D.L. 62/2013, de 10 de Maio;
II. A obrigação de pagar o preço da venda do bem ou da prestação do serviço não emerge da emissão da factura mas, sim, da celebração do contrato.
III. A emissão da factura condiciona apenas a obtenção do pagamento do valor correspondente ao IVA, ou seja, a emissão da factura funciona como condição de exigibilidade legal do valor desse mesmo imposto e da condenação no seu pagamento.

Texto Integral

Processo: 135384/23.7YIPRT.E2

ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

1. AREAL – ATELIER DE ARQUITETURA E ENGENHARIA, LDA. apresentou, no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção pedindo que a ré seja condenada no pagamento da quantia de € 9 856,76 (nove mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora que perfazem a quantia de € 340,26 (trezentos e quarenta euros e vinte e seis cêntimos) e de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que em 13/09/2021, celebrou com a ré um contrato de empreitada. No âmbito do contrato realizou uma obra de remodelação de uma moradia unifamiliar em Vale do Lobo, tendo a ré apenas procedido parcialmente ao pagamento dos serviços.

Em sede de oposição, a ré limitou-se a suscitar a excepção de ineptidão da petição inicial que, no despacho saneador-sentença foi julgada improcedente condenando-se a ré em conformidade com o pedido formulado pela autora.

A ré recorreu desta decisão, vindo este Tribunal da Relação de Évora, na procedência do recurso, a revogar a decisão recorrida e a ordenar fosse proferido despacho a convidar a requerente a aperfeiçoar o requerimento inicial nos termos aí definidos, o que foi acatado, determinando-se que a autora concretizasse que obras de remodelação foram feitas no âmbito do contrato que invoca no requerimento de injunção, o prazo de execução, a forma de pagamento e por que razão ficou em dívida a quantia reclamada.

Foi ainda concedido o prazo de dez dias à ré para exercício do contraditório relativamente aos novos factos alegados pela autora no prazo de dez dias (após notificação do requerimento apresentando pela autora, nos termos estipulados no artigo 221.º, n.º 1 do Código do Processo Civil) vindo o articulado apresentado pela ré a ser considerado sem qualquer efeito por intempestivo.

2. Subsequentemente, foi proferida sentença que condenou a ré AA, a pagar à autora AREAL – ATELIER DE ARQUITETURA E ENGENHARIA, LDA., a quantia de € 9 856,76 (nove mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal cível desde a citação até efetivo e integral pagamento.

3. É desta sentença que recorre de novo a ré formulando na sua apelação as seguintes conclusões:

“1ª Areal-Atelier de Arquitetura e Engenharia, Lda., requerente identificada no processo em epígrafe, apresentou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção, contra AA, com identificação nos autos, alegando concreta e exclusivamente o seguinte:

1.Em 13/09/2021, a Requerente e a Requerida celebraram um contrato de empreitada, através do qual a primeira se obrigou a realizar obras de remodelação de uma moradia unifamiliar sita em Vale de Lobo.

2. As partes acordaram que o valor a pagar pelos trabalhos seria 49.356,76 EUR, com IVA incluído.

3. Pelos trabalhos realizados, tendo sido interpelada para o efeito, a Requerente ainda não pagou a quantia de 9.856,76 EUR, a qual se encontra titulada pela Fatura n.º 1 2022/48.

4. Deste forma, requer-se o pagamento da quantia de 9.856,76 EUR, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, vencidos, os quais totalizam nesta data o montante de 340,26 EUR, bem como os vincendos até efetivo e integral pagamento.

2.ª A ré, AA, notificada do requerimento, veio deduzir oposição à injunção, nos termos e com os seguintes fundamentos:

1 - Analisado o requerimento inicial apresentado pela A. verificamos que do mesmo não consta a causa de pedir, ou seja, dele não consta a alegação dos factos necessários à dedução do pedido deduzido.

2 - Da análise do requerimento injuntivo apresentado pela requerente de concluir que não se mostram alegados os factos necessários a fundamentar o pedido que deduz.

3 - Na verdade:

O requerimento injuntivo não esclarece factos jurídicos concretos, concisos e precisos, de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e que este se propõe fazer valer cujos contornos se enquadram na definição legal.

4 - Apenas refere que requerente e requerida celebraram um contrato de empreitada, em 13/09/2021, através do qual a primeira se obrigou a realizar obras de remodelação de uma moradia unifamiliar sita em Vale de Lobo.

5 - Não são indicados os termos e as circunstâncias essenciais do citado contrato de empreitada, nomeadamente, os trabalhos concretos a realizar, a data do início e do fim dos mesmos, enunciando-se apenas o valor total que seria de € 49.356,76, com IVA incluído.

6 - Também não vêm referidas as concretas cláusulas da referida empreitada e nem o modo de execução da mesma, assim como os trabalhos realizados e os que não foram acabados, no âmbito da empreitada que as partes acordaram.

7 - Apenas vem reclamar o pagamento da quantia de € 9.856,76, acrescida de juros, sem qualquer indicação quanto à causa da reclamação do pagamento deste valor.

8 - A requerente invocou considerações genéricas e conclusivas de direito e de facto, em face das quais é impossível retirar quais os concretos termos e cláusulas do contrato que parece ter sido acordado entre as partes e quais os serviços exatos que, no âmbito do mesmo, a autora prestou para a demandada, o seu tempo, modo e lugar de execução, assim como a determinação do preço acordado e o tempo e modo estabelecidos para o seu pagamento.

9 -A petição inicial é, assim, inepta, importando a nulidade de todo o processo (art. 186.º, n.º 1 do CPC).

10 - A nulidade de todo o processo configura uma exceção dilatória nos termos do disposto no art. 577.º, al. b) do CPC e importa a absolvição da instância (art. 576.º, n.º 1 e 2 do CPC).

3.º O Tribunal a quo, na sequência, proferiu o seguinte douto saneador /sentença cujo teor se dá por integralmente reproduzido sem necessidade , com a devida vénia de o reproduzir, e decidiu:

VII) DECISÃO

Nestes termos, pelo exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

a) condeno a ré AA, a pagar à autora AREAL – ATELIER DE ARQUITETURA E ENGENHARIA, LDA., a quantia de € 9 856,76 (nove mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal cível desde a citação até efetivo e integral pagamento.

b) absolvo a ré AA do demais peticionado pela autora AREAL –ATELIER DE ARQUITETURA E ENGENHARIA, LDA..

Custas pela autora (3,34%) e pela ré (96,66%), na proporção do seu decaimento.

4º. A demandada, não se conformando com a douta decisão proferida, veio respeitosamente interpor apelação da mesma para o Venerando Tribunal da Relação de Évora que concedeu provimento ao recurso nos seguintes termos:

Decisão:

Pelo exposto julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se que seja proferido despacho a convidar a requerente a aperfeiçoar o requerimento inicial nos termos referidos.

5º. O Tribunal a quo notificou a autora a aperfeiçoar o requerimento inicial nos termos referidos o que esta cumpriu deste modo:

Na sequência do Douto Acórdão, Areal - Atelier de Arquitetura e Engenharia Lda., Autora nos autos em referência, em que é Ré AA, tendo sido notificada do douto despacho de V. Exa. de 8/1/2025 (Ref. Citius 134873831), vem concretizar (?) os factos alegados no requerimento de injunção, o que faz nos seguintes termos:

1. Em 13/9/2021, foi celebrado contrato de empreitada entre as partes para a execução de obras de remodelação de moradia sita em Vale do Lobo, o qual incluía os seguintes trabalhos a realizar pela Requerente:

a. Trabalhos gerais

i. Execução de todas as demolições, cuidadas, necessárias para o cumprimento do projeto;

ii. Abertura e fecho de roços em paredes interiores, exteriores e pavimentos para cumprimento do projeto global;

iii. Execução de paredes interiores;

iv. Execução de teto interior em gesso cartonado;

v. Execução de barramento interior;

vi. Execução de alhetas interiores verticais;

vii. Execução completa de esquema de pinturas de paredes interiores;

viii. Execução completa de esquema de pinturas anti-fungos de paredes interiores;

ix. Execução completa de esquema de pinturas em tetos interiores;

x. Execução completa de esquema de pinturas anti-fungo sem tetos interiores;

xi. Fornecimento e montagem de bancada na varanda, empedra natural, com pedra a escolher pela Requerida;

xii. Fornecimento e execução de infraestrutura de águas e esgotos em todas as zonas necessárias;

b. Instalações sanitárias

i. Fornecimento e montagem de duas sanitas Sanindusa, série Sanibol (pack sanita suspensa + tampo);

ii. Fornecimento e montagem de duas placas de descarga Sanindusa com tampa em inox;

iii. Fornecimento e montagem de dois autoclismo SANSLIMP/SAN;

iv. Fornecimento e montagem de dois sifões de pavimento com tampa em inox;

v. Fornecimento e montagem de dois packs Área 51 (móvel, lavatório e espelho);

vi. Fornecimento e montagem de duas misturadoras de duches Sanindusa série Master 40, em cromado;

vii. Fornecimento e montagem de dois resguardos em vidro temperado de 10mm, com 2mx0,80m, para duche, com fixaçõe sem inox;

viii. Fornecimento e montagem de quatro misturadoras de lavatório Sanindusa, série Master 40, em cromado;

ix. Fornecimento e execução de pavimento interior e exterior, com 100 ladrilhos de 60x60cm;

x. Fornecimento e execução de doze metros quadrados de rodapé;

xi. Fornecimento e execução de revestimento de paredes (30 m2);

c. Carpintarias

i. Fornecimento e montagem de três portas de abrir (interior):

ii. Fornecimento e montagem de um armário na sala, interior, em aglomerado;

iii. Fornecimento e montagem de uma porta de correr no armário do quarto;

iv. Fornecimento e montagem de duas porta de correr no quarto;

d. Equipamentos (Ar condicionado e pavimento radiante)

i. Fornecimento e montagem de sistema de ar condicionado Daikin, para quartos e sala;

ii. Fornecimento e montagem de pavimento radiante em todas as divisões;

iii. Fornecimento e montagem de caldeira a instalar na varanda na zona da nova bancada exterior;

e. Tomadas, interruptores e iluminação interior

i. Fornecimento e montagem de tomadas e interruptores completos (caixa e espelho) Efapel, branco, incluindo remoção de todos os equipamentos existentes;

ii. Fornecimento e montagem de luminária interior de teto, tipo spot, encastrado com lâmpada,

f. Guardas de vidro para aplicar no exterior.

2. Foi acordado um prazo para execução dos trabalhos de três meses e um preço de 57.215,02 EUR, tendo sido acordado que o valor seria pago conforme o desenvolvimento dos trabalhos.

3.No decurso da obra foram acordadas alterações aos trabalhos relativos às instalações sanitárias, referidos no § 1.º, al, b) acima, que passaram a ser os seguintes:

a. Fornecimento e montagem de uma sanita, tanque de descarga exterior e assento

b. Fornecimento e montagem de um bidé;

c. Fornecimento e montagem de dois sifões de pavimento, com tampa em inox;

d. Fornecimento e montagem de um móvel de casa de banho com lavatório, espelho e luminária;

e. Fornecimento e montagem de duas misturadora de duche Sanindusa, série Master 40, em cromado;

f. Fornecimento e montagem de um resguardo em vidro temperado de 10mm, com 2mx1,40m, para duche, com fixaçõe sem inox;

g. Fornecimento e montagem de uma torneira de bidé;

h. Fornecimento e execução de pavimento interior e exterior, com 100 ladrilhos de 60x60cm;

i. Fornecimento e execução de doze metros quadrados de rodapé.

j. Fornecimento e execução de revestimento de paredes (30 m2).

4. Foi também alterado o trabalho referente às guardas de vidro para o exterior, que passou a ter incluído prumos de inox.

5. Face a estas alterações, as partes acordaram um novo preço de 49.356,76 EUR, em 21/12/2021.

6. Nesta altura, havia um atraso no fornecimento das carpintarias [§ 1.º, al. c)], a que a Requerente era alheia, e que era do conhecimento da Requerida.

7. Para além das referidas alterações aos trabalhos iniciais, durante o período de execução dos trabalhos, entre outubro e novembro, foram acordados entre as partes os seguintes trabalhos adicionais, com o preço total de 2.706 EUR:

a. Demolir a bancada e todos os trabalhos inerentes;

b. Abertura e fecho de vala para acomodar negativo para a instalação de serviço da MEO;

c. Execução de novo murete;

d. Remoção das portada sem madeira existentes e retificação das

paredes onde as mesmas se localizavam, e

e. Fornecimento e montagem de armário exterior em alumínio para albergar termocumulador e máquina de lavar roupa.

8. No início de 2022, a Requerida informou a Requerente de que não queria que esta acabasse a obra e que não ia pagar mais nada, deixando a Requerente, desde essa altura, de ter acesso à obra.

9. Dos trabalhos acordados, apenas ficaram por fornecer e instalar as carpintarias, no valor de 1.600 EUR. 10. Pelos trabalhos que foram realizados pela Requerente (isto é, os indicados nos §§ 1.º a), d), e) e f), 3.º, 4.º e 7.º), ficou por pagar o valor de 9.856,76 EUR. 11. Em face do exposto, requer-se a V. Exa. admita os esclarecimentos acima prestados.

6º. AA, ré identificada no processo em epígrafe, notificada para exercer o contraditório relativamente aos novos factos alegados pela autora, deduziu a seguinte oposição, apresentada, é verdade, fora do prazo legal:

Por exceção dilatória

7º. A autora, na verdade, não vem concretizar os factos alegados no requerimento inicial de injunção no qual apenas enunciou o seguinte:

1. Em 13/9/2021, a requerente e a requerida celebraram um contrato de empreitada, através do qual a primeira se obrigou a realizar obras de remodelação de uma moradia unifamiliar sita em Vale do Lobo.

2. As partes acordaram que o valor a pagar pelos trabalhos seria 49.356,76 EUR, com IVA incluído.

3.Pelos trabalhos realizados, tendo sido interpelada para o efeito, a Requerente ainda não pagou a quantia de 9.856,76 EUR, a qual se encontra titulada pela Fatura n.º1 2022/48.

4. Desta forma, requer-se o pagamento da quantia de 9.856,76 EUR, acrescida dos juros, à taxa legal em vigor, vencido, os quais totalizam nesta data o montante de 340,26 EUR, bem como os vincendos até efetivo e integral pagamento.

8º. O requerimento injuntivo com que estamos confrontados contém, na verdade, um enunciado fáctico, não apenas deficiente, por manifestamente insuficiente, impreciso, mas também obscuro por conclusivo.

9º. O âmbito do convite ao aperfeiçoamento que transparece do douto despacho consiste em suprir a deficiente exposição da matéria de facto alegada, designadamente quanto ao clausulado do contrato de empreitada, trabalhos a realizar, prazo da realização dos mesmos, data/prazo de pagamento do respetivo preço.

10º. A autora, entretanto, aproveitou o ensejo e, exorbitando o convite que o tribunal lhe dirigiu, alterou a petição, que inicialmente tinha sete linhas e passou a ter cento e sete linhas.

11º. A autora, ao invés de prestar quaisquer esclarecimentos sobre a sua pretensão, vem completamente alterá-la, tornando-a absolutamente confusa, enunciando factos e pormenores excessivos e de tal modo extensos e diferentes da injunção, base do pedido, que de forma alguma se coadunam com a matéria factual do requerimento inicial injuntivo, mais parecendo uma situação de facto diferente. Na verdade, não se pode corrigir o que não existe.

12º. O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, nºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada. As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º e 265.º, do CPC).

De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza- se quanto ao objetivo e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objetiva ou subjetiva (conforme, neste sentido, acórdão da relação de Lisboa, de24-01-2019, proc.n.º573/18.1T8SXL.L, estando disponível em www.dgsi.pt).

13º. O vício de ineptidão que afeta a petição inicial, por falta de indicação de causa de pedir, também não é suscetível de suprimento, através de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do dispositivo no artigo 590.º n.ºs 2, alínea a) e b), do CPC, na medida em que não se pode corrigir ou aperfeiçoar o que não existe. O vício é tão grave, que não há remédio (cfr. Acórdão do TRP, de 08-10-2015, proc. 855/12.6TBSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt).

14º. As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC). O aperfeiçoamento do articulado apenas pode ter por objeto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões, ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio do dispositivo (art.º 5º do C.P.C.). Como se refere no acórdão da Relação do Porto, de 16.06.2009, não pode invocar-se ‘ex novo’ por ocasião da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, pois que este não está previsto na lei com o objetivo de suprir uma qualquer omissão factual de que dependesse, na ação, o reconhecimento do direito invocado.

15º. A nova petição há-de ser um aperfeiçoamento da anterior, de modo que entre uma e outra só devem existir as diferenças destinadas a corrigir com a segunda o vício da primeira.

Ainda no sentido de que o convite ao aperfeiçoamento dos articulados abrange apenas deficiências meramente formais na exposição da matéria de facto e não serve para suprir omissões relativas ao ónus de alegação em matéria de facto, veja-se o acórdão da relação do Porto, de 17.11.2009.

16º. Assim, deverá ter-se por não escrito, tudo o que no segundo articulado apresentado vai para além do que foi determinado no despacho de aperfeiçoamento (esclarecimento do pedido), com manifesta violação dos parâmetros imperativos enunciados no n.º6 do artigo 590.º CPC.

17º. Na resposta ao despacho de aperfeiçoamento, não pode o autor apresentar um aditamento ou correção do seu articulado inicial, que conduza a uma alteração do pedido ou da causa de pedir, não sendo admissível, por esta via, o suprimento de uma petição inepta, nem a convolação para uma causa de pedir diferente da inicialmente invocada.

18º. O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir. De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art. 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza- se quanto ao objeto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objetiva ou subjetiva (conforme, neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa, de 24-01-2019, Proc. n.º 573/18.1T8SXL.L1-6, por nós relatado, disponível em www.dgsi.pt).

13º. Pelo motivo de a demandada não ter exercido em tempo o contraditório relativamente aos novos factos alegados pela autora no cumprimento do despacho de aperfeiçoamento, o Tribunal a quo julgou provados tais factos e ditou a sentença, ora recorrida (ref. 136529511), condenando a ré AA a pagar à autora a quantia de €9.856,76, acrescidos de juros moratórios à taxa legal cível desde a citação até integral pagamento, nos termos e fundamentos dados por integralmente reproduzidos, sem necessidade, com todo o respeito, de os reproduzir.

14º. Consigna-se que a autora não juntou aos autos qualquer fatura relativa ao contrato de empreitada e trabalhos realizados ou qualquer contrato escrito.

15º. Salvo melhor entendimento, e com todo o respeito, considerando-se que as exceções dilatórias são de conhecimento oficioso, o Tribunal a quo, antes de proferir a douta sentença condenatória, haveria de pronunciar-se acerca das exceções dilatórias, nos termos supra expostos, absolvendo a ré da instância, independentemente e antes de ser considerado sem efeito o requerimento de resposta da requerida.

Nestes termos, com fundamento no exposto e nos mais de direito, deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, julgando-se verificadas as exceções dilatória inonimadas deduzidas de falta de condição da ação (inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, 10 de Maio) e de falta de pressuposto processual (salvo melhor opinião - inexistência de fatura inerente ao contrato de empreitada), documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da ação), absolvendo-se a ré da instância, com todas as consequências legais.

Assim se fará justiça”.

4. Contra-alegou a Autora defendendo a improcedência do recurso.

5. Sendo certo que o objecto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações do apelante (cfr. artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), as únicas questões cuja apreciação as mesmas convocam são as seguintes:

1. Da (in) aplicabilidade aos autos do regime do DL n.º 62/2013, de 10 de Maio;

2. Consequências da omissão da junção da factura referente ao valor reclamado nos autos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

6. É o seguinte o quadro fáctico assente na decisão recorrida:


“Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:


1. Em 13/09/2021, a autora obrigou-se a realizar obras de remodelação de uma moradia unifamiliar sita em Vale do Lobo, nos seguintes termos:


a. Trabalhos gerais: i. Execução de todas as demolições, cuidadas, necessárias para o cumprimento do projeto; ii. Abertura e fecho de roços em paredes interiores, exteriores e pavimentos para cumprimento do projeto global; iii. Execução de paredes interiores; iv. Execução de tecto interior em gesso cartonado; v. Execução de barramento interior; vi. Execução de alhetas interiores verticais; vii. Execução completa de esquema de pinturas de paredes interiores; viii. Execução completa de esquema de pinturas anti-fungos de paredes interiores; ix. Execução completa de esquema de pinturas em tetos interiores; x. Execução completa de esquema de pinturas anti-fungo sem tetos interiores; xi. Fornecimento e montagem de bancada na varanda, em pedra natural, com pedra a escolher pela Requerida; xii. Fornecimento e execução de infraestrutura de águas e esgotos em todas as zonas necessárias;


b. Instalações sanitárias: i. Fornecimento e montagem de duas sanitas Sanindusa, série Sanibol (pack sanita suspensa + tampo); ii. Fornecimento e montagem de duas placas de descarga Sanindusa com tampa em inox; iii. Fornecimento e montagem de dois autoclismo SANSLIMP/SAN; iv. Fornecimento e montagem de dois sifões de pavimento com tampa em inox; v. Fornecimento e montagem de dois packs Area 51 (móvel, lavatório e espelho); vi. Fornecimento e montagem de duas misturadoras de duches Sanindusa série Master 40, em cromado; vii. Fornecimento e montagem de dois resguardos em vidro temperado de 10mm, com 2mx0,80m, para duche, com fixações em inox; viii. Fornecimento e montagem de quatro misturadoras de lavatório Sanindusa, série Master 40, em cromado; ix. Fornecimento e execução de pavimento interior e exterior, com 100 ladrilhos de 60x60cm; x. Fornecimento e execução de doze metros quadrados de rodapé; xi. Fornecimento e execução de revestimento de paredes (30 m2);


c. Carpintarias: i. Fornecimento e montagem de três portas de abrir (interior): ii. Fornecimento e montagem de um armário na sala, interior, em aglomerado; iii. Fornecimento e montagem de uma porta de correr no armário do quarto; iv. Fornecimento e montagem de duas porta de correr no quarto;


d. Equipamentos (Ar condicionado e pavimento radiante): i. Fornecimento e montagem de sistema de ar condicionado Daikin, para quartos e sala; ii. Fornecimento e montagem de pavimento radiante em todas as divisões; iii. Fornecimento e montagem de caldeira a instalar na varanda na zona da nova bancada exterior;


e. Tomadas, interruptores e iluminação interior: i. Fornecimento e montagem de tomadas e interruptores completos (caixa e espelho) Efapel, branco, incluindo remoção de todos os equipamentos existentes; ii. Fornecimento e montagem de luminária interior de teto, tipo spot, encastrado com lâmpada, e


f. Guardas de vidro para aplicar no exterior.


2. Foi acordado um prazo de execução dos trabalhos de três meses e um preço a ser pago pela ré no valor de € 57 215,02, tendo sido acordado entre as partes que o valor seria pago conforme o desenvolvimento dos trabalhos.


3. No decurso da obra foram acordadas alterações aos trabalhos relativos às instalações sanitárias que passaram a ser os seguintes: a. Fornecimento e montagem de uma sanita, tanque de descarga exterior e assento b. Fornecimento e montagem de um bidé; c. Fornecimento e montagem de dois sifões de pavimento, com tampa em inox; d. Fornecimento e montagem de um móvel de casa de banho com lavatório, espelho e luminária; e. Fornecimento e montagem de duas misturadora de duche Sanindusa, série Master 40, em cromado; f. Fornecimento e montagem de um resguardo em vidro temperado de 10mm, com 2mx1,40m, para duche, com fixações em inox; g. Fornecimento e montagem de uma torneira de bidé; h. Fornecimento e execução de pavimento interior e exterior, com 100 ladrilhos de 60x60cm; i. Fornecimento e execução de doze metros quadrados de rodapé, e j. Fornecimento e execução de revestimento de paredes (30 m2).


4. Foi também alterado o trabalho referente às guardas de vidro para o exterior, que passou a ter incluído prumos de inox.


5. Face a estas alterações, as partes acordaram que o preço total a ser pago pela ré seria de € 49 356,76 (com IVA incluído).


6. Nesta altura, havia um atraso no fornecimento das carpintarias [§ 1.º, al. c)], a que a autora era alheia, e que era do conhecimento da ré.


7. Para além das referidas alterações aos trabalhos iniciais, durante o período de execução dos trabalhos, entre outubro e novembro, foram acordados entre as partes os seguintes trabalhos adicionais, com o preço total de 2.706 EUR: a. Demolir a bancada e todos os trabalhos inerentes; b. Abertura e fecho de vala para acomodar negativo para a instalação de serviço da MEO; c. Execução de novo murete; d. Remoção das portadas em madeira existentes e retificação das paredes onde as mesmas se localizavam, e e. Fornecimento e montagem de armário exterior em alumínio para albergar termocumulador e máquina de lavar roupa.


8. No início de 2022, a ré informou a autora de que não queria que esta acabasse a obra e que não ia pagar mais nada, deixando a Requerente, desde essa altura, de ter acesso à obra.


9. Dos trabalhos acordados, apenas ficaram por fornecer e instalar as carpintarias, no valor de 1.600 EUR.


10. A ré não procedeu ao pagamento da quantia de € 9 856,76, a qual se encontra titulada pela Fatura n.º 1 2022/48. [artigo 3.º do Requerimento de Injunção]


11. Em 30/11/2023, a autora apresentou no Balcão Nacional de Injunções o requerimento de injunção.

7. Do mérito do recurso

1. Da (in) aplicabilidade aos autos do regime do DL n.º 62/2013, de 10 de Maio.

Como se viu, a ora recorrida para efectivar a cobrança de um crédito emergente de um contrato de empreitada que detinha sobre a recorrente lançou mão de um dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância previstos no D.L. 269/98, de 1 de setembro: a injunção.

O artº. 1º deste diploma que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância , prevê a aprovação do “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”.


Por sua vez, o artº. 7º de tal regime define o conceito de injunção, no sentido de ser “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.


A providência injuntiva é, deste modo, aplicável:


- A requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €;


- A obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL nº. 32/2003, de 17/02 que foi, posteriormente, revogado pelo D.L. 62/2013, de 10 de Maio.


Dispõe, por seu turno, o nº1 do art.º 2º deste último diploma, ser o mesmo aplicável “a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais” e o nº2 do mesmo artigo estabelece que: “São excluídos do âmbito de aplicação do presente diploma:


a) Os contratos celebrados com consumidores;


b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais;


c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros.”.


A circunstância de a Ré ser uma pessoa singular não é obstativo a que se considere estarmos perante uma transacção comercial já que uma transacção comercial, na definição do do artº. 3º é uma “qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”, sendo que por empresa dever-se-á entender “qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular”.


Dos autos não resulta, outrossim, que a Ré tenha a qualidade de consumidora, i.e. pessoa a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça, com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios (artº 2 nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho – Lei de Defesa do Consumidor (LDC)).


Por conseguinte, perante a matéria fáctica apurada ( e alegada) não se pode considerar que o contrato de empreitada que esteve na origem da dívida aqui reclamada esteja excluído da aplicação do D.L. 62/2013, de 10 de Maio.


Termos em que improcede este fundamento recursório.

2. Consequências da omissão da junção da factura referente ao valor reclamado nos autos.

A apelante configura a existência de factura como um pressuposto processual.

Desde já se diga que não o é.

Com efeito, pressupostos processuais são aqueles cuja verificação tem a ver com a própria constituição da relação processual, não somente aqueles cuja falta apenas impede que o tribunal se ocupe do mérito da causa1.

Dentro da categoria geral dos pressupostos processuais, entendidos no sentido referido, é de distinguir entre:

• os pressupostos processuais relativos às partes: a personalidade judiciária; a capacidade judiciária; a legitimidade; o patrocínio judiciário quando obrigatório e o interesse processual;

• os pressupostos processuais relativos ao tribunal: a competência internacional e a competência interna;

• os pressupostos processuais relativos ao objeto do processo: existência de objeto processual e não verificação de litispendência e de caso julgado.

Ora bem: a factura documenta a venda de um bem ou a prestação de um serviço e a sua emissão é obrigatória nos termos previstos no art.º 29º, nº1, b) do CIVA.

Porém, a obrigação de pagar o preço da venda do bem ou da prestação do serviço não emerge da emissão da factura mas, sim, da celebração do contrato.

A emissão da factura condiciona apenas a obtenção do pagamento do valor correspondente ao IVA, ou seja, a emissão da factura funciona como condição de exigibilidade legal do valor desse mesmo imposto e da condenação no seu pagamento.

Porém, revendo a matéria provada constata-se que resulta evidenciada a própria emissão da factura referente à dívida dos autos.

Com efeito, no ponto 10. pode ler-se que: “A ré não procedeu ao pagamento da quantia de € 9 856,76, a qual se encontra titulada pela Fatura n.º 1 2022/48”.

Tendo em consideração o teor de tal facto – que não foi impugnado e por isso se mantém incólume- facilmente se alcança que este fundamento recursório da apelante também não tem como singrar, pelo que o pagamento em que foi condenada é indeclinável.

III. DECISÃO


Por todo o exposto, se acorda em julgar improcedente a apelação e se mantém a sentença recorrida.


Custas pela apelante.


Évora, 13 de Novembro de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Elisabete Valente


Manuel Bargado

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1. Neste sentido, Rita Lobo Xavier e outros in “ELEMENTOS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, TEORIA GERAL, PRINCÍPIOS, PRESSUPOSTOS”, 2ª ed., Universidade Católica Editora Porto, pag.174-175.↩︎