ADJUDICAÇÃO
VENDA EXECUTIVA
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
VALOR
AVALIAÇÃO
Sumário

Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. Contrariamente ao que sucede na modalidade de venda em carta fechada, em que se exige o acordo de exequente, do executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender, para a venda por valor inferior ao previsto no n.º 2 do art.º 816º, na modalidade de venda em negociação particular já não existe tal restrição.
II. Daí que, na falta de acordo, ouvidas as partes e acautelados os respectivos interesses, possa ser autorizada a venda por valor inferior ao valor base e bem assim ao previsto no n.º 2 do artigoº 816º do Código de Processo Civil, fazendo-se, para tanto, uma ponderação casuística, entre o interesse do executado em ver o seu bem vendido por um preço justo e o interesse do exequente em ver-se ressarcido do seu crédito no mais curto prazo possível.
III. Não deve ser autorizada a venda por € 1.518.900,00, proposta pelo exequente em negociação particular, de prédio, avaliado em € 3.300.000,00, em 2022, integrado por imóveis destinados a empreendimento turístico, próximo de zona de forte implantação turística, quando, em face dos concretos factos apurados e das circunstâncias em que decorreram as diligências tendentes à venda, se conclui não haver elementos que permitam concluir ser o valor proposto o valor actual de mercado do imóvel e que não é possível obter preço superior.
IV. Neste contexto, justifica-se a realização de nova avaliação, nela se tendo em conta o actual estado do prédio, apurando-se o seu valor na conjuntura económica actual, com vista à venda do mesmo pelo melhor preço.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 379/20.8T8LLE-C.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. Quinta da Local 1 – Turismo Rural, Lda., executada nos autos em referência, em que é exequente Banco Santander Totta, SA., interpôs recurso do despacho de 01/07/2024, que, apreciando o requerimento do agente de execução apresentado, em 15/04/2024, deferiu a adjudicação ao exequente do imóvel penhorado pelo valor proposto de € 1.518.900,00.


2. A Executada pretende a alteração do despacho recorrido, nos termos e com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões do recurso:

1. A decidida adjudicação ao exequente do imóvel penhorado por valor (muitíssimo) inferior ao valor base da avaliação promovida nos autos é ilegal por violação nº 3 do artigo 799º.

2. Mesmo que assim não se entenda, não estão reunidas as condições para que o imóvel penhorado nos autos possa vir a ser transaccionado, mediante autorização judicial, por preço inferior ao seu valor base (por não haver acordo entre os interessados). Porquanto:

3. O valor proposto é muito inferior ao valor real de mercado do imóvel penhorado (menos de metade).

4. O mesmo não foi penhorado há muito tempo.

5. As diligências de venda (na plataforma eleilões) decorreram durante um curto período de tempo.

6. E não foram utilizados outros meios de promover a sua venda.

7. Não resulta do processo a impossibilidade de se vender o imóvel penhorado pelo seu real valor de mercado.

8. Nem se constata que a avaliação pericial padeça de alguma imprecisão.

9. Pelo que é ilegal a decisão em crise, que deve por isso ser revogada e substituída por outra que indefira a requerida adjudicação.


3. Contra-alegou o Exequente/recorrido, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.


4. Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, a questão a decidir consiste em saber se, na sequência da frustração da venda em leilão electrónico do imóvel penhorado e, depois, procedendo-se à venda por negociação particular, pode o imóvel ser adjudicado ao exequente por valor inferior ao valor base, e, em caso afirmativo, se, nas circunstâncias do caso concreto, deve ser autorizada a venda pelo valor proposto.


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III – Fundamentação


A) - Os Factos


Na 1ª instância foram considerados os seguintes factos relevantes para a decisão:

1. Em 16/3/2020 foi efectuada a penhora do prédio descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Cidade 1 sob o n.º 1978/19920103 da Freguesia Local 1;

2. Por decisão do agente de execução procedeu-se a uma avaliação do prédio, em que foi apurado o valor de 3.300.000,00 euros;

3. Por decisão do agente de execução de 15/6/2022 foi determinada a venda do bem penhorado acima referido, em leilão electrónico, pelo preço base de 3.300.000,00 euros e com o preço mínimo a anunciar para a venda fixado em 85 % desse valor;

4. O leilão electrónico decorreu entre os dias 20/8/2022 e o dia 12/10/2022, sem que fossem apresentadas quaisquer propostas;

5. Por decisão do agente de execução de 31/10/2022 foi determinado o prosseguimento da venda na modalidade de negociação particular na plataforma do leilão electrónico (e-leiloes);

6. O leilão electrónico encerrou em 22/11/2022, tendo sido apresentada uma única proposta no valor de 1.650.000,00 euros em nome de AA (cfr. comunicação do agente de execução);

7. Não obstante as diligências encetadas pelo agente de execução não foi possível comunicar com o proponente AA inviabilizando a venda do bem em negociação particular (cfr. comunicação do agente de execução);

8. No âmbito das diligências de venda em negociação particular, o agente de execução foi contactado por duas diferentes pessoas, as quais, porém, não apresentaram qualquer proposta de compra (cfr. comunicação do agente de execução).

9. Por requerimento apresentado em 5/12/2022 o sr. Agente de execução veio requerer autorização para a venda ao exequente do bem penhorado e pelo preço de 1.518.900,00 euros, alegando que se frustraram as diligências de venda realizadas.

10. Por despacho proferido em 21/11/2023 foi decidido não autorizar a venda do bem pelo valor proposto e foi determinado que o agente de execução prosseguisse com as diligências de venda por forma a obter melhor preço.

11. Por decisão do agente de execução de 23/11/2023, foi decidido prosseguir a venda em negociação particular, a decorrer a venda na plataforma do leilão electrónico e até ao dia 13/12/2023.

12. No prazo em que decorreu a venda como acima referido foi apresentada uma única proposta e com o valor de 1.650.000,00 euros, no entanto, sem que o proponente depois respondesse aos contactos do agente de execução ou depositasse o preço - cfr. certidão do leilão junta aos autos e comunicação do agente de execução de 15/4/2024.

13. Após o encerramento do leilão acima referido, no período até 28/3/2024, diversas pessoas manifestaram interesse na compra, porém, nunca tendo apresentado qualquer proposta de aquisição- cfr. comunicação do agente de execução de 15/4/2024.

14. Após 28/3/2024 não se apresentou qualquer outro interessado-cfr. comunicação do agente de execução de 15/4/2024.

*


B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. A questão decidenda, como se referiu, consiste em saber se, na sequência da frustração da venda em leilão electrónico do imóvel penhorado e, depois, procedendo-se à venda por negociação particular, pode o imóvel ser adjudicado ao exequente por valor inferior ao valor base, e, em caso afirmativo, se, nas circunstâncias do caso concreto, deve ser autorizada a venda pelo valor proposto.


2. Não subsistem dúvidas de que, em face do disposto no artigo 799º, n.º 1 e 3, e 816º, n.º 2, do Código de Processo Civil, é permitido ao exequente requerer que lhe seja adjudicado o imóvel penhorado para pagamento total ou parcial do seu crédito, não podendo o valor indicado ser inferior ao valor mínimo para a venda, que corresponde a 85% do valor base.


Deste modo, tendo o valor base sido fixado para a venda em leilão electrónico em € 3.300.000, em face da avaliação efectuada, o valor mínimo fixado para a venda era de € 2.805.000,00 [€ 3.300.000,00 x 85%].


Por conseguinte, o valor proposto pelo exequente, de € 1.518.900,00, era muito inferior ao valor mínimo anunciado para a dita venda.


3. Porém, não estamos em presença de uma mera adjudicação de bens ao exequente, em que o pedido tenha sido formulado e deva ser considerado ao abrigo das normas do artigo 799º, n.º 1 e 3, e 816º, n.º 2, do Código de Processo Civil, posto que o pedido de “adjudicação” em causa foi apresentado no decorrer da venda por negociação particular, na sequência da frustração da venda em leilão electrónico, pelo que se entende, como se refere na decisão recorrida, que, neste caso no pedido de adjudicação do bem ao exequente não é obrigatório que seja respeitado o valor mínimo correspondente a 85 % do valor base (portanto, 2.805.000,00 euros), nem serão de observar as regras relativas a publicidade e abertura de propostas perante o juiz previstas no regime estabelecido nos artigos 799º a 802º do Código de Processo Civil, daí que, a decisão sobre o pedido de adjudicação nesta fase caiba ao agente de execução e, sendo o valor oferecido inferior ao valor mínimo para a venda, a adjudicação carece de prévia autorização judicial.


Assim, caso o pedido de adjudicação surja numa fase processual em que esteja a decorrer a venda por negociação particular, como sucedeu, esse pedido de adjudicação deverá ser enviado ao próprio encarregado da venda, ou ao agente de execução, que deverá remetê-lo ao encarregado da venda, quando as funções não estejam concentradas no agente de execução, “…, o qual deverá tratá-lo como mais uma oferta de aquisição (mais uma proposta para a dita venda por negociação particular), que será aceite caso seja a que oferece o preço mais alto - e após o natural contraditório das partes (exequente, executados e credores reclamantes). Corresponderá, pois, e em certa medida, ao preço que o mercado, naquela altura, está disposto a oferecer. Como que corresponde ao valor comercial (de mercado), que o bem terá nesse momento - como que uma actualização forçada do valor do bem, até porque apenas em sede de propostas em carta fechada é que funciona, na sua plenitude, a obrigatoriedade, da fixação do valor-base nos termos previstos no n.º 2 do artigo 816.º” (cf. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2017, 2ª edição, págs. 447-448).


No mais, como salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, pág. 252-253): “A jurisprudência tem vindo a entender que na venda por negociação particular é possível transaccionar o imóvel por preço inferior ao valor base e, mesmo, ao valor mínimo anteriormente anunciado para a venda por propostas em carta fechada, ainda que, pelo menos nos casos em que não haja acordo entre todos os interessados (que pode ser tácito – RC 8-3-18, 7867/11), seja necessária autorização judicial (RP 11-2-20, 1929/11, RC 26-2-19, 1594/09, RC 8-3-18, 7867/11, RC 16-5-17, 957/12, RL 21-1-16, 57/10, RC 8-3-16, 1037/10, RP 24-9-15, 1951/12, RL. 18-6-15, 5940/10 e RL 25-9-14, 512/09). Cabe ao agente de execução dirigir requerimento ao juiz, com explicitação das diligências efectuadas para a venda, relato das propostas que obteve, características do bem e posição assumida pelos interessados, a fim de habilitar o juiz a decidir. A autorização judicial deve ponderar os interesses em causa, designadamente a inexistência de outras propostas de aquisição do bem durante período razoável de tempo desde a sua colocação à venda, a conjuntura económica, as qualidades do bem e potencialidade da sua venda, a eventual desvalorização sofrida e os valores de mercado da zona (RC 26-2-19, 1594/09, RC 16-12-15, 2650/08 e RP 5-5-16, 6622/12, www.colectaneadejurisprudencia.com).


Em idêntico sentido, veja-se ainda, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08/03/2018 (proc. n.º 7867/11.5TBSTB-B.E1), disponível como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt, que: «A venda por negociação particular de imóvel penhorado pode ser validamente efectuada por valor inferior ao valor base do bem fixado para a venda por propostas em carta fechada, que se frustrou, desde que: i) haja acordo de todos os interessados; ou ii) caso tal não ocorra, exista um despacho judicial que pondere as circunstâncias pelas quais apenas foi obtido pelo encarregado da venda um valor inferior ao inicialmente fixado, e decida se, em face das mesmas, é de autorizar a venda pelo valor proposto, assim assegurando a defesa de todos os interesses em presença».


Em síntese, contrariamente ao que sucede na modalidade de venda em carta fechada, em que se exige o acordo de exequente, do executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender, para a venda por valor inferior ao previsto no n.º 2 do art.º 816º, na modalidade de venda em negociação particular já não existe tal restrição. Daí que, ouvidas as partes e acautelados os respectivos interesses, possa ser autorizada a venda por valor inferior ao valor base e bem assim ao previsto no n.º 2 do art.º 816º do Código de Processo Civil.


Deste modo, não assiste razão ao executado quando diz que não podia ser autorizada a venda ao exequente por valor inferior ao valor mínimo a que se reportam nos artigos 799º, nº 3, e 816º, n.º 2, do Código de Processo Civil.


4. Importa agora averiguar se estão reunidas as circunstâncias que justifiquem a autorização da venda ao exequente do prédio penhorado pelo valor proposto, que é bastante inferior ao valor da avaliação.


Na decisão recorrida respondeu-se afirmativamente, convocando-se a seguinte fundamentação:

«No caso dos autos, foi indeferido o pedido de venda do bem apresentado em 5/12/2022 por se entender que não obstante as diligências realizadas e a frustração da venda na modalidade de leilão electrónico e em negociação particular, ainda se justificava um esforço adicional, tendo em conta que a melhor proposta apresentada correspondia apenas a cerca de 54 % do valor mínimo para a venda e acrescendo que o imóvel esteve para venda apenas durante cerca de 3 meses.

Assim, o agente de execução voltou a promover a venda em negociação particular e com a publicidade decorrente do recurso à plataforma e-leilões, assim como realizou diligências subsequentes, tudo sem que fosse apresentada qualquer proposta, para além de apresentada na segunda tentativa de venda em negociação particular, e que não teve seguimento em face da impossibilidade de contacto com o proponente.

Daqui resulta que não obstante as novas diligências de venda realizadas pelo agente de execução e decorridos mais 5 meses, continuam a não existir interessados na compra do prédio penhorado.

Por isso, indeferir de novo a adjudicação ao exequente pelo valor proposto e impor que pela terceira vez se tente a venda em negociação particular, quando até ao momento inexistem interessados na compra, traduzir-se a num inaceitável prejuízo para o credor.

É certo que a executada se opõe à pretensão do exequente, sustentando que o valor oferecido é inferior ao valor mínimo de venda. No entanto, dada a inexistência de interessados, a seguir a posição da executada, seria protelar a venda indefinidamente, sem qualquer perspectiva de quando seria possível realizar essa venda.

Por conseguinte, tendo em conta as diligências suplementares realizadas, entende-se que será de deferir a requerida adjudicação ao exequente e pelo valor proposto.»

Vejamos:


5. Como resulta dos autos, o bem em causa, é um prédio misto, designado por “Hotel Rural da Local 1”, e foi avaliado em 15/06/2022, tendo sido apurado o valor de € 3.300.000,00, não constando que haja sido impugnado (cfr. relatório de avaliação).


Apesar de ter sido tentada a venda em leilão electrónico (que decorreu entre 20/08/2022 e 12/10/2022) e, por duas vezes, tentada a venda por negociação particular, a primeira, na sequência da frustração da venda em leilão electrónico e, a segunda, que decorreu na plataforma do leilão electrónico, por decisão do agente de execução, de 23/11/2023, até ao dia 13/12/2023, após não ter sido autorizada a venda ao exequente do bem penhorado pelo valor proposto e tendo-se determinado que o agente de execução prosseguisse com as diligências de venda, por forma a obter melhor preço (cf. despacho de 21/11/2023), certo é que não foi concretizada melhor proposta.


Também se verifica que, após o encerramento deste último leilão e até 28/03/2024, apesar de terem surgido diversas pessoas interessadas, não foi apresentada qualquer proposta, como refere o agente de execução na informação de 15/04/2024.


O valor de € 1.518.900,00, proposto pelo exequente para aquisição do imóvel no decorrer da venda para negociação particular, é, de facto, bastante inferior ao valor mínimo previsto no n.º 2 do artigo 816º do Código de Processo Civil, que é de € 2.805.000,00 (85% da avaliação de € 3.300.000,00), e, embora o exequente tenha referido que a proposta apresentada decorre de recente avaliação que mandou fazer ao imóvel (cf. requerimento de 04/01/2023), não a conhecemos [a avaliação que consta dos autos principais mandada fazer pelo exequente data de 27/11/2020 (junta com o requerimento de 13/05/2022), sendo, portanto, anterior à avaliação feita no processo, em 15/06/2022. Naquele relatório atendeu-se às incertezas decorrentes da recente crise pandémica, referindo-se, em sede de conclusão, que “[e]m face da recente situação pandémica, o mercado não assistiu ainda a um período de exposição suficientemente extenso nestas condições, nem as partes têm suficiente conhecimento, inerente à actual incerteza e ausência de evidencias e projecções objectivas quanto à evolução”), e constam apurados os seguintes valores: - Valor para efeitos de Garantia Hipotecária 1.928.390 €; - Valor de Venda Forçada 1.498.400 €; - Valor Expectável de Mercado 3.531.490 €; - Valor de Seguro 3.605.000 €]. (sublinhado nosso)


6. Como se ponderou no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/11/2023 (proc. n.º 950/17.5T8CHV-C.G1):


«(…) 3. Não existe um valor juridicamente definido como o valor real do imóvel. O valor do imóvel é determinado pelo mercado, ou seja, pelo jogo da oferta e da procura. O valor do imóvel é o valor que os compradores estiverem dispostos a dar por ele, num determinado momento.


4. O Juiz deve buscar o equilíbrio entre encontrar o melhor valor para a venda e o tempo que é razoável esperar por ele: se se pode afirmar que vale a pena esperar até que o mercado se altere e o preço do imóvel suba, não é menos verdade que o tempo tem também ele sempre um impacto negativo sobre o imóvel, que envelhece e pode deteriorar-se.»


E entre os interesses em conflito avulta o interesse do exequente em cobrar o seu crédito no período de tempo mais curto possível, e o interesse do executado em não ver o seu património executado por valor inferior apenas pela urgência na efectivação do direito do credor.


Por outro lado, o decurso do tempo, como se diz no aresto supra citado, tem impacto negativo sobre o imóvel, dada a possibilidade de deterioração do mesmo, havendo sempre o risco de não se vir a lograr obter preço superior, não parando a dívida exequenda de aumentar, o que se mostra contrário aos interesses da executada.


7. Em prol da pretendida autorização, importa ponderar, que a penhora foi efectuada em 16/03/2020, as várias diligências relacionadas com a venda do imóvel decorrem desde 16/06/2022, data em que foi determinada a venda do bem penhorado em leilão electrónico, e no relatório da venda de 15/04/2024, junto aos autos pelo agente de execução, estão elencadas todas as diligências efectuadas relativas às tentativas de venda do imóvel realizadas após 23/11/2023, ou seja, na sequência da anterior rejeição do pedido de aceitação da proposta do exequente, que levaram à apresentação, pela 2ª vez, do pedido de autorização da aceitação daquela proposta, invocando-se dificuldade na obtenção de melhor proposta, «… atendendo à:

1. Frustração da venda publicitada no e-leilões;

2. Frustração da venda por negociação particular publicitada no e-leilões;

3. Frustração da venda nas plataformas Casa Sapo e Idealista;

4. Inúmeros contactos e visitas ao imóvel sem que tivesse existido qualquer proposta de aquisição;

5. Localização do imóvel não é a mais atractiva aos interesses e ao investimento (considerando o discurso dos proponentes que foram ao local);

6. Excessivo custo das obras para conclusão do projecto.»

8. Não obstante, não podemos deixar de atender, como já se referiu, que o preço oferecido pelo exequente é muito inferior ao valor da avaliação do imóvel, que entre a avaliação e a data em que foi deferida a autorização de venda pela decisão recorrida decorreram apenas cerca de 2 anos, e que embora se aceite que nesse período tenha ocorrido alguma deterioração do imóvel, não se encontra justificação plausível para que o valor de mercado do mesmo se fixe em valor tão baixo.


Não desconhecemos que se diz no relatório de avaliação que os imóveis que integram o prédio penhorado foram construídos em 2015, estando alguns por acabar e que “o produto é de difícil comercialização uma vez que ainda não se encontra concluído”, mas tais factores, como outros, foram ponderados na avaliação.


Por outro lado, refere-se no mesmo relatório, que “o mercado encontra-se estabilizado, com alguma procura e reduzida oferta de imóveis semelhantes para venda na zona”, e como se sabe, não estamos a passar por uma época de retracção imobiliária, muito pelo contrário, sendo do conhecimento geral a elevada procura de imóveis que se faz sentir nos últimos anos no mercado, o que tem contribuído para o aumento do valor de venda dos imóveis.


E, no caso, estamos a falar de um empreendimento turístico, situado em meio rural, mas a cerca de 11 Km a noroeste de Cidade 1, portanto próximo de uma zona de forte implantação e procura turística, possuindo razoáveis acessibilidades, encontrando-se a zona servida de estacionamento, comércios e transportes públicos, como se diz no relatório de avaliação imobiliária, o que ainda valoriza mais o empreendimento.


E também não podemos deixar de ter em conta que, embora as diligências com vista à venda do prédio se tenham iniciado em 15/06/2022, os concretos actos tendentes à venda, quer a inicial, em leilão electrónico, quer as subsequentes, por negociação particular, desenrolaram-se por curtos períodos de tempo, como se vê dos factos provados.


9. Neste contexto, e ponderando os factores que militam a favor do exequente, no sentido de mais rapidamente ver satisfeito o seu crédito [que atendendo ao teor da informação do AE, de 18/07/2024, ascende a € 1.810.624,45 (aqui incluído o crédito também reclamado pelo exequente)] e o interesse da executada em ver o seu património vendido pelo justo valor, não estamos convencidos, em face dos factos apurados, que o valor proposto pelo exequente corresponda ao valor de mercado do imóvel, nem que seja expectável que a venda não venha a ocorrer por valor superior ao proposto pelo exequente, não sendo, por conseguinte de autorizar a venda em causa.


Justifica-se, sim, em face do historial de propostas apresentadas não concretizadas, que o tribunal recorrido determine nova avaliação do prédio penhorado, por forma a obter o seu valor, no seu estado actual e nas condições actuais de mercado, prosseguindo, depois os autos, com as diligências, a executar pelo agente de execução, tendentes à venda do imóvel, se necessário, por período temporal mais dilatado, e como maior publicidade.


10. Em face do exposto, procede a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, em conformidade com o supra referido.


Vencido, suportará o Recorrido as custas da Apelação.


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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]


(…)


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IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento das diligências tendentes à realização da venda do prédio penhorado, precedidas de nova avaliação do bem, como supra referido em 9.


Custas a cargo do Apelado.


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Évora, 13 de Novembro de 2025


Francisco Xavier


Maria Adelaide Domingos


Maria João Sousa e Faro


(documento com assinatura electrónica)