Sumário:
Os juízos de família e menores não são competentes, em razão da matéria, para tramitar ação declarativa instaurada após partilha efetuada em processo de inventário, homologada por sentença transitada em julgado, com vista a apurar se determinada conta bancária é bem comum do ex-casal, estando em jogo uma questão de responsabilidade civil por factos ilícitos.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, formulando os seguintes pedidos:
«a) Ser reconhecido que a importância de Eur 190.632,42 (cento e noventa mil seiscentos e trinta e dois euros), proveniente da conta bancária domiciliada no BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., Balcão Cidade 1, com o número ...204, com o NIB 0079.0000....204.29, com o IBAN PT50 0079 0000 ...204, movimentada a débito em 19/08/2010, posteriormente à separação de facto e anterior à data da propositura de acção de divórcio, constituía, com exclusão de outrem, bem comum do dissolvido casal, A. e 1.º R.;
b) Serem os RR. BB e CC condenados a restituir à A. AA a importância de Eur 95.316,21 (noventa e cinco mil trezentos e dezasseis euros e vinte e um cêntimos), correspondente à sua meação, acrescida de juros mora vencidos e vincendos à taxa legal desde o dia 19 de Agosto de 2010, data da sua apropriação ilícita e ilegítima, até efectivo e integral pagamento, fixando-se já os juros vencidos à data da interposição da acção no valor Eur 54.536,54 (cinquenta e quatro mil quinhentos e trinta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos);
c) Ser declarado e reconhecido que o 1.º R. BB perdeu o direito à importância pecuniária de Eur 95.316,21 (noventa e cinco mil trezentos e dezasseis euros e vinte e um cêntimos) em benefício da A. AA em virtude da sonegação dolosa de bem comum do dissolvido casal, condenando-se, consequentemente solidariamente os RR. no pagamento da referida importância de Eur 95.316,21 (noventa e cinco mil trezentos e dezasseis euros e vinte e um cêntimos) à A. AA.
Subsidiariamente,
d) Caso se entenda apenas serem devidos apenas juros de mora desde a citação dos RR., o que apenas se concebe por hipótese académica, requer a Autora a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de Eur 54.536,54 (cinquenta e quatro mil quinhentos e trinta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de indemnização por danos e lucros cessantes.».
Os réus contestaram, invocando, no que à economia do recurso interessa, a incompetência material do Juízo Central Cível de Santarém, considerando que «[t]endo o processo de divórcio e inventário, corrido os seus termos no juízo de Família e Menores, de Tomar, no qual fora proferida a decisão de que emerge o propósito de proceder à partilha dos bens comuns do ex-casal, sempre seria este o tribunal competente em razão da matéria nesta matéria».
A autora respondeu, concluindo pela improcedência da exceção invocada.
Foi proferida decisão, que julgou o Juízo Central Cível materialmente incompetente para os termos da presente ação, e absolveu os réus da instância.
Inconformada, a autora apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das seguintes conclusões1:
«1. Vem o presente recurso interposto da Sentença que julgou o “Juízo Central Cível materialmente incompetente para os termos da presente ação, assim se absolvendo os RR. da instância (arts. 96-a e 99/1 do C.P.C.).”
2. Entendemos não ter razão o Tribunal “a quo”.
3. (…).
4. (…).
5. (…).
6. Como vem sendo reiteradamente reafirmado na jurisprudência, a competência dos tribunais afere-se em função dos termos da acção, tendo em consideração a pretensão formulada, pelo A. e os respectivos fundamentos.
7. Tendo em conta o pedido formulado, a A. alega, em síntese, que foi casada com o 1.º R. desde o dia 03/05/2003, com convenção antenupcial, no regime da comunhão geral de bens; em 16/08/2010 saiu de casa, deixando de viver, fazer refeições e partilhar o leito conjugal com o 1.º R.; em 24/09/2010 intentou acção especial de divorcio sem consentimento do outro cônjuge, a qual foi convolada para divórcio por mútuo consentimento, tendo sido proferida sentença em 05/05/2011; que, subsequentemente, correu termos, por apenso aos autos de divórcio, inventário para separação de meações; no qual foi, por despacho datado de 05/07/2017, relacionado o saldo de conta bancária domiciliada no Banco Bic Português, com o número ...204, existente à data da propositura da acção de divórcio (*resultando desse facto menção na certidão junta sob doc. 4 com a petição inicial); que, no decurso do inventário, tomou conhecimento que não constava titular da referida conta bancária, sendo a mesma, segundo informação do Banco, titulada pelos RR., não obstante o 1.º R. sempre houvesse declarado o contrário e praticado actos que assim levaram a A. a considerar; que, desde o início do casamento, a referida conta era, em exclusivo e com exclusão de outrem, afecta à satisfação da comunhão de vida e a ser provisionada pelas economias comuns do dissolvido casal; que a 2.ºR. sempre foi alheia à movimentação da referida conta, em nada contribuindo para o seu incremento e movimentação; que, entre a data de separação de facto e a data da propositura da acção de divórcio, concretamente em 19/08/2010, os RR., de forma concertada e em comunhão de esforços, valendo-se da sua qualidade formal de titulares junto do Banco, procederam a sucessivas operações a débito, retirando um total de € 190.632,42, à margem do conhecimento e autorização da A.; engradecendo, desse modo ilícito e injustificado, o seu património à custa da A.; que tal conduta teve por propósito sonegar, no inventário, quantias pecuniárias que ambos sabiam não lhes pertencer, estando o 1.º R. plenamente ciente de que, mediante esses artifícios ilícitos, o saldo bancário relacionado nos autos de inventário correspondia a menos de 1 % do saldo real que deveria constar relacionado; que, tal actuação causou acentuados prejuízos na esfera patrimonial da A., incluindo a frustração do acréscimo patrimonial que legitimamente lhe caberia, caso os RR. não tivessem praticado os actos descritos.
8. Efectivamente, no quadro funcional descrito pela A., as condutas ilícitas atribuídas aos RR. convergiram no resultado alcançado de subtracção e apropriação indevida, concorrendo para os danos sofridos pela A., obtendo, desse modo, uma vantagem patrimonial injustificada à custa do empobrecimento da A.
9. Pelo que, ressalvada melhor opinião, e sem prejuízo do disposto no art. 5.º, n.º 3 do CPC, os factos integradores da causa de pedir são susceptíveis de preencher os pressupostos tipicizados no n.º 1 do art. 483.º do CC, ou, sempre, subsidiariamente, ao instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 473.º do CC.
10. A questão essencial que constitui objecto do presente recurso reconduz-se a saber em que tribunais reside a competência material para apreciar a presente causa: se nos Juízos de Família e Menores, como entendeu o tribunal recorrido, por apelo à norma do art. 122.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário - LOSJ); se nos Juízos Cíveis, como defende a recorrente Autora.
11. O n.º 2 do art. 122.º da LOSJ dispõe o seguinte:
“Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.”.
12. Refere a Sentença que, “Estando em causa partilha de bens comuns do casal (como é o caso do saldo bancário que a A. reclama) a competência para a tramitação da ação é do Juízo de Família e Menores e não do Juízo Central Cível, que tem uma competência residual.”
13. Ora, entende a Recorrente que o n.º 2 do art. 122.º da LOSJ se limita a atribuir a competência em razão da matéria aos tribunais de família e menores nos processos de inventário ali identificados – o que não é manifestamente o caso presente, a menos que a lei estipule de forma expressa em sentido contrário, a competência material do tribunal há-de buscar-se pela matéria discutida e não pela ligação da questão ou questões em causa no processo de inventário.
14. Não se subsumindo, como tal, a matéria em apreciação ao foro dos Juízos de Família de Menores(art. 122.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto).
15. Para a aferição da competência, deve-se atender à natureza da relação jurídica material tal como esta é apresentada em juízo, nos moldes em que esta é unilateralmente delineada pelo autor, por referência ao pedido e à causa de pedir formulados.
16. O Acórdão do Tribunal de Coimbra de 10-07-2024, proc. n.º 2566/22.5T8LRA-B.C1, in WWW.dgsi.pt, defende que a competência material para a ação declarativa de condenação, intentada na sequência da suspensão do processo de inventário para separação de meações, subsequente ao divórcio, por força da remessa para os meios comuns da decisão da questão inventarial controvertida, cabe, em regra, aos juízos de família e menores, apenas se excluindo tal competência se a situação a decidir for para além da partilha de determinado bem e a sua averiguação/resolução se impuser a outros intervenientes processuais (que não apenas os ex-cônjuges).
17. Pelo exposto, entende a Recorrente que a competência material para apreciar a presente ação reside, nos termos do disposto no artigo 117 n.º 1 al. a) da LOSJ, no Juízo Central Cível em que a mesma foi regularmente proposta.
18. A Decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 40, 117 e 122 da LOSJ.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser revogada a sentença de primeira instância, e em consequência mandando-se prosseguir a ação, pois que, não se verifica a incompetência material do Juízo Central Cível.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir é a referente à competência material do tribunal.
III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Dão-se aqui por reproduzidos os factos processuais acima descritos no relatório.
O DIREITO
Entende a recorrente, ao invés do decidido, que é o Juízo Central Cível de Santarém o competente em razão da matéria para julgar a presente ação, e não o Juízo de Família e Menores. Vejamos, pois, se é assim.
É ponto assente nos círculos jurisprudenciais e doutrinários que a competência dos tribunais se afere em função dos termos da ação, tendo em consideração a pretensão formulada pelo autor e os respetivos fundamentos, tudo independentemente da idoneidade do meio processual utilizado e do mérito da pretensão. Como refere Manuel de Andrade2, citando Redenti, a competência do tribunal «afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)», que traduz precisamente a ideia de que a competência se determina em função do objeto (pedido e seus fundamentos) da causa tal como definido pelo demandante.
Vimos já supra os pedidos formulados pela autora/recorrente nesta ação, e os fundamentos da sua pretensão, que se encontram condensados na conclusão 7, havendo ainda a considerar que, no processo de inventário/partilha de bens em casos especiais, em que foi requerente a aqui autora, e requerido o aqui réu - que aí desempenhou as funções de cabeça de casal -, foi proferida, em 08.02.2021, sentença homologatória da partilha constante do correspondente mapa, adjudicando aos interessados os respetivos quinhões e condenando no pagamento do passivo, a qual transitou em julgado a 19.04.2022 [cf. doc. 4 junto com a petição inicial].
Na decisão recorrida, depois de se transcreverem excertos dos acórdãos da Relação de Coimbra de 04.05.20213 e de 16.05.20234, considerou-se, embora reconhecendo que a situação tratada naqueles arestos não era exatamente igual à dos presentes autos, que «[e]stando em causa partilha de bens comuns do casal (como é o caso do saldo bancário que a A. reclama) a competência para a tramitação da ação é do Juízo de Família e Menores e não do Juízo Central Cível, que tem uma competência residual».
Nos referidos arestos estavam em causa situações em que os interessados foram remetidos para os meios comuns, o que não é aqui o caso, pois a partilha já há muito foi realizada e homologada por sentença transitada em julgado, pelo que não pode dizer-se, sem mais, como na decisão recorrida, que «na substância a conclusão é a mesma».
A competência material dos Juízos de Família e Menores, que integram tribunais de competência especializada, está prevista nos arts. 122º (competência relativa ao estado civil das pessoas e família), 123º (competência relativa a menores e filhos maiores) e 124º (competência em matéria tutelar educativa e de proteção) da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei nº62/2013, de 26/8 (LOSJ).
Com a presente ação, como decorre dos pedidos formulados sob as alíneas a) e b), a autora/recorrente visa o reconhecimento da sua contitularidade na conta bancária domiciliada no Banco Bic Português, S.A. acima identificada, pelo que é de excluir os elencos de competência previstos naqueles arts. 123º e 124º, e é também manifestamente de excluir o elenco de competências previsto no nº 1 daquele art. 122º [pois são absolutamente incongruentes com aquelas pretensões qualquer das competências referidas neste sob a alínea a) (não está em causa um qualquer processo de jurisdição voluntária relativo a cônjuges), sob a alínea b) (não está em causa um qualquer processo de jurisdição voluntária relativo a situação de união de facto ou de economia comum), sob a alínea c) (não está em causa qualquer ação de separação de pessoas e bens), sob a alínea d) (não está em causa qualquer ação de declaração de inexistência ou de anulação de casamento civil), sob a alínea e) (não está em causa qualquer ação intentada com base no art. 1647º e no nº2 do art. 1648º do CC), sob a alínea f) (não está em causa qualquer ação ou execução por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges) ou sob a alínea g) (não está em causa uma qualquer ação relativa ao estado civil das pessoas e família)].
Mas será que a competência do Juízo de Família e Menores pode, como se entendeu na decisão recorrida, extrair-se do nº 2 daquele art. 122º, onde se prevê que «[o]s juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos».
Não cremos que tal seja possível no presente caso. Senão vejamos.
Na verdade, o que se determina no nº 2 do art. 122º da LOSJ é que os juízos de família e menores exercem as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário ali discriminados. Tal competência restringe-se, portanto, aos processos de inventário.
Ora, no caso, não está em causa um processo de inventário, mas sim uma ação com total autonomia relativamente ao inventário e que, como tal, está submetida às regras gerais e legalmente estabelecidas, em função da sua natureza, seja quanto à determinação da ação e forma de processo adequados, seja ao nível da competência para a sua apreciação.
A presente ação não foi instaurada na sequência de decisão proferida no âmbito de um processo de inventário que tivesse remetido os interessados para os meios comuns com vista à apreciação e decisão da questão ali suscitada, mas ainda que assim fosse isso não significaria - pois em lado nenhum isso vem estabelecido – que o meio a utilizar para dirimir e resolver a questão suscitada nos autos tenha que correr perante o mesmo tribunal que tem competência para o inventário.
Como se lê no douto voto de vencido do citado acórdão da Relação de Coimbra de 04.05.2021, «[a] decisão que remete os interessados para os meios comuns significa, naturalmente, que a questão fica excluída do processo de inventário, devendo os interessados obter a resolução da questão através dos meios (acção ou procedimento) que se revelem adequados e perante o tribunal que, em face da lei, detenha competência material para dirimir o concreto litígio e as questões nele envolvidas (competência que poderá – ou não – pertencer à mesma entidade/tribunal perante quem corria o processo de inventário).
Nem faria sentido - penso eu - que os tribunais de família tivessem competência para acções de todo o tipo (contratos, reais, etc.) que têm total autonomia relativamente ao inventário, sendo certo que nem sequer correm por apenso. Os tribunais de família terão competência para apreciar e decidir essas questões quando elas devam ser decididas no processo de inventário a título incidental (cfr. art. 91º do CPC); quando isso não acontece - designadamente porque os interessados foram remetidos para os meios comuns no que toca a essas questões - essa competência deixa de existir e passa a pertencer ao tribunal que, nos termos da lei, tem competência para a concreta acção que vem a ser instaurada na sequência daquela remessa para os meios comuns».
Neste mesmo sentido já se havia pronunciado o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.10.20205, com o seguinte sumário: « I – A remessa dos interessados para os meios comuns, determinada pela autoridade competente para inventário em curso, integra uma remissão para a acção ou procedimento adequados e perante o tribunal materialmente competente, já que sendo fundamento daquela remessa a existência de questão ou questões que, pela sua natureza ou complexidade da matéria de facto e de direito, há que tratar e decidir fora do processo de inventário, a competência material do respectivo tribunal há-de buscar-se pela matéria discutida; II – Não cabe nos elencos de matérias da competência do Juízo de Família e Menores, a acção, proposta na sequência daquela remessa para os meios comuns, de reconhecimento da contitularidade da Autora no direito de propriedade sobre certos bens móveis e ainda do seu direito de propriedade exclusiva sobre outros bens móveis e condenação do Réu à sua restituição.»
E também assim se pronunciaram, inter alia, os seguintes arestos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.05.20236, em cujo sumário se consignou: «Sempre que, no âmbito do processo de inventário, os interessados sejam remetidos para os meios comuns, a ação a propor para dirimir a questão pendente corre termos, de forma autónoma, no Tribunal que materialmente seja competente para o efeito.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.05.20247, com o seguinte sumário: «Os juízos de família e menores não são competentes em razão da matéria para tramitar acção declarativa instaurada na sequência de controvérsia ocorrida em inventário requerido após divórcio para apurar se um imóvel é bem comum do casal ou não, quando está em jogo questão de direito de propriedade sobre esse imóvel, com origem em usucapião ou acessão industrial imobiliária.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.05.20258, em cujo sumário se pode ler: « Os juízos de família e menores não são competentes em razão da matéria para tramitar acção declarativa instaurada na sequência de controvérsia ocorrida em inventário para partilha de meações, requerido após divórcio para apurar empréstimos reclamados pelos credores no inventário de que serão devedores o ex-casal.»
Entende-se, pois, que tudo o que extravasa o processo de inventário já extravasa o âmbito da jurisdição da família e menores e cairá no âmbito estritamente cível, sendo que no caso nem sequer se trata de remessa para os meios comuns, mas em que as questões a decidir envolvem alguma complexidade, o que reclama especialização.
É este princípio da especialização que convoca justamente a competência do juízo central cível, pois no caso está em discussão matéria suscetível de preencher os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos (art. 483º, nº 1, do CC), ou, subsidiariamente, o instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 473º do mesmo Código.
Conclui-se, pois, que a competência material para julgar a ação cabe ao Juízo Central Cível de Santarém.
Por conseguinte, o recurso merece provimento.
Vencidos, suportarão os réus/recorridos as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, se declarando que o Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 1, é o materialmente competente, mais se ordenando o prosseguimento dos autos.
Custas pelos recorridos.
*
Évora, 13 de novembro de 2025
Manuel Bargado (Relator)
Filipe Aveiro Marques
Sónia Moura
(documento com assinaturas eletrónicas)
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1. Não se transcrevem as conclusões 3, 4 e 5, por constituírem mera repetição do que já consta do relatório deste acórdão.↩︎
2. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 91.↩︎
3. Proc. 592/20.8T8PBL.C1, disponível, como os demais adiante citados sem indicação de origem, in www.dgsi.pt.↩︎
4. Proc. 612/22.1T8CTB.C1.↩︎
5. Proc. 1029/20.8T8PRD.P1.↩︎
6. Proc. 3723/22.0T8FAR.E1.↩︎
7. Proc. 2944/23.2T8LRA.C1.↩︎
8. Proc. 1277/23.9T8PBL.C1.↩︎