Sumário:
É extemporâneo o requerimento de intervenção principal provocada deduzido nos termos dos artigos 316.º, n.º 2, parte final, do CPC, para fazer intervir terceiro na lide contra quem o autor pretende dirigir pedido nos termos do artigo 39.º do CPC, após ter sido designada data para a realização da audiência prévia.
Tribunal recorrido: TJ da Comarca de Portalegre, Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre - J3
Apelante: M76 CATORZE REMOLARES, LDA
Apelados: JUNTA DE FREGUESIA DE GALVEIAS e METROPOLITAN LIVING, LDA
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
1. M76 CATORZE REMOLARES, LDA intentou ação declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, contra JUNTA DE FREGUESIA DE GALVEIAS e METROPOLITAN LIVING, LDA pedindo que:
- As Rés sejam condenadas a reconhecer o contrato de arrendamento relativo aos locados 1.º e 2.º andar direito e esquerdo, do prédio urbano sito na Travessa dos Remolares, n.º 20 a 28, tornejando para a Rua dos Remolares, n.º 20 a 26 e sob o 2.º andar do prédio sito na Travessa dos Remolares, n.ºs 30 a 36 tornejando para a Rua Nova do Carvalho, n.º 53 a 61, por força do disposto no artigo 1069.º do Código Civil;
- As Rés sejam condenadas a reconhecer o contrato de arrendamento quanto à loja dos n.ºs 20 e 22 da Rua dos Remolares;
- A 1.ª Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais no montante de €96.579,82 e uma indemnização a título de lucros cessantes no montante de €1.998.863,00 por ter agido em abuso de direito, violando as regras da boa-fé, acrescido de juros à taxa legal em vigor.
2. Para justificar a demanda destas Rés, alegou, para além do mais, em relação à 1.ª Ré, que lhe paga as rendas há mais de 4 anos, assumindo aquela o papel de arrendatária direta das frações.
Em relação à 2.ª Ré alegou que foi adjudicatária de um procedimento público levado a cabo pela 1.ª Ré, mediante o qual e por cessão da posição contratual lhe foi transmitida a posição de senhoria dos locados identificados nos artigos 4.º e 5.º e a posição de arrendatária nos locados identificados no artigo 73.º da p.i.
3. Contestaram as Rés por exceção e por impugnação.
4. No que ora releva, a 2.ª Ré excecionou a sua legitimidade alegando, em suma, que não foi adjudicatária de nenhum procedimento público iniciado pela 1.ª Ré Junta de Freguesia de Galveias, pois que havia contatado com a Junta de Freguesia de Galveias, enquanto representante da sociedade Aresta Visionária Unipessoal Lda., essa, sim adjudicatária do procedimento publico de arrendamento com a referida Junta de Freguesia de Galveias.
5. A Autora, para além de apresentar réplica em relação à contestação da 1.ª Ré (18-11-2024, ref.ª 50500902), também previamente apresentou requerimento autónomo (28-10-2024, ref.ª 50289925) a pronunciar-se sobre a exceção de ilegitimidade da 2.ª Ré arguida na respetiva contestação, invocando que a 2.ª Ré não demonstrou «(…) que a sociedade Aresta Visionária é a adjudicatária do procedimento» e que «Prova essa que se reputa por demais relevante para que se possa apurar, nos autos, qual a entidade que deverá ser demandada, mormente para prova da ilegitimidade da 2.ª Ré bem como para que a Autora possa deduzir incidente de intervenção principal provocada, nos termos dos artigos 316.º e ss. do CPC» (artigos 36.º e 37.º do requerimento apresentado em 28-10-2024, (Ref.ª 50289925).
6. Por requerimento de 02-12-2024, a 1.ª Ré pronunciou-se sobre o incidente de impugnação de documentos pela Autora em sede de réplica e por requerimento de 26-12-2024 alegou que a Autora litiga de má-fé.
7. Por despacho de 03-02-2025, foi ordenado o cumprimento do contraditório em relação aos requerimento referidos no supra ponto 6.
8. Por requerimento de 13-02-2025, a Autora pronunciou-se sobre os documentos juntos aos autos.
9. Por despacho de 20-03-2025, foi ordenada a notificação da Autora para se pronunciar sobre o pedido de intervenção principal provocada de AA suscitada pela 1.ª Ré na sua contestação.
10. Este despacho foi notificado às partes em 20-03-2025.
11. Em 02-04-2025, a Autora apresentou requerimento a dizer que nada tem a opor à intervenção principal provocada referida no supra ponto 9.
12. Em 07-05-2025 (Ref.ª 34353571) foi proferido o seguinte despacho:
«Para a realização da audiência prévia, a ter lugar nas instalações provisórias deste Juízo, sitas no Palácio de Justiça de Portalegre, designa-se o dia 15-09-2025, pelas 15h00, com as finalidades previstas nas alíneas a), b) (no que concerne às excepções em apreço), d), f) e g) do artigo 591.º, n.º 1, do C.P.C.
Notifique os Ilustres Mandatários, nos termos do art. 151.º, n.º 2 do C.P.C.
Nada sendo requerido no prazo de cinco dias, proceda às restantes diligências e notificações.»
13. Este despacho foi notificado às partes em 08-05-2025.
14. Nesse mesmo dia (08-05-2025), a Autora veio apresentar requerimento (Ref.ª 52234742) através do qual, ao abrigo do artigo 316.º, n.º 2, parte final, do CPC, deduziu pedido de intervenção principal provocada de ARESTA VISIONÁRIA UNIPESSOAL, LDA, alegando, em suma, que demandou a 2.ª Ré na convicção de que esta era a adjudicatária do procedimento público levado a cabo pela 1.ª Ré em dezembro de 2023. Na contestação a 2.ª Ré alegou que não foi adjudicatária de nenhum procedimento público promovido pela 1.ª Ré, sendo adjudicatária do procedimento público em apreço a sociedade Aresta Visionária Unipessoal, Lda.
Apesar dessa alegação, a 2.ª Ré não fez qualquer prova da alegada qualidade de adjudicatária da Aresta Visionária, tendo a Autora requerido que fosse declarada a improcedência da invocada exceção de ilegitimidade passiva.
A 2.ª Ré, porém, persistiu não na junção aos autos da prova da factualidade por si alegada, mas diversamente daquela, a Autora não tem interesse em protelar o prosseguimento dos autos. Assim, «perante a possibilidade (abstracta) de a adjudicatária do sobredito procedimento ser, de facto, a Aresta Visionária, considera a Autora que deverá aquela ser admitida a intervir nos presentes autos.»
Concluindo que seja admitido o incidente de intervenção principal provocada da sociedade ARESTA VISIONÁRIA UNIPESSOAL, LDA. e, em consequência, ser ordenada a citação da mesma nos termos e para os efeitos dos artigos 319.º e seguintes do CPC.
15. Este requerimento foi notificado às partes em 10-05-2025, sem vir aos autos qualquer pronúncia.
16. Em 05-06-2025 (Ref.ª 34486724) foi proferido o seguinte despacho:
«A autora veio requerer incidente de intervenção principal provocada, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 316.º do C.P.C.
Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 318.º do C.P.C., cumpre decidir da admissibilidade do incidente processual suscitado.
Com efeito, decorre da alínea b), do n.º 1 do art. 318.º do C.P.C., que o chamamento para intervenção nos termos do n.º 2 do art. 316.º só pode ser requerido, até ao termo dos articulados.
Ora, nos presentes autos, o Tribunal já procedeu à convocação da audiência prévia (despacho de 07-05-2025, ref.ª 3435371).
Destarte, o incidente suscitado afigura-se intempestivo e, como tal, legalmente inadmissível.
Consequentemente, decide-se não admitir o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela autora.
Custas do incidente anómalo pela autora, cuja taxa de justiça se fixa em 1 (uma) UC – cfr. art. 7.º, n.º 4 e tabela ii do R.C.P.»
17. Inconformada, a Autora recorreu apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. O presente recurso versa sobre o despacho que indeferiu a intervenção principal provocada requerida pela Apelante, pretendendo esta que a decisão seja alterada e substituída por outra que julgue procedente o recurso e admita a dita intervenção.
B. O despacho recorrido é nulo, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 154º, alínea b) do nº 1 do art.º 615º e nº 3 do artigo 613º do CPC.
C. Veja-se que o despacho refere, tão só, que “decorre da alínea b), do n.º 1 do art. 318.º do C.P.C. que o chamamento para intervenção nos termos no n.º 2 do art. 316.º só pode ser requerido até termo dos articulados” e que “o Tribunal já procedeu à convocação da audiência prévia”, concluindo assim pela intempestividade do incidente.
D. Não concretiza, porém, o que considera ser o “termo da fase dos articulados”, limitando-se a referir que já procedeu à convocação da audiência prévia não sendo por isso percetível até que data entende o Tribunal que a Apelante deveria ter dado entrada do referido incidente.
E. Acresce que, o Tribunal a quo, por um lado, não aprecia a questão de mérito, nomeadamente não se pronuncia sobre a questão da legitimidade das partes, mas, por outro lado, aplica especificamente o disposto no n.º 2 do artigo 316.º do CPC – aplicável aos casos de litisconsórcio voluntário – aplicando, consequentemente, o regime da alínea b) do n.º 1 do artigo 318.º do CPC, uma vez mais, sem qualquer fundamentação.
F. Termos em que deverá ser declarada a nulidade da decisão ora recorrida e, consequentemente, ser proferido novo despacho deferindo o pedido intervenção principal provocada apresentado pelo Apelante.
G. Para além do vício de nulidade, o despacho recorrido violou o regime vertido no artigo 318.º do CPC.
H. A ação declarativa comum comporta três fases: a fase inicial, a fase intermédia e a fase final.
I. Ora, o “termo da fase dos articulados” previsto nas duas alíneas do n.º 1 do artigo 318.º coincide necessariamente com o início da fase intermédia do processo que ocorre com o despacho pré saneador (artigo 590.º n.º 2), com a marcação da data da audiência prévia (artigo 591.º n.º 1), com o despacho que a dispense (artigo 593.º n.º 1) ou o primeiro dos despachos do artigo 593.º n.º 2 do CPC.
J. Neste sentido, é claro que nos presentes autos o prazo para requerer a intervenção principal provocada ainda não havia sido ultrapassado.
K. Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo desconsiderou, e por isso violou, as normas contidas nos artigos 316.º e 318.º do CPC, enfermando a decisão proferida de um clamoroso erro de julgamento por violar os referidos preceitos legais.
L. Motivo pelo qual deverá ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o incidente de intervenção principal provocada requerido pela Apelante, com a sua consequente admissão, o que se requer.»
18. A 2.ª Ré apresentou resposta ao recurso no sentido da confirmação do despacho recorrido.
19. Aquando do recebimento do recurso, o tribunal a quo pronunciou-se nos termos do artigo 641.º, n.º 1, do CPC pela não verificação da nulidade do despacho recorrido.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos e ocorrências processuais relevantes para o conhecimento do recurso constam do antecedente Relatório.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, n.º 2, do CPC), cumpre apreciar e decidir:
- Nulidade do despacho recorrido
- Da (in)tempestividade do pedido de intervenção principal do lado passivo requerido pela Autora
2. Passando à análise da questões decidendas.
1. Nulidade do despacho recorrido
Alega a recorrente que o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação, nos termos do artigo 154.º, 615.º, n.º 1, alínea b), e 613.º, n.º 3 do CPC.
Invoca, em suma, que o tribunal não concretiza o que considera «termo dos articulados» limitando-se a referir que já convocou a audiência prévia.
Também não aprecia a questão da legitimidade das partes, mas, por outro lado, aplica o n.º 2 do artigo 316.º do CPC (aplicável ao litisconsórcio voluntário) e o regime da alínea b) do n,º 1 do artigo 318.º do CPC, mais uma vez, sem fundamentação.
Cumpre apreciar.
As nulidades da sentença encontram-se taxativamente elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do referido artigo 615.º, do CPC e correspondem a vícios formais que afetam a decisão em si mesma, mas não se confundem com erros de julgamento de facto ou de direito, suscetíveis de determinar a alteração total ou parcial da decisão proferida.
Assim, excetuando a falta de assinatura do juiz [alínea a) do n.º 1 do artigo 615º], as alíneas b) a e) do preceito reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença.
«Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) [falta de fundamentação] e c) [oposição entre os fundamentos e a decisão e ocorrência de ambiguidades, obscuridades que tornem a decisão ininteligível]. Respeitam aos seus limites os das alíneas d) [omissão ou excesso de pronúncia] e e) [pronúncia ultra petitum].»1
A falta de fundamentação a que alude o n.º 1, alínea b) do artigo 615.º, do CPC, está em consonância com o dever de fundamentação as decisões, consagrado na CRP e na lei ordinária (artigo 205.º, n.º 1, da CPR, artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, do CPC).
Porém, como tem sido entendido de forma consensual, a arguida nulidade só ocorre quando a falta de fundamentação for absoluta, o que não se verifica quando haja insuficiente ou errada fundamentação de facto e/ou de direito, vícios para os quais a lei tem remédios diversos que não passam pela declaração de nulidade do decidido (cfr., assim, artigos 639.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), 640.º e 662.º, n.º 1 e 2, alíneas c) e d), todos do CPC).
No caso em apreciação, estava em causa a prolação de despacho liminar de admissão ou não admissão de um chamamento de terceiro à demanda.
O tribunal recorrido considerou o chamamento extemporâneo por já ter designado dia para a audiência prévia, justificando juridicamente o assim decidido por aplicação conjugada dos artigos 316.º, n.º 2, e 318.º, n.º 1, alínea b), do CPC. Ou seja, e de acordo com estes preceitos, em caso de litisconsórcio necessário, o autor pode provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
A última parte do preceito - «terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º» -, tinha sido precisamente aquela que a Autora invocou para requerer a intervenção principal de terceiro na lide, como expressamente menciona e fundamenta no respetivo requerimento.
O tribunal a quo, nessa parte, limitou-se a analisar o requerido pela Autora nos termos em que o mesmo foi apresentado em juízo.
Todavia, o n.º 1, alínea b) do artigo 318.º do CPC estipula um prazo limite para a dedução do chamamento previsto no n.º 2 do artigo 316.º do CPC. Esse prazo ocorre «até ao termo dos articulados» com expressamente refere o preceito.
O tribunal recorrido ao mencionar que já designou a audiência prévia manifestamente considera que a fase dos articulados já tinha terminado.
Por conseguinte, não se descortina que o despacho recorrido seja falho de fundamentação como alega a Apelante.
Ademais, e como já se disse, encontra-se consensualizada a doutrina e jurisprudência no sentido da falta de fundamentação ser a absoluta, aquela que é inexistente, e não apenas a deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a revogação ou alteração da decisão por via de recurso, mas não a respetiva nulidade.
Como referia Alberto dos Reis2, «(…) há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”
Hodiernamente também Teixeira de Sousa3 defende que «(…) esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…). O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível.»
Em face do exposto, improcede a arguição de nulidade.
2. Da (in)tempestividade do pedido de intervenção principal do lado passivo requerido pela Autora
Alega a Apelante que o despacho recorrido violou o artigo 318.º do CPC, porquanto o «termo dos articulados» aludido no artigo 318.º, n.º 1, do CPC, coincide necessariamente com o início da fase intermédia do processo (antes ocorre a fase inicial e depois a fase final) que se verifica com o despacho pré-saneador (artigo 590.º, n.º 2), com a marcação da audiência prévia (artigo 591.º, n.º 1), com o despacho que a dispense (artigo 593.º, n.º 1) ou o primeiro dos despachos do artigo 593.º, n.º 2, todos do CPC, concluindo que, «Nesse sentido é claro que nos presentes autos o prazo para requerer a intervenção principal provocada ainda não havia sido ultrapassado.»
Vejamos, então se assim será.
Estamos perante uma ação declarativa. Os articulados de uma ação, na aceção do artigo 147.º, n.º 1, do CPC, são « (…) as peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes».
Ressalvando a situação dos articulados supervenientes (artigos 588.º e 599.º do CPC), os articulados normais de uma ação declarativa em que houve contestação e reconvenção, são, respetivamente, a petição inicial, a contestação ou contestação-reconvenção e, ocorrendo esta última, a réplica, como decorre dos artigos 552.º a 587.º do CPC, inseridos no Livro III – «Do Processo de Declaração», Titulo I – «Dos articulados».
Após terminarem os prazos para a dedução dos articulados acima referidos, o Título II do mesmo Livro III, sob o título «Da gestão inicial do processo e da audiência prévia» insere os artigos 590.º a 598.º, que regulam as situações em que é admissível o indeferimento da petição inicial (artigo 590.º), a prolação de despacho pré-saneador com as finalidades previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 590.º, a realização de audiência prévia ou a sua dispensa (artigos 591.º a 593.º), a realização de tentativa de conciliação (artigo 594.º), a prolação de despacho saneador e a identificação do objeto do processos e temas da prova (artigos 595.º e 596.º), a regulação da tramitação posterior aos articulados em ações de valor não superior a metade da alçada da Relação (artigo 597.º) e, finalmente, a alteração dos requerimentos probatórios (artigo 598.º do CPC).
Realizados estes consoante o caso, inicia-se a fase da audiência final (artigos 599.º a 606.º) seguida da elaboração da sentença (artigo 607.º e seguintes).
O Autor requereu a intervenção principal após já ter decorrido o prazo de apresentação da réplica e no dia seguinte a ter sido proferido o despacho a designar a realização da audiência prévia. Ou seja, após já ter terminado a fase dos articulados.
Como se refere no Acórdão desta Relação de Évora prolatado em 19-05-20154:
«Na situação de litisconsórcio voluntário o chamamento no âmbito de intervenção principal provocada pode ser requerido até ao termo da fase dos articulados, mais precisamente até à prática do ato processual que imediatamente suceda a essa fase.»
Lendo-se na fundamentação do assim decidido:
«Como salientam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[2] a interpretação “mais literal aponta para que o termo do prazo para o último articulado do processo preclude a intervenção do terceiro” enquanto a “mais racional aponta para que a preclusão se dá com a prática do ato seguinte à apresentação do último articulado, que é na tramitação normal do processo e consoante os caso, o despacho pé-saneador (artº 590º n.º 2), a marcação da data da audiência précia (artº 591º n.º 1), o despacho que a dispense (artºs 593º n.º 1) ou o primeiro dos despachos do artº 593º n.º 2”.
Como bem referem os aludidos autores a interpretação preferível é que se estriba no elemento racional, sendo que a questão interpretativa referente à fase ou período dos articulados já havia sido alvo de debate entre Lopes Cardoso e Alberto dos Reis a propósito do artº 359º do CPC de 1939, defendendo este que referindo a lei que a intervenção teria lugar “durante o período dos articulados” tal significava que só podia ter lugar até ao termo do prazo do último articulado, enquanto aquele entendia que o limite para a intervenção era o momento em que era proferido o despacho saneador, ato que na altura sucedia ao último articulado (v. Alberto dos Reis in CPC anotado, 1980, vol. I, 522).
Reconhecemos a existência de perturbação da tramitação processual se fosse reconhecida a possibilidade de intervenção de terceiros, indiscriminadamente depois da fase dos articulados, mas comungamos da posição daqueles autores, na interpretação mais racional do preceito de modo que o chamamento, apenas, não poderá ser admitido depois do termo da fase dos articulados, ou seja “mais precisamente após a prática do ato processual que imediatamente se suceda a essa fase”[3] independentemente de já se encontrar esgotado o termo do prazo para o último articulado.»5
No mesmo sentido se pronunciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa em anotação ao artigo 314.º e 318.º do CPC.6
No sentido da extemporaneidade da dedução do pedido de intervenção principal provocada após a designação da audiência prévia, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 12-07-20187, lendo-se no seu sumário:
«É extemporâneo o requerimento de intervenção principal provocada deduzido nos termos dos artigos 316.º n.º 2 e 39.º do CPC, após ter sido designada data para audiência prévia.»
Lendo-se na fundamentação deste aresto:
«(…) o regime da intervenção principal espontânea, em que a intervenção mediante articulado próprio só será admissível até ao termo da fase dos articulados (art.º 314.º).
Uma interpretação literal destas normas propugnaria que o dies ad quem para o requerimento do chamamento corresponderia ao termo do prazo para a apresentação do último articulado; uma outra interpretação, que José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre reputam de mais racional, aponta para que a preclusão se dê “com a prática do ato seguinte à apresentação do último articulado, que é, na tramitação normal do processo e consoante os casos, o despacho pré-saneador (art. 590-2), a marcação da data da audiência prévia (art. 591-1), o despacho que a dispense (art. 593-1) ou o primeiro dos despachos do art. 593-2)” (Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, 2014, Coimbra Editora, pp. 612, 613 e 622). Esta última interpretação é considerada, por estes autores, como a preferível (ob. cit., p. 613). No mesmo sentido escrevem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, Almedina, p. 291).»
Na situação apresentada nos presentes autos, verifica-se que o prazo para apresentação do último articulado (réplica) já se tinha esgotado há muito e que o despacho a designar a audiência prévia foi proferido em 07-05-2025 tendo sido apresentado o pedido de intervenção principal em 08-05-2025.
Assim sendo, seja qual for a interpretação que se adote, no caso vertente a Autora apresentou o seu requerimento extemporaneamente.
Finalmente cumpre referir, em face da motivação do recurso, que a aplicação conjugada dos artigos 316.º, n.º1, 318.º, n.º 1, alínea a), e 261.º do CPC, ao abrigo do qual pode haver chamamento após o termo dos articulados, apenas se verifica no caso de litisconsórcio necessário e quando já tenha sido proferida decisão com trânsito em julgado que julgue alguma das partes ilegítimas.
No caso, nem foi proferido tal despacho, nem a Autora requereu a intervenção nos termos dos artigos 316.º, n.º1, 318.º, n.º 1, alínea a), mas sim nos termos do artigo 316.º, n.º 2, parte final, do CPC, ou seja, para fazer intervir terceiro contra quem pretende dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º do CPC.
Em face de todo o exposto, improcede a apelação.
3. Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Autora (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 13-11-2025
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Susana Ferrão (1.ª Adjunta)
Maria João Sousa e Faro (2.ª Adjunta)
_________________________________________
1. LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º , 3.ª ed., Almedina, 2017, p. 735 (3).↩︎
2. Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, vol. V, p. 140.↩︎
3. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p.. 221.↩︎
4. Proc. n.º 127/14.1T8ALR-A.E1 (Rel. Mata Ribeiro), em www.dgsi.pt↩︎
5. Nas notas [2] e [3] correspondem, respetivamente, à menção das seguintes obras: «[2] - in Código de Processo Civil, Anotado, 3ª edição, vol. I, 612-613.
[3] - v. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil, Anotado, 3ª edição, vol. I, 622.↩︎
6. Código Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 365 e 370.↩︎
7. Proc. n.º 3549/16.0T8CSC-A.L1-2 /Rel. Jorge Leal), em www.dgsi.pt↩︎