ABUSO DE DIREITO
PRÉMIO
RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I- O decurso do tempo sobre a decisão assumida, pela empregadora, de extinguir a concessão de um prémio que integra a retribuição do trabalhador, não pode originar qualquer legitima expetativa ou confiança de que o trabalhador não virá a reclamar, futuramente e até ao prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho, o direito ao prémio.

II- Assim, o exercício do (alegado) direito não constitui abuso de direito, na modalidade “suppressio”.

III- Desde a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, o subsídio de férias não tem de ser idêntico, em valor, à retribuição de férias.

IV- O prémio de performance e o prémio de produção não integram o subsídio de férias se não constituírem contrapartida de alguma contingência especifica em que o trabalho é prestado.

Texto Integral

P. 2670/22.0T8STR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


1. Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, que AA intentou contra Gebomsa Portugal - Serviços de Bombagem de Betão, S.A., foi proferida sentença, contendo o seguinte dispositivo:


«Pelo exposto julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente:


A. Condena-se a ré no pagamento ao autor da quantia de € 7.032,58 (sete mil e trinta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de diferenças na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.


B. Condena-se a ré no pagamento ao autor, a partir de Janeiro de 2023:


• na retribuição de férias: da média do auferido a título de prémio de produção mensal e de trabalho suplementar;


• no subsídio de férias: da média do auferido a título de trabalho suplementar;


Desde que sejam cada uma destas prestações auferidas, pelo menos, 11 meses no respetivo ano.


C. Condena-se a ré no pagamento de juros à taxa legal, calculados desde o dia 30 de Junho de cada ano, no caso da retribuição de férias e do subsídio de férias e desde o dia 15 de Dezembro, no caso do subsídio de Natal, até integral cumprimento.


D. Absolve-se a ré do demais peticionado.


*


Custas na proporção do decaimento, fixando-se as mesmas nos termos do Regulamento das Custas Processuais.


*


Registe e notifique.»


2. O Autor interpôs recurso da sentença, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«1ª Não existe qualquer abuso de direito no facto de o A. reclamar o pagamento do prémio de performance que a Ré lhe retirou a partir de 06/2009, apesar de os objetivos serem alcançados (facto 15) e de ter com ele acordado o pagamento desse valor, o que inviabilizava a retirada unilateral por força da garantia fundamental da irredutibilidade da retribuição.


2ª Também não era exigível ao A. que pedisse a avaliação para efeitos de prémio de performance, pois os objetivos estavam alcançados e se a Ré abdicou de a fazer é porque aceitou o cumprimento sem essa avaliação;


3ª Quer o prémio de performance, quer o prémio de produção, são devidos no subsídio de férias, por força da cláusula 49ª do CCT aplicável à construção civil (BTE 12/1997 aplicável por força da PE do BTE 37/1997), por força da atividade da Ré (facto 1) e do artº 6º da p.i., não impugnado.


NESTES TERMOS,


- DEVE O RECURSO MERECER PROVIMENTO, COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,


i- A condenação da Ré no pagamento ao A. do prémio de performance, desde que foi retirado, em 06/2009 e também no subsídio de férias após 2004, inclusive, com juros nos termos da sentença, e vincendo após a propositura da ação, em 13 meses por ano.


ii- A condenação da Ré no pagamento do prémio de produção, de 2019 a 2022, no subsídio de férias, com juros nos termos da sentença, e vincendo após a propositura da ação, desde que pago pelo menos em 11 meses, no respetivo ano.»


3. Contra-alegou a Ré, propugnando pela improcedência do recurso.


4. A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


5. Tendo o processo subido à Relação, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela parcial procedência do recurso.


O Autor respondeu.


6. O recurso foi mantido e, depois de elaborado o projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.


Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.


*


II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, importa analisar e decidir se o tribunal a quo errou na decisão assumida de não ser devido:


- o “prémio de performance” desde junho de 2009, por verificação de abuso de direito;


- o pagamento deste prémio no subsídio de férias desde a entrada em vigor do Código do Trabalho/2003;


-o pagamento do “prémio de produção” no subsídio de férias.


*


III. Matéria de Facto


O tribunal de 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:


1. A ré é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste em bombagem de betão, bem como a respetiva preparação, indústria de construção civil, compra, venda e revenda de imóveis, comércio de materiais de construção e máquinas e prestação de serviços conexos com a sua atividade, sendo que a ré apenas se dedica a prestar serviços de bombagem de betão.


2. Os veículos da ré bombeiam o betão das betoneiras para as obras.


3. O autor foi admitido pela ré, anteriormente denominada de Peninsular-Bombagem de Betão, Lda., para lhe prestar serviço, no estabelecimento sito na sua sede, sob a sua autoridade, direção e fiscalização, no dia 18.9.1997, com a categoria de motorista de pesados, por contrato de trabalho escrito.


4. Em 31.3.2014 a ré comunicou ao autor que tinha mudado a denominação social para Gebomsa Portugal-Serviços de Bombagem de Betão, SA, mas que essa alteração não tinha efeito sobre a atividade da empresa e vínculos laborais, mantendo-se inalteradas as condições dos trabalhadores.


5. O autor exerce funções de motorista e manobrador de autobomba.


6. Entre o autor e a ré foi acordada uma retribuição mensal de 105.000$00 (€ 523,74), não constando do contrato de trabalho a menção a quaisquer outras quantias, mormente, de prémios.


7. O autor mantém-se ao serviço da ré.


8. Por volta do ano 2000, a ré começou a ter queixas recorrentes dos clientes sobre a conduta dos seus motoristas e manobradores de autobomba que apresentavam os equipamentos cujos2 e eram pouco cordeais no trato.


9. Por outro lado, vários dos motoristas e manobradores de autobomba da ré atrasavam-se a enviar documentação interna.


10. De forma a estimular e a premiar o comportamento adequado daqueles funcionários, a ré decidiu, unilateralmente, instituir um prémio mensal para quem cumprisse determinadas condições.


11. O que fez através de consagração em regulamento interno ao qual o autor aderiu.


12. Assim, a partir de abril de 2000, a ré criou um prémio denominado “prémio de performance” que tinha como objetivo premiar os motoristas e manobradores de autobomba pela boa apresentação do equipamento, boa apresentação pessoal e comportamento cordial junto dos clientes e envio pontual de diversa documentação.


13. O prémio era apenas atribuído aos operadores que:


• Obtivessem uma classificação geral de “BOM” na avaliação técnica (que incluía a limpeza geral do equipamento) mensal às bombas efetuadas pelo Sr. BB, Sr. CC, ou Sr. Engº DD;


• Tivessem uma boa apresentação e comportamento cordial junto dos clientes;


• Respeitassem as normas internas (envio dos mapas de produção nos prazos definidos, envio regular dos discos dos tacógrafos e preenchimento correto do todos os documentos enviados para a empresa: mapas de produção, guias de bombagem, folhas de despesas, discos dos tacógrafos, participações de acidentes, etc…);


14. De Abril do ano 2000 a Maio de 2009 a ré pagou ao autor um prémio de performance mensal, no valor de 59,86€ no ano de 2000 e de 74,82€ de 2001 a Maio de 2009, no final de cada mês.


15. O objetivo da instituição do prémio resultou, tendo a ré deixado de receber queixas de comportamento desadequado por parte dos seus funcionários.


16. Face à mudança de comportamento dos funcionários, em 2009 a ré considerou que o prémio em causa já não tinha razão de existir e o mesmo foi extinto.


17. Nenhum trabalhador, incluindo o autor, colocou em causa a decisão da ré.


18. E as avaliações necessárias para aferir do cumprimento dos requisitos para a sua atribuição deixaram de se realizar.


19. Em 1999 a ré instituiu, unilateralmente, um prémio denominado “prémio de produção mensal” que se mantém até ao dia de hoje.


20. Por regulamento interno da ré (vd. pág. 23), a que o autor aderiu, este prémio de produção respeitava a todos os meses do ano, sendo pago de dois em dois meses e no mês de férias.


21. Sendo atribuído quando existe diferença entre a produção mensal efetuada pelo funcionário que exerça a função de motorista e operador de autobomba e o plafond estabelecido para cada equipamento:


- O plafond de cada equipamento é estabelecido pela gerência da ré.


- O valor a receber resulta da multiplicação dos metros cúbicos que ultrapassam o plafond por € € 0,50 (cinquenta cêntimos).


- Quando o funcionário vai gozar férias ou se encontra de baixa, o plafond da máquina é ajustado com base na subtração dos dias que este não trabalhou.


22. O autor recebeu este prémio como descrito no quadro que segue:

      janeiro
      fevereiro
      março
      abril
      maio
      junho
      julho
      agosto
      setembro
      outubro
      novembro
      dezembro
      1999
      _____
      _____
      _____
      0
      78,06
      _____
      30,43
      0
      _____
      0
      0
      _____
      2000
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      2001
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      2002
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      2003
      0
      0
      51,25
      0
      637,00
      0
      1.149,58
      _____
      _____
      0
      466,25
      0
      2004
      235,25
      _____
      _____
      0
      603,25
      _____
      _____
      _____
      737,75
      0
      402,00
      0
      2005
      34,00
      0
      220,75
      0
      302,25
      0
      330,00
      0
      _____
      0
      246,25
      0
      2006
      7,75
      0
      217,75
      0
      0
      0
      0
      0
      171,50
      0
      _____
      0
      2007
      0
      0
      0
      0
      81,00
      0
      _____
      0
      14,00
      _____
      163,25
      _____
      2008
      _____
      0
      _____
      0
      0
      0
      0
      0
      0
      0
      0
      _____
      2009
      11,75
      0
      _____
      0
      0
      0
      0
      _____
      0
      _____
      _____
      _____
      2010
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      2011
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      0
      0
      2012
      0
      0
      _____
      0
      0
      0
      0
      0
      0
      0
      _____
      _____
      2013
      _____
      0
      _____
      _____
      0
      0
      26,25
      165,00
      0
      _____
      _____
      0
      2014
      0
      0
      40,30
      23,58
      116,50
      92,75
      142,50
      374,64
      0
      237,00
      388,75
      138,83
      2015
      133,58
      132,02
      0
      83,25
      0
      47,25
      190,83
      181,83
      0
      258,42
      155,08
      254,75
      2016
      21,83
      0
      0
      0
      0
      0
      169,50
      137,92
      200,33
      531,42
      0
      0
      2017
      0
      21,00
      0
      0
      0
      0
      0
      0
      0
      10,42
      0
      47,25
      2018
      0
      0
      0
      0
      0
      0
      0
      45,00
      0
      149,25
      319,25
      210,25
      2019
      0
      63,90
      102,88
      166,98
      176,78
      98,25
      149,38
      87,10
      82,80
      30,23
      64,30
      182,90
      2020
      0
      178,80
      285,80
      282,60
      171,75
      142,80
      134,40
      73,63
      171,15
      186,90
      408,25
      236,85
      2021
      148,95
      320,80
      146,85
      179,10
      235,98
      244,20
      138,15
      24,00
      181,35
      45,30
      175,65
      193,80
      2022
      417,25
      299,13
      44,80
      171,05
      299,50
      437,05
      371,20
      310,41
      389,35
      362,00
      319,35
      490,90
23. Em 2018, a ré instituiu, unilateralmente, um prémio denominado “prémio de linhas”.


24. Os veículos autobombas de betão fazem a bombagem do betão das betoneiras para as obras através de uma lança.


25. Em muitas situações a obra está a uma distância superior do alcance da lança da auto-bomba.


26. Nestes casos é necessário montar uma linha ou tubo de maior extensão que vai pelo chão desde a autobomba até à obra.


27. Esta linha tem um peso elevado, sendo bastante penoso e perigoso para os funcionários que as colocam.


28. Devido a essa penosidade e risco, a ré decidiu compensar monetariamente os trabalhadores com um prémio desde que montassem linhas a partir de uma determinada dimensão.


29. Se o autor não montar linhas ou as montar de dimensão inferior ao mínimo estabelecido nas condições fixadas (12 metros) não tem direito ao recebimento do prémio.


30. O valor do prémio é atualizado anualmente, por comunicação interna da ré, a que o autor aderiu.


31. O autor recebeu o prémio de montagem de linhas conforme quadro que segue:

      janeiro
      fevereiro
      março
      abril
      maio
      junho
      julho
      agosto
      setembro
      outubro
      novembro
      dezembro
      2018
      0
      0
      0
      18,00
      14,00
      38,00
      89,00
      44,00
      56,00
      12,00
      103,00
      48,00
      2019
      52,00
      0
      0
      0
      0
      0
      12,00
      0
      12,00
      0
      0
      70,00
      2020
      0
      0
      30,00
      125,00
      0
      0
      0
      0
      20,00
      19,00
      48,00
      132,00
      2021
      185,00
      90,00
      15,00
      0
      16,00
      40,00
      0
      20,00
      25,00
      20,00
      0
      20,00
      2022
      0
      20,00
      52,00
      0
      20,00
      64,00
      0
      0
      60,00
      30,00
      0
      0
32. Desde a data de admissão até agora o autor prestou mensalmente, horas fora e para além do horário, por ordem e com o conhecimento e benefício da ré, qualificadas pela mesma como extraordinárias (ou suplementares) e como tal retribuídas nos recibos, como descrito no quadro que segue:
      janeiro
      fevereiro
      março
      abril
      maio
      junho
      julho
      agosto
      setembro
      outubro
      novembro
      dezembro
      2003
      0
      129,48
      3,78
      0
      180,06
      285,53
      146,90
      _____
      _____
      0
      0
      0
      2004
      0
      _____
      _____
      0
      150,19
      _____
      _____
      _____
      323,50
      9,00
      0
      167,92
      2005
      142,22
      39,97
      67,42
      89,81
      163,11
      83,92
      76,41
      0
      _____
      0
      0
      108,48
      2006
      0
      0
      0
      0
      0
      150,62
      107,55
      0
      98,33
      0
      ____
      216,45
      2007
      102,46
      107,77
      100,61
      30,92
      131,44
      58,25
      _____
      106,20
      165,00
      _____
      183,41
      _____
      2008
      _____
      167,81
      _____
      223,30
      0
      189,14
      0
      185,21
      0
      50,43
      155,45
      _____
      2009
      0
      0
      _____
      231,06
      0
      0
      389,58
      _____
      0
      _____
      _____
      _____
      2010
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      ____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      2011
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      _____
      ____
      _____
      _____
      _____
      0
      0
      2012
      88,59
      303,10
      _____
      122,99
      196,34
      0
      0
      84,05
      109,85
      0
      _____
      _____
      2013
      _____
      26,77
      _____
      _____
      108,88
      118,37
      267,40
      422,60
      168,35
      ______
      _____
      191,64
      2014
      107,09
      150,58
      137,08
      164,94
      274,38
      244,75
      342,05
      357,86
      103,52
      348,37
      643,04
      357,05
      2015
      351,13
      147,00
      575,70
      520,75
      483,35
      633,80
      547,82
      641,91
      205,97
      605,33
      488,24
      571,58
      2016
      368,41
      277,72
      492,54
      89,37
      90,03
      300,15
      287,38
      284,80
      317,64
      468,78
      286,06
      231,84
      2017
      147,15
      265,72
      117,07
      141,63
      152,88
      193,95
      240,21
      44,75
      312,18
      523,87
      246,62
      349,22
      2018
      170,48
      197,78
      177,62
      174,05
      225,66
      246,79
      200,53
      164,90
      233,56
      185,58
      410,94
      310,54
      2019
      103,84
      86,50
      236,16
      157,61
      253,11
      164,83
      294,18
      230,80
      266,36
      156,43
      163,19
      275,28
      2020
      25,14
      173,75
      404,33
      457,96
      137,23
      177,11
      161,03
      99,67
      199,71
      162,89
      322,06
      230,20
      2021
      210,50
      534,79
      234,67
      107,11
      236,53
      287,47
      187,44
      75,50
      147,64
      76,24
      133,14
      220,16
      2022
      209,75
      377,11
      274,07
      0
      307,91
      780,22
      553,73
      571,59
      358,50
      441,42
      425,80
      498,33
33. A ré nunca pagou ao autor no vencimento de férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal, os valores correspondentes às médias auferidas a título de prémio de performance, de prémio de produção mensal, de prémio de linhas e de trabalho suplementar.


*


IV. Enquadramento jurídico


Entende o recorrente que o tribunal a quo errou na decisão assumida de não ser devido:


- o “prémio de performance” desde junho de 2009, por verificação de abuso de direito;


- o pagamento deste prémio no subsídio de férias desde a entrada em vigor do Código do Trabalho/2003;


-o pagamento do “prémio de produção” no subsídio de férias.


Apreciemos, então.


1. Prémio de performance


Na petição inicial, o Autor pediu a condenação da Ré a pagar-lhe o prémio de performance na remuneração de férias, no subsídio de férias e no subsídio de natal (este até à entrada em vigor do Código do Trabalho/2003) auferidos até junho de 2009, e, desde então, a pagar-lhe o prémio mensalmente e, também, nas férias e no subsídio de férias.


Na sentença recorrida, depois de se ter considerado que este prémio integra a remuneração do Autor e que, como tal, está protegido pelo princípio da irredutibilidade da retribuição, decidiu-se o seguinte:


«Sucede, porém, que a ré veio a cessar o pagamento deste prémio e provou-se que o autor, durante 12 anos, não colocou em causa a decisão da ré.


Por outro lado, o autor não alegou nem demonstrou que tivesse solicitado à ré a realização da avaliação do cumprimento dos critérios para atribuição deste prémio.


Assim, concorda este tribunal com a ré quando refere que o autor esperar pelo decurso de mais de 10 anos para vir pedir o pagamento deste prémio, poderá constituir um abuso de direito.


Tendo o prémio sido extinto em Junho de 2009, só em 2022 o autor veio reclamar o seu pagamento, numa altura em que não é, sequer, possível saber se, tendo sido avaliados os critérios subjacentes à sua atribuição, os mesmos teriam sido cumpridos ao longo de todos os meses de todos estes anos.


Crê-se estar em causa uma situação de abuso de direito (artigo 334º do Código Civil), na modalidade “suppressio”, a qual abrange manifestações típicas de abuso do direito nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé.


Concretizando: a ré cessou o pagamento do prémio; nada dizendo durante 12 anos e nem pedindo a realização da avaliação do cumprimento dos critérios de atribuição do prémio, o autor criou na ré a legítima convicção da aceitação da sua cessação e, consequentemente, no não exercício do direito de exigir o seu pagamento; o autor veio, mais de uma década anos depois - quando já não é possível saber se, tendo sido avaliado, teria cumprido os critérios da sua atribuição - reclamar o seu pagamento.


Entende este tribunal, s.m.o., que esta conduta é violadora do princípio da boa fé, consubstanciando uma situação de abuso de direito, tanto mais que são peticionados valores (posteriores à cessação do prémio) que, a serem atribuídos pelo tribunal, desvirtuariam a natureza do prémio, pois transformariam o mesmo num prémio de atribuição automática, posto que a avaliação que era condição da sua atribuição, não mais foi realizada e não mais é possível.


Por tudo o exposto, entende este tribunal ser este prémio retribuição do autor, sendo, porém, de improceder o pedido de pagamento do mesmo, a partir do momento da sua extinção.


*


Da questão de saber se o prémio de performance deve integrar a retribuição das férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal:


O artigo 6º do Dec. Lei nº 874/76, de 16-10, estabelecia que a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efetivo (nº 1), tendo os trabalhadores “direito a um subsídio de férias de montante igual ao daquela retribuição” (nº 2).


O artigo 2º, nº 1, do Dec. Lei n.º 88/96, de previa que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano.


Estipulava o artigo 8º, nº 1, da Lei n.º 99/2003, no que aqui interessa, que ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.


Quanto ao subsídio de férias estatuía o artigo 255º do Código do Trabalho de 2003, a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo (nº 1), a que acresce um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho (nº 2).


Relativamente ao subsídio de Natal estabelecia o artigo 254º, nº 1, do mesmo Código que o trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.


O Código do Trabalho de 2009 manteve uma redação semelhante nos artigos 264º, nº 1 e 2, e 263º, nº 1, respetivamente.


Do teor destas normas retirar-se que com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, deixou de existir a equiparação entre o subsídio de férias e a retribuição de férias para efeitos do respetivo cálculo.


Na verdade, cumpre, agora, averiguar quais as prestações que são contrapartida do modo específico da execução do trabalho.


A jurisprudência tem entendido que são estas as prestações retributivas, mais ligadas às circunstâncias que rodeiam a execução do trabalho, isto é, ao seu condicionalismo externo: subsídios por trabalho suplementar, noturno ou em regime de turnos, subsídios de risco, de isolamento, toxicidade, de penosidade.


No que concerne ao prémio de performance, dado que se provou que o mesmo estava relacionado com elementos ligados ao desempenho do trabalho, mas não ao seu condicionalismo externo, há que distinguir:


- Até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003: tem autor direito ao pagamento do prémio na retribuição de férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal.


- Depois da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003: terá o autor direito ao pagamento do prémio na retribuição de férias, mas não no subsídio de férias, nem no subsídio de Natal.


No entanto, uma vez que se entende que o autor não tem direito ao pagamento do prémio depois da sua cessação, a partir de Junho de 2009, o mesmo também não será devido na retribuição de férias.


Assim, relativamente ao ano:


• 2000, são devidos ao autor € 179,58;


• 2001, são devidos ao autor € 224,46;


• 2002, são devidos ao autor € 224,46;


• 2003, são devidos ao autor € 149,64;


• De 2004 a 2009, são devidos ao autor € 74,82 por ano, respeitantes à retribuição das férias.


Tudo, no total de € 1.227,06.»


Principiemos por analisar se o peticionado pagamento do prémio de performance a partir de junho de 2009, consubstancia, ou não, um abuso de direito.


A figura do abuso de direito consagrada no nosso ordenamento jurídico emerge, essencialmente, de um valor fundamental para a vida social juridicamente organizada – a boa-fé.


«É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito» - artigo 334.º do Código Civil.


Sobre a norma citada, escreveu António Menezes Cordeiro:3


«No direito português, a base jurídico-positiva do abuso de direito reside no artigo 334.º e, dentro deste, na boa-fé. Para além de todo o desenvolvimento histórico e dogmático do instituto, que aponta nesse sentido, chamamos ainda a atenção para a inantendibilidade, em termos de abuso, dos bons costumes e da função económica e social do direito.


Os bons costumes remetem para regras de comportamento sexual e familiar que, por tradição, não são explicitadas pelo Direito Civil, mas que este reconhece como próprias. E eles remetem, também, para certos códigos deontológicos reconhecidos pelo Direito. Nestes termos, os bons costumes traduzem regras que, tal como muitas outras, delimitam o exercício dos direitos e que são perfeitamente capazes de uma formulação genérica. Não há, aqui, qualquer especificidade.


Quanto ao fim económico e social dos direitos: a sua ponderação obriga, simplesmente, a melhor interpretar as normas instituidoras dos direitos, para verificar em que termos e em que contexto se deve proceder ao exercício. Também aqui falta um instituto autónomo, já que tal interpretação é sempre necessária.»


Quanto à boa-fé, refere, especificamente:


«A boa-fé, em homenagem a uma tradição bimilenária, exprime os valores fundamentais do sistema. Trata-se de uma visão que, aplicada ao abuso de direito, dá precisamente a imagem propugnada. Dizer que, no exercício dos direitos, se deve respeitar a boa-fé, equivale a exprimir a ideia de que, nesse exercício, se devem observar os vetores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa».


Salienta ainda o autor que o abuso de direito se revela nos seguintes grupos típicos de atuações abusivas (sem prejuízo de se manter sempre a mente aberta para comportamentos abusivos não enquadráveis nesta tipologia típica):


- o venire contra factum proprium;


- a inalegabilidade;


- a suppressio;


- o tu quoque;


- o desequilíbrio no exercício.


Em breve síntese:


Sob o chamado venire contra factum proprium, tem-se entendido que se trata de uma conduta contraditória, cuja proibição está contida no segmento da norma contida no artigo. 334.º do Código Civil, que alude aos limites impostos pela boa-fé.4


Alguém assume uma conduta que é contraditória com outra conduta que já havia assumido, e que leva à violação da confiança que se havia instalado quanto ao comportamento inicialmente assumido.


Por isso o venire contra factum proprium, na sua apreciação, combina-se com o princípio da tutela da confiança.


A inalegabilidade formal ou, simplesmente inalegabilidade, ocorre quando alguém se aproveita da invalidade formal do negócio jurídico, em termos contrários à boa-fé.


Num primeiro momento o agente dá azo à nulidade formal de determinado negócio jurídico dele se prevalecendo e mantendo-o enquanto lhe seja conveniente, para quando lhe deixar de convir vir invocar a sua nulidade, libertando-se de tal negócio. Ora, o sistema não poderia permitir tal violação da confiança.5


A suppressio (supressão) abrange situações de não exercício prolongado de um direito que, em certas circunstâncias, deixa de se poder exercer, por tal exercício contrariar a boa-fé.6


Distingue-se do venire contra factum proprium por o exercício retardado do direito consubstanciar, à luz do sistema, uma situação de injustiça para a parte contrária e violar a tutela da confiança/boa-fé.7


O tu quoque (também tu!) abrange situações em que uma pessoa que viola uma norma jurídica não pode, depois, vir invocar essa mesma norma a seu favor.8


O desequilíbrio no exercício de posições jurídicas pode definir-se «como o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objetivo).»9


No caso que nos ocupa, a 1.ª instância entendeu que o facto de o Autor ter estado mais de 12 anos sem reclamar o prémio de performance, sem sequer ter pedido a realização da avaliação do cumprimento dos critérios de atribuição do prémio, constitui uma situação de abuso de direito na modalidade “suppressio”, uma vez que a conduta assumida criou, na Ré, a legítima convicção que o Autor aceitou a cessação do prémio e que jamais viria a reclamar o seu pagamento.


Salvo o devido respeito, não podemos sufragar tal entendimento.


O decurso do tempo sobre a decisão assumida, pela empregadora, de extinguir a concessão de um prémio que integra a retribuição do trabalhador, não pode originar qualquer legitima expetativa ou confiança de que o trabalhador não virá a reclamar futuramente e até ao prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho – cf. artigo 337.º do Código do Trabalho - o direito ao mesmo.10


Com interesse, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2011 (Proc. n.º 2/08.9TTLMG.P1.S1):11


«A relação laboral é uma relação de natureza duradoura, que está sujeita ao longo da sua existência a ser questionada quanto ao imperfeito cumprimento pelas partes outorgantes.


Mas se constitui tarefa nada dificultosa para a entidade empregadora interpelar o trabalhador, no momento que lhe aprouver, quanto ao defeituoso desempenho da sua função, outro tanto se não verifica por parte do trabalhador, quando o incumprimento se verifica do lado da primeira.


Precisamente porque nessa relação não se verifica um equilíbrio de forças quanto à exigência da respetiva contraprestação.


O trabalhador representa indubitavelmente a parte mais débil da relação de trabalho porque, por regra, é a que dela mais carece e, por isso, é humano e compreensível que não reclame de direitos que lhe assistam enquanto tenha interesse na manutenção dessa relação e não a queira colocar em risco com a reclamação de contraprestações não satisfeitas, sobretudo através de demanda judicial.


Por tal motivo é que os créditos emergentes da relação laboral não prescrevem enquanto o contrato se mantiver em vigor, dando-se oportunidade ao trabalhador [e também ao empregador] de os poder reclamar durante o ano seguinte ao termo do contrato (art. 381.º, n.º do CT).


E o facto de o trabalhador vir a exigir do empregador prestações salariais que há longos anos lhe eram devidas, prestações que na altura podia ter exigido, mas que não exigiu, qualquer que tenha sido o motivo — imperfeito conhecimento dos seus direitos, receio de perda do emprego, expectativa de reparação do incumprimento do empregador, etc. — não integra, por princípio, uma atuação com abuso do direito, mas antes um exercício incensurável do mesmo direito.


É que a não reclamação na altura própria de direitos que assistam ao trabalhador não comporta o significado, atenta a natureza e posição das partes no contrato, que o mesmo deles tivesse pretendido abdicar, tanto mais tratando-se de direitos indisponíveis, para mais tarde assumir uma conduta antagónica e surpreender o empregador com um pedido inesperado.


A relação laboral está concebida na lei em termos de ambas as partes poderem reclamar uma da outra créditos que lhes assistam, quer durante a vigência do contrato quer durante o ano seguinte ao seu termo, enquanto tais créditos se não mostrem prescritos. E, assim sendo, cada uma delas, tem de estar consciente e prevenida para a eventualidade de uma petição reclamadora de direitos, tanto mais nas situações em que não possam ignorar a falta de cumprimento da sua parte, por longínqua que ela já se mostre.».


Em suma, ainda que tenham decorrido 13 anos entre a extinção do prémio unilateralmente decidida pela empregadora (o que sucedeu em junho 2009) e a propositura da ação judicial (ocorrida em 27-09-2022), o exercício do (alegado) direito que se analisa não é abusivo, porque o decurso do tempo no âmbito das especiais circunstâncias que envolvem um contrato de trabalho, e no concreto contexto fáctico, não era suscetível de criar qualquer expetativa legítima para a empregadora de que o direito não seria exercido.


O concreto exercício do direito respeitante ao prémio de desempenho não viola, assim, os limites impostos pela boa-fé.


Acresce referir que o facto de o Autor, durante 13 anos, não ter pedido a realização da avaliação do cumprimento dos critérios de atribuição do prémio, é absolutamente irrelevante, pelos motivos supra apreciados e, também, porque não resulta da matéria de facto assente que a realização da avaliação estivesse dependente de prévio requerimento do trabalhador.


Enfim, não confirmamos a sentença quanto à decidida existência de abuso de direito, pelo que, nesta parte, procede o recurso.


Os factos assentes indiciam a verificação das condições exigidas para a atribuição do prémio. A decidida eliminação da avaliação técnica ocorreu precisamente porque os parâmetros para a adequada performance profissional estavam a verificar-se, tornando-se a avaliação dispensável.


Sendo assim, e integrando tal prémio a retribuição do Autor - conforme foi corretamente decidido pela 1.ª instância -, o mesmo tem direito a receber o referido prémio, mensalmente, a partir de junho de 2009, uma vez que esta prestação retributiva beneficia do princípio da irredutibilidade e não pode ser retirada de acordo com critérios arbitrários – artigos 122.º, alínea d), e 261.º, n.º 2, do Código do Trabalho/2003 e 129.º n.º 1, alínea d), e 260.º, n.º 3, alínea a), do Código do Trabalho/2009.


Por conseguinte, desde junho de 2009 é devido ao Autor, mensalmente, o prémio de performance, no valor de € 74,82. Este prémio é pago durante 12 meses por ano, ou seja, também durante as férias – artigos 255.º, n.º 1, do Código do Trabalho/2003 e 264.º, n.º 1, do Código do Trabalho/2009.


No que concerne à visada integração desta prestação no subsídio de férias após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, tal pretensão do recorrente não pode obter sucesso, tendo em consideração o disposto nos artigos 255.º, n.º 2, do Código do Trabalho/2003 e 264.º, n.º 2 do Código do Trabalho/2009.


Efetivamente, este prémio não constitui contrapartida de alguma contingência especifica em que o trabalho é prestado, razão pela qual não se inclui no subsídio de férias.


Pela relevância, cita-se o Acórdão desta Secção Social de 30-06-2022 (Proc. n.º 1345/20.9T8TMR.E1):12


«Na verdade, apenas se inserem no subsídio de férias as prestações que, além de serem retributivas (contrapartida do resultado do trabalho), sejam também uma compensação específica por aquele modo de execução do trabalho, o qual pode revelar-se, por exemplo, mais penoso ou mais arriscado, conforme as especiais contingências em que o trabalho é prestado.


Deste modo, no subsídio de férias deverão ser incluídos os valores relativos a subsídio de turno, acréscimo pelo trabalho prestado em período noturno, subsídio de risco ou de isolamento, mas não as retribuições que que pressuponham a efetiva prestação da atividade, como prémios, gratificações e comissões.


In casu, o prémio de desempenho devido ao trabalhador, apesar do seu carácter retributivo, apenas pressupõe a efetiva prestação da atividade, mas não é contrapartida de alguma contingência específica em que o trabalho é prestado, pelo que não preenche os requisitos exigidos pelo art. 264.º n.º 2 para a sua inclusão nos subsídios de férias.»


Salienta-se, ainda, que a argumentação do recorrente, “tout court”, de que à relação laboral sub judice é aplicável a cláusula 49.ª do CCT do BTE n.º 12/1997, por força da PE do BTE n.º 37/1997, que prescreve que o subsídio de férias deve ser em montante igual ao da retribuição de férias, não floresce, porquanto o Autor não alegou, nem provou, que se verificam todas as condições relevantes para a aplicação do referido IRCT – cf. artigo 1.º da PE13 e artigo 342.º do Código Civil.


Com relevância, cita-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 30-06-2025 (Proc. n.º 19966/22.3T8LSB.L1-4):14


«O ónus de alegação e prova da situação jurídica do filiado ou do associado nas associações de empregadores, ou da verificação do condicionalismo de aplicabilidade de determinada convenção coletiva, pertence a quem invoca o direito, nos termos do disposto no artigo 342º nº 1 do C.Civil15


Importa igualmente acrescentar que a não impugnação, pela Ré, do artigo 6.º da petição inicial – que continha apenas matéria de direito – não beneficia do efeito previsto no n.º 2 do artigo 574.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral.


Enfim, e concluindo, no que concerne ao prémio de performance, o recurso apenas procede parcialmente.


Atente-se que sobre o valor dos prémios em dívida desde junho de 2009, acrescem juros moratórios à taxa legal em vigor, contados desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento - artigos 804.º a 806.º do Código Civil.


2. Prémio de produção


Alega o recorrente que são devidos, no subsídio de férias, valores referentes ao prémio de produção, correspondentes aos que foram pagos na remuneração das férias dos anos de 2019 a 2022, bem como os vincendos, em virtude do IRCT aplicável, que constitui a fonte dessa obrigação.


Ora, já referimos porque não se aplicamos o dito IRCT, pelo que remetemos para o anteriormente mencionado.


Ademais, sempre se dirá que mesmo que se considerasse aplicável o reclamado IRCT, a cláusula 53.ª do texto revisto publicado no BTE n.º 30/201616, diferencia claramente o que é pago na retribuição de férias e no subsídio de férias, aproximando-se a solução negocial consagrada na nova cláusula da solução contemplada nos Códigos de Trabalho de 2003 e 2009.


Destarte, não constituindo o prémio de produção uma contrapartida de alguma contingência específica em que o trabalho é prestado, o mesmo não preenche os requisitos exigidos pelo artigo. 264.,º n.º 2, do Código do Trabalho/200917, para a sua inclusão nos subsídios de férias.


Confirma-se, pois, a decisão recorrida quanto à não inclusão deste prémio no subsídio de férias.


Por consequência, improcede, nesta parte, o recurso.


-


Concluindo, o recurso apenas procede parcialmente.


As custas do recurso serão suportadas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento – artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*


V. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida e condena-se a Ré a pagar ao Autor, desde junho de 2009, durante 12 meses por ano, o prémio de performance, no valor mensal de € 74,82, acrescido dos juros moratórios, à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento da prestação e até integral pagamento.


No demais, confirma-se a sentença recorrida.


Custas do recurso a suportar por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.


Notifique.





Évora, 13 de novembro de 2025


Paula do Paço


Mário Branco Coelho


Emília Ramos Costa

___________________________________________

1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa↩︎

2. Não obstante a utilização da palavra “cujos”, que já vinha alegada no artigo 13.º da contestação, o que nos faz sentido, no contexto apresentado, é que a palavra que se pretendia utilizar era “sujos”, e que terá ocorrido um evidente lapso de escrita.↩︎

3. In “Litigância de Má-fé, Abuso do Direito de Ação e culpa ‘In Agendo’”, 3.ª edição, Almedina, pág. 131.↩︎

4. V.g. Acórdão da Relação do Porto de 11-05-1989, CJ, 1989, 3.º, pág. 192.↩︎

5. V.g. Acórdão da Relação de Lisboa de 24-04-2008 (Proc. n.º 2889/2008.6), publicado em www.dgsi.pt.↩︎

6. Cf. portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/↩︎

7. V.g. Acórdão da Relação do Porto de 15-12-2005 (Proc. n.º 0535984), consultável em www.dgsi.pt.↩︎

8. V.g. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2002 (Proc. n.º 02B4734) e da Relação de Lisboa de 24-04-2008 (Proc. n.º 2889/2008.6), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.↩︎

9. Acórdão da Relação de Coimbra de 09-01-2017 (Proc. n.º 102/11.8TBALD.C2), disponível em www,dgsi.pt.↩︎

10. E, repare-se, o contrato de trabalho sub judice mantém-se em vigor.↩︎

11. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎

12. Acessível em www.dgsi.pt.↩︎

13. O artigo 1.º da PE prescreve o seguinte:

«1 — As condições de trabalho constantes do contrato coletivo de trabalho celebrado entre a AECOPS— Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e outras e a FETESE— Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.a série, n.o 12, de 29 de Março de 1997, são estendidas, no território do continente:

a) Às relações de trabalho entre entidades patronais não filiadas nas associações patronais outorgantes que exerçam a atividade económica abrangida pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas;

b) Às relações de trabalho entre entidades patronais filiadas nas associações patronais outorgantes e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção não filiados nas associações sindicais outorgantes.

2-A presente portaria não se aplica às relações de trabalho tituladas por trabalhadores filiados em sindicatos representados pela Federação Nacional dos Sindicatos da Construção, Madeiras, Mármores e Materiais de Construção e nas demais associações sindicais subscritoras dos contratos coletivos de trabalho celebrados com a AECOPS — Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas do Sul e outras e ainda com a AICCOPN — Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas do Norte, publicados, respetivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.a série, n.os 17, de 8 de Maio de 1991, e 23, de 22 de Junho de 1993. (…)»↩︎

14. Disponível em www.dgsi.pt.↩︎

15. Sublinhado da nossa inteira responsabilidade.↩︎

16. Que corresponde à anterior cláusula 49.ª e que foi estendida pela PE n.º 77/2017, de 24 de fevereiro.↩︎

17. Este prémio apenas foi considerado como integrando a retribuição do trabalhador entre os anos de 2019 a 2022, por isso apenas se aplica o Código do Trabalho de 2009-↩︎