RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
MEIO DE PROTEÇÃO INIDIVIDUAL
FALSIFICAÇÃO
DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I- Os juízos de valor, conclusões e questões de direito que sejam proferidos no âmbito da decisão sobre a matéria de facto, que influenciem a solução do objeto do litígio, devem ser considerados como não escritos pelo Tribunal da Relação, por constituírem uma deficiência do julgamento da matéria de facto que há que suprir.

II- A justa causa subjetiva para a resolução do contrato pelo trabalhador, exige a verificação dos seguintes requisitos: (i) um requisito objetivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador; (ii) um requisito subjetivo, consistente na atribuição de culpa ao empregador; (iii) um requisito causal, no sentido de que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

III- Configura justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador o comportamento da empregadora que não fornece ao trabalhador estafeta fardamento adequado às condições meteorológicas em que o mesmo tem de trabalhar, não obstante as queixas e reclamações deste sobre a inadequação do casaco do fardamento que lhe foi fornecido, e que, além disso, possui nos documentos de trabalho internos da empresa, um documento contendo uma assinatura falsificada do trabalhador.

Texto Integral

P. 2491/24.5T8PTM.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


1. Na ação comum emergente de contrato individual de trabalho que AA intentou contra BK Portugal S.A., foi proferida sentença, contendo o seguinte dispositivo:


«Em face do supra exposto e nos termos das disposições legais e convencionais supra citadas, decide-se julgar a ação e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência:


Declara-se a existência de justa causa para a resolução do contrato promovida pelo autor AA e condena-se a ré BK Portugal S.A., no pagamento da quantia de € 2.547,54 (dois mil, quinhentos e quarenta e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título indemnização prevista pelo artigo 396º, nos 1 e 2, do Código do Trabalho e de créditos laborais emergentes da cessação do contrato de trabalho.


Sobre a indicada quantia, são devidos juros de mora, à taxa legal em vigor para as obrigações civis, desde a data da citação e até integral pagamento.


No mais, improcedem os pedidos formulados, quer pelo autor, quer pela ré.


Registe e notifique.


Custas de ação e reconvenção a cargo de autor e ré, na proporção do decaimento, que se fixa em 81% para o autor e 19% para a ré (cf. artigo 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.»


2. A Ré interpôs recurso, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«A. A Recorrente não se conforma com a Douta Sentença a quo que a condenou nos termos indicados no artigo 1 do presente recurso (por economia de espaço não se transcreve de novo);


B. A Recorrente entende que a Douta Sentença a quo errou na apreciação da prova produzida e nos factos que deu como provados, assim como na correta aplicação do Direito;


C. A Recorrente considera que os pontos 16, 20, 28 e 30 da matéria de facto dada não deviam ter sido dados como provados;


D. Os pontos 16 e 30 devem ser julgados não provados por serem genéricos e conclusivos pois refere que “alguns colegas” reportaram e/ou denunciaram mas não se sabe quem eram nem quantos eram nem se sabe que desconforto reportaram, coartando o direito de defesa da Recorrente;


E. O ponto 20 deve ser eliminado pois o mesmo surge apenas da resposta ilegal e não admitida à Contestação;


F. A Recorrente não teve oportunidade de apresentar contraditório porque acreditou no Despacho Saneador quando este referiu que essa matéria não seria admitida;


G. Mas vê-se que foi e dessa forma o Recorrido conseguiu alegar factos que a Recorrente não pode contraditar nem apresentar prova, designadamente documental e testemunhal, para a refutar;


H. Por fim, o artigo 28 deve ser expurgado da matéria assente porque o documento onde alegadamente consta a assinatura falsa do Recorrido não se encontra junta aos Autos;


I. Aos Autos encontra-se apenas junta uma fotografia de um documento, que a Recorrente impugnou por desconhecimento, e que não se sabe se existia na altura da resolução com justa causa;


J. Além disso, é impossível verificar se a assinatura era falsa juntamente porque é impossível pedir uma perícia sobre um documento inexistente;


K. Mas mesmo que a matéria de facto permanecesse intacta – o que apenas por hipótese académica se admite –, a consequência jurídica seria a mesma;


L. Em primeiro lugar porque o Recorrido nunca relatou à Recorrente os factos que vieram a dar origem à carta de resolução, designadamente que sentia muito calor no Verão e que lhe tinham falsificado a assinatura;


M. As exigências de boa-fé e lealdade exigiam que o tivesse feito, mais que não seja para a Recorrente poder corrigir o que alega, designadamente em relação ao documento, se o descobrisse, destruindo-o;


N. Em segundo lugar, o que o Recorrido alega para sustentar a sua justa causa é uma mão-cheia de nada;


O. Sobre as condições do equipamento de proteção individual consta da matéria assente que no Inverno foi a falta de stock que impediu dar-lhe a totalidade do EPI;


P. Apesar disso, resulta provado que quando chovia muito a loja encerrava o delivery e por isso o Recorrido não conduzia nesses momentos de mais chuva;


Q. Também resulta provado que apenas passava um bocadinho de água e que nenhuma consequência para a saúde do Recorrido essa circunstância teve, tanto que num Inverno inteiro apenas terá, alegadamente, ficado doente 1 dia e sendo em Dezembro, ninguém pode atestar que tal se tenha devido a alguma falha do EPI;


R. Sobre o Verão, resulta provado que a principal preocupação da Recorrente era a proteção e segurança dos seus trabalhadores, como aliás é suposto ser;


S. Resulta também provado que o Recorrido sabia que equipamento teria de utilizar para desempenhar as suas funções de motorista e seguramente sabia que no algarve o Verão é muito quente;


T. O Verão de 2023 foi o 2.º mais quente desde 1931 e os meses de Julho e Agosto os mais quentes até essa data, o que aliado às condições normais da função – conduzir uma moto com equipamento de proteção com temperaturas de 35 a 40 graus – explicam e normalizem que um trabalhador fique suado, cansado e a cheirar mal;


U. A isso chama-se trabalho e seguramente todos os algarvios que trabalham no Verão sentem-se suados, cansados e a cheirar mal no Verão;


V. Alegar que esta circunstância, sem mais – pois o além destas trivialidades o Recorrido não alegou mais nada como problemas de saúde, desmaios, o que quer que seja – pode justificar a resolução de um contrato de trabalho com justa causa é dizer que uma boa parte dos trabalhadores do algarve que trabalhem no Verão podem resolver o contrato com justa causa;


W. E essa alegação é um absurdo;


X. Por fim, a tese de que basta existir uma assinatura falsificada num documento de um trabalhador é fundamento para resolver o contrato com justa causa é também ela um absurdo;


Y. Dos autos não constam nem sequer foi alegado quem terá falsificado essa assinatura, para que fim, que prejuízo causou e quem teve a iniciativa de tomar essa ação;


Z. Dos autos não consta que a Recorrente tivesse ordenado essa falsificação ou que sequer soubesse que ela existia;


AA. Termos em que nenhuma responsabilidade pode ser assacada à Recorrente, sobretudo porque antes de resolver o contrato com justa causa o Recorrido nunca deu conhecimento desse facto à empresa, dando-lhe a oportunidade de localizar e destruir esse documento;


BB. Requerendo-se por todo o supra exposto que a Douta Sentença a quo seja integralmente revogada e nessa conformidade seja declarada totalmente improcedente o pedido apresentado pelo Requerido e declarado totalmente procedente o pedido reconvencional apresentado uma vez que sendo declarada a inexistência de justa causa, a comunicação que entregou se convola em mera denúncia a qual não cumpriu com o pré-aviso legal.»


3. Não foram apresentadas contra-alegações.


4. A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, atribuindo-lhe efeito suspensivo, em virtude de ter sido prestada caução.


5. Tendo o processo subido à Relação, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.


6. O recurso foi mantido e, depois de elaborado o projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.


Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.


*


II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, as questões a dilucidar e resolver são as seguintes:


1. Impugnação da decisão de facto.


2. Inexistência de justa causa de resolução do contrato de trabalho.


*


III. Matéria de Facto


O tribunal de 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:


1- O Autor foi admitido ao serviço do Réu, por meio de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com início em 24 de novembro de 2022 (artº 1º da p.i.).


2- O Autor exercia funções de estafeta/motorista, entregando pedidos feitos pelos clientes de mota (artº 10º da contestação).


3- Como contrapartida do trabalho prestado à Ré, o Autor auferia a retribuição ilíquida mensal atualizada de € 814,00 (oitocentos e catorze euros) (artº 2º da p.i.).


4- O horário normal de trabalho do Autor era de 40 (quarenta) horas semanais (artº 3º da p.i.).


5- Em 12 (doze) de outubro de 2023, por meio de carta registada com aviso de receção, o Autor fez cessar o contrato de trabalho com a Ré, mediante a invocação de justa causa tendo alegado os seguintes factos:


1- Entrei ao trabalho no dia 24 de Novembro de 2022, na loja Burger King sita no Local 1, em Vila 1, para exercer funções inerentes à categoria de “APRENDIZ DISTRIBUIDOR 1 ANO”;


2- Incumbia-me proceder às entregas de refeições e outros produtos ao domicílio e outros locais exteriores ao estabelecimento; rececionamento dos produtos acabados, colaborando no embalamento dos mesmos; assegurar a entrega das encomendas; receber os pagamentos das entregas; gerir eventuais reclamações, dando-lhes o devido tratamento e resolução;


3- A par disso, nos períodos em que não haviam tantas encomendas a rececionar, embalar e entregar fora da loja, prestei trabalho dentro da própria loja da Burger King em Vila 1;


4- Durante o tempo em que prestei trabalho, além da falta de condições de trabalho no que respeita ao fardamento e equipamento destinado às entregas exteriores, vivenciei ainda situações que me deixaram absolutamente consternado, ferido na minha dignidade, honra e consideração, e que consubstanciam a prática de assédio moral no local de trabalho - sendo que, inclusive, em algumas situações, fui forçado a agir contra a minha própria consciência moral, executando tarefas que me submeteram a um grau de humilhação que nunca pensei que iria acontecer, atentatórios de qualquer meio civilizado;


5- A falta de condições de trabalho e o assédio moral, tornou-se inclusive numa prática comum e reiterada na empresa, esta última, fomentada pelo Diretor de Loja, BB, que tem originado enorme mal-estar e revolta minha e de alguns colegas;


6- O desrespeito tornou-se de tal forma grave, que o próprio Diretor de Loja, BB, acabou por falsificou a minha assinatura em documentos internos da empresa, razão pela qual denunciei o sucedido à Autoridade para as Condições do Trabalho, e apresentei queixa formal no passado dia 10.10.2023.


Passo agora, com mais detalhe, a explicar a factualidade que me leva a proceder à resolução do vínculo laboral:


7- Durante todo o ano, a farda dos trabalhadores-distribuidores aquando da saída para a entregas de encomendas nos motociclos da empresa, é sempre a mesma; ou seja, não existe fardamento/distinção e fardamento adequado a cada estação do ano; por tal razão, era imposição da empresa a utilização do casaco – jaqueta – também durante o período de verão em que muitas vezes a temperatura atingia os 38-40 graus no pico das entregas de almoço; para agravar, os motociclos da empresa - por sua vez - têm a velocidade bloqueada ao máximo de 50 km/horários, razão pela qual não existia ventilação natural propícia à utilização da jaqueta durante a condução; por tal razão, trabalhamos o período todo de calor constantemente suados, com as t-shirts suadas e molhadas pela existência de fardamento desadequado às referidas condições atmosféricas, prática esta, desumana e degradantes para qualquer trabalhador;


8- Durante o período de verão, e pese embora o suor, a empresa apenas me fornecia uma t-shirt do fardamento, de cada vez, sendo que tinha de estar constantemente a solicitar que me fosse entregue uma outra t-shirt; caso contrário, teria de utilizar e lavar a mesma t-shirt diariamente;


9- Além disso, quando fazíamos entregas de encomendas no exterior, a clientes que se encontravam praia, tínhamos ordens expressas do Diretor de loja, BB, para que “entrássemos na areia na praia com o fardamento habitual da Burger King” - onde se inclui a jaqueta – caminhássemos sobre a areia e procurássemos o cliente, deixando a entrega;


10- Muitas vezes tínhamos de caminhar sobre a areia da praia e procurar o cliente durante vários minutos, fardados com a jaqueta, expostos a condições atmosféricas desumanas e degradantes, e envergonhados com a situação que nos era imposta;


11- Muitas vezes, os clientes verificando as condições absurdas com que trabalhávamos (de jaqueta vestida) faziam piadas connosco e diziam “o teu patrão não te dá outra farda?”.


12- A falta de condições do fardamento foi devidamente reportada ao Diretor de Loja, BB, que disse que “não havia nada a fazer”, que teríamos de “aguentar a situação”, sugerindo: “podem tirar a jaqueta quando saírem do espaço da loja, mas longe das câmaras para os chefes não verem”;


13- Nenhuma solução diligente foi preconizada pela empresa, e fomos expostos a trabalhar sob aquelas condições desumanas e degradantes, e pese embora as nossas queixas, a empresa sempre ignorou, silenciando-se, face aos problemas que foram sendo reportados;


14- Inclusive a nossa saúde foi exposta a condições deploráveis, forçados a utilizar a jaqueta durante o verão, período em que não raras vezes nos sentimos mal, e por vezes com sensação de desmaio, face ao enorme calor que se fazia sentir em face do fardamento obrigatório que tínhamos de vestir, e trabalhávamos ostentando um mau odor das roupas face ao exposto;


15- inclusive, ainda sobre o uso das jaquetas durante o verão, e porque a situação se tornou insustentável, reportei a situação à Diretora, CC, que apenas me disse que “têm de utilizar a jaqueta senão o seguro não cobre os danos e pronto”, - portanto, sempre forçados a trabalhar nas mesmas condições;


16- Em relação ao fardamento de verão e desadequação do mesmo, junto prova fotografia de uma t-shirt, e da forma como esta se encontrava após o período de entregas na hora de almoço – DOC. Nº1;


17- Quanto ao fardamento, nos períodos de chuva, verifiquei que a jaqueta não era composta de material impermeável, permitindo a passagem de água para a roupa interior, não sendo o material da jaqueta totalmente selado à entrada de água, o que fez com que muitas vezes as minhas roupas acabassem molhadas pela entrada de água, após as entregas em período de chuva;


18- A desadequação dos equipamentos às condições atmosféricas foi devidamente reportada também ao Diretor de Loja, BB, possuindo eu inúmeras mensagens a solicitar que nos fosse entregue fardamento adequado pela empresa – o que sempre foi ignorado;


19- Ainda relativamente ainda ao material das entregas, concretamente aos motociclos na Burger king, durante o mês de Setembro de 2023, reportei ao Diretor de Loja, BB, em Setembro que o pneu frontal do motociclo que utilizo nas entregas sem encontrava desgastado e que teria de ser substituído a fim de garantir a minha segurança; até ao momento o pneu não foi substituído e a qualquer momento poderá acontecer algum acidente face ao visível degaste do pneu;


Quanto à falta de pagamento de comissões, trabalho suplementar e trabalho aos feriados:


20- Durante todo o período de trabalho, prestei trabalho suplementar durante os primeiros três meses, com a anuência da empresa, em mais uma hora por dia, trabalho esse o que nunca me foi pago;


21- Deixei de prestar trabalho suplementar porque a empresa nunca liquidou os valores, e não existia qualquer motivação para continuar a prestar trabalho suplementar sob essas condições;


22- O trabalho prestado aos feriados, também não foi pago pela empresa de acordo com a legislação em vigor (acréscimo de 100% da retribuição) ou atribuição de descanso suplementar obrigatório;


23- Fizesse o que fizesse recebia praticamente o mesmo, uma vez que a empresa não fazia contas ao trabalho suplementar, e ao acréscimo de remuneração aos feriados;


24- Reportei o sucedido ao Diretor de Loja, BB, solicitando a retificação dos valores a fim de me serem liquidados, e nunca obtive qualquer resposta ou explicação;


Quanto às humilhações à minha honra e consideração pelas chefias:


25- A atmosfera de trabalho é hostil e o Diretor de Loja, BB, não revela qualquer respeito por mim bem como pela maioria dos trabalhadores estrangeiros, sobretudo os de nacionalidade Brasileira, contra quem sucessivamente, exerce praticas discriminatórias;


26- Reiteradamente, nas referidas circunstâncias, o Diretor de loja, BB, refere ainda o seguinte: “Os Brasileiros são todos armados em espertos”; “Vocês vêm para aqui para enganar os Portugueses”;


27- A referidas práticas tornaram-se corriqueiras, e constantemente ouço o mesmo tipo de afirmações discriminatórias: “Os Brasileiros são todos armados em espertos”; “Vocês vêm para aqui para enganar os Portugueses”;


28- Sucedeu ainda que, recebi inúmeras reclamações de clientes nas entregas exteriores de verão, uma vez que o Diretor de loja, BB, não geria de forma ordeira os pedidos das entregas da Uber e Glovo, razão pela qual se acumulavam pedidos, que chegavam frios aos clientes, dada que por vezes tinha que efetuar 7 (sete) ou mais entregas de uma única vez, de forma ininterrupta;


29- Sucedeu ainda que, face à acumulação de pedidos, os mesmos, face ao volume que ocupavam, não cabiam nos motociclo (acelera) da empresa, tendo eu acabado por efetuar entregas de pedidos aos clientes, utilizando para o efeito a minha viatura pessoal;


30- Outras vezes, e face ainda à acumulação de pedidos, e má gestão dos mesmos pelo Diretor de Loja, BB, ficava sem tempo sequer para almoçar, ir à casa-de-banho, beber água ou efetuar necessidades básicas - sendo que tal sucedia tanto comigo, quanto com os meus colegas distribuidores;


31- Antes da entrada de BB para a Direção da loja da Burger King de Vila 1, cerca de Dezembro de 2022, privei com o anterior Diretor de Loja, de nome DD, que sempre me respeitou e nunca exerceu qualquer tipo de assédio moral, na vertente de discriminação em função da minha nacionalidade Brasileira;


32- Já com o atual Diretor de loja, BB, a situação de assédio tornou-se absolutamente corriqueira;


33- Inicialmente tentei esforçar-me a fim de manter uma relação cordial com o mesmo, o que não foi possível, face aos constantes desrespeitos;


34- No entanto a situação foi-se agravando;


35- Tanto é que, em Julho de 2023, constatei a existência de documentos internos da empresa, onde a minha assinatura havia sido falsificada;


36- Por tal razão, em 06 de Setembro de 2023, participei o sucedido à Autoridade Para as Condições do Trabalho, dando conta do assédio moral e da existência da minha assinatura falsificada em documentos internos da empresa – cfr. DOC. Nº 2 que junto;


37- Após o dia 06 de Setembro de 2023, a Autoridade Para as Condições de Trabalho, acabou por realizar a ação inspetiva na loja da Burger King em Vila 1;


38- Nesse dia presenciei, de facto, o Diretor de Loja, BB, a assinar documentos que seriam para ser assinados por mim e pelos outros distribuidores, os quais posteriormente remeteu à ACT, mais uma vez falsificando as nossas assinaturas;


39- Logo aí entendi que havia sido o Diretor de Loja, BB, a falsificar os outros documentos que motivaram a minha participação inicial junto à ACT;


40- Por ter tomado conhecimento da referida falsificação pelo Diretor de Loja, BB, nos referidos documentos, acabei por formalizar queixa crime junto da Guarda Nacional Republicana de Vila 2 (NUIPC 634/23.5...) dando conta do sucedido;


41- Não posso permitir a continuidade de tais comportamentos desrespeitosos para com a minha pessoa, e não existem mais condições de manter o vínculo laborar com V. Exas. face a todas as situações acima descritas;


Todos os episódios relatados, conduta da empresa, que sempre ignorou tudo quanto foi reportado, nada fazendo, e sem sinais de qualquer melhoria, ao que acresce a conduta do Diretor de Loja, BB, e todo o assédio moral no local de trabalho, levam a que considere que deixe de ser exigível o prosseguimento da relação contratual com V. Exas., inviabilizam a manutenção da relação contratual.


Todos os factos que aqui apresento no seu conjunto, e dado o seu prolongamento no tempo e gravidade, foram aptos a criar em mim um desconforto e mal-estar no trabalho que não permite mais continuarmos a relação jurídica laboral.


Solicito, então, que me sejam pagos à data da cessação do contrato de trabalho, todos os créditos laborais em dívida, bem como todas as importâncias devidas em virtude da cessação do contrato de trabalho – pelo que solicito o envio de recibos de remuneração correspondentes a todo o período de vigência do contrato – e ainda respetiva indemnização pela cessação do contrato de trabalho com justa causa prevista no artigo 396º do Código de Trabalho, à qual deverá ainda cumular indemnização por assédio no local de trabalho, conforme dita o preceituado pelo artigo 29º do mesmo diploma legal.


Solicito ainda a V. Exas. que me seja entregue com caráter de urgência, o certificado de trabalho e todos os documentos destinados a fins oficiais, nomeadamente o modelo RP5044, para atribuição do subsídio de desemprego. Tal documentação deverá ser devidamente preenchida, assinada e carimbada por V. Exa., conforme dispõe o artigo 341º do Código do Trabalho. Caso tal documentação não seja por mim rececionada no prazo de três dias úteis, bem como se não me forem pagos todos os créditos laborais devidos, serei forçado a participar tal incumprimento à Autoridade Para as Condições de Trabalho e a propor a competente ação judicial. (artºs 4º e 13º da p.i.).


6- A Ré não reconheceu a justa causa, não tendo entregue ao Autor o modelo assinado a fim de este aceder às prestações referentes ao subsídio de desemprego (artº 49º da p.i.).


7- A Ré não entregou o modelo 5044 com a opção que o Autor pretendia (resolução com justa causa) porque entendia, e entende, que o mesmo não tinha justa causa (artº 5º da contestação).


8- Aquando da resolução do contrato pelo Autor, a Ré transferiu para o Autor a quantia de € 412,00 (quatrocentos e doze euros) (artº 91º da p.i.).


9- Ao Autor foi-lhe ainda transferido € 769,21 em outubro, mês onde foram apuradas as contas finais, nos termos constantes do documento 4 da contestação, sendo que a Ré, por lapso, não operou a compensação de créditos a que se achava com direito e, por isso, emitiu um recibo retificativo de outubro onde consta o valor que considerava ser-lhe devido pelo Autor por falta de aviso prévio, no valor de € 759,90 (artºs 54º, 61º, 62º e 64º da contestação)


10- Imputando ao Autor a não devolução da respetiva farda, a Ré descontou-lhe o montante de € 125,00 no recibo final (artº 63º da contestação).


11- O Autor recebia os subsídios em duodécimos (artºs 53º e 64º da contestação).


12- O Autor utilizava a mesma farda em qualquer época do ano, sendo obrigado a utilizar o casaco com publicidade da BK vestido nas suas funções de distribuidor, por ordens diretas da chefia da Ré, mesmo no período de verão, quando as temperaturas subiam (artºs 14º e 18º da p.i.).


13- O Autor queixou-se diversas vezes do que entendia ser a desadequação do fardamento à chefia da Ré, na pessoa do Diretor de loja da BK Vila 1, BB, tendo o mesmo dito ao Autor que “não podia fazer nada”, e que “tinham de aguentar” porque “eram normas da empresa” (artºs 15º e 17º da p.i.).


14- Durante todos os meses de verão em que o Autor trabalhou obrigatoriamente de casaco, a mando da Ré e seguindo as suas normas, o Autor sentia-se exausto pelo calor a que era exposto (artºs 20º a 22º da p.i. e 25º da resposta).


15- Durante o período de verão, face às condições a que se via exposto, o Autor vivia as 40 horas semanais do seu trabalho obrigatório, suado e com mau odor impregnado nas roupas (artºs 23º e 24º da p.i. e 25º da resposta).


16- Alguns colegas reportaram ao A. o seu desconforto com o que consideravam ser a desadequação do fardamento, e também se queixaram à Ré, nomeadamente, do calor que o casaco causava nos dias mais quentes de verão (artºs 16º da p.i. e 18º da contestação).


17- O equipamento de proteção individual que o Autor usava por ordens da Ré era composto por: capacete com viseira, luvas com proteção dos metacarpos, casaco com proteções nos ombros e cotovelos e calças (artºs 12º da contestação e 14º da resposta).


18- O Autor estava consciente de que o equipamento de proteção individual era composto pelos elementos indicados no artigo anterior e quais as normas internas que devia seguir (artº 15º da contestação).


19- O casaco principal é quente porque é feito para proteger os trabalhadores em caso de acidente, nomeadamente queda, visando evitar que quem conduz motas, se cair ao chão e raspar com o corpo no asfalto ou noutros objetos, sofra queimaduras por abrasão (o que se agrava se o asfalto estiver quente), pelo que se torna necessário utilizar casaco e ainda calças e luvas adequadas, além do capacete, que protejam caso tal evento aconteça e os materiais têm de ser fortes, resistentes e estanques e isso tem o inconveniente de os tornar quentes (artºs 18º a 22º da contestação).


20- Existem equipamentos adequados à condução de motociclos, tanto para as épocas quentes, quanto para as frias, e que não são tão quentes no verão, mas são mais dispendiosos e a sua adoção implicaria custos para a Ré tidos por esta como incomportáveis (artºs 27º a 32º da resposta). (eliminado pelos motivos que infra se indicam)


21- Nos casos em que o pedido fosse feito para ser entregue na praia, as instruções que o Autor tinha por parte da sua chefia, concretamente de BB, eram de que devia contactar o cliente e pedir para se encontrarem nas escadas de acesso à praia ou no bar ou noutro sítio razoável para se proceder à entrega (artºs 24º e 25º da contestação).


22- Durante o inverno, como o fardamento da Ré não era completamente impermeável, as roupas do Autor ficavam molhadas da água da chuva, tendo chegado a motivar que, em dezembro de 2022, o Autor ficasse doente, com um episódio de febre e dor de garganta que o impediu de trabalhar, levando a Ré a descontar ao Autor o dia de trabalho, por este não apresentar documento médico justificativo da falta (artºs 29º a 32º da p.i. e 25º da resposta).


23- A Ré descontou o dia ao autor porque o Autor não apresentou documento justificativo da sua falta (artºs 27º a 29º da contestação).


24- A Ré tencionava entregar um casaco adicional impermeável para a chuva, mas o fornecedor certificado para fornecer este tipo de equipamentos, teve problemas de stock e a Ré não conseguiu entregar atempadamente o casaco ao Autor (artº 13º da contestação).


25- A Ré, por vezes, tomou a decisão de encerrar o Home Delivery por estar um dia de muita chuva, como está previsto no Protocolo de Atuação em Tarefas de Distribuição da mesma (artº 17º da p.i.).


26- Por vezes, quando a Ré suspendia o Home Delivery, pedia ao Autor que passasse para dentro da loja enquanto a chuva persistisse, ficando o Autor a trabalhar dentro da loja com as roupas vindas de fora atendendo o Autor, clientes, e despachando pedidos na cozinha com aquelas roupas (artº 20º da resposta).


27- O Autor, sentindo que as chefias - BB (Diretor de zona) e CC (coordenadora de zona) - nada faziam perante as suas queixas, o que o fazia sentir-se ofendido, decidiu denunciar junto da ACT o que entendia ser a falta de condições de trabalho, tendo em 6 de setembro de 2023 solicitado pedido de intervenção inspetiva, tendo descrito o seguinte:


“Durante o Inverno do Ano passado cobrei dos meus gestores EPI compatíveis com a estação do ano, entregaram as jaquetas, as luvas, os capacetes e nos pediram para assinar alguns papéis, dizendo que era da nossa responsabilidade estes objetos. Chegando à época mais chuvosa, foi percebido que o fato de chuva, na verdade era o casaco de entrar na câmara fria, que não era impermeável e sim repelente, que passava água sim. Avisei aos gestores e pedi um equipamento compatível e não fui atendido novamente, e falei pela equipe, ninguém recebeu. Nós reclamávamos da farda e mandavam nós usarmos o casaco de frio, sem as proteções ideias. Durante alguns dias já enfermo, faltei a um dia de trabalho pois estava com febre e dor de gargante por ter levado muita chuva e me deram falta. Não tinha justificativa, segundo eles. E eu entendo, deveria ter entregue alguma baixa para não ser descontado, mas na época eu não tinha médico de família ainda e foi e informado que não me dariam a baixa, então eu não procurei e aceitei a perda. Passou-se mais algumas semanas, iniciamos a primavera o verão e eu solicitei novamente que reivissem os epis, as motos já estavam com os pneus carecas. Não fui atendido novamente, as motas passaram por mudanças e agora entraram umas novas 50CC que, por segurança não passavam dos 50 a hora. Falaram que era para nós sairmos sem as jaquetas, eu concordei, até chegar verão. Nós tínhamos que escolher, ou usar a jaqueta ou colocar nossa vida e risco. Era para ser um EPI mas se tornou um castigo. Ao andar com a jaqueta da forma solicitada e tendo que cumprir a lei de transito ao andar com a viseira fechada, era impossível ficar mais de 5 minutos de jaqueta de motoqueiro (com proteções, toda fechada), calça, também nem bolsos tinha, e o capacete e ao final disto entregar o pedido ao cliente em boas condições higiénicas, como? O capacete, a viseira embaçava, meu corpo todo encharcado de suor, depois de algumas horas trabalhando dessa forma seu corpo desidrata, você perde o foco ocular e as coisas ficam turvas, é extremamente arriscado e era basicamente obrigado a trabalhar dentro de uma sauna.


Impossibilitando assim, eu usar TODOS os epis AO MESMO TEMPO. Eu tive nesse período 4 camisetas de uniformes diferentes, pois elas manchavam com o meu suor retido no tecido da jaqueta. Raramente, no ínicio dos meus trabalhos eu saía no meu horário, sempre saía tarde, pois achava que essas horas iam ser vistas, e não foram, eles não pagam horas extras, a ninguém e por medo de muitos ninguém fala nada (…)” (artºs 33º a 37º da p.i.).


28- O Autor verificou que existia um documento com o seu nome, assinado nos papéis de trabalho, denominado “reconhecimento de formação em condução preventiva distribuidores e equipa de direção” (que se encontra junto como documento nº 5 da p.i.), cuja assinatura não havia sido aposta pelo Autor, não sendo a sua (artºs 61º, 63º e 64º da p.i.).


29- O Autor denunciou o sucedido à ACT, aquando do seu pedido de ação inspetiva junto da ACT em 06 de setembro de 2023, tendo mencionado:


“(…) até que um dia pesquisando uma foto no meu celular de trabalho, vi um documento com meu nome e uma assinatura e essa assinatura não era minha, ela tinha sido falsificada.


Não consigo dar nomes pois não sei realmente quem fez, mas estava no telefone que eu uso pra trabalho e é o mesmo que o diretor usa pra enviar coisas do dia a dia. Vi que era um documento com os nomes dos estafetas e os objetos entregues, e ali constavam todos os epis possíveis, e havia epis que eu nunca tinha visto” (artº 62º da p.i.).


30- O Diretor de Loja, BB, proferia afirmações jocosas sobre brasileiros (artº 54º da p.i.). (eliminado pelos motivos que infra se indicam)


31- O Diretor de Loja de Vila 1, BB, dirigindo-se ao Autor e a outros colegas referiu que: “Os Brasileiros são todos armados em espertos” e “Vocês vêm para aqui enganar os portugueses” (artº 73º da p.i.).


32- A situação que motivou as queixas do Autor de desadequação dos equipamentos de trabalho não sofreu alteração, apesar dos pedidos do Autor nesse sentido (artº 86º da p.i.).


33- O referido em 12 a 15, 22, 23, 26, 28 e 30 a 32 provocou desgaste emocional no Autor, o qual se sentia desgostoso e desrespeitado pela Ré (artºs 27º, 47º, 48º, 51º e 75º da p.i.). (alterado pelos motivos que infra se indicam)


34- O Autor chegou a utilizar a sua viatura pessoal (carro) para efetuar as entregas de pedido de comida da Ré (artºs 44º e 46º da p.i.).


35- Tal ocorria no final do seu turno, sendo que o Autor se oferecia para entregar os pedidos no seu veículo automóvel, quando a rota coincidia com o seu regresso a casa e assim não teria de ir fazer a entrega e regressar, podendo chegar a casa mais cedo (artº 41º da contestação).


36- Na referida loja da Ré apenas uma percentagem residual dos trabalhadores é portuguesa (artºs 57º e 58º da p.i.).


37- Estão publicadas na página google.pt críticas, referindo, nomeadamente, a respeito do estabelecimento em causa nos autos, que:


“EE


(2 estrelas)


A comida não sabia mal, mas nunca pensei ver o q vi, o funcionário a fazer o hambúrguer com AS MÃOS!!! Q nojo! Não volto!!!


[…]


FF – há um mês [já após a saída do Autor]


(1 estrela)


As expectativas não são altas, mas chegar e deparar-nos com um serviço tão fraco e inferior ao básico.


Todo o staff nem demonstra um esforço mínimo. O espaço é sujo e pouco cuidado.


Todas as mesas estão imundas sem qualquer tentativa de limpeza. Horrível.


[…]


GG – há um mês [já após a saída do Autor]


(1 estrela)


Conheço alguns Burger King em Portugal, a maioria cumpre o cardápio de carnes assadas e pães deliciosos. Esse do centro comercial em Vila 1 não se encaixa em nada! O hambúrguer não era assado tudo muito gorduroso com sabor de óleo vegetal reutilizado como fritura. Conclusão: minha família comeu e passou mal.


Não recomendo para pessoas com mais de 65 anos. Péssimo!” (artº 59º da p.i.).


38- De acordo com os dados da Ré, o apuramento do número de pedidos, por mês, que o Autor entregou era o seguinte:


- no mês de novembro de 2022, 37 pedidos;


- no mês de dezembro de 2022, 167 pedidos;


- no mês de janeiro de 2023, 161 pedidos;


- no mês de fevereiro de 2023, 128 pedidos;


- no mês de março de 2023, 185 pedidos;


- no mês de abril de 2023, 124 pedidos;


- no mês de maio de 2023, 59 pedidos;


- no mês de junho de 2023, 143 pedidos;


- no mês de julho de 2023, 149 pedidos;


- no mês de agosto de 2023, 158 pedidos;


- no mês de setembro de 2023, 115 pedidos;


- no mês de outubro de 2023, 6 pedidos (artºs 30º e 31º da contestação).


39- Nunca foi solicitado ao Autor que levasse pedidos que não coubessem na caixa para transporte das refeições no motociclo utilizado pelo mesmo (artº 37º da contestação).


40- O Autor, assim como os restantes motoristas, preferia usar o motociclo 125cc de cilindrada, por ser mais rápido (artº 38º da contestação).


41- BB confrontou o Autor com a informação que teria, de que a namorada do Autor – que então também era trabalhadora na Ré – utilizava a mota da empresa para fazer entregas pessoais para a Uber (artº 39º da contestação).


42- O Autor chegou a convidar para um seu show de DJ o gerente BB (artº 44º da contestação).


43- O Autor, quando deixou de trabalhar para a ré, ficou sem meios de rendimento, sem qualquer suporte financeiro, vivendo do apoio financeiro da sua companheira, HH (artº 50º da p.i.).


44- Correu termos outro processo de outro ex-trabalhador da Ré, II, testemunha nos presentes autos, já com decisão do Tribunal da Relação de Évora confirmando o reconhecimento da justa causa de resolução (artºs º1 e 2º da resposta).


-


E julgou não provados os seguintes factos:


i) O Autor e os distribuidores, eram obrigados pela chefia da Ré, a efetuar as entregas de pedido de comida dentro do areal da praia, utilizando o casaco com a publicidade da Ré, e por tal razão eram sempre motivo de chacota dos clientes da Ré, que gozavam com ao Autor dizendo: “então o teu patrão não te dá outra farda?” (artºs 25º e 26º da p.i.).


ii) O Autor foi durante todo o tempo em que prestou trabalho na Ré, bode expiatório de toda a má gestão levada a cabo pelo Diretor de loja, BB, porque, diariamente, ouvia as reclamações dos clientes finais da Ré aquando das entregas exteriores, uma vez que o Diretor de loja, BB, não geria de forma ordeira os pedidos, sucedendo quase sempre, sobretudo no verão, que se acumulavam seis e sete pedidos, que depois eram entregues, também por ordem, e que chegavam frios e em mau estado aos clientes (artºs 39º a 41º da p.i.).


iii) E pese embora o Autor tenha reportado ao diretor de loja o descontentamento dos clientes, nada foi feito, e as entregas continuaram assim (artº 42º da p.i.).


iv) Em algumas alturas o volume das sete encomendas a entregar de cada vez não cabia nas motorizadas (de 50cc de cilindrada) de entregas da Ré (artº 43º da p.i.).


v) Foi para evitar mais conflitos e mais reclamações dos clientes da Ré, e para salvaguardar a sua integridade física, que o Autor chegou ao limite de utilizar a sua viatura pessoal (carro) para efetuar as entregas de pedido de comida da Ré (artºs 44º e 46º da p.i.).


vi) O Autor sofria, ouvindo reclamações dos clientes da Ré, a propósito do estado da comida (artº 45º da p.i.).


vii) Porque o Autor não tinha outro sustento, aguentou o trabalho na Ré, até ao limite do seu bem-estar físico e emocional (artº 47º da p.i.).


viii) Por tudo o que vivenciou na Ré, que o abalou física e emocionalmente, o Autor acabou por perder cerca de 20 quilos, por tudo aquilo a que se submeteu na Ré, em poucos meses de trabalho (artº 51º da p.i.).


ix) O Diretor de Loja, BB tratava de forma desigual os colegas que gostava e que não gostava (artº 55º da p.i.).


x) E o Autor era um dos trabalhadores com quem BB “não ia com a cara” (artº 56º da p.i.).


xi) É do conhecimento das pessoas da zona que a loja BK Vila 1, não funciona bem, não sendo para muita gente um local de trabalho atrativo (artº 59º da p.i.).


xii) Era prática habitual o assédio moral no local de trabalho, na vertente de discriminação em razão da nacionalidade, levada a cabo pelo responsável de loja da Ré, BB, sendo que o Autor e os seus colegas brasileiros com quem BB “não ia com a cara” foram submetidas reiteradamente a comportamentos de mobbing, bullying e assédio por parte da chefia da Ré e que os episódios de humilhação, assédio e vexame em razão da nacionalidade, sucederam reiteradamente, ao longo de todo o período de trabalho, de forma ininterrupta e sucederam tanto com o Autor como com alguns dos seus colegas não portugueses (artºs 60º e 70º a 72º da p.i.).


xiii) O documento denominado “reconhecimento de formação em condução preventiva distribuidores e equipa de direção” (que se encontra junto como documento nº 5 da p.i.) dizia respeito a formação que o Autor e os seus colegas cujos nomes constam nos documentos, não haviam frequentado (artº 64º da p.i.).


xiv) No dia da ação inspetiva, em 06 de setembro de 2023, já após a saída da ACT da loja BK Vila 1, o Autor presenciou o Diretor de Loja, BB, a assinar os documentos que haviam de ser assinados tanto pelo Autor, quanto pelos seus colegas, após a ação inspetiva da ACT, a serem assinados pelo Diretor de Loja, BB (artºs 65º e 66º da p.i.).


xv) Foi por tal razão que o Autor apresentou queixa crime formal contra BB, em 11 de outubro de 2023, estando o processo em fase de inquérito, correndo termos junto do Ministério Público de Cidade 1, sob o número 634/23.5... (artº 67º da p.i.).


xvi) O Autor e muitos outros colegas de trabalho lidaram com um “massacre” ao longo de todo o período de trabalho na Ré, em que foram vítimas de assédio no local de trabalho, durante todo o tempo em que lá estiveram (artº 68º da p.i.).


xvii) E sempre se foram calando, com medo de represálias, e porque reportavam a situação à entidade ACT e nada mudava (artº 69º da p.i.).


xviii) Os episódios de assédio moral, xenófobos eram do conhecimento da chefia da Ré, inclusive da coordenadora de zona, CC, mas eram totalmente desvalorizados (artº 76º da p.i.).


xix) Para as chefias da Ré, era banal e normal haver comentários racistas, mas o Autor e para os seus colegas, esses eram comentários desagradáveis, ofensivos da sua honra e consideração e que os colocavam “num nível de ser humano inferior” à chefia da Ré (artº 77º da p.i.).


xx) O Autor tinha outras fontes de rendimento além do trabalho com a Ré, sendo estafeta Uber e DJ (artº 8º da contestação).


xxi) As calças fornecidas ao Autor eram impermeáveis e tinham proteções nos joelhos (artº 12º da contestação).


xxii) Só por alturas de Junho de 2023 é que o Autor decidiu queixar-se das condições do equipamento que lhe tinha sido fornecido (artº 14º da contestação).


xxiii) O casaco principal do Autor deixou de ser impermeável porque o mesmo removeu a proteção de dentro, um forro que o impermeabilizava e que teria protegido o Autor da chuva se este não o tivesse removido (artºs 12º e 26º da contestação).


xxiv) Por parte do outro estafeta (JJ) não havia registo de queixas por parte dos clientes (artº 36º da contestação).


xxv) Não existiram quaisquer episódios de assédio moral ou xenofobia contra o Autor (artº 48º da contestação).


xxvi) O Autor não devolveu a farda à Ré (artº 63º da contestação).


xxvii) O Autor executou alguns trabalhos enquanto DJ mas com uma remuneração insignificante, que não lhe permitia alimentar-se nem pagar a renda, permanecendo o Autor, por culpa da Ré, em situação vulnerável (artº 7º da resposta).


xxviii) Nem o Autor nem qualquer outro distribuidor utilizava colete refletor, nem calças impermeáveis nos EPIS e foi aliás, o próprio Autor quem comprou uma proteção para os joelhos para usar com as calças, pois Ré apenas forneceu capacete com viseira, luvas e casaco não impermeável (artºs 12º a 14º da resposta).


xxix) Por só possuir um casaco e este acumular maus odores dos períodos de trabalho, o Autor tinha necessidade de o lavar o casaco quando já não conseguia mais suportar os mais odores, e porque isso poderia ainda dar azo a reclamações dos clientes da ré aquando das entregas, pelo que, algumas vezes, o Autor retirou a parte interior não impermeável do casaco, mas voltou a colocá-la e não a retirou definitivamente (artº 22º da resposta).


xxx) Por muitas vezes, o Autor ficava ao sol, no areal da praia, a aguardar a chegada dos clientes da Ré, porque não os conseguia encontrar, apesar de tentar, por instruções da Ré (artº 34º da resposta).


xxxi) O Autor entrou muitas vezes em desespero, efetuando diversas denúncias junto da ACT, a última delas em 06 de setembro de 2023 (artº 35º da resposta).


xxxii) A Ré também nunca apresentou ao Autor, qualquer alegado “protocolo de atuação em tarefas de distribuição” (artº 53º da resposta).


xxxiii) A Ré não atribui motas em condições adequadas aos distribuidores, mas sim motas com pneus gastos, nunca colocou a mota com os pneus gastos fora de serviço, sendo esta sempre utlizada para as entregas, não retira de serviço os equipamentos que se encontram em mau-estado, nem garante que os distribuidores possuem o uniforme de proteção completo e em boas condições, permite que os distribuidores realizem entregas sem o uniforme de proteção completo, nunca ministrou ao Autor qualquer curso de condução preventiva e, apesar de o Autor comunicar diversas vezes à Ré que a moto não tinha cilindrada suficiente para fazer face ao percurso da entrega - que por vezes incluía subidas, uma vez que o motociclo estava restrito à velocidade de 50 km hora, podendo ocasionar colisões e/ou acidentes face a tal limitação, a Ré nunca proporcionou o uso de outro motociclo (artºs 54º e 56º da resposta).


xxxiv) O Autor devolveu a farda à Ré, tendo-a deixado nas instalações da BK (artº 67º da resposta).


*


IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto


A recorrente impugna a decisão proferida quanto à matéria de facto.


Especificamente, impugna os pontos 16, 20, 28 e 30 do elenco dos factos provados.


Consigna-se que a recorrente observou o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão prevista no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, pelo que nada obsta ao conhecimento da impugnação.


Principia a recorrente por sustentar que os pontos 16 e 30 são genéricos e conclusivos. Concretizando argumenta que a referência a “alguns colegas” é genérica, e a utilização de termos como “desconforto” e “desadequação” é conclusiva.


Os pontos em causa têm o seguinte teor:


16- Alguns colegas reportaram ao A. o seu desconforto com o que consideravam ser a desadequação do fardamento, e também se queixaram à Ré, nomeadamente, do calor que o casaco causava nos dias mais quentes de verão.


30- O Diretor de Loja, BB, proferia afirmações jocosas sobre brasileiros.


Vejamos.


É consabido que a decisão sobre a matéria de facto deve incidir sobre factos, que relevem para a boa decisão da causa.


É certo que, como refere Alberto Augusto Vicente Ruço2, não obstante a referência constante nas leis processuais a factos, estas não definem o que são os factos.


Mas, continua este autor: «No entanto, quando aludimos a factos, o senso comum, diz-nos que nos referimos a algo que aconteceu ou está acontecendo na realidade que nos envolve e percecionamos.»


Nesse sentido intuitivo captado pelo senso comum, podemos afirmar, reproduzindo as palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora3, que os factos para efeitos da decisão sobre a matéria de facto «abrangem as ocorrências concretas da vida real», aqui cabendo «os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem)», assim como os «eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (…))»


Deste modo, juízos valorativos ou conclusivos e questões de direito, que influenciem a solução do objeto do litígio, não podem integrar o acervo factual.


Como corolário deste princípio, os juízos de valor, conclusões e questões de direito que sejam proferidos no âmbito da decisão sobre a matéria de facto devem, inclusive, ser considerados como não escritos pelo Tribunal da Relação, por constituírem uma deficiência do julgamento da matéria de facto que há que suprir4.


Volvendo à concreta impugnação da decisão fáctica, afigura-se-nos ser evidente a natureza valorativa/conclusiva do teor do ponto 30, tendo em consideração que um dos aspetos que integra o objeto do litigio – atendendo à justa causa invocada para a resolução contratual – é precisamente o de saber se o Autor/recorrido sofreu assédio moral, nomeadamente através de frases proferidas pelo Diretor de Loja, BB, respeitantes a cidadãos de nacionalidade brasileira.


Por conseguinte, entendemos que o ponto 30 deve ser eliminado.


Já quanto ao ponto 16, afigura-se-nos que os termos “alguns colegas”, “desconforto” e “desadequação”, no contexto em que se encontram inseridos, não são genéricos ou conclusivos.


“Alguns colegas” é uma realidade factual que se reporta a dois ou mais colegas do Autor, não obstante não se tenha conseguido determinar a quantidade exata.


Terem os referidos colegas declarado ao Autor que consideravam o fardamento desconfortável e desadequado reporta-se a um evento do foro interno desses colegas, relacionado com as suas sensações e pensamentos, constituindo, como tal, um acontecimento.


Enfim, quanto ao ponto 16, a impugnação improcede.


Refere, também, a recorrente que o ponto 20 deve ser eliminado, uma vez que contém matéria alegada na parte que não foi admitida da resposta à contestação.


Apreciemos.


Eis o teor do aludido ponto:


- Existem equipamentos adequados à condução de motociclos, tanto para as épocas quentes, quanto para as frias, e que não são tão quentes no verão, mas são mais dispendiosos e a sua adoção implicaria custos para a Ré tidos por esta como incomportáveis.


A materialidade descrita foi alegada nos artigos 27.º a 32.º da resposta à contestação.


Este articulado, conforme decorre do despacho saneador datado de 18-11-2024, apenas foi admitido «na medida em que toma posição quanto ao pedido reconvencional e à impugnação de documentos – e é somente neste âmbito que será tomada em conta».


O pedido reconvencional, deduzido na contestação, visava a condenação do Autor no pagamento de um determinado valor à Ré, devido à falta de aviso prévio na denúncia do contrato de trabalho, pois a Ré não reconheceu a existência de justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador.


Ora, afigura-se-nos que a factualidade assente no ponto 20 extravasa, efetivamente, a resposta ao pedido reconvencional e não constitui impugnação de documentos.


Por conseguinte, a mesma não poderia ser considerada para efeitos de decisão fáctica.


Assistindo, assim, razão à recorrente, elimina-se o ponto 20 do elenco dos factos provados.


Por fim, alega a recorrente que o ponto 28 deve ser expurgado da matéria assente porque o documento onde alegadamente consta a assinatura falsa não foi junto aos autos, pois a prova documental que foi apresentada foi uma fotografia de um documento, impugnada pela ré, a partir da qual não é possível inferir a falsidade da assinatura.


Analisemos.


O tribunal a quo motivou, desta maneira, a sua convicção quanto a este ponto:


«O número 28 resultou das declarações do autor, em conjugação com a prova documental, nomeadamente o documento nº 5 junto com a petição inicial, de onde resulta de modo claro que a assinatura que ali está inscrita não é a do autor, especialmente, quando se atenta noutros documentos, como o contrato de trabalho junto com a petição inicial com o nº 1, a carta de resolução junta com o nº 2, e, inclusivamente, os juntos pela ré com a contestação sob os números 2 e 2-C e, bem assim, na assinatura aposta pelo autor na procuração forense junta aos autos, pelo que, sem necessidade de grande esforço interpretativo, se verifica que a assinatura que ali está não é a do autor, nem a ré demonstrou algo em contrário.»


Desta fundamentação ressalta, de imediato, que “a fotografia” (doc. n.º 5 junto com a p.i) não foi o exclusivo meio probatório em que assentou a decisão quanto à materialidade descrita no ponto 28, o que faz claudicar ab initio a argumentação da recorrente.


Mas há mais, a mera comparação da assinatura atribuída ao Autor, resultante do documento n.º 5, com a assinatura constante dos demais documentos mencionados pelo tribunal a quo leva-nos, sem dúvidas ou hesitações, a concluir que a primeira não corresponde, de todo, à assinatura do Autor.


Acresce que ouvimos as declarações do Autor prestadas em julgamento, e este negou, de modo que se nos afigurou credível e sincero – tendo as suas declarações sido corroboradas, como já vimos, por prova documental isenta e idónea –, que tenha aposto a sua assinatura no documento fotografado.


Tudo ponderado, resta-nos concluir pela improcedência, nesta parte, da impugnação.


Em suma, a impugnação da decisão fáctica procede quanto aos pontos 20 e 30, que se eliminam, e improcede quanto aos pontos 16 e 28.


Na sequência do decidido, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, retira-se a menção ao ponto 30 que constava no ponto 33, passando este a ter a seguinte redação:


- O referido em 12 a 15, 22, 23, 26, 28, 31 e 32 provocou desgaste emocional no Autor, o qual se sentia desgostoso e desrespeitado pela Ré


*


V. Da alegada inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho


Sustenta a recorrente que o tribunal a quo errou ao reconhecer a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, pelo trabalhador.


Cumpre apreciar.


Prescreve o artigo 394.º do Código do Trabalho:


1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.


2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:


a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;


b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;


c) Aplicação de sanção abusiva;


d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;


e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;


f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.


3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:


a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;


b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;


c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.


d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.


4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.


5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.


De harmonia com o normativo citado, o trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho, devido à existência de justa causa.

A justa causa pode ser objetiva (não culposa) ou subjetiva (culposa).

A primeira, prevista no n.º 3 da norma, resulta de circunstâncias objetivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador.


A segunda, tem na base um comportamento ilícito do empregador e a ela se reporta o n.º 2 do artigo supracitado (embora, a título meramente exemplificativo).


A distinção entre as duas formas de justa causa mostra-se relevante, devido às consequências legalmente previstas, pois o artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho estipula que no caso de resolução do contrato de trabalho com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.


E, conforme foi sumariado no Acórdão da Relação de Évora de 01-02-2011 (Proc. n.º 51/10.7TTEVR.E1):5


«A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 394º a 399º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 396º do referido diploma, pressupõe que o trabalhador faça prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, a existência de justa causa».


A jurisprudência6 vem afirmando que a justa causa subjetiva para a resolução do contrato pelo trabalhador, exige a verificação dos seguintes requisitos: (i) um requisito objetivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador; (ii) um requisito subjetivo, consistente na atribuição de culpa ao empregador; (iii) um requisito causal, no sentido de que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.


Apresentadas estas prévias considerações genéricas, foquemo-nos agora no caso concreto.


Resulta da matéria assente que o Autor exercia, como trabalhador subordinado, as funções de estafeta/motorista, entregando pedidos feitos pelos clientes da Ré.


Estas funções foram realizadas desde 24-11-2022 até 12-10-2023, ou seja, quase um ano.


Para o exercício de tais funções, a Ré disponibilizou ao Autor uma moto e um fardamento, que, entre outros, era composto por um casaco com a publicidade da BK, com proteções nos ombros e nos cotovelos, que o Autor tinha de ter sempre vestido, de acordo com as ordens e instruções da Ré, quando executava as funções de distribuidor, independentemente da estação do ano ou das condições meteorológicas.


Ora, tal casaco não só não era completamente impermeável, como era, também, quente (pontos 19 e 22).


Na sequência, o Autor, no período de inverno, chegou a ficar doente, por ter estado a trabalhar com as roupas molhadas da água da chuva (pontos 22 e 23), e durante os meses de Verão, sentia-se exausto pelo calor a que era exposto e, durante as 40 horas semanais de trabalho, vivia suado e com mau odor impregnado nas roupas (pontos 14 e 15).


O Autor queixou-se à Ré destas condições de trabalho e da desadequação do fardamento, mas nada foi alterado, e, para além disso, recebia da sua chefia respostas de que tinha de aguentar porque eram as normas da empresa (pontos 13, 27 e 32).


A situação relatada provocou desgaste emocional no Autor, que se sentiu desgostoso e desrespeitado (ponto 33).


Ora, constitui dever do empregador proporcionar boas condições de trabalho ao trabalhador, do ponto de vista físico e moral – artigo 127.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho.


É certo que o empregador também deve garantir a segurança e saúde do trabalho, munindo o trabalhador de meios de proteção individual que o resguardem dos riscos profissionais a que está sujeito – artigo 127.º, n.º 1, alínea g), do mesmo Código. Contudo, ainda que o casaco fornecido ao Autor constituísse um equipamento de proteção individual em caso de acidente com a mota (pontos 17 a 19), o mesmo não era apto para proteger outros riscos inerentes à atividade (no inverno: humidade e chuva; no verão: sobreaquecimento, fadiga, suor em excesso e desidratação). Como tal, o casaco constituía um meio de proteção individual incompleto.


Atente-se que o mercado disponibiliza equipamentos de proteção para os riscos não cobertos, que também garantiam o risco coberto.


Assim o demonstra o ponto 24 dos factos provados, do qual se depreende que existiam soluções no mercado que garantiam absoluta impermeabilidade.


Ademais, uma simples pesquisa na Net, acessível a todos7, permite concluir que existem disponíveis casacos de proteção de motociclistas para o inverno e para o verão, atendendo precisamente aos fatores de risco típicos de cada estação.


Em suma, afigura-se-nos que a Ré ao não fornecer um casaco impermeável para o inverno (o que fez com que o Autor ficasse doente) e um casaco mais fresco para o Verão (com as consequências supra relatadas), ciente das queixas apresentadas pelo trabalhador, violou garantias e direitos deste (requisito objetivo).


E a situação apreciada constituía um dos fundamentos da justa causa invocada na carta de resolução contratual.


A culpa da empregadora presume-se nos termos previstos pelo artigo 799.º do Código de Processo Civil, sendo certo que a Ré não conseguiu afastar a presunção, alegando e provando os elementos factuais suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta.


O facto provado no ponto 23 não é suficiente para afastar a presumida culpa, pois existem no mercado vários fornecedores de casacos de motociclistas e vários modelos certificados, pelo que a Ré tinha, seguramente, alternativas ao seu dispor.


Verifica-se, consequentemente, preenchido, também, o requisito subjetivo.


No que concerne ao requisito causal, importa referir que ao longo de quase um ano a Ré revelou uma inaceitável indiferença perante as condições de trabalho do Autor, que sofreu na pele e na saúde (física e mental) as consequências do comportamento ilícito da sua empregadora, sem solução à vista, não obstante as suas queixas e reclamações sobre a desadequação do equipamento.


É compreensível que perante este contexto o trabalhador tenha perdido, irremediavelmente, a confiança na empregadora, nomeadamente a confiança de que a mesma lhe proporcionaria as adequadas condições de trabalho para o exercício da atividade. Por conseguinte, também consideramos verificado o requisito causal.


Dito de outro modo, o comportamento da Ré, pela sua gravidade e consequências, tornou impossível a sobrevivência da relação laboral.


Não era exigível e constituiria uma insuportável e injusta imposição a manutenção do contrato de trabalho para o trabalhador.


Por isso, acompanhamos a decisão recorrida quando sentenciou que, tendo em conta o comportamento analisado, o Autor tinha justa causa para resolver o contrato de trabalho.


Escreveu-se, ainda, na sentença recorrida:


«Com efeito, outra causa existe e prende-se com a existência de documentos nos quais foi aposta falsamente a assinatura do autor.


Recorde-se que se provou que o Autor verificou que existia um documento com o seu nome, assinado nos papéis de trabalho, denominado “reconhecimento de formação em condução preventiva distribuidores e equipa de direção” (que se encontra junto como documento nº 5 da p.i.), cuja assinatura não havia sido aposta pelo Autor, não sendo a sua.


Isto mesmo foi feito constar pelo autor na sua carta de rescisão, de cujo ponto 35 consta:


“Tanto é que, em Julho de 2023, constatei a existência de documentos internos da empresa, onde a minha assinatura havia sido falsificada”.


Note-se que não ficou demonstrado que o documento demonstrasse falsamente que o autor tinha assistido a ações de formação quando o mesmo não tinha na realidade assistido a essas ações. Nada se provou quanto à efetiva frequência das ditas ações de formação.


Porém, é suficientemente grave a circunstância de o documento existir e ter aposta uma assinatura que não é a do autor como sendo a sua (sendo a data do documento a da própria admissão do autor ao serviço), podendo ser efetivamente utilizado para comprovar a frequência de ação de formação (designadamente perante terceiros, como entidades fiscalizadoras), sem que o autor tivesse vindo a assistir a essas ações de formação.


Entendemos, pois, que tal comportamento é de molde a afetar a relação de confiança entre o autor e a sua entidade patronal, por forma a justificar a rescisão do contrato de trabalho com fundamento em justa causa.»


Subscrevemos, absolutamente, esta fundamentação e consequente juízo decisório.


Efetivamente, tendo o Autor constatado que existia um documento de trabalho interno da empresa que possuía uma assinatura sua que era falsa, toda a organização e probidade da empresa ficam, necessariamente, postas em causa, quebrando o vínculo de confiança.


Tudo ponderado, entendemos que, não obstante o Autor não tenha logrado provar os demais fundamentos que invocava na carta de resolução, ainda assim, os factos provados demonstram a existência de justa causa para a imediata cessação do contrato de trabalho pelo trabalhador.


Destarte, sufraga-se a decisão recorrida e, consequentemente, o recurso terá de improceder.


As custas do recurso deverão ser suportadas pela recorrente, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*


VI. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas do recurso a suportar pela recorrente.


Notifique.


Évora, 13 de novembro de 2025


Paula do Paço


Mário Branco Coelho


Emília Ramos Costa

_____________________________________

1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa↩︎

2. “Prova e Formação da Convicção do Juiz”, Almedina-Coletânea de Jurisprudência”, 2016, pág. 55.↩︎

3. “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, Págs. 406-407.↩︎

4. Neste sentido, a título de exemplo, acórdãos da Relação do Porto de 09-07-2014 (Proc. n.º 833/11.2TVPRT.P1) e de 02-03-2015 (Proc. n.º 1099/12.2TVPRT.P1).↩︎

5. Publicado em www.dgsi.pt.↩︎

6. De que é paradigmático o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2015 (Proc. n.º 736/12.3TTVFR.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt.↩︎

7. Cf. por exemplo:

a)https://www.martimotos.com/pt/casacos-verao-moto-c38?srsltid=AfmBOooZcaEobqfRAh0CxtYWNMTeqQzUX2ZWvXziKsBSZdrIjOdRZnhS;

b) https://pt.alpinestars.com/blogs/blog-post/best-summer-motorcycle-jackets-for-2025-ride-cool-stay-protected;

c)https://www.outletmoto.com/pt/impermeaveis?srsltid=AfmBOooPuMCIS51EGEy_iKA6LbK8v9aH8a-lZKKmBiFtMtTbJHtfSNP1;

d) https://www.pirelli.com/global/pt-br/road/motos/dicas/motociclista-voce-sabe-o-que-vestir-em-dias-de-chuva-154783/.↩︎