VIDEOVIGILÂNCIA
MEIOS DE PROVA
PROCESSO DISCIPLINAR
DESPEDIMENTO
PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I- É admissível, como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente ação judicial em que se impugna a aplicação da sanção de despedimento, a utilização de imagens obtidas através de sistema de videovigilância, desde que se verifiquem os pressupostos previstos na legislação aplicável em matéria de proteção de dados pessoais e se conclua que a finalidade da instalação do referido sistema não se destinava exclusivamente ao controlo do desempenho profissional do trabalhador, quando os factos imputados ao mesmo, em abstrato, consubstanciem a prática de ilícito penal.

II- Se o empregador, no articulado de motivação do despedimento, alega que os factos imputados ao trabalhador, em sede de processo disciplinar, constituem igualmente objeto de investigação em processo contraordenacional que corre termos no Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), instaurado na sequência de participação por si apresentada junto daquela entidade administrativa, e requer a junção aos autos de certidão do referido processo, tal requerimento deve ser entendido, por estar em causa prova documental suscetível de contribuir para o apuramento da verdade material.

Texto Integral

P. 8351/24.2T8STB-A.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


Relatório


1. Na ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que AA intentou contra Grano Salis - Investimentos Turísticos, Jogo e Lazer S.A., foi decidido em despacho saneador, prolatado em 24-04-2025, no âmbito da apreciação dos requerimentos de prova:


«Das imagens captadas pelo sistema de CCTV


A ré requereu notificação ao SRIJ para juntar suporte físico onde conste o relatório das imagens de CCTV salvaguardadas no âmbito do processo Registado como ...131... em que é arguido o ora autor AA (trabalhador do Casino de Local 1), que foi feito para a Direção/Inspeção de Jogo.


Conforme decorre do articulado motivador e da resposta á contestação, a ré pretende o visionamento das as imagens captadas pelo sistema de CCTV na sala de jogo do Casino de Local 1 e as quais foram consideradas e valoradas no âmbito do processo disciplinar.


O autor opôs-se á junção aos autos dessas imagens (que não do relatório) e à sua reprodução, resumidamente, pugnando tratar-se de prova ilícita que instruiu o processo disciplinar, já que não foi praticado pelo trabalhador o crime previsto no artigo 113.º da Lei do Jogo e/ou o crime de associação criminosa e apenas poderiam ser utilizadas e valoradas as imagens captadas pelo sistema de CCTV em caso dessa indiciação, tendo havido apenas erro do trabalhador.


Apreciando e decidindo


O art.º 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, assegura a todos o direito fundamental «à reserva da intimidade da vida privada e familiar» e a mesma garantia encontra-se contemplada pelo artigo 80.º do Código Civil.


O art.º 20.º do CT prescreve que o empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador (n.º 1).


A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem (n.º 2).


Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo (n.º 3).


Por outro lado, o art.º 21.º do CT prescreve que a utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados (n.º 1).


A autorização só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objetivos a atingir (n.º 2).


Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho (n.º 3).


Em suma, destes citados normativos legais resulta que: (i) o empregador não pode utilizar meios de videovigilância para controlar a prestação do trabalhador; (ii) os meios de vigilância a distância são lícitos quando se destinem a proteger a segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem; (iii) a entidade competente para autorizar meios de vigilância a distância é (era) a Comissão Nacional de Proteção de Dados; (iv) os meios de vigilância a distância devem/deviam ser instalados nos termos da autorização concedida; e (v) o trabalhador deve ser informado sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados e a empregadora deve afixar a informação no local respetivo.


O art.º 20.º n.º 1 do CT proíbe a utilização de meios de vigilância a distância com a finalidade de controlar o trabalhador. No entanto o seu n.º 2 permite a vigilância a distância para proteger pessoas, bens ou nos casos em que particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem.


Desde 25 de Maio de 2018, encontra-se em vigor na ordem jurídica interna o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares respeitante ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados - RGPD).


O RGPD é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados Membros nos termos do artigo 288.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), ainda que no seu artigo 88.º, que contempla o tratamento em contexto laboral, remeta para o ordenamento jurídico dos Estados Membros a definição de «normas mais específicas para garantir a defesa dos direitos e liberdades no que respeita ao tratamento de dados pessoais dos trabalhadores no contexto laboral”, no sentido de “desenvolver, densificar, concretizar, as regras gerais previstas no RGPD atendendo às especificidades da relação laboral».


Este RGPD não prevê a necessidade de autorização administrativa para a captação de imagens de videovigilância, isto é, a que era conferida pela Comissão Nacional de Proteção de Dados. De acordo com o RGPD, é o responsável pelo tratamento que deve analisar previamente se o tratamento de dados pessoais, decorrente da utilização de um sistema de videovigilância, cumpre os requisitos do Regulamento (cfr. artigos 24.º, 25.º e 28.º do RGPD) e de outra legislação nacional que seja aplicável, máxime o Código do Trabalho.


Neste preciso enquadramento, a partir de 25 de Maio de 2018, a CNPD deixou de emitir autorizações para instalação de meios de vigilância à distância com captação de imagens nos locais de trabalho, eliminando a necessidade da intervenção prévia da Comissão de Proteção de Dados, que deixou de ter competência para autorizar a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho, pelo que a autorização administrativa deixou de constituir um pressuposto formal a ser observado. Em contrapartida, passou a impender sobre as entidades responsáveis pelo tratamento, a obrigação de verificação do cumprimento dos requisitos e de adoção de medidas de salvaguarda da proteção dos dados.


O regime previsto no Regulamento UE nº 2016/679, de 27 de Abril, em vigor desde 25 de Maio de 2018, que dispensa a autorização administrativa para a captação de imagens de videovigilância, não se encontra em harmonia com o disposto no art.º 21º, nº 1, do Código do Trabalho, que continua em vigor na sua redação primitiva, não obstante as sucessivas alterações a este diploma legal.


Ou seja, a desnecessidade atual da autorização da CNPD não significa que os demais pressupostos previstos no Código do Trabalho e no RGPD possam ser preteridos, continuando a impender sobre a entidade responsável pelo tratamento a obrigação de comprovar o cumprimento desses pressupostos, ficando a admissibilidade da valoração das imagens como meio de prova dependente da alegação e prova do cumprimento de tais requisitos pela entidade responsável.


E quando exista a referida autorização administrativa, emitida ao abrigo da lei anterior, a mesma terá de ser ponderada, na medida em que foi concedida por uma entidade pública independente, e com poderes de autoridade, que analisou as condições em que foram instaladas as câmaras de vigilância que captaram as imagens, bem como a indicar a finalidade da instalação e a aferir se o meio usado era necessário, adequado e proporcional aos objetivos a atingir, cfr. o n.º 2, do artigo 21.º do Código do Trabalho.


No caso dos autos, o autor (trabalhador) não questiona a verificação dos requisitos formais da videovigilância no local de trabalho, já que não só assume ter conhecimento da mesma, como da sua finalidade e autorização. Assim, o autor coloca em causa apenas os requisitos substanciais da utilização das imagens provenientes da videovigilância para controlo da sua atividade profissional e, assim, para fins disciplinares, entendendo também que no âmbito do processo de impugnação da regularidade e licitude do despedimento não pode tal prova ser produzida, ou seja, questiona a admissibilidade deste meio de prova.


Vejamos então.


É conhecida a controvérsia referente à admissibilidade do uso como meio de prova, quer no processo disciplinar, quer no processo judicial, das tal essa específica finalidade, possam ter registado conduta ilícita do trabalhador.


Por um lado, regista-se o entendimento segundo o qual, é totalmente vedado usar as imagens com tal objetivo, entendendo-se que a autorização para o recurso à videovigilância admitida para a prossecução de um determinado fim, a proteção de pessoas e bens, apenas poderá ser usada para esse mesmo fim e não para efeitos de punição disciplinar do trabalhador, vd. Miguel Basto, Da (I)Legalidade da Utilização de Meios de Vigilância


Eletrónica (Para Controlo do Desempenho Profissional do Trabalhador), p. 15, in www.verbojuridico.com, e na jurisprudência o acórdão do TRL de 03.05.2006, processo 872/2006-4, e o acórdão do TRP de 09.05.2011, processo 379/10.6TTBCL-A.P1, consultáveis em www.dgsi.pt.


Por outro lado, regista-se um outro entendimento, segundo o qual é legítimo o uso das imagens captadas por câmaras de observação genérica, considerando-se que a limitação constante do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Trabalho deve ser adequadamente interpretada quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de proteção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a proteção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma atuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender, neste sentido designadamente os Acórdãos do TRE, de 2010.11.09, processo 292/09.0TTSTB.E1, e de 07.12.2012, processo 292/09.0TTSTB, do TRL de 2011.11.16, processo 17/10.7TTBRR.L1-4, de 06.06.2012, processo 18/09.8TTALM.L1-4, e de 08.10.2014, processo 149/14.2TTCSC.L1-4, todos in www.dgsi.pt, e David de Oliveira Festas, O direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador no Código do Trabalho, in ROA, ano 64, vol. I/II, Nov, 2004.


Este último entendimento foi largamente acolhido na jurisprudência, sendo que, na vigência do regime jurídico anterior ao RGPD, era uniformemente defendido que a utilização de meios de vigilância no local de trabalho seria lícita se cumprisse os requisitos de fim e publicidade previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho e fosse obtida a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados e, ainda, estando em causa uma das finalidades legalmente previstas no n.º 2 desse artigo, ou seja, a proteção e segurança de pessoas e bens, as atuações ilícitas do trabalhador lesivas de pessoas e bens poderiam ser licitamente verificadas como uma consequência fortuita ou incidental da utilização dos meios de vigilância à distância, tanto quanto o poderiam ser idênticas condutas de terceiros, admitindo-se que os dados obtidos servissem de meio de prova em procedimento disciplinar e no controlo jurisdicional da licitude da decisão disciplinar, entre outros, o Acórdão do TRL de 06.11.2019, processo n.º 2656/18.9T8PDL.L1, do TRP de 04.02.2013, Processo n.º 229/11.6TTLMG.P1, do TRC de 06.02.2015, Processo 359/13.0TTFIG-A.C1, do TRG de 25.06.2015, Processo n.º 522/14.6TTGMR-A.G1, do TRP de 09.09.2019, Processo n.º 1437/18.4T8VFR.P1, todos em www.dgsi.pt e na doutrina, Pedro Furtado Martins, As limitações aos modos de exercício dos poderes de fiscalização e controle do empregador decorrentes das regras que tutelam a privacidade dos trabalhadores e a articulação da responsabilidade disciplinar com a responsabilidade criminal, Conferência proferida no VIII Colóquio sobre Direito do Trabalho do Supremo Tribunal de Justiça, em www.stj.pt.


Um terceiro entendimento surgiu, que embora na sua essência coincida com aquele segundo, exige ainda que a infração disciplinar relacionada com a finalidade da utilização de meios de vigilância à distância seja de particular gravidade, constituindo crime, e que a imagem não possa constituir a única prova do facto ilícito imputado ao trabalhador, vd. O Acórdão do TRP de 19.10.2015, Processo nº 402/14.5TTVNG.P1, em www.dgsi.pt.


Acolhemos o segundo entendimento citado, que vai ao encontro do disposto pelo artigo 28.º, da Lei n.º 58/2019, de 8 de Agosto, que transpõe para a ordem jurídica interna o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais e à sua livre circulação, segundo o qual «[a]s imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal» (n.º 4) e «[n]os casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal» (n.º 5).


Note-se que não se exige que efetivamente haja lugar e se encontre pendente processo penal, podendo apenas a conduta captada, em abstrato, ser suscetível de consubstanciar ilícito penal.


A questão centra-se na conciliação entre direitos constitucionalmente consagrados e legalmente tutelados, como os direitos à imagem, à liberdade de movimentos e à reserva ou não ingerência na esfera privada por meios de vigilância à distância, previstos como direitos fundamentais no artigo 26.º da CRP e artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e nos artigos 79.º e 80.º do Código Civil e como direitos de personalidade do trabalhador no artigo 20.º do Código do Trabalho, com os direitos à vida e integridade pessoal e os direitos de propriedade, de constituição de empresa, bem como os princípios da manutenção do Estado de Direito e da tutela jurisdicional efetiva, que integra o direito à prova – artigos 20.º 24.º, 25.º 61.º e 62.º e 2.º da CRP.


Estes direitos podem colidir entre si pela utilização como meio de prova no procedimento disciplinar e no posterior processo judicial das imagens obtidas fortuitamente por meios de vigilância à distância.


O artigo 20.º do CT, proceda a um juízo que procura conciliar os direitos e interesses constitucionalmente protegidos em causa, admitindo a restrição aos direitos à imagem e privacidade (art.º 26.º da CRP) através de meios de vigilância eletrónica no local de trabalho, sempre que o uso destes meios tenha por finalidade a “proteção de pessoas e bens”, assim salvaguardando os direitos também tutelados na CRP da propriedade, da vida e integridade física, bem como os princípios da manutenção do Estado de Direito e da tutela jurisdicional efetiva (art.ºs 24.º, 25.º, 62.º e 2.º da CRP).


Como se pode ler no Acórdão do TRC de 15.02.2015 «[a] ponderação da espessura dos direitos e dos interesses na sua efetivação prática deve ser a medida da restrição de cada um ou da sua concordância, ideia que é juridicamente sustentada desde logo pelo art.º 335.º do Código Civil (“Colisão de direitos”). Se bem analisarmos, o art.º 20.º n.º 1 do Código do Trabalho apenas proíbe o controlo dedicado e permanente das ações do trabalhador, mediante os meios de vigilância à distância. Mas o seu n.º 2 já permite (“é lícita”) a utilização desse equipamento quando o tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens. Ou seja, a nosso ver, é a própria norma que sugere a concordância prática e proporcionada dos direitos em questão. Quando esteja em causa a proteção e segurança de pessoas e bens, já é possível, ainda que de forma fortuita ou incidental, verificar uma conduta lesiva e ilícita dos próprios trabalhadores. E verificada esta, não pode sustentadamente defender-se que as imagens ou os dados obtidos não podem servir como meio de prova num despedimento ou sancionamento disciplinar. Na verdade, se assim sucedesse estaria a maior parte das vezes enfraquecida ou anulada a finalidade da vigilância lícita e que é a de garantir a proteção e segurança de pessoas e bens – numa via a proteção e segurança seriam aparentemente concedidas, noutra via seriam real e contraditoriamente retiradas.»


Conforme referido e aqui se respiga, o empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, mas ainda assim, a utilização deste equipamento é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem.


A atividade em causa nos autos trata-se de uma específica atividade, a do jogo, levado a cabo em Casino, cabendo, por isso, ter presento o disposto pelo Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro (Lei do Jogo).


O artigo 52.º na redação conferida pela Lei n.º 28/2004, de 16 de Julho, sob a epígrafe “Equipamento de vigilância e controlo” dispõe que:


«1 - Compete à Inspecção-Geral de Jogos autorizar a utilização de equipamentos eletrónicos de vigilância e controlo nas salas de jogos dos casinos, como medida de proteção e segurança de pessoas e bens.


2 - Quando a instalação do equipamento referido no número anterior não seja contratualmente exigível às concessionárias, será a mesma feita por conta do orçamento da Inspecção-Geral de Jogos.


3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, não é permitido nas salas de jogos, durante o período de abertura ao público destas, fazer uso dos instrumentos e aparelhos a que se refere a alínea e) do n.º 2 do artigo 36.º


4 - As gravações de imagem ou som feitas através do equipamento de vigilância e controlo previsto neste artigo destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, seus acessos e instalações de apoio, sendo proibida a sua utilização para fins diferentes e obrigatória a sua destruição pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou suscetível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao serviço de inspeção da Inspecção-Geral de Jogos, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção, só podendo ser utilizadas nos termos da legislação penal e do processo penal.


5 - Sem prejuízo do disposto do número anterior, o serviço de inspeção pode visionar as gravações de imagem ou de som efetuadas pela concessionária quando o entenda conveniente.


6 - As concessionárias devem criar um quadro de, pelo menos, três operadores obrigados ao sigilo profissional previsto no artigo 81.º e devidamente habilitados para proceder a todas as operações do sistema, por forma a assegurar uma fiscalização eficaz e regular dos sectores vigiados.


7 - Nos locais que se encontrem sob vigilância é obrigatória a afixação, em local bem visível, de um aviso com os seguintes dizeres: 'Para sua proteção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagens e som'.


8 - No tratamento e circulação dos dados recolhidos através dos sistemas de vigilância deve ser respeitado o disposto na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.»


E o seu artigo 83.º na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro, referente às atividades proibidas aos empregados que prestam serviços nas salas de jogos estabelece que:


1 - A todos os empregados que prestam serviço nas salas de jogos é proibido:


a) Tomar parte no jogo, diretamente ou por interposta pessoa;


b) Fazer empréstimos nas salas de jogos ou em outras dependências ou anexos dos casinos;


c) Ter em seu poder fichas de modelo em uso nos casinos para a prática de jogos e dinheiro ou símbolos convencionais que o representem cuja proveniência ou utilização não possam ser justificadas pelo normal funcionamento do jogo;


d) Ter participação, direta ou indireta, nas receitas do jogo;


e) Solicitar gratificações ou manifestar o propósito de as obter.


2 - Para os efeitos do disposto na alínea d) do número anterior, não se considera participação nas receitas do jogo a atribuição de retribuição variável em função das receitas brutas do jogo apuradas pela respetiva entidade patronal.


3 - Além dos previstos no artigo 52.º, as concessionárias podem utilizar quaisquer outros meios para fiscalizar o cumprimento do disposto no n.º 1.


Por conseguinte, a utilização de equipamento de vigilância e controlo, como previsto no citado artigo 52.º, serve não só para a proteção e segurança de pessoas e bens como para controlar a própria e específica atividade do jogo, já que particulares exigências inerentes à sua natureza o justificam, máxime atento o facto de existirem especificas regras de jogo, equipamentos/materiais afetos ao mesmo e estarem em causa valores monetários corporizados em fichas que os representam, podendo mesmo, como previsto no n.º 3 do artigo 83.º, ser utilizados quaisquer outros meios para fiscalizar o cumprimento do imposto aos trabalhadores (denominados “empregados”) no exercício dessa atividade.


A Deliberação n.º 1-5/2014/CJ de 21 de Março, da Comissão de Jogos do Turismo de Portugal, proferida nos termos do n.º 2 do artigo 95.º da Lei do Jogo, que atribui ao SRIJ a faculdade de emitir e aprovar os Regulamentos necessários à exploração e prática de jogo, aprovou o Regulamento n.º 1/SIJ/2014, dos sistemas de CCTV das salas de jogos dos casinos, permitindo a utilização das Câmaras de CCTV para os fins de proteção de pessoas e bens, e fiscalização da atividade do jogo contra atividades ilícitas.


O artigo 3.º deste Regulamento, sob a epígrafe “Finalidades do sistema CCTV das salas de jogos dos casinos” refere que:


«1. A captação e gravação de imagens através do sistema CCTV das salas de jogos dos casinos têm por finalidade assegurar o interesse e ordem pública da atividade concessionada e destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, seus acessos e instalações de apoio, da regularidade da exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar, do cumprimento pelas concessionárias, seus empregados e colaboradores, bem como pelos frequentadores das normas constantes do Decreto-Lei n.º 422/89 e respetiva regulamentação.


2. É expressamente proibida a utilização do sistema CCTV das salas de jogos dos casinos, bem como das imagens captadas para fiscalizar ou controlar atividades não relacionadas com o jogo.


Dispõe o artigo 11.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, sobre “Controlo de gravações e destruição de imagens” que «[a]s gravações de imagem feitas através do sistema de CCTV das salas de jogos dos casinos são obrigatoriamente destruídas 30 dias após a sua captação, salvo quando contenham matéria em investigação, ou suscetível de o ser, ou quando se destinem a servir de meio de prova.


E o artigo 12.º dispõe que:


«1.Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º considera-se matéria em investigação, suscetível de o ser, ou de servir como meio de prova, os factos indiciadores de irregularidades ou infrações às normas constantes do Decreto-Lei n.º 422/89 e respetiva regulamentação, cometidas pelas concessionárias, seus empregados e frequentadores.


2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, pode ainda proceder-se à retenção das imagens gravadas para além de 30 dias quando contiverem factos indiciadores de infrações penais, nos termos da legislação penal.


3. A retenção de gravações de imagens nos termos do disposto nos números anteriores é determinada por iniciativa do Serviço de Inspeção de Jogos ou mediante autorização deste a pedido das concessionárias.


4. O pedido das concessionárias reveste a forma escrita, com indicação fundamentada do motivo justificativo para a retenção e os fins a que se destina.


5. A determinação da retenção de gravações de imagens por iniciativa do Serviço de Inspeção de Jogos e a autorização ou recusa a pedido das concessionárias é efetuada por despacho escrito comunicado à concessionária.


6. O Serviço de Inspeção de jogos deve indeferir o pedido de retenção de imagens formulado pelas concessionárias sempre que os fins por estas indicados não se enquadrem nas finalidades referidas nos n.ºs. 1 e 2, designadamente sempre que a finalidade única seja a de controlar o desempenho profissional dos seus empregados.


7. O Serviço de Inspeção de jogos pode proceder à retenção de imagens sem observância das formalidades estabelecidas nos números anteriores, quando considere que a execução das mesmas prejudica ou pode comprometer os interesses da investigação.


Ora, conforme se retira do alegado pela ré (entidade empregadora) e resulta do enquadramento legal e regulamentar explanado, o sistema CCTV não se encontrava instalado na sala de jogos do Casino de Local 1 e, especificamente no local onde o autor levava a cabo a sua atividade de pagador de banca, para controlar o seu desempenho profissional, mas para a proteção e segurança de pessoas e bens e para controlar a própria e específica atividade do jogo, já que particulares exigências inerentes à sua natureza o justificam, máxime atento o facto de existirem especificas regras de jogo, equipamentos/materiais afetos ao mesmo e estarem em causa valores monetários corporizados em fichas que os representam, podendo mesmo, como previsto no n.º 3 do artigo 83.º, da Lei do Jogo, ser utilizados quaisquer outros meios para fiscalizar o cumprimento do imposto aos trabalhadores (denominados “empregados”) no exercício dessa atividade.


A ré alega ainda que as condutas do autor são suscetíveis de integrar ilícito penal, nomeadamente o crime de fraude (já que a associação criminosa não se encontra suficientemente exposta em factos), consistindo em violação da lei do jogo, ao que o autor contrapõe, que a sua conduta se tratou de um lamentável erro, não integrando ilícito penal 8associação criminosa e a fraude prevista pelo artigo 113.º, da Lei do Jogo).


Ora, atento o regime legal e regulamentar exposto, o alegado e tendo presente em abstrato os ilícitos penais de fraude e de burla, as condutas imputadas ao trabalhador podem em abstrato configurar a autoria material de ilícito(s) penal(ais), o que tudo torna admissível a requisição e a junção aos autos das imagens captadas pelo sistema de CCTV, como o seu visionamento em audiência final, o que se determina, cfr. artigos 423.º, 436.º, 428.º e 604.º, n.º 3 alínea b), do CPC ex vi do artigo 1.º, n.º 2 alínea a), do CPT e artigo 63.º, n.º 1, do CPT.


Para o efeito, deverá a ré oportunamente colocar á disposição os meios necessários à reprodução das imagens, dependendo do suporte físico e das condições de que o tribunal disponha.


*


Oficie ao SRIJ para, com nota de muito urgente, atenta a data designada para realização de audiência final, a qual deverá ser indicada:


a) juntar suporte físico onde constem as imagens de CCTV salvaguardadas no âmbito do processo Registado como ...131..., em que é arguido o ora autor AA (trabalhador do Casino de Local 1), que foi feito para a Direção/Inspeção de Jogo, bem como o envio de cópia do respetivo relatório;


b) juntar aos autos certidão integral dos autos que instruem o Processo de contraordenação registado como ...131....»


2. O Autor recorreu, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«a) Admissibilidade da junção e visualização das imagens captadas pelo sistema de CCTV:


1. O presente recurso coloca em causa a admissibilidade das imagens de CCTV servirem como meio de prova nos autos, como admitiu o Tribunal ad quo.


2. Regra geral sobre videovigilância


i. Não pode ser usada para controlar o desempenho do trabalhador.


ii. É lícita apenas para fins de segurança de pessoas e bens ou quando a própria natureza da atividade o exige (princípio da finalidade).


iii. As imagens só podem ser usadas se a infração do trabalhador puser em causa justamente esses bens protegidos e apenas em situações abstratamente com relevância penal, nos termos da lei penal e processual penal.


3. Caso contrário mal se compreenderia a ressalva final do n.º 5 do art.º 28 da Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto ao afirmar que as imagens gravadas só podem servir para o apuramento da responsabilidade disciplinar na “a medida em que o sejam no âmbito do processo penal.” E igual ressalva encontramos no art.º 52 n.º 4 da Lei do Jogo ao mencionar expressamente que as imagens captadas pelo sistema de CCT apenas podem ser utilizadas “nos termos da legislação penal e do processo penal.”


4. A Lei do Jogo (DL 422/89) já prevê distintos meios de fiscalizar os trabalhadores do Casino menos intrusivos, ao impor a existência em cada Casino, em permanência, um serviço de inspeção de jogos, tendo por missão fiscalizar, entre outros, os empregados das concessionárias nos termos do art.º 96 e 97 da Lei de jogo paralelamente à fiscalização, também permanente, dos fiscais de banca e/ou chefes de banca a quem por Lei compete fiscalizar todas as operações efetuadas nas mesas de jogo nos termos do Anexo da Lei n.º 8/2006, de 15 de março, pelo que é por estes meios que presencial e permanentemente os empregados são fiscalizados quanto ao cumprimento das suas obrigações, reservando a Lei a videovigilância como meio de fiscalização e probatório para factos com relevância criminal, ou suscetíveis de o ser, que ponham em causa interesses pessoais ou patrimoniais protegidos pela Lei.


5. Ou seja, os meios de vigilância não servem para garantir genericamente o regular da atividade do jogo mas apenas para garantir que quando o jogo se processa ele é executado de modo que não pôr em causa a segurança de pessoas e bens por meio de prática de comportamentos fácticos que possam constituir abstratamente crime.


6. Aportando tais ensinamentos ao caso concreto ao entender, como o fez o Tribunal ad quo, que não obstante a acusação (que veio a justificar o despedimento do trabalhador) não estar alicerçada em factos integradores de todos os elementos típicos de um tipo penal, pode ainda assim ser utilizada como meio de prova as gravações resultantes da videovigilância, tal desrespeita a legislação de proteção de dados pessoais sendo desproporcional no confronto entre direitos do empregador e do trabalhador, de igual dignidade constitucional e assim violando o art.º 26 n.º 1 da CRP e art.º 28 n.º 4 e 5 da Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto, por não caber na teleologia/ratio legis da previsão destas normas, a interpretação sufragada pelo Tribunal ad quo.


7. Repare-se que no caso em concreto o sistema de videovigilância está permanentemente a incidir sobre o posto de trabalho do trabalhador e durante todo o decurso do seu horário de trabalho.


8. Ora, o trabalhador / recorrente não está a defender, na presente instância recursiva, que as imagens resultantes da videovigilância não podem servir como meio de prova caso estivesse em causa factos que pudessem abstratamente ter dignidade penal, nomeadamente os previstos no art.º 108 e segs da Lei de Jogo, independentemente de existir processo no foro criminal.


9. O que o trabalhador entende é que no caso em apreço ao não constar da acusação, e decisão final do seu despedimento, factos que possuam as características que poderiam se encaixar na descrição de um crime previsto em lei, acrescido do facto de, no caso concreto, a captação das imagens ter resultado de uma concreta ação de fiscalização ao seu desempenho laboral por parte do empregador, não podem as imagens em causa nos autos, resultantes da videovigilância, servir como meio de prova porque a conduta que foi acusado, abstratamente, não compromete direitos ou interesses penalmente protegidos e por isso o Tribunal ad quo desrespeitou o art.º 20 n.º 1 do CT, o art.º 28 n.º 4 e 5 da Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto e o art.º 26 n.º 1 da CRP.


b) - Quanto à admissão de ser junto aos autos o processo de contraordenação, como meio de prova:


10. O concreto pedido probatório da entidade empregadora de extração de certidão integral dos autos que instruem o Processo contraordenacional, sem delimitar, depoimentos, relatórios intercalares ou finais, despachos, comunicações etc, teve como fito aproveitar para efeitos probatórios (isto é, para a formação da convicção subjetiva do julgador) meios de prova alegadamente produzidos no processo contraordenacional, fazendo uso da faculdade prevista no art. 421º do CPC, ainda que não o tenha enquadrado formalmente dessa forma.


11. Por conseguinte, em face da pretensão deduzida pelo empregador, constata-se que o seu requerimento ao não ter indicado quais os concretos depoimentos em causa, quais os concretos relatórios, despachos da autoridade administrativa fiscalizadora, articulados defesa que pretendia serem juntos, nem sobretudo qual a concreta matéria fáctica em discussão nos autos que pretendia provar, a entidade empregadora desrespeitou o seu ónus de alegação e indicação da produção da prova extraprocessual, como expressamente alude o nº 2 do artº 421º do CPC, e demais preceitos legais referentes ao modo e oportunidade de oferecimento das provas, por ex, artº 423º, 452º-nº2, 466º-nº1, 475º, todos do CPC.


12. Ora, ao assim não ter entendido o Tribunal Ad quo, mostra-se, consequentemente, incorreta tal decisão por ter dispensado a exigência das formalidades acima indicadas e deferido aquele pedido probatório assim formulado.


13. De todo o modo, em relação aos depoimentos, relatórios intercalares ou finais, despachos que o empregador pretende que sejam juntos ao processo, e que foi deferido pelo Tribunal ad quo, não foram produzidos em audiência contraditória por parte do aqui trabalhador e ali arguido.


14. De facto o aqui trabalhador não foi para eles convocado/notificado nem teve a possibilidade de neles intervir, no sentido de que não foi ouvido para a sua realização ou notificado de que iam ser realizados no processo contraordenacional, pelo que também por este motivo não deverá ser admitido a junção aos autos do Processo de contraordenação em bloco, como o decidiu o Tribunal ad quo, sem qualquer sindicância prévia.


15. Por fim, o art.º 421 do CPC estritamente aplica-se aos “depoimentos e perícias” ou seja a prova constituenda, não a já constituída que integra os documentos, decisões administrativas etc, o que não foi também respeitado pelo Tribunal ad quo ao decidir como decidiu.


16. Donde, o Tribunal ad quo desrespeitou o art.º 421 do CPC pelo que deverá ser anulado e ser substituído por outro que recuse a junção aos autos, em bloco, o Proc contraordenacional ...131....»


3. Contra-alegou a Ré, propugnando pela improcedência do recurso.


4. A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.


5. O Apenso do recurso subiu à Relação e o Ministério Público emitiu parecer, a pugnar pela improcedência do recurso.


O recorrente ofereceu resposta.


Na sequência do despacho da relatora prolatado em 01-09-2025, o apenso desceu à 1.ª instância para aí ser atribuído valor à causa.


O valor da causa foi fixado em € 32.899,00.


Reenviado o apenso para a Relação, foi mantido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar e decidir.


*


Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, cumpre apreciar o acerto ou desacerto do despacho recorrido, que admitiu:


a) A junção e visualização das imagens captadas pelo sistema de CCTV;


b) A junção do processo contraordenacional (na íntegra) a decorrer na entidade administrativa SRIJ.


*


Matéria de Facto


A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para o qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, bem como os demais elementos que constam dos autos que sejam relevantes para a apreciação da questão sub judice.


*


Enquadramento jurídico


Conforme já referimos, importa apreciar o acerto ou desacerto do despacho recorrido, que admitiu:


a) A junção e visualização das imagens captadas pelo sistema de CCTV;


b) A junção do processo contraordenacional (na íntegra) a decorrer na entidade administrativa SRIJ.


Analisemos.


a) A junção e visualização das imagens captadas pelo sistema de CCTV


No despacho recorrido, depois de feitas adequadas, suficientes e corretas considerações sobre o regime legal e regulamentar aplicável, entendeu-se que as condutas imputadas ao trabalhador/Autor são suscetíveis, em abstrato, de configurar a autoria material de ilícito(s) penal(ais), razão pela qual se julgou admissível a requisição e a junção aos autos das imagens captadas pelo sistema de CCTV, bem como o seu visionamento em audiência final.


Em sede de recurso, o apelante reconhece que o regime legal aplicável permite que as imagens captadas pelo sistema de videovigilância possam ser utilizadas como meio de prova em procedimento disciplinar sempre que estejam em causa factos que tenham ou possam ter dignidade penal, independentemente de existir processo criminal. Mas, argumenta, o rol de factos concretos que justificam o seu despedimento não revela a prática, abstratamente falando, de crimes, razão pela qual as imagens captadas constituem um meio de prova ilegal.


Na sequência, pugna pela revogação e substituição do despacho recorrido por outro que recuse a admissão das imagens captadas pelo CCTV como meio probatório, assim como a sua visualização em julgamento.


No essencial, o apelante não põe em causa o enquadramento jurídico considerado na decisão recorrida, não questiona a verificação dos requisitos formais da videovigilância no local de trabalho e admite que, no âmbito de um processo disciplinar em que estejam em causa factos com relevância penal, as imagens captadas por sistema de videovigilância legalmente instalado no local de trabalho podem ser utilizadas como meio de prova.


A discordância com o despacho recorrido assenta na apreciação que foi feita da conduta que lhe é imputada. Segundo o apelante, tal conduta não é indiciadora de responsabilidade penal. Já o tribunal a quo considerou que tal conduta pode configurar, em abstrato, a autoria material de um ou mais ilícitos penais.


Assim, a sindicância a fazer cinge-se à apreciação do comportamento imputado.


E extrai-se da decisão disciplinar de despedimento que a empregadora acusa o trabalhador de diversos comportamentos que consubstanciam, em abstrato, a prática de ilícito penal, nomeadamente do crime de fraude por violação da Lei do Jogo – cf. artigo 113.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro.


Assim sendo, o despacho que admitiu a junção e visualização das imagens captadas pelo sistema de CCTV não nos merece reparo, porque respeita o quadro legal aplicável, que, reitera-se, não foi posto em causa pelo apelante.


As imagens em causa foram captadas por meios de vigilância à distância que não tinham como finalidade o controle do desempenho profissional do trabalhador, mas sim a proteção e segurança de pessoas e bens, e a fiscalização das salas de jogo, seus acessos e instalações de apoio, atenta as particulares exigências da atividade de exploração de jogos de casino.


Como tal, a utilização deste meio probatório para fins disciplinares não viola o artigo 20.º do Código do Trabalho.


Ademais, a restrita situação em que é permitida a utilização de tais imagens (cometimento, em abstrato, de ilícito penal) já comporta em si a adequada ponderação entre os interesses constitucionais em conflito e a justa necessidade e proporcionalidade da restrição dos mesmos.


Em complemento, citam-se os seguintes acórdãos:2


. Acórdão da Relação do Porto de 26-06-2017 (Proc. n.º 6909/16.2T8PRT.P1):


«III - É de aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente ação judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a proteção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere - maior proteção do que aquela que é conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível.»


. Acórdão da Relação do Porto de 05-03-2018 (Proc. n.º 1119/13.3TTPRT.P2):


«III - São de admitir as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente ação judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, assim de despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a proteção de dados e se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador.»


. Acórdão da Relação de Évora de 26-09-2024 (Proc. n.º 1442/23.9T8STR.E1):


«4. O art. 20.º n.º 2 do Código do Trabalho, ao permitir a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens, engloba no seu escopo a proteção dos bens da empregadora, seja contra atos de terceiros, seja contra atos dos próprios trabalhadores.


5. As imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, podem ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal.»


Enfim, quanto ao meio de prova analisado, o recurso improcede.


b) A junção do processo contraordenacional (na íntegra) a decorrer na entidade administrativa SRIJ


No despacho recorrido foi também admitida a requerida junção, em forma de certidão, do processo contraordenacional a decorrer na entidade administrativa SRIJ.


Esforça-se o apelante para pôr em crise esta decisão, alegando que a empregadora ao requerer a junção de certidão integral dos autos de processo contraordenacional pretendeu, no fundo, não obstante não o tenha referido, fazer uso da faculdade prevista no artigo 421.º do Código de Processo Civil. Porém, para o efeito, deveria ter indicado os concretos depoimentos, relatórios, despachos da autoridade administrativa e articulados que pretendia que fossem juntos ao processo, ao invés de solicitar todo o processo contraordenacional. Acrescenta, ainda, que naquele processo administrativo os depoimentos, relatórios intercalares ou finais e despachos não foram produzidos com audiência contraditória do trabalhador.


Conclui, a final, que ao admitir a requerida junção de todo o processo contraordenacional o tribunal a quo desrespeitou o mencionado artigo 421.º, pelo que o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que recuse a junção aos autos, em bloco, do dito processo.


Vejamos.


No processo laboral vigora, há muito, e com especial rigor, o princípio da verdade material.


Ou seja, o juiz laboral deve procurar, sempre, apurar a verdade dos factos, mesmo que para isso tenha de ir para além dos factos alegados pelas partes.


Feita esta introdução, foquemo-nos no concreto processo.


Estamos perante uma ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.


No articulado motivador do despedimento, a empregadora alegou que os factos imputados ao trabalhador, em sede disciplinar, também são objeto de investigação em processo contraordenacional que corre termos no SRIJ, na sequência de uma participação que fez àquela entidade administrativa.


No seguimento, requereu a notificação do SRIJ para juntar «certidão dos autos que instruem o Processo CO acima indicado, designadamente, sem limitar, depoimentos, relatórios intercalares ou finais, despachos, comunicações ao arguido, defesa, até final.».


O que está, pois, em causa é a junção de prova documental relevante para a descoberta da verdade material e não o aproveitamento ou utilização de prova extraprocessual produzida num outro processo, até porque o instrutor do processo de contraordenação, BB, foi arrolado como testemunha na presente ação.


Desta maneira, a existência de um processo contraordenacional que se reporta a factos coincidentes com os que estão em causa no processo disciplinar é um elemento probatório relevante no contexto fáctico em discussão, pois pode ajudar a esclarecer a verdade material.


Por conseguinte, entendemos que perante a utilidade de tal meio de prova, não merece reparo o despacho recorrido.


Em consequência, improcede, também nesta parte, o recurso.


-


Concluindo, o recurso improcede na totalidade.


As custas do recurso serão suportadas pelo apelante, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.


*


Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas do recurso a suportar pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.


Notifique.


Évora, 13 de novembro de 2025


Paula do Paço


Emília Ramos Costa


Mário Branco Coelho

1. Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho↩︎

2. Acessíveis em www.dgsi.pt.↩︎