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INVENTÁRIO
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTITULARIDADE
PRESUNÇÃO LEGAL
Sumário
I - Tendo a cabeça-de-casal recebido pessoalmente um valor pago por uma sociedade de que era sócia com o inventariado, a título de restituição de prestações suplementares, é esse valor devido à herança, devendo ser relacionado como crédito desta sobre a cabeça-de-casal. II - Não devem ser relacionadas no inventário contas bancárias do inventariado que não apresentem já qualquer saldo, por estarem inactivas desde datas anteriores à data do óbito. III - Uma quantia depositada em conta bancária titulada pelo inventariado e pela cabeça-de-casal deve ser relacionada, com essa natureza, pela totalidade do valor existente na conta. IV - Na ausência de prova em sentido contrário, um valor depositado em conta bancária titulada pela cabeça-de-casal, que era casada com o inventariado sob o regime de comunhão geral de bens, e por um terceiro, é presumidamente da cabeça-de-casal e desse terceiro, em partes iguais, pelo que tal valor deve ser relacionado no inventário na proporção de metade.
Texto Integral
PROC. Nº: 2379/20.9T8PRD-C.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Paredes - Juiz 1
Nos presentes autos de inventário por óbito de AA, falecido em ../../2020, em que são interessados a sua viúva BB, com quem fora casado no regime de comunhão geral de bens, e os três filhos de ambos, CC, DD e EE, apresentou aquela, enquanto cabeça-de-casal, a necessária relação de bens.
Depois de sucessivas reclamações, respostas e sucessivas pronúncias, foi apresentada, por ordem do tribunal, uma relação de bens “consolidada”, conforme requerimento de 13/6/2023.
O incidente foi instruído com documentos e foram colhidos depoimento de parte e depoimentos testemunhais.
Em 6/5/2025 foi proferida decisão neste incidente de reclamação de bens que, impondo á cabeça-de-casal a relacionação de alguns dos bens que dele eram objecto, culminou no seguinte dispositivo: “a) relacione as contas bancárias cuja existência foi reconhecida pela Cabeça-de-Casal (conta n.º ...62 do Banco 1...; conta n.º ...01 do Banco 2...; e conta n.º ...00 da Banco 3...), considerando a totalidade do valor dos respectivos saldos, à data do óbito do Inventariado (constantes fls. 123, 125, 134 e 159v); b) relacione a conta bancária n.º ...38 existente no Banco 2..., co-titulada pela Cabeça-de-Casal e pela Interessada CC, considerando a totalidade do valor do saldo, à data do óbito do Inventariado (constante de fls. 134); c) relacione os bens móveis descritos nos pontos 4.1.16. e 4.1.17. dos factos provados; d) relacione os bens doados descritos nos pontos 4.1.13., 4.1.14. e 4.1.15. dos factos provados; e) relacione as doações em dinheiro descritas nos pontos 4.1.13. ponto 4, 4.1.13.1., 4.1.14.1. e 4.1.15.1. dos factos provados, especificando que as mesmas estão sujeitas à colação; f) relacione o montante doado, com dispensa de colação, ao Interessado EE, correspondente ao valor nominal da quota na sociedade comercial “A..., Lda.” (26.000,00 Euros); g) relacione o montante doado em dinheiro, sujeito à colação, ao Interessado EE, correspondente ao pagamento do preço da cessão de duas quotas na sociedade comercial “A..., Lda.” (5.900.000$00 + 5.900.000$00 = 11.800.000$00, correspondente a 58.858,00 Euros); h) relacione as doações de bens imóveis descritas nos factos provados 4.1.5., 4.1.7. e 4.1.10.; i) exclua da relação de bens os imóveis descritos nos factos provados 4.1.6., 4.1.9. e 4.1.11. (uma vez que, tais bens imóveis não foram objecto de doações aos Interessados); j) relacione a quota nominal de 99,76 Euros, titulada pelo Inventariado AA; a quota nominal de 99,76 Euros, titulada pela Cabeça-de-Casal BB; e a quota nominal de 24.890,02 Euros, co-titulada pelo Inventariado AA e pela Cabeça-de-Casal BB, na sociedade comercial “B..., Lda.”, pelos respectivos valores nominais; k) especifique os bens por meio de verbas, sujeitas a uma só numeração, pela ordem a que alude o disposto no artigo 1098.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil; Por sua vez, decido que as prestações suplementares não devem ser relacionadas.”
Desta decisão que vem interposto recurso, quer pelos interessados EE e DD, quer pela cabeça de casal BB.
I
O recurso de EE e de DD termina com as seguintes conclusões:
1. A conferência de interessados não deve ter lugar antes de resolvidas todas as questões susceptíveis de influir na partilha.
2. As questões suscitadas no presente recurso não podem deixar de influir na partilha .
3. Logo deve ser-lhe atribuído efeito suspensivo nos termos do disposto no art. 1123º nº 3 do C.P.C. .
4. A cabeça de casal apresentou em Juízo relações de bens sucessivas uma em 29.10.2020, outra em 30.12.2020 e uma terceira em 29.09.2021, umas para consertar as outras, mas porque, salvo o devido respeito, sempre sem conserto, justificaram as reclamações dos Interessados / Recorrentes de 4.02.2021 e 1.10.2021.
5. Só na relação de bens que apresentou em Juízo em 20.09.2021 em resposta à reclamação à relação de bens apresentada pelos Recorrentes em 4.02.2021 e sob a epígrafe “ bens móveis doados ao filho EE “ relacionou duas quotas do valor nominal de Esc.: 5.900.000$00 cada uma na sociedade comercial por quotas “A... Lda.”, de ..., concelho de Penafiel, cujo preço de transação foi pago pelo Inventariado e pela Cabeça-de-Casal .
6. Para comprovação do que nesse contexto afirma, a cabeça de casal juntou aos autos uma escritura de cessão de quotas, aumento de capital e alteração parcial do pacto social de 26.04.2001 – Doc. 1 junto com essa relação - em que FF e GG declaram ceder ao recorrente EE, pelo preço já recebido de Esc: 5.900.000$00 para cada uma, as quotas que ambos possuíam na sociedade A... Lda e em nome do seu representado HH declaram ceder a AA, o inventariado, a quota que aquele HH detinha na mesma sociedade do valor nominal de E: 17.000.000$00.
7. Em face da apresentação em Juízo dessa relação de bens e requerimento que acompanha, os Recorrentes, no exercício do seu direito ao contraditório, apresentaram em Juízo em 1.10.2021 requerimento em que, para além do mais, dizem que a única quota da sociedade “A... Lda.” doada ao EE foi a quota de € 26.000,00 objecto da escritura de doação de quota junta aos autos pela cabeça de casal anexo ao requerimento de 11.11.2020 com a designação de Doc. nº 6 .
8. Acresce que as relações de bens referidas são omissas quanto ao direito de crédito sobre a sociedade B... Lda das prestações suplementares restituídas por deliberação da assembleia geral de sócios de 21.09.2020, reclamado pelos Recorrentes na reclamação apresentada em Juízo em 4.02.2021 e reiterada no requerimento já falado dos Recorrentes de 1.10.2021 .
9. Produziu-se prova por colaboração no âmbito da qual e a requerimento da cabeça de casal apresentado em Juízo em 13.12.2021 reiterado e acrescentado posteriormente em 7.07.2022, foram expedidas notificações a FF, o cedente então com a sua esposa GG e posteriormente à sua viúva ao tempo, II para indicarem o meio de pagamento que lhes foi efectuado (leia-se, para pagamento das quotas cedidas pela já referida escritura de 26.04.2001, que não obtiveram a resposta pretendida.
10. A requerimento dos Recorrentes a cabeça de casal juntou aos autos a acta da assembleia geral de sócios supra referida de onde se constata a deliberação invocada e ainda que as referidas prestações constavam já do balanço de 2019, anterior à morte do inventariado que ocorreu em 21.04.2020 e informou que o montante da restituição foi de € 130.000,00 e a quantia paga em dinheiro.
11. A prova documental é a dos autos.
12. Na audiência prévia de 24.05.2023, verificada a necessidade de junção aos autos de uma única relação de bens devidamente atualizada e de acordo com todas as informações que já constavam dos autos, a Mta Juíza convidou a cabeça de casal a juntar aos autos relação de bens consolidada onde constassem todos os bens móveis e imóveis, o jazigo, as quotas sociais, os bens doados e as dívidas da herança,
13. Em cumprimento do que a cabeça de casal juntou aos autos 13.06.2023 mais uma relação de bens da qual constam exactamente as quotas relacionadas na relação de bens de 20.09.2021 e exactamente do mesmo modo.
14. Embora, quanto às referidas quotas ou valores do preço respectivo e quanto ao crédito do casal a título de prestações suplementares por ambos prestadas à sociedade B... Lda a relação de bens referida de 13.06.2023, a referida relação de bens nada acrescente às relações de bens impugnadas antes já da audiência prévia, designadamente quanto a estas quotas e valores e ao referido crédito, os Recorrentes reclamaram dessa relação reiterando o que já haviam dito antes quanto a essas questões, reclamação que foi julgada extemporânea.
15. Em 24.09.2024 concluiu-se a produção de prova pela prova testemunhal que não versou sobre estas questões e em 24.03, 7 e 11.04 de 2025 foram produzidas alegações escritas.
16. A Mma. Juiz a quo decidiu provado o facto 4.1.15 da douta decisão recorrida ou seja decidiu verificadas as doações referidas .
17. E motivou essa decisão no facto de, como afirma, essas doações referidas no citado facto provado 4.1.15 não resultaram controvertidas .
18. Sucede que essas doações foram impugnadas pelos Recorrentes desde a primeira vez que apareceram relacionadas nos autos - relação de 20.09.2021 junta aos autos com a resposta à primeira reclamação à relação de bens -, impugnação constante do já referido requerimento dos Recorrentes de 1.10.2021,
19. Tal impugnação não pode ser posta em causa pela extemporaneidade da reclamação à relação de bens consolidada porque quanto a este particular e não só a referida relação de bens nada retira, nada acrescenta às anteriores relações de bens que se pretendia fossem consolidadas e em nada as altera .
20. O que ocorreu relativamente a estas quotas, como provado por documento, o documento seis junto aos autos aliás, pela cabeça de casal, com a relação de bens de 20.09.2021 foi que essas quotas foram adquiridas a título oneroso pelo Recorrente EE aos ditos JJ e esposa,
21. E a forma de aquisição dessas quotas não pode provar-se de outro modo – arts. 80 º do C.N em vigor à data e 362º e segs. do C.C. - .
22. Coisa diversa, em sede de prova, poderia ocorrer quanto à tese da cabeça de casal de que o preço das cessões respectivas foi pago pelo inventariado e inventariante e logo estes doaram-lhe a quantia correspondente,
23. Mas essa que é tanto matéria controvertida quanto o demonstra a prova por colaboração já referida, não logrou a cabeça de casal demonstrá-la, uma vez que os Recorrentes provaram o contrário pelo contrato de cessão de quotas, cumprindo assim o ónus que sobre eles impendia, prova apenas susceptível de ser posta em causa pela impugnação do contrato por qualquer dos fundamentos previstos no Código Civil, o que não ocorreu ; a cabeça de casal apenas requereu a prova por colaboração já dita, cujo resultado foi nenhum .
24. Donde, sendo inquestionável que quando a lei exige, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, como no caso da cessão de quotas em causa, não pode este ser substituído por outro meio de prova – art. 364º nº 1 do C.C. -, designadamente por confissão que seria o caso na ausência que não ocorre da impugnação dos Recorrentes,
25. O que se passou com as quotas em causa foi que, reitera-se, foram adquiridas a título oneroso pelo Recorrente EE a JJ e esposa - prova documental, a escritura de cessão de 26 de abril de 2001 - e não por doação de seus pais, prova iniludivelmente feita não posta em causa por nenhum dos meios ou modos previstos pela lei para esse efeito.
26. A decisão de provado do facto 4.1.15 está assim em total desconformidade com a prova documental produzida e, de resto, com toda a prova produzida quanto a esse segmento que impõe impreterivelmente a decisão de não provado desse facto.
27. Mas se não fosse bastante o alegado e a consequência, da inevitável procedência da impugnação da decisão da matéria de facto em causa,
28. E estaríamos perante um verdadeiro nonsense, uma vez que a Mta Juiz concebe para cada quota duas doações, a da própria quota e a do valor do montante “doado” para pagamento do respectivo preço e em conformidade ordena à cabeça de casal nas alíneas d) e e ) da penúltima página da sentença que relacione: “ os bens doados descritos nos pontos … 4.1.15. dos factos provados e as doações em dinheiro descritas nos pontos …. 4.1.15.1. dos factos provados, especificando que as mesmas estão sujeitas à colação;
29. Acresce que a Mta Juiz a quo julgou provados os seguintes factos – factos provados 4.1.18 e 4.1.19: “ em 21-12-2020, a assembleia geral extraordinária de sócios da sociedade comercial “B..., Lda.” aprovou a restituição das prestações suplementares de capital aos sócios que as tinham efectuado (Inventariado e Cabeça-de-Casal) “o montante de 130.000,00 Euros (cento e trinta mil euros), a título de restituição de prestações suplementares realizadas à sociedade comercial “B..., Lda.”, foi restituído em dinheiro à Cabeça-de-Casal.
30. Sendo certo que as prestações suplementares são realizadas para reforçar os capitais próprios da sociedade e só podem ser restituídas uma vez verificados determinados pressupostos, não constituindo assim empréstimos, mas um meio de financiamento interno da sociedade, traduzido em prestações em dinheiro sem juros,
31. E ainda que a respectiva restituição depende de uma deliberação da assembleia geral da sociedade e só pode ocorrer se a situação líquida da sociedade não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, se o sócio tiver liberado a sua quota e se não haver declaração de insolvência da sociedade, o direito à restituição das prestações suplementares pertence aos sócios que as fizeram,
32. Constitui um direito de crédito; a restituição dessas prestações pode ser exigida, mesmo que não haja um prazo estipulado, estando apenas sujeita a deliberação da sociedade e aos demais pressupostos previstos no art. 213º do C.S.C..
33. As referidas prestações foram efectuadas em plena constância do matrimónio do inventariado e da inventariada casados no regime da comunhão geral de bens, logo a quantia correspondente era bem comum do casal, não obstante o que foi restituído, como se provou, à cônjuge sobreviva que o detém ou deteve .
34. Ora, tal, como a Mta Juiz a quo afirma todos os direitos de crédito, titulados ou não, devem ser relacionados.
35. Logo, este também e como tal, uma vez que a restituição efectuada à inventariante foi mal feita razão porque essa prestação não extinguiu a obrigação da sociedade - art. 770º do C.C. .-
36. Ou, uma vez satisfeito esse crédito à inventariante e não à herança, como devia, como dívida activa: deve à herança a cabeça de casal a quantia de € 130.000,00 montante das prestações suplementares do casal de sócios da sociedade “B..., Lda.” que por esta lhe foram restituídas.
37. Ao decidir nos termos expostos julgando provado o facto provado 4.1.15 da douta sentença o Tribunal a quo distorceu a realidade factual, errou no julgamento e errou ainda e quanto ao mais na aplicação do direito, cujas normas viola, designadamente as supra invocadas .
TERMOS EM QUE, dando V. Exªs provimento ao presente recurso e em consequência alterando a decisão do facto provado 4.1.15 para não provado, ordenando a exclusão das “doações relacionadas “da relação de bens e a inclusão nesta do direito de crédito – direito à restituição das prestações suplementares identificadas – ou da dívida activa da herança sobre a cabeça de casal da quantia de cento e trinta mil euros de harmonia com o alegado na 36 ª conclusão, farão, como sempre, inteira e sã justiça.”
II
Por sua vez, também a cabeça de casal BB interpôs recurso de apelação de tal decisão, que terminou formulando as seguintes conclusões:
“A. Não pode a recorrente conformar-se com parte da decisão ora em crise porque a Mm.º Juiz a quo, com o devido respeito, que é muito, procedeu a uma errada e aplicação do Direito ao caso em concreto.
B. Em suma, a Recorrente não se pode conformar com a decisão do Douto Tribunal a quo que, resumidamente, ordena que sejam relacionados todos os saldos bancários, à data do óbito do Inventariado, de contas bancárias de que era este último, co-titular (ou nem isso…).
C. E sim, estamos perante contas bancárias que não eram da titularidade exclusiva do Inventariado – ainda que assim fosse, em virtude do regime de comunhão geral de bens que vigorava no matrimónio entre ambos, nunca se poderia afirmar que a propriedade daqueles saldos era exclusiva do Inventariado – mas sim co-tituladas entre o Inventariado e a Cabeça de casal, ou, em alternativa, co-tituladas entre a Cabeça de casal e a Requerente CC.
D. Com efeito, ao determinar que fossem relacionadas as contas bancárias em apreço pela totalidade dos saldos aí existentes, entendeu o Douto Tribunal a quo – embora não o tenha referido de forma expressa – que todo aquele dinheiro era da propriedade exclusiva do Inventariado (o que, face ao regime de comunhão geral de bens em vigor no seu matrimónio, nem sequer seria possível em caso algum).
E. Assim, foi prestada pelas instituições bancárias em causa – Banco 1..., Banco 3... e Banco 2... – toda a informação referente aos saldos existentes à data do óbito, bem como relativa à titularidade das contas bancárias e aos movimentos realizados nos meses que antecederam tal infortúnio.
F. Somos assim a entender que a discussão em torno das contas bancárias sitas no Banco 1... e na Banco 3..., por não conterem qualquer saldo positivo, se torna irrelevante.
G. Não obstante, tudo o que aqui se alega relativamente às contas do Banco 2..., as quais são as únicas com saldos positivos e relevantes, aplicar-se-á, claro está, às demais,
H. Assim, comunicou o Banco 2... a existência de uma conta bancária com um saldo total, entre depósitos à ordem e depósitos a prazo, cifrado em € 2.141,06, a qual era co-titulada pelo Inventariado e pela Cabeça de casal;
I. Tendo comunicado ainda a existência de uma outra, com um saldo total de € 80.290,00, a qual era co-titulada pela Cabeça de casal e pela Requerente CC.
J. Resulta evidente que o Douto Tribunal a quo tomou conhecimento do facto vertido no ponto que antecede, porquanto deu como provado na mesma decisão que “Mais resulta da factualidade que se deu como provada que, à data do óbito do Inventariado, existia uma conta bancária n.º ...38 no Banco 2..., co-titulada pela Cabeça-de-Casal e pela Interessada CC, com um saldo de 80.000,00 Euros” .
K. Acontece que, mal andou o Douto Tribunal a quo, pelo facto de se ter pronunciado da seguinte forma: “perante a existência de contas bancárias co-tituladas, e não obstante, na lei fiscal se faça presumir que tais depósitos conjuntos pertencem, em partes iguais, aos respectivos titulares, tal presunção não funciona no direito civil”.
L. Ora, tal não podia ser, com o devido respeito, mais errado, porquanto existem de facto vários normativos legais que nos permitem concluir pela existência de tal presunção.
M. Desde logo, dispõe o art. 516.º do Código Civil que “Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”
N. Além disso, estabelece o art. 1736.º, n,º 2, do mesmo Código Civil, que “Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges”.
O. De igual modo tem entendido a nossa melhor jurisprudência, como resulta por exemplo do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães datado de 09-02-2017 (supra melhor identificado),
P. O qual faz ainda alusão à nossa melhor Doutrina de Antunes Varela e Pires de Lima, segundo os quais, em matéria de Direito civil relacionada com depósitos bancários, “se duas pessoas fizeram um depósito bancário em regime de solidariedade activa, presume-se, enquanto não se fizer prova noutro sentido, que cada um dos depositantes é titular de metade da conta”.
Q. Ora, a decisão em crise contraria de forma clara, e infundada, todas as normas, jurisprudência e doutrina aqui mencionadas.
R. Igualmente se pode concluir pela existência da referida presunção, porquanto essa é precisamente a ratio legis subjacente ao preceito contido no art. 780.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, o qual estabelece que “Sendo vários os titulares do depósito, o bloqueio incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais”
S. Acresce que JAMAIS foi alegado por qualquer um dos Interessados que esses saldos bancários pertencessem, na sua totalidade, ao Inventariado (consequentemente, tampouco foi produzida qualquer prova nesse sentido),
T. Pelo que, em caso algum, poderia o Douto Tribunal a quo considerar que os mesmos eram pertença exclusiva do Inventariado (até por tal ser impossível, em virtude do regime de casamento).
U. Ora, nos termos do art. 342.º do Código Civil, cabia ao Interessado que eventualmente assim se posicionasse (alegando que aqueles montantes eram pertença exclusiva do Inventariado), provar os factos constitutivos de tal posição.
V. Portanto, não tendo sido provados quaisquer factos suscetíveis de determinar qual a quota-parte desse montante de que era proprietária cada uma das titulares dessa conta (a Cabeça de casal e a Interessada CC), presumem-se as mesmas como sendo proprietárias, em partes iguais, desses montantes, pelo que a questão a decidir prende-se essencialmente com o dever de relacionamento de metade do valor total dos levantamentos dessas contas.
W. Aliás, é por mais tão evidente a impossibilidade de aplicar, na prática, a malograda decisão do Douto Tribunal a quo que colocamos a seguinte questão: imaginando a eventualidade de a Cabeça de casal e a Interessada CC também haverem falecido (ou virem a falecer), tais saldos também seriam relacionados, em todas as relações de bens, na sua totalidade?
X. Ora, em caso de resposta afirmativa (seguindo assim o entendimento do Douto Tribunal a quo a este respeito), estaríamos perante um relacionamento, em triplicado, do montante a rondar os € 80.000,00 – perfazendo assim um total de € 240.000,00 –, sendo certo que esse montante existia (e existe) apenas por uma única vez, não se podendo, como que por magia, relacioná-lo em múltiplas relações de bens como se aquele se fosse multiplicar…
Y. Neste sentido, deveria o Douto Tribunal a quo haver ordenado o relacionamento do saldo negativo de € 10,45 (dez euros e quarenta e cinco cêntimos negativos) relativamente à conta bancária do Banco 1...; do saldo de € 1.070,53 (mil e setenta euros e cinquenta e três cêntimos)numa das contas do Banco 2..., e ainda do saldo de € 20.072,50 (vinte mil e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos) existente na outra conta sita no Banco 2...,
Z. Ao invés da totalidade dos saldos bancários existentes à data do óbito do Inventariado!
AA. Assim, impõe-se dos Exmos. Senhores Juízes desembargadores do Venerando Tribunal da Relação do Porto, a revogação da decisão a quo, substituindo-a por uma outra que vá de encontro a tudo o ora exposto.
Nestes termos, nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, procedendo o presente recurso, deverá a decisão (por despacho) ora posta em crise ser totalmente revogada, e substituída por uma outra que vá de encontra com tudo o suprarreferido, só assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!”
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Não foi oferecida resposta a qualquer dos recursos.
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Ambos os recursos foram admitidos como apelação, com subida em separado e com efeito suspensivo.
Cumpre apreciá-los.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não cabendo a este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cumpre decidir, em função de cada um dos recursos, os bens que hão-de ser objecto de partilha.
No caso do recurso dos interessados EE e DD, a questão reporta-se:
- às duas quotas de valor nominal de 5.900.000$00, referidas em 4.1.15, que o interessado EE afirma terem sido compradas por si, e não doadas pelo inventariado e pela cabeça-de-casal;
- ao valor de 130.000,00€ de prestações suplementares restituído pela B..., Lda à cabeça-de-casal, pois que esse valor era devido à herança, constituindo agora uma dívida da cabeça-de-casal para com a herança.
No recurso de BB, cabeça de casal, a questão reporta-se:
- à desnecessidade de relacionação das contas bancárias no Banco 1... e na Banco 3..., por não terem saldos positivos;
- à contitularidade das contas no Banco 2..., com saldo de € 2.141,06 e de € 80.290,00, que pertenceriam em metade a cada um dos titulares, devendo relacionar-se apenas €1.070,53 e €20.072,50, correspondentes à quota-parte do inventariado em tais depósitos.
*
É útil recordar que o tribunal deu por provados os factos seguintes:
4.1.1. O Inventariado faleceu no dia 21 de Abril 2020;
4.1.2. O Inventariado e a Cabeça-de-Casal foram casados sob o regime de comunhão geral de bens;
4.1.3. O Inventariado faleceu sem qualquer testamento ou disposição de última vontade;
4.1.4. À data do óbito do Inventariado, a sociedade comercial “B..., Lda.” tinha as seguintes participações sociais: (sem interesse para a decisão do recurso)
4.1.5. (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.6. (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.7. (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.8. (sem interesse para a decisão do recurso)
4.1.9. (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.10. (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.11. (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.12. Em 26-04-2001, FF, por si e na qualidade de HH, e GG cederam ao Interessado EE, o qual declarou aceitar, a quota de cinco milhões e novecentos mil escudos de que cada um deles é titular na sociedade comercial “A..., Lda.”; pelo preço igual ao valor nominal;
Bem como, cederam ao Inventariado AA, o qual declarou aceitar, a quota de cinco milhões e duzentos mil escudos na sociedade comercial “A..., Lda.”; pelo preço igual ao valor nominal;
4.1.13. (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.13.1(sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.14 (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.14.1. (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.15. Bens que foram doados pelo Inventariado e pela Cabeça-de- Casal ao Interessado EE:
1- Uma quota no valor nominal de Esc.: 5.900.000$00 (cinco milhões e novecentos mil escudos) na sociedade comercial por quotas “A... Lda.”, NIPC ...89, com sede no lugar ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, com o capital social de Esc.: 17.000.000$00 (dezassete milhões de escudos), cujo preço de transação foi pago pelo Inventariado e pela Cabeça-de-Casal;
2- Uma quota no valor nominal de Esc.: 5.900.000$00 (cinco milhões e novecentos mil escudos) na sociedade comercial por quotas “A... Lda.”, NIPC ...89, com sede no lugar ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, com o capital social de Esc.: 17.000.000$00 (dezassete milhões de escudos), cujo preço de transação foi pago pelo Inventariado e pela Cabeça-de-Casal;
3 a 8 - (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.15.1. (sem interesse para a decisão do recurso).
4.1.16. À data do falecimento do Inventariado, o recheio da casa de Paredes (inicialmente relacionada como verba n.º 4) correspondia a: (sem interesse para o recurso)
4.1.17. À data do falecimento do Inventariado, o recheio da casa de Vilamoura (inicialmente relacionada como verba n.º 1) correspondia a: (sem interesse para o recurso)
4.1.18. Em 21-12-2020, a assembleia geral extraordinária de sócios da sociedade comercial “B..., Lda.” aprovou a restituição das prestações suplementares de capital aos sócios que as tinham efectuado (Inventariado e Cabeça-de-Casal);
4.1.19. O montante de 130.000,00 Euros (cento e trinta mil euros), a título de restituição de prestações suplementares realizadas à sociedade comercial “B..., Lda.”, foi restituído em dinheiro à Cabeça-de-Casal;
4.1.20. À data do óbito do Inventariado existia uma conta bancária n.º ...38 no Banco 2..., co-titulada pela Cabeça-de-Casal e pela Interessada CC, com um saldo de 80.000,00 Euros.
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4.2. Factos Não Provados:
(sem interesse para a decisão do recurso).
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Começam os apelados EE e DD por impugnar a realidade do facto descrito sob o ponto 4.1.15, quanto a terem sido doadas, pelo inventariado e pela cabeça-de-casal, ao filho EE, duas quotas sociais no capital da “A... Lda.”, no valor nominal de Esc.: 5.900.000$00 cada uma.
O tribunal fundou o juízo sobre esse facto nos seguintes termos: “A este propósito impõe-se ainda salientar que, por referência à factualidade vertida em 4.1.15. pontos 1 e 2, a mesma foi considerada demonstrada, não obstante a existência da cessão de quotas documentada por escritura pública, na qual interveio como cessionário o Interessado EE (e que acima se deu como demonstrada), dado que, no mesmo acto também foi cessionário de uma outra quota da mesma sociedade comercial o Inventariado, pelo que, acredita-se que o preço correspondente ao valor de todas as quotas nominais cedidas foi pago por este último; pois, a escritura pública não especifica quem procedeu ao pagamento do preço. Em conjugação com tal circunstância ter sido referida pela Interessada CC, no âmbito do respectivo depoimento de parte. Tendo sido, nesta parte, corroborada pelo depoimento prestado pela testemunha KK. Pelo que, tal circunstância (vertida em 4.1.15. pontos 1 e 2) se deu como provada.”
Todavia, nas suas alegações, os apelantes afirmam que a Mma. Juiz a quo motivou a sua decisão na circunstância de a doação dessas quotas não ser controvertida, alicerçando o seu recurso, antes de mais, na reafirmação de jamais terem admitido essa doação. Sucessivamente, afirmam que a escritura de cessão de quotas faz prova de que a aquisição foi das quotas foi feita pelo interessado EE, não havendo qualquer prova de que foi o inventariado e a cabeça-de-casal quem lhe deu o dinheiro para fazer tal compra.
Constata-se que estão errados os pressupostos invocados pelos recorrentes, em ordem á alteração deste segmento da decisão.
Em primeiro lugar, a decisão do tribunal recorrido não se funda no consenso das partes, o mesmo é dizer-se na ausência de controvérsia, sobre a questão, como resulta do excerto acima transcrito.
Em segundo lugar, e tal como se refere na decisão recorrida, o teor da escritura da cessão das quotas em causa não permite inferir de quem procedeu o pagamento do preço das referidas quotas.
Diz essa escritura (junta a 20/9/2021): “Que pela presente escritura, por preço igual ao seu valor nominal, já recebido, fazem as seguintes cessões: Os primeiro e segundo outorgantes cedem ao quarto outorgante a quota de cinco milhões e novecentos mil escudos de que cada um deles é titular na aludida sociedade.”
Acresce que, na mesma escritura, e sob o mesmo texto quanto ao preço, o inventariado declarou aceitar a cedência de uma outra quota.
Foi neste contexto que o tribunal entendeu considerar o depoimento da testemunha KK, para concluir que o preço de qualquer das quotas foi pago pelo inventariado e não pelo interessado EE.
KK, ex marido de CC, que depôs de forma serena, isenta e convincente, referiu que a sociedade A... Lda foi adquirida pelo seu então sogro, isto é, pelo inventariado, não sendo admissível considerar que o EE tenha pago as duas quotas. “Com que dinheiro?”, perguntava a testemunha nesse seu depoimento, assim expressando que toda a aquisição foi necessariamente paga pelo inventariado, pois que o EE, que apenas trabalhava com o pai, não teria capital para adquirir, a par do seu pai, as quotas em causa.
Para além disso, contrariamente ao defendido pelos apelantes, a escritura apenas faz prova plena em relação ao que foi percebido, no acto, pelo notário, o que corresponde às declarações dos ali intervenientes. É o que dispõe o art. 371º, nº 1 do C.Civil. Por conseguinte, da escritura em questão não resulta demonstrado, de forma nenhuma, que o preço de cada uma das quotas cedidas ao interessado EE tenha sido pago por si, como se pretende que se reconheça neste recurso.
Em qualquer caso, importa atentar na asserção do tribunal recorrido, que constitui o facto provado em discussão: as duas quotas adquiridas por EE foram-lhe doadas pelo Inventariado e pela Cabeça-de- Casal.
A noção de doação consta do art. 940º, nº 1 do CPC, daí se retirando que se trata de um contrato pelo qual alguém dispõe de uma coisa ou direito, gratuitamente, em benefício de outrem. Mas também pode consistir na assunção de uma dívida em benefício do outro contraente.
Trata-se, portanto, de uma atribuição patrimonial sem contrapartida, que se apresenta como uma transferência de um direito, por exemplo do direito de propriedade sobre uma coisa, da esfera patrimonial do doador – que diminui – para a esfera patrimonial do donatário – que aumenta. Mas pode consistir igualmente no pagamento de uma dívida do donatário. Essencial é o sacrifício da esfera patrimonial do doador, em benefício do donatário, o que é inerente à gratuitidade da atribuição.
De resto, como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, pg. 229), em anotação ao art. 940º, “o direito real constituído no património do donatário pode não existir previamente, como tal, no património do doador, visto a doação não ter necessariamente natureza translativa.”
No caso, é certo que as duas quotas transmitidas para o interessado EE não se encontravam no património do inventariado e da ora cabeça-de-casal. Como se refere na escritura, tais quotas foram transferidas do património dos cedentes - FF e GG – para o património do interessado EE.
Porém, como resultou verificado, essa transferência não resultou numa diminuição patrimonial dos cedentes, apesar de ter engrandecido o património de EE. E isso porquanto, paralelamente, o inventariado e a ora cabeça-de-casal assumiram o pagamento do preço das quotas, sendo o seu património que, sem contrapartida, ficou reduzido no valor correspondente a esse preço.
Interessa, todavia, atentar em que, apesar de, no texto dos parágrafos 1º e 2º do ponto 4.1.15., o tribunal ter afirmado que o que foi doado foram duas quotas sociais, acaba a concluir nos seguintes termos: “Pelo que, se impõe concluir que tais montantes doados (para pagamento do preço das referidas cessões de quotas), também devem ser relacionados como quantia doada em dinheiro, com correspondência em euros, sujeita à colação (5.900.000$00 + 5.900.000$00 = 11.800.000$00, correspondente a 58.858,00 Euros).”
Depois, em sede de dispositivo, o tribunal determina que a cabeça-de-casal “…d) relacione os bens doados descritos nos pontos 4.1.13., 4.1.14. e 4.1.15. dos factos provados.”
Nestas circunstâncias, e atento o que antes se expôs como integrador, ainda, do conceito de doação, podemos concluir que a doação em discussão se operou por via da assunção da obrigação de pagamento do preço das duas quotas adquiridas pelo interessado EE, por parte do inventariado e da cabeça-de-casal, estando-lhes fixado o valor de “5.900.000$00 + 5.900.000$00 = 11.800.000$00, correspondente a 58.858,00 Euros”.
Acresce que o próprio texto do contrato, se não chega a traduzir esta realidade, de forma alguma o exclui.
Em qualquer caso, neste segmento do recurso, não está em discussão a solução que o tribunal determinou quanto à obrigação de incluir tais direitos na relação de bens. O que está em causa é a pretensão dos apelantes quanto à não comprovação de que as quotas foram pagas e doadas pelo inventariado e sua esposa, a ora cabeça-de-casal, pois que o interessado EE alegava ter sido ele próprio a suportar o custo das quotas. E essa alegação não se demonstrou, pois que uma outra realidade se apurou.
Por isso, nesta parte, deve confirmar-se a decisão recorrida, na improcedência das razões dos apelantes.
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Ainda neste recurso, defendem os apelantes que o valor de 130.000,00€ entregue pela B..., Lda à cabeça-de-casal, era devido, diferentemente, à própria herança. Por isso, deve ser agora relacionado como uma dívida da cabeça-de-casal para com a herança.
A este propósito apurou-se que, e m 21-12-2020, a assembleia geral extraordinária de sócios da sociedade comercial “B..., Lda.” aprovou a restituição das prestações suplementares de capital aos sócios que as tinham efectuado (Inventariado e Cabeça-de-Casal). E, bem assim, que, obviamente em cumprimento dessa deliberação, esse valor foi restituído em dinheiro à cabeça-de-casal.
Afirmou o tribunal recorrido que “Todavia, conforme acima exposto, impõe-se concluir que, não sendo entendidas como direito de crédito, as prestações suplementares não devem ser relacionadas no inventário.” Para esse efeito, considerara que as prestações suplementares se identificam mais com o capital social, do que com suprimentos e direitos de crédito dos sócios., sobre a sociedade.
Acontece, porém, que a questão já não se coloca no âmbito da relação entre os sócios e a sociedade. Não estando tal matéria em causa, certo é que a sociedade já deliberou e executou a restituição das prestações suplementares. Porém, tendo o inventariado já falecido ao tempo da restituição, esta foi feita à cabeça-de-casal e não à herança. Por isso, não está em causa a natureza e a adequação da restituição, pela sociedade, das prestações suplementares em questão. O que está em causa é se a cabeça-de-casal, que recebeu o respectivo valor de 130.000,00€, é devedora desse valor à herança, por tal restituição dever ter sido feita à herança, apesar de a ora cabeça-de-casal a ter aceitado par si própria.
No caso, não oferece dúvida o facto de que o capital em questão deveria ter sido restituído ao casal do inventariado e sua mulher. Tendo ele falecido, e ela retido o valor de 130.000,00€ que a sociedade lhe entregou, deve ela repor à herança o mesmo montante, sem prejuízo de, ulteriormente, em sede de partilha, lhe ser salvaguardada a sua meação e partilhada apenas a meação pertencente ao inventariado. Isso, de resto, tal como em relação a depósitos bancários contitulados, como infra se verá.
Deve, pois, ser relacionado esse valor como um crédito da herança sobre a cabeça-de-casal.
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Quanto ao recurso da cabeça-de-casal, começa por dever ser decidida a invocada desnecessidade de relacionação das contas bancárias no Banco 1... e na Banco 3..., por não terem saldos positivos.
Sobre isto, decidiu o tribunal que devem relacionar-se as contas bancárias cuja existência foi reconhecida pela Cabeça-de-Casal (conta n.º ...62 do Banco 1...; conta n.º ...01 do Banco 2...; e conta n.º ...00 da Banco 3...), considerando a totalidade do valor dos respectivos saldos, à data do óbito do Inventariado (constantes fls. 123, 125, 134 e 159v).
No respeitante à conta n.º ...62 do Banco 1..., verifica-se do extracto junto a 3/5/2021 que a mesma apresenta um saldo negativo (resultante da emissão de um cartão de débito e não de qualquer operação bancária) de 20,89€, encontrando-se com saldo “0” antes desse débito. Isso foi confirmado por resposta do banco, em 9/3/2022.
No respeitante à conta n.º ...00 da Banco 3..., respondeu esta instituição que a mesma conta deixou de ter movimentos e saldo desde 2009 (of. De 30/3/2022).
Nestas circunstâncias, inexistindo qualquer direito da herança sobre os referidos bancos, titulado pelas contas em questão, não devem elas ser incluídas na relação de bens.
Mais pretende a cabeça-de-casal que não se relacione a totalidade dos saldos existentes nas contas do Banco 2..., com o n.º ...01, titulada pelo inventariado e pela cabeça-de-casal, e nº ...38, co-titulada pela Cabeça-de-Casal e pela Interessada CC, à data do óbito do Inventariado.
Alega que, ao impor essa solução, o tribunal considerou que todo o dinheiro ali depositado era pertença exclusiva do inventariado, o que contesta.
A questão é diversa para cada uma das contas.
Quanto à primeira, com o saldo de € 2.141,06, titulada pelo inventariado e pela cabeça-de-casal, é inequívoco que deve ser relacionada a totalidade do valor do depósito, pois que com isso não se implementa qualquer conclusão de que tal valor pertencia exclusivamente ao inventariado. Diferentemente, será em sede de realização da partilha que haverá de retirar-se o que seja a meação do cônjuge sobrevivo, i. é, da cabeça-de-casal, realizando-se a partilha do remanescente. Em suma, não se admite o pressuposto de que parte a impugnação da apelante, sobre a titularidade exclusiva do inventariado, devendo a quantia depositada, qualificada como bem comum do casal, ser relacionada na sua totalidade e não pela metade como meação do inventariado. Neste sentido, cfr. Ac. do TRP de 21/11/2024, proc. nº 4240/20.8T8OAZ-B.P1).
Quanto à conta bancária n.º ...38 no Banco 2..., era esta co-titulada pela Cabeça-de-Casal e pela Interessada CC, com um saldo de 80.000,00 Euros.
Na ausência de qualquer meio de prova indicador de que tal quantia pertencia exclusivamente a qualquer das duas titulares da conta, resulta do regime constante dos arts. 512º e 516º do Código Civil, a presunção de que o valor ali depositado, consubstanciando um crédito sobre o banco, cabe em partes iguais a cada uma das titulares da conta. Com efeito, dispõe tal art. 516º que, nas relações entre si se presume que os credores solidários comparticipam em partes iguais no crédito, sempre que da relação entre eles não resulte serem diferentes as suas partes. (cfr., entre muitos, ac. do TRL de 12-02-2015, proc. nº 189/11.3TBFUN.L1-6: “ A presunção de contitularidade em partes iguais do dinheiro depositado, embora se não encontre genericamente afirmada na lei para os casos de depósitos bancários com pluralidade de titulares, pode retirar-se do regime definido pelos artigos 512º e 516º do Código Civil, relativos às “obrigações solidárias”. Dele resulta que, em caso de pluralidade de credores solidários, “nas relações entre si, presume-se que os (…) credores solidários comparticipam em parte iguais (…) no crédito”).
Transpondo tal regime para o caso sub judice, deve concluir-se que, do valor de 80.000,00€ referido no ponto 4.1.20, só se deve ter por pertencente à cabeça-de-casal e, por via da sua comunicação ao inventariado, por força do regime de bens do seu casamento, metade desse montante.
Por conseguinte, procederá nesta medida a pretensão da apelante, cabendo à cabeça-de-casal, quanto ao saldo de tal conta, relacionar metade do valor referido, sem prejuízo de, ulteriormente, em sede de partilha, se operar a dedução do correspondente à sua meação.
Obterá, pois, provimento neste segmento a pretensão recursiva da apelante.
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Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder parcial provimento à apelação oferecida pelos interessados DD e EE, alterando a decisão recorrida no segmento referente ao valor de 130.000,00€, de prestações suplementares recebidas pela cabeça-de-casal, da sociedade B... Lda, que ela deve relacionar como crédito da herança sobre si própria. No mais, improcedendo a apelação, se confirma a decisão recorrida.
No respeitante ao recurso interposto pela cabeça-de-casal BB, acordam os juízes deste Tribunal em conceder-lhe parcial provimento revogando a decisão recorrida no segmento que determinou à cabeça-de-casal a relacionação de qualquer saldo da conta n.º ...62, do Banco 1..., e conta n.º ...00, da Banco 3..., e alterando-a no segmento respeitante conta bancária n.º ...38 no Banco 2..., co-titulada pela Cabeça-de-Casal e pela Interessada CC, com um saldo de 80.000,00 Euros, do qual se determina que apenas seja relacionada metade. No mais, se confirma a decisão recorrida.
Custas por apelantes e apelados, em relação a cada um dos recursos, na proporção do decaimento.