CONFLITO DE COMPETÊNCIA
CONEXÃO
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
ESTADO DO PROCESSO
Sumário

I. O regime de competência estabelecido no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC (e a que os artigos 80.º e 81.º da LPCJP também se referem) traduz um regime especial de competência, dito “por conexão”, que sobreleva sobre a competência territorial (cfr. n.º 5 do mencionado artigo 11.º do RGPTC).
II. Em face deste regime especial de competência “por conexão”, o que releva para efeitos de competência para todas as ações é a data da sua instauração, ou seja, da entrada em tribunal, sendo irrelevantes as modificações de facto que posteriormente ocorram – cfr. artigos 9.º n.ºs 1 e 9 do RGPTC e artigo 81.º, n.º 1, da LPCJP.
III. O processo de promoção e proteção precedente - instaurado em 2015 - determinou a competência por conexão do processo da mesma natureza (processo de promoção e proteção) ulteriormente instaurado.
IV. A circunstância de a anterior ação se encontrar finda, não afasta a dita conexão, sendo certo que a lei não faz depender a sua operatividade do estado do processo e, designadamente, de a primeira ação se encontrar pendente ou ter findado.

Texto Integral

Pº 8134/16.3T8LRS.L1
2.ª Secção
Conflito de Competência
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I. O Juízo de Família e Menores de Loures - Juiz 4 suscita a resolução de conflito negativo de competência entre ele próprio e o Juízo de Família e Menores de Loures - Juiz 2 para a tramitação do presente processo de promoção e proteção (instaurado pelo Ministério Público), com fundamento em que ambos se declararam incompetentes para dele conhecer.
O Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 4, por decisão de 10-02-2025, declarou-se incompetente para a tramitação do processo, determinando a remessa dos autos para apensação ao processo de promoção e proteção n.º 7413/15.1T8LRS, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 2, relativamente à mesma criança, fundando-se no disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC.
Por sua vez, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 2, por decisão de ...-...-2025, considerando que a apensação determinada contraria o prescrito nos artigos 11.º, n.º 1 do RGPTC e 81.º, n.º 1, da LPCJP, determinou a devolução dos autos ao Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 4.
O Ministério Público teve vista dos autos, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, do CPC, pronunciando-se – em ...-...-2025 - no sentido de que: “(…) embora numa interpretação apenas literal se possa considerar que o artigo 11.º, n.º 1 do RGPTC apenas prevê a apensação de processos de diversa natureza, se considerarmos o elemento teleológico e estruturante do sistema, teremos de concluir que a norma não restringe a competência por conexão apenas a processos de natureza diferente.
Aliás, não faria sentido que fosse essa a intenção do legislador, quando o que se que se pretende é que haja uma visão de conjunto relativamente ao mesmo menor.
Assim, neste caso, tendo sido proposto um processo de promoção e proteção referente ao menor AA, e havendo já relativamente ao mesmo menor, um processo de promoção e proteção (o processo 7413/15.1T8LSB do juiz 2), somos de parecer que deverá o presente processo ser apensado àquele, sendo, portanto, competente, o juiz 2, o que está em consonância com as normas dos artigos 11.º, n.º 1 do RGPTC e 81.º, n.º 1 da LPCJP”.
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II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito – e tendo em conta a documentação constante do processo - , o seguinte:
1) O Ministério Público veio instaurar, em 2016, Processo Judicial de Promoção e Proteção, em benefício da criança BB, nascido a ...-...-2009, que tramitou inicialmente no Juízo de Família e Menores de Abrantes;
2) Em ...-...-2025, o Juízo de Família e Menores de Abrantes declarou-se territorialmente incompetente para a decisão do processo, considerando como competente o Juízo de Família e Menores de Loures.
3) Distribuídos os autos ao Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 4, aí foi proferido o seguinte despacho, datado de 10-02-2025: “O Ministério Público intentou o presente processo de promoção e proteção referente ao menor BB que veio a ser distribuído ao Juiz 4, tendo corrido termos no Juiz 2 outro processo de promoção e proteção referente ao mesmo menor (nº 7413/15.1T8LRS), instaurados muito antes do presente processo de promoção e proteção (vide informação de base de dados que antecede).
Nos termos do artº 11º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, quando relativamente à mesma criança forem instaurados separadamente processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, “devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.”.
Verifica-se, pois, que, devendo os presentes autos correr no processo de promoção e proteção (nº 7413/15.1T8LRS), do Juiz 2, é este competente por conexão para o conhecimento do presente processo, sendo, portanto, incompetente este Juiz 4.
Pelo exposto, declaro o Juiz 4 incompetente para a tramitação do presente processo e determino a remessa dos autos ao Juiz 2, para apensação ao processo nº 7413/15.1T8LRS.
Notifique e oportunamente remeta os autos (…)”.
4) Remetidos os autos ao Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 2, aí foi proferida, em ...-...-2025, decisão onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Apreciando, cumpre frisar que, em sede de jurisdição de menores, releva a competência por conexão plasmada no art. 11º, nº 1, do RGPTC - preceito no qual se estribou o despacho acima transcrito -, sendo, também, aplicável, na situação em análise, a previsão do art. 81º, nº 1, da LPCJP, de acordo com os quais: - “Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar” - art. 11º, nº 1, do RGPTC;
- “Quando, relativamente à mesma criança ou jovem, forem instaurados, sucessivamente ou em separado, processos de promoção e proteção, inclusive na comissão de proteção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar” - art. 81º, nº 1, da LPCPC.
Sucede que, como decorre de uma leitura atenta dos citados preceitos, a aludida conexão apenas opera quando estejam em causa processos de diversa natureza respeitantes à mesma criança ou jovem e tal flui da própria epígrafe do art. 81º, nº 1, da LPCJP, a qual alude expressa e inequivocamente a “Apensação de processos de natureza diversa”, o que equivale a dizer que o ínsito nos arts. 11º, nº 1, do RGPTC e art. 81º, nº 1, da LPCJP não tem aplicação quando estejam em causa processos de idêntica natureza, como sucede no caso vertente, visto serem ambos processos de promoção e proteção.
Nesta conformidade, e dado que a apensação determinada contraria, frontalmente, o decorrente dos preditos arts. 11º, nº 1, do RGPTC e 81º, nº 1, da LPCJP, determina-se a imediata devolução deste apenso - atenta a natureza urgente do mesmo (cfr. art. 102º, nº 1, da LPCJP) - ao J4 do Juízo de Família e Menores de Loures.
D.N., dando-se baixa.”.
5) Relativamente à mesma criança, foi instaurado em 2015 processo de promoção e proteção, com o nº 7413/15.1T8LRS, junto do Juízo de Família e Menores de Loures - Juiz 2, que se encontra arquivado.
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III. Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
Entendem ambos os tribunais, não serem competentes para dirimir o presente processo.
A Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro veio aprovado o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (abreviadamente RGPTC) estabelecendo “o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respetivos incidentes” (cfr. artigo 1.º).
O artigo 3.º do RGPTC estabelece que:
“Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis:
(…) c) A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes; (….)”.
Por seu turno, o artigo 9.º do RGPTC – sob a epígrafe “Competência territorial” – prescreve o seguinte:
“1 - Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
2 - Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais.
3 - Se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele que exercer as responsabilidades parentais.
4 - No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
5 - Se alguma das providências disser respeito a duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
6 - Se alguma das providências disser respeito a mais do que duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal da residência do maior número delas.
7 - Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
8 - Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa.
9 - Sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo”.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 10.º do RGPTC, a incompetência territorial pode ser deduzida até decisão final, devendo o tribunal conhecer dela oficiosamente.
O artigo 11.º do RGPTC regula os casos de “competência por conexão”, dispondo o seguinte:
1 - Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às providências tutelares cíveis relativas à averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade, nem às que sejam da competência das conservatórias do registo civil, ou às que respeitem a mais que uma criança.
3 - Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.
4 - Quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem.
5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n.os 1, 3 e 4.”.
Da conjugação do n.º 1 com o n.º 5 do artigo 11.º do RGPTC, resulta que a competência “por conexão”, a que se refere o primeiro, sobreleva sobre a competência territorial.
Da interpretação do n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC resulta a consagração de 4 regras:
“- a 1ª impõe (“devem”) a apensação entre o processo tutelar cível e o processo de promoção e proteção ou o processo tutelar educativo (e somente entre estes);
- a 2ª que a apensação opera em qualquer estado dos processo (mesmo que findos);
- a 3ª (implícita), estabelece a ordem ou precedência da apensação (ao processo instaurado em 1ª lugar);
- a 4ª instituindo um regime especial de competência territorial (o tribunal onde primeiramente se instaurou qualquer dos referidos processos)” (assim, a decisão do Vice-Presidente do STJ de ...-...-2023, Pº 2600/14.2TBALM-B.L1.S1, rel. NUNO GONÇALVES, disponível em https://www.dgsi.pt).
O regime de competência estabelecido no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC traduz um regime especial de competência, dito “por conexão”, que sobreleva sobre a competência territorial (cfr. n.º 5 do mencionado artigo 11.º do RGPTC).
“A atribuição de competência por conexão constitui uma exceção à regra geral da competência territorial. (…). A competência por conexão é prevista nos artigos 11.º n. º1 do RGPTC, 81.º n. º1 da LPCJP. Salienta- se o seu carácter especial e deste modo prevalecente em relação às regras de competência territorial, atribuindo a competência a quem já tem para conhecer o outro processo. A conexão processual mantém-se mesmo com a transição para outro Tribunal” (assim, CC; A harmonização das decisões relativas à criança e ao jovem; Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, ..., pp. 44-45, texto consultado em: https://run.unl.pt/bitstream/10362/77155/1/Sousa_2019.pdf).
Por seu turno, quanto a processos de promoção e proteção, regula a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (abreviadamente, LPCJP, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro).
Por “medida de promoção dos direitos e de proteção” entende-se “a providência adotada pelas comissões de proteção de crianças e jovens ou pelos tribunais, nos termos do presente diploma, para proteger a criança e o jovem em perigo” (cfr. artigo 5.º, al. e) da LPCJP), estando o leque de medidas aplicáveis previsto no artigo 35.º da LPCJP.
Sobre a competência territorial para a aplicação de medidas de promoção e proteção, dispõe o artigo 79.º da LPCJP que:
“1 - É competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção a comissão de proteção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial.
2 - Se a residência da criança ou do jovem não for conhecida, nem for possível determiná-la, é competente a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde aquele for encontrado.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde a criança ou o jovem for encontrado realiza as diligências consideradas urgentes e toma as medidas necessárias para a sua proteção imediata.
4 - Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência.
5 - Para efeitos do disposto no número anterior, a execução de medida de promoção e proteção de acolhimento não determina a alteração de residência da criança ou jovem acolhido.
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a comissão de proteção com competência territorial na área do município ou freguesia de acolhimento da criança ou jovem, presta à comissão que aplicou a medida de promoção e proteção toda a colaboração necessária ao efetivo acompanhamento da medida aplicada, que para o efeito lhe seja solicitada.
7 - Salvo o disposto no n.º 4, são irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo”.
Por seu turno, o artigo 80.º da LCJP prescreve que:
“Artigo 80.º
Apensação de processos
Sem prejuízo das regras de competência territorial, quando a situação de perigo abranger simultaneamente mais de uma criança ou jovem, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurado processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares ou as situações de perigo em concreto o justificarem”.
E, ainda, importa considerar o que dispõe o artigo 81.º da LPCJP:
“1 - Quando, relativamente à mesma criança ou jovem, forem instaurados, sucessivamente ou em separado, processos de promoção e proteção, inclusive na comissão de proteção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
2 - (Revogado.)
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, o juiz solicita à comissão de proteção que o informe sobre qualquer processo de promoção e proteção pendente ou que venha a ser instaurado posteriormente relativamente à mesma criança ou jovem.
4 - A apensação a que se reporta o n.º 1 tem lugar independentemente do estado dos processos.”.
Nos termos do disposto no n.º. 1 do artigo 85.º do Código Civil, o menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio, o do progenitor a cuja guarda estiver.
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IV. Os presentes autos de promoção e proteção, com o n.º 8134/16.3T8LRS, que antes tramitaram no Juízo de Família e Menores de Abrantes, foram distribuídos ao Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 4.
Previamente, e quanto à mesma criança, tinha corrido termos no Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 2, outro processo de promoção e proteção, com o n.º 7413/15.1T8LRS, instaurado em juízo em 2015.
Insurge-se o Juízo de Família e Menores de Loures - Juiz 2 contra a apensação de processos determinada pelo Juiz 4 do mesmo Juízo, por considerar que a mesma apenas poderá ter lugar quando estejam em causa processos de diversa natureza respeitantes à mesma criança ou jovem, o que considera flui da própria epígrafe do art. 81º, nº 1, da LPCJP, (“Apensação de processos de natureza diversa”), concluindo que “o ínsito nos arts. 11º, nº 1, do RGPTC e art. 81º, nº 1, da LPCJP não tem aplicação quando estejam em causa processos de idêntica natureza, como sucede no caso vertente, visto serem ambos processos de promoção e proteção”.
Contudo, não nos parece que esta limitação à apensação de processos decorra da legislação referenciada.
Conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-03-2024 (Pº 2182/14.5TBVFR.25.P1, rel. DD), “as normas atinentes à competência por conexão (e apensação de diferentes processos), constantes do art.º 11.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, R.G.P.T.C. e dos artigos 80.º e 81.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, L.P.C.J.P. têm uma dupla função, factual e jurídica: por um lado, permitir uma visão holística da realidade factual e, em consequência, habilitar o tribunal a decidir com melhor conhecimento de causa e a concertar as decisões nos diferentes processos”.
E essa concatenação e harmonia de decisões tem clara prevalência sobre a da natureza dos processos em confronto.
Efetivamente, em face do regime especial de competência “por conexão”, resultante do n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC, “sendo instaurado relativamente à mesma criança ou jovem um processo de promoção e proteção (…), e anos depois é instaurado novo processo, nomeadamente um processo tutelar cível ou de promoção e proteção, estando aquele ou aqueles já arquivados, o tribunal e juiz que o decidiu, ainda que estejam findos, continua a manter a sua competência material para todos estes processos (pressupondo que continua a manter competência material para o efeito) (…)”, o que “significa que a existência de qualquer um dos apontados processos determina, no futuro, a competência desse tribunal para todos os demais processos supervenientes relativamente à mesma criança, independentemente de outras vicissitudes ou circunstâncias, exigindo-se, apenas, que esse tribunal continue a manter a necessária competência material para o efeito (assim, EE; Regime do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, 4.ª ed., Quid Juris, 2020, p. 59).
Isso mesmo considerámos já anteriormente, sendo exemplo de decisão tomada nesse sentido, a proferida em ...-...-2024, no processo n.º 24177/18.0T8LSB-B.L1-7 e relatada pelo signatário:
“1) Em face do regime especial de competência “por conexão”, resultante do n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC, sendo instaurado relativamente à mesma criança ou jovem um processo tutelar cível e anos depois novo processo, nomeadamente um processo tutelar cível ou de promoção e proteção, estando aquele ou aqueles já arquivados, o tribunal e juiz que o decidiu, ainda que estejam findos, continua a manter a sua competência material para todos estes processos (pressupondo que continua a manter competência material para o efeito).
2) A circunstância de a anterior ação se encontrar finda, não afasta a dita conexão, sendo certo que a lei não faz depender a sua operatividade do estado do processo e, designadamente, de a primeira ação se encontrar pendente ou ter findado”.
Nesse sentido, também se pronunciou já, comparando os âmbitos das prescrições dos artigos 80.º e 81.º da LPCJP, o Tribunal da Relação do Porto, na decisão singular de 18-06-2006 (Pº 0821954, rel. GUERRA BANHA) decidindo que:
“I- O art. 80º da LPCJP tem âmbito mais alargado do que o art. 81º da mesma Lei, compreendendo:
- a apensação de todos os processos de promoção e protecção relativos à mesma criança ou jovem (…)”.
Igual entendimento foi prolatado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 13-01-2011, Pº 3357/10.1TBVCT-A.G1, rel. CANELAS BRÁS: “O processo de promoção e protecção segue os seus termos por apenso a um outro já existente anteriormente, relativo ao mesmo menor ou menores, quer esteja ainda pendente, quer tenha sido dado por findo”.
Certo é que, conforme bem refere o Ministério Público, considerando os elementos teleológico e sistemático de interpretação, a norma não restringe a competência por conexão apenas a processos de natureza diferente, sendo que, não faria sentido que fosse essa a intenção do legislador, quando se pretende que haja uma visão de conjunto relativamente à criança, proferindo decisões que se harmonizem entre si.
Inexistindo o apontado obstáculo à apensação de processos – decorrente da igual natureza dos processos em consideração, conforme aponta, nesse sentido, por argumento de maioria de razão, a interpretação do artigo 80.º da LPCJP - verifica-se que, entre os referidos processos, há uma relação de anterioridade do processo de promoção e proteção que, sob o n.º nº 7413/15.1T8LRS, correu termos no Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 2.
Conforme deriva deste singelo elenco factual, verificava-se, à data em que foi instaurado o presente processo, uma situação de competência por conexão, entre este processo e o que o precedeu – de promoção e proteção.
Como se disse, o regime de competência estabelecido no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC (e a que os artigos 80.º e 81.º da LPCJP também se referem) traduz um regime especial de competência, dito “por conexão”, que sobreleva sobre a competência territorial (cfr. n.º 5 do mencionado artigo 11.º do RGPTC).
Em face deste regime especial de competência “por conexão”, o que releva para efeitos de competência para todas as ações é a data da sua instauração, ou seja, da entrada em tribunal, sendo irrelevantes as modificações de facto que posteriormente ocorram – cfr. artigos 9.º n.ºs 1 e 9 do RGPTC e artigo 81.º, n.º 1, da LPCJP.
Ora, o processo de promoção e proteção instaurado em 2015 determinou a competência por conexão do processo da mesma natureza ulteriormente instaurado.
A circunstância de a anterior ação se encontrar finda, não afasta a dita conexão, sendo certo que a lei não faz depender a sua operatividade do estado do processo e, designadamente, de a primeira ação se encontrar pendente ou ter findado.
Do exposto resulta que, por força do supra referido regime de conexão especial, constante do artigo 11.º, n.º 1, do RGPTC é competente para a tramitação do presente processo de promoção e proteção, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 2.
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V. Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito, declarando competente para a presente ação, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 2.
Sem custas.
Notifique-se (cfr. artigo 113.°, n.° 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 25-03-2025,
Carlos Castelo Branco.