CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA
AÇÃO EMERGENTE DE CONTRATO DE TRABALHO
TRABALHADOR
ENTIDADE PATRONAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
DESPACHO SANEADOR
Sumário

I. Estabelece o artigo 38.º, n.º 1, da LOSJ que a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.
II. A vontade das partes – ou o seu respetivo consentimento – prestado (em termos diversos dos consignados nos artigos 94.º e 95.º do CPC – situações que não se verificam no caso vertente – ou) em momento ulterior ao da interposição da ação é, pois, irrelevante para a fixação da competência territorial de um tribunal.
III. Ponderando o disposto no artigo 14.º do CPT, nas ações emergentes de contrato de trabalho, intentadas pelo trabalhador contra a sua entidade patronal, o legislador entendeu conferir a escolha do Tribunal territorialmente competente para julgar a causa, de entre as várias possibilidades que a lei confere, por inteiro ao trabalhador, com o propósito evidente de facilitar a este o exercício da ação judicial.
IV. Embora o disposto no artigo 19.º, n.º 2, do CPT viabilize o conhecimento oficioso da incompetência territorial do tribunal de trabalho, conforme decorre de tal preceito, no conhecimento oficioso a que se proceda, deve ser observado “o regime estabelecido nos artigos 102.º a 108.º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações”, sendo de observar, nomeadamente, o disposto no artigo 104.º, n.º 3, do CPC, segundo o qual, o juiz deve suscitar e decidir a questão da incompetência até ao despacho saneador, podendo a decisão ser incluída neste sempre que o tribunal se julgue competente e, não havendo lugar a saneador, pode a questão ser suscitada até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados.
V. Tendo já tido lugar o proferimento de despacho saneador, no qual foi expressamente declarada a competência territorial do Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, o conhecimento ulteriormente efetuado da exceção de incompetência territorial, mostra-se em contravenção ao momento, definido na lei, até ao qual seria legítimo ao tribunal conhecer oficiosamente da incompetência territorial.

Texto Integral

Pº 6918/24.8T8LSB.L1
4.ª Secção
Conflito de Competência
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I. O Juízo do Trabalho de Cascais – Juiz 3 suscita a resolução de conflito negativo de competência entre ele próprio e o Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1 para a tramitação do presente processo (ação emergente de contrato de trabalho), com fundamento em que ambos se declararam incompetentes para dele conhecer.
O Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1 declarou-se incompetente, em razão do território, com fundamento, em síntese, no disposto no artigo 14.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (CPT), por o autor ter domicílio em Barcarena, concluindo que o Tribunal competente para os ulteriores termos da presente ação seria o Juízo do Trabalho de Sintra (o que foi retificado, ulteriormente, por despacho de 07-02-2025, em consequência do que os autos foram remetidos para o Juízo do Trabalho de Cascais.
Por sua vez, o Juízo do Trabalho de Cascais – Juiz 3 – a quem os autos foram distribuído - declarou-se incompetente em razão do território para a tramitação do presente processo, com fundamento, em síntese, em que, apesar de ser o Tribunal do domicílio do autor, a escolha feita pelo autor quando instaurou a ação no Tribunal da prestação do trabalho e o reconhecimento e declaração de competência do Juízo do Trabalho de Lisboa feito no despacho saneador, transitado em julgado, tem como consequência a incompetência territorial de todos os outros Tribunais.
O processo foi continuado com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, do CPC, que – em 24-04-2025 – se pronunciou no sentido de que:
“(…)A presente acção mostra-se distribuída como acção emergente de contrato de trabalho em processo comum.
Foi intentada pelo trabalhador no Juízo do Trabalho de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
– As acções emergentes de contrato de trabalho intentadas pelo trabalhador contra a entidade patronal tanto podem ser propostas no tribunal do domicílio do R., como no tribunal da prestação do trabalho ou do domicílio do A., como decorre dos artigos 13º e 14º do CPT
Nesse sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12/5/05, proferido no processo nº 658/05, disponível em www.dgsi.pt e ainda CPT Anotado, Abílio Neto 5ª edição, pág. 49.
Constata-se assim que ao intentar a referida acção no Juízo do Trabalho de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa o A o fez ao abrigo do disposto no artigo 14º nº 1 do CPT, por corresponder ao do domicílio da Ré e ao local da prestação do trabalho, (como resulta do respectivo contrato de trabalho junto com a petição inicial) tendo assim usado a faculdade de escolha que lhe é conferida pela referida norma.
Tendo essa sido a opção do A afigura-se-nos inexistir fundamento para o despacho datado de 14/10/24- referência ...- através do qual a Mmª Juíza titular do processo determina a notificação do A e da Ré para se pronunciarem sobre a competência territorial do Tribunal, (atendendo a que o A tem residência na localidade de Barcarena) quando é certo que o A havia já tomado a opção legalmente admissível pelo artigo 14º nº 1 do CPT, ao proceder à apresentação da petição inicial no Juízo do Trabalho de Lisboa, o qual é também territorialmente competente ao abrigo da mencionada norma.
Ora, tendo o A optado por intentar a acção no Juízo do Trabalho de Lisboa e não no Juízo do Trabalho de Cascais, o que poderia ter feito por corresponder à regra geral de competência territorial, fixou-se a competência daquele primeiro Tribunal, não podendo agora, por via do conhecimento do teor
do despacho supra citado, alterar a escolha por si inicialmente tomada.
Assim foi entendido, em situação idêntica, por decisão sumária proferida em 25/3/25 no âmbito do processo nº 23 609/24.2T8LSB.L1.
Nessas circunstâncias, tendo a acção sido intentada em Lisboa, o Juízo do Trabalho competente para conhecer da causa é o Juízo do Trabalho de Lisboa e não o Juízo do Trabalho de Cascais”.
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II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito, o seguinte:
1) Em 11-03-2024, AA, residente em Barcarena, apresentou em juízo – endereçada ao “TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA JUÍZOS DO TRABALHO” - a petição inicial da presente ação emergente de contrato de trabalho, que instaurou contra Entreposto Viaturas Desportivas – Comércio de Automóveis, S.A., com sede em Lisboa.
2) Em 14-03-2024, o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, a que os autos foram distribuídos, proferiu despacho a designar data para audiência de partes, nos termos do artigo 54.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho;
3) Frustrada a conciliação, em 24-06-2024, a ré contestou.
4) Em 11-06-2024 foi proferido despacho saneador, no qual se lê, nomeadamente, o seguinte:
“Nos termos do disposto nos arts. 296º, 297º e 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi do art. 1º, n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho (CPT), fixa- -se o valor da causa em €30988,85.
(…)
A causa não reveste especial complexidade e a posição das partes está ampla e claramente exposta nos articulados apresentados, motivo pelo qual não se realizará audiência prévia (artigo 62°, n° 1, a contrario do Código de Processo de Trabalho).
A enunciação dos temas de prova reveste-se de simplicidade motivo pelo qual abstenho-me de proferir o despacho previsto no art. 596° do CPC, atento o disposto no art. 49° n° 3 do CPT.
(…)
O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e estão regularmente patrocinadas.
Não existem exceções ou questões prévias de que cumpra, neste momento, conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa, relegando-se para final o conhecimento da exceção invocada.
(…)
Requerimentos de prova:
Por tempestivos admito:
1) os róis de testemunhas do req. Ref. 48226793 e 48729102
2) os documentos juntos pelas partes com os articulados;
(…)
Convido o autor a concretizar:
- os factos que pretende provar com os documentos cuja junção requer a fim de se verificar da pertinência da notificação para a junção de documentos em posse da Ré.
- os factos que pretende provar da pi com o depoimento da ré e declarações do Autor, porquanto nem toda a matéria da petição inicial corresponde a factos a provar, há também matéria de direito e conclusiva e factos que só por documento se provam, após o que nos pronunciaremos sobre a admissibilidade destes meios de prova – art. 452.º, n.º 2 do CPC.
(…)”.
5) Em 14-10-2024, o Juízo de Trabalho de Lisboa – Juiz 1 proferiu o seguinte despacho:
“Requerimentos de 12.09.2024 e de 24.09.2024 da Ilustre Advogada da Ré:
Tomei conhecimento.
Notifique a parte contrária para cumprimento do exercício do contraditório, em face do teor do requerido.
Sem prejuízo, e compulsados os autos, constatou-se que o Autor tem o seu domicilio consolidado em Barcarena, e ainda, que, a presente ação é emergente de um contrato individual de trabalho entre o autor e a ré.
A signatária encontra-se em acumulação de funções, com a responsabilidade do serviço de J1 e quase metade do serviço de J5, e com as agendas de ambos os Juízos bastante preenchidas, cabendo ainda salientar o volume de serviço existente e herdado, em virtude da ExMª. Colega de J5 ter estado tempo considerável de baixa médica sem que existissem juízes disponíveis à data para a sua substituição atempada. Importa nestes termos, ser criteriosa, de modo a se conseguir resolver os processos mais antigos, e que, efetivamente, em face dos critérios da competência, só podem ser do Tribunal de Trabalho de Lisboa. De modo, a se fazer face à pendência acumulada herdada e a se conseguir a celeridade desejável na tramitação e decisão dos processos.
Pelo que, determino:
Ao abrigo da conjugação do disposto no artº 13º nº 1 e 14º nº 1 ambos do CPT, e sendo o Autor residente em Barcarena, de acordo com o art.º 14º do mencionado código, as ações emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade empregadora podem ser propostas no juízo do trabalho do lugar da prestação de trabalho ou no do domicílio do autor.
Não têm aplicação as regras previstas no artigo 15º a 16º uma vez que a presente ação não se insere nas respetivas previsões legais.
O Tribunal de trabalho competente que abrange a área de residência do Autor é o Juízo de Trabalho de Sintra, da Comarca de Lisboa Oeste, possibilitando pela proximidade do domicílio do trabalhador, não só a sua facilidade de deslocação, como também, despesas de deslocação mais reduzidas. Em conformidade, notifique o Ilustre Mandatário do Autor e igualmente o próprio, para, virem aos autos manifestar expressamente, se é da vontade do Autor ou não, que os presentes autos transitem para o Tribunal de Trabalho territorialmente competente na área da sua residência. E ainda, igualmente se notifique a Ré, para vir manifestar ao processo se tem algo, a opor, à possível transição dos presentes autos, para o referido Tribunal.
Notifique.
D.N. (via expedita)”.
6) Na sequência, ambas as partes apresentaram requerimentos nos autos de não oposição à transição dos autos para o tribunal competente da área de residência do autor.
7) Em 04-11-2024, o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1 proferiu despacho onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
Da incompetência deste tribunal em razão do território:
Nos termos do art.º 13º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, as ações devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.
De acordo com o art.º 14º do mesmo código, as ações emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade empregadora podem ser propostas no juízo do trabalho do lugar da prestação de trabalho ou no do domicílio do autor.
Não têm aplicação as regras previstas no artigo 15º a 16º uma vez que a presente ação não se insere nas respetivas previsões legais.
Conforme resulta da petição inicial, o autor tem domicílio em Barcarena - Sintra e a ré sede em Lisboa. Atendendo ao consentimento e manifestação de vontade expressada pelos Ilustres Advogados das partes, no sentido, de que a presente ação prossiga os seus ulteriores termos processuais no Tribunal competente na área de residência do Autor, cumpre decidir:
Face ao exposto, declara-se incompetente, em razão do território, para tramitar e julgar a presente ação, este Tribunal de Trabalho de Lisboa, sendo competente o Juízo do Trabalho de Sintra, com competência na área do domicílio do autor, ante a anuência para o efeito do Autor e da Ré.
(…)
Nos termos do art.º 54º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, recebida a petição, se o juiz verificar deficiências ou obscuridades, deve convidar o autor a completá-la ou esclarecê-la, sem prejuízo do seu indeferimento nos termos do art.º 590º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Este último normativo determina que, nos casos, em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
A incompetência territorial constitui uma exceção dilatória, que, a ter-se por verificada, determina que o juiz se abstenha do conhecimento do mérito da causa e determina a remessa do processo para o tribunal territorialmente competente (cfr. artºs. 102.º, 105.º, n.º 3, 576.º, n.º 2 in fine e 577.º, alínea a), todos do Código de processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo de Trabalho). Por outro lado, nos termos do art.º 19º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, observando-se, quanto ao mais, o regime estabelecido nos artigos 102º a 108º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.
(…)
Face ao exposto, decide-se julgar verificada a exceção dilatória de incompetência deste Juízo do Trabalho de Lisboa, que se declara incompetente em razão do território para conhecer da presente ação, julgando territorialmente competente, face ao disposto no art.º 14º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o Juízo do Trabalho de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, mais se determinando, a oportuna, remessa dos autos, ao tribunal competente, declarando-se o imediato trânsito em julgado da presente decisão – cfr. artº 632º do CPC, ex vi artº 1º nºs 1 e 2 al. a) do CPT.
Registe e Notifique.
Valor da ação: € 30.988,85.
Sem custas do incidente.
Dê baixa/anote a decisão.
D.N. (…)”.
8) Em 27-01-2025, o Juízo do Trabalho de Sintra – Juiz 2 – a quem os autos tinham sido remetidos - proferiu o seguinte despacho:
“(…) A remessa dos presentes autos ao Juízo do Trabalho de Sintra suscita duas observa-ções. A primeira, para verificar que a declaração de incompetência em razão do território deu-se já depois da prolação do despacho saneador, ao arrepio do previsto no artigo 104.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por expressa remissão do artigo 19.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho (e que diz: «o juiz deve suscitar e decidir a questão de incompetência até ao despacho saneador»). A segunda, para verificar que o despacho que declarou a remessa dos autos para Sintra padece de manifesto equívoco: Barcarena é uma freguesia do concelho de Oeiras, que por sua vez está sujeito ao Juízo do Trabalho de Cascais.
Como tal, devolva os autos ao Juízo remetente para, querendo, corrigir o manifesto lapso cometido, dando aqui a pertinente baixa (…)”.
9) Em 07-02-2025, o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1 proferiu o seguinte despacho:
“Resultando de manifesto lapso de escrita, determina-se ao abrigo do art. 614º, nº1, do CPC a retificação da sentença aqui proferida, passando a ler-se «Tribunal do Trabalho de Cascais» onde se lê «Tribunal do Trabalho de Sintra» e «Cascais», onde se lê «Sintra», passando esta a integrar aquela decisão.
Retifique no local próprio e notifique.
Após, cumpra-se a sentença”.
10) Em 25-02-2025, o Juízo do Trabalho de Cascais – Juiz 3 proferiu despacho onde se lê, nomeadamente, que:
“Da incompetência territorial:
A legislação laboral tem regras específicas quanto à competência territorial relativamente às acções emergentes de contrato de trabalho intentadas pelo trabalhador contra o empregador que podem ser propostas:
- no Juízo do Trabalho do domicílio do réu;
- no Juízo do Trabalho da prestação do trabalho;
- no Juízo do Trabalho do domicílio do autor;
- e, em caso de coligação de autores no Juízo do Trabalho do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio de qualquer deles,
- e, sendo o trabalho prestado em mais de um lugar, podem as acções ser intentadas no Juízo do Trabalho de qualquer desses lugares.
É irrelevante, para este efeito, que à data da propositura da acção o contrato de trabalho esteja em vigor ou já tenha cessado. Tal é uma evidência já que não só a Lei não distingue, como, por natureza, nas acções que visam a apreciação da ilicitude do despedimento a relação laboral já cessou.
É o que consta expressamente dos arts. 13º e 14º do Código de Processo do Trabalho.
A escolha entre os vários Tribunais/Juízos do Trabalho onde pode instaurar a acção cabe ao autor-trabalhador, não sendo sindicáveis os seus motivos para optar por um dos vários Tribunais/Juízos do Trabalho onde poderia instaurar a acção.
Uma vez feita a opção pelo autor-trabalhador pelo Tribunal e aí instaurada a acção esse Tribunal passa a ser o único Juízo do Trabalho territorialmente competente em concreto para conhecer daquela causa, deixando os outros Juízos do Trabalho, onde o autor poderia ter instaurado a acção mas não o fez, de serem territorialmente competentes para aquela causa em concreto (apesar de serem os Juízos do Trabalho do domicílio do réu ou do autor ou da prestação do trabalho).
Não cabe ao Juiz do Juízo do Trabalho/Tribunal que o autor-trabalhador elegeu como o territorialmente competente, sindicar a escolha do autor entre os vários Tribunais, ou substituir-se ao autor nessa escolha ou invalida-la de acordo com a sua conveniência de serviço e suscitar a questão da incompetência territorial quando esta não se verifica.
O Tribunal pode oficiosamente suscitar e conhecer da incompetência territorial (art. 19º, nº2, do Código de Processo do Trabalho) apenas se não for o Tribunal da prestação do trabalho, ou não for o Tribunal do domicílio do réu ou do autor.
A incompetência territorial tem de ser suscitada e decidida até ao despacho saneador, podendo a decisão ser incluída neste sempre que o Tribunal se julgue competente (art. 104º, nº3, do Código de Processo Cível aplicável ex vi art 19º, nº2, do Código de Processo do Trabalho).
A decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência (art. 105º do Código de Processo Civil), não podendo voltar a ser conhecida.
Vejamos agora o caso concreto:
- O autor que foi trabalhador da ré instaurou a presente acção de processo comum emergente de contrato de trabalho no Juízo do Trabalho de Lisboa por esse ser o Tribunal da prestação do trabalho e por ser o do domicílio da ré, indicando a sua morada em Barcarena.
Está assente, por acordo das partes e resultando expresso no contrato de trabalho, que o local da prestação do trabalho é em Lisboa.
Não oferece dúvida, por resultar da morada constante do registo de pessoas colectivas, a sede ou o domicílio da ré em Lisboa.
Resulta da consulta das bases de dados que o autor tem domicílio em Oeiras.
No despacho saneador, transitado em julgado, foi reconhecida e assim declarada a competência territorial do Tribunal de Lisboa.
O processo prosseguiu para julgamento com audiência marcada para 24/09/2024.
Em 11/09/2024 entendeu a Sra. Juiz de Direito do Quadro Complementar que entretanto foi afecta ao Juízo e processo dar sem efeito a data agendada para o início da audiência de julgamento.
Em despacho ad hoc datado de 14/10/2024 veio aquela Sra. Juiz de Direito do Quadro Complementar proferir o seguinte despacho: (…)
As partes declararam nada ter a opor.
Após, novamente a mesma Sra. Juiz de Direito do Quadro Complementar em 4/11/2024 proferiu um despacho, que classificou no processo electrónico como sentença, com o seguinte teor: (…)
O processo foi remetido para o Juízo do Trabalho de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.
O Sr. Juiz de Direito do J2 a quem o processo foi distribuído, devolveu os autos, e bem, ao Juízo de Lisboa de onde provieram nos termos do seguinte despacho de 27/01/2025: (…)
Regressado o processo ao Tribunal onde foi instaurado, em 7/02/2025, a Sr. Juiz de Direito proferiu despacho com o seguinte teor: (…)
Como decorre do exposto, quando a competência territorial já estava (e está) definitivamente fixada no Juízo do Trabalho de Lisboa, a Sra Juiz de Direito a quem o processo estava distribuído entendeu por razões estritamente do seu interesse e conveniência de serviço – como aliás fez constar expressamente no despacho de 14/10/2024, por estar “em acumulação de funções” e “com as agendas de ambos os Juízos bastante preenchidas” e fazendo apelo ao “volume de serviço existente e herdado” entendendo deve ser “criteriosa” e apenas “resolver os processos (…) que (…) só podem ser do Tribunal de Trabalho de Lisboa” - declarar-se incompetente.
A competência territorial estava e está fixada no Juízo do Trabalho de Lisboa porque este é o Tribunal do local da prestação do trabalho e o local do domicílio da ré e porque o autor-trabalhador o elegeu como o Tribunal territorialmente competente quando, tendo também o Juízo do Trabalho de Cascais como potencialmente competente, ali optou por instaurar a presente acção.
Está fixada no Juízo do Trabalho de Lisboa porque por decisão transitada em julgado no despacho saneador o Tribunal se declarou como competente.
O despacho em que a Sra. Juiz de Direito do Quadro Complementar se declara incompetente, além de tudo o mais que sobre o mesmo se possa dizer, foi proferido após decisão já transitada em julgado que reconheceu e declarou a competência territorial do Juízo do Trabalho de Lisboa.
Por todo o exposto este Juízo do Trabalho de Cascais não é territorialmente competente, pois apesar de ser o Tribunal do domicílio do autor, a escolha feita pelo autor quando instaurou a acção no Tribunal da prestação do trabalho e o reconhecimento e declaração de competência do Juízo do Trabalho de Lisboa feito no despacho saneador, transitado em julgado, tem como consequência a incompetência territorial de todos os outros Tribunais para a presente acção, o que se declara.
Assim e nos termos dos arts. 14º, nº1, e 19º, nº2, do Código de Processo do Trabalho e arts. 102º, 104º, 105º, 576º, nº1 e 2, 577º, al. a), todos do Código de Processo Civil julgo verificada a excepção da incompetência territorial, sendo competente o Juízo do Trabalho de Lisboa, que assim se reconheceu e declarou no despacho saneador transitado em julgado antes da decisão que após resolveu declarar a incompetência desse mesmo Juízo.
Notifique as partes e o Ministério Público.
Após trânsito, conclua para que se suscitado o conflito negativo de competência, (art. 110º nº 1 e 2, 111º, nº1 e 3, do Código de Processo Civil).”.
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III. A competência do tribunal constitui um pressuposto processual, sendo assim um dos elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a pretensão deduzida (cfr., Antunes Varela et al; Manual do Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 98).
Como ensinava Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pp. 90 e 91), para decidir qual das normas corresponde a cada um dos “índices” de competência, deve olhar-se aos termos em que foi posta a ação -seja quanto aos seus elementos objetivos - natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc,- , seja quanto aos seus elementos subjetivos -identidade das partes.
Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
Os tribunais divergem, quanto à aplicação à situação dos autos, do disposto no artigo 13.º do Código de Processo do Trabalho ou do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do mesmo Código.
Dispõe o artigo 13.º do CPT – com a epígrafe “Regra geral” em sede de competência territorial – que:
“1 - As ações devem ser propostas no juízo do trabalho do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes (…)”.
Para além desta regra geral – sendo que o n.º 1 do artigo 13.º do CPT ressalva a aplicabilidade das disposições constantes dos artigos seguintes - , o Código de Processo do Trabalho consagra diversas regras especiais de competência territorial, de acordo com a natureza do processo que seja instaurado, regulando, sucessivamente, as ações emergentes de contrato de trabalho (artigo 14.º), as ações emergentes de acidentes de trabalho ou de doença profissional (artigo 15.º), as ações emergentes de despedimento coletivo (artigo 16.º), as ações referentes a questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese, ortopedia e outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, as ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho (cfr. artigo 17.º do CPT e artigo 126.º, n.º 1, als. d) e e) da LOSJ) e as ações de liquidação e partilha de bens de instituições de previdência, de associações sindicais, de associações de empregadores ou de comissões de trabalhadores e outras em que sejam requeridas essas instituições, associações ou comissões (artigo 18.º do CPT).
Assim, neste sentido, o n.º 1 do artigo 14.º do CPT – com a epígrafe “Ações emergentes de contrato de trabalho” – prescreve, como norma especial de competência territorial, que:
1 - As ações emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade empregadora podem ser propostas no juízo do trabalho do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor.(…)”.
Sendo o trabalho prestado em mais de um lugar, podem as ações referidas no n.º 1 ser intentadas no tribunal de qualquer desses lugares (cfr. artigo 14.º, n.º 3, do CPT).
Quando seja aplicável a regra especial de competência, a regra geral deverá ceder a sua aplicação àquela.
Assim, conforme se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-02-2018 (Pº 1485/15.6T8VLG.P1, rel. NELSON FERNANDES), “os artigos 14.º a 19.º do CPT estabelecem situações particulares que, no âmbito da competência interna, determinam a competência territorial dos tribunais portugueses, sendo que, resultando do artigo 14.º que as ações emergentes de contrato de contrato de trabalho podem ser propostas no tribunal do lugar da prestação do trabalho ou do domicílio do autor, essa regra afasta a regra geral prevista no artigo 13.º. A opção entre o tribunal do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor assiste a quem figure como autor na ação (…)”.
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IV. No caso dos presentes autos, está em questão uma ação emergente de contrato de trabalho, intentada pelo trabalhador contra a sua entidade empregadora.
A ré tem domicílio em Lisboa, sendo que aí foi instaurada a presente ação, em conformidade com o disposto no artigo 13.º do Código de Processo do Trabalho.
Como se viu, ponderando o disposto no artigo 14.º do CPT, nas ações emergentes de contrato de trabalho, intentadas pelo trabalhador contra a sua entidade patronal, o legislador entendeu conferir a escolha do Tribunal territorialmente competente para julgar a causa, de entre as várias possibilidades que a lei confere, por inteiro ao trabalhador, com o propósito evidente de facilitar a este o exercício da ação judicial (neste sentido, Albino Mendes Baptista, em anotação ao artigo 14.º, Código de Processo do Trabalho Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2002; e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-04-2009, P.º 141/08.6TTVIS-A.C1, rel. FERNANDES DA SILVA).
O Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1 entendeu conhecer da competência territorial do Tribunal, “[a]tendendo ao consentimento e manifestação de vontade expressada pelos Ilustres Advogados das partes, no sentido, de que a presente ação prossiga os seus ulteriores termos processuais no Tribunal competente na área de residência do Autor”.
Estabelece o artigo 38.º, n.º 1, da LOSJ que a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.
A vontade das partes – ou o seu respetivo consentimento – prestado (em termos diversos dos consignados nos artigos 94.º e 95.º do CPC – situações que não se verificam no caso vertente – ou) em momento ulterior ao da interposição da ação é, pois, irrelevante para a fixação da competência territorial de um tribunal
Invoca, todavia, o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1 que, nos termos do art.º 19º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, observando-se, quanto ao mais, o regime estabelecido nos artigos 102º a 108º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.
Sucede que, no caso dos autos, no momento em que foi proferida a decisão de 04-11-2024, já tinha sido proferido despacho saneador.
E, embora o disposto no artigo 19.º, n.º 2, do CPT viabilize o conhecimento oficioso da incompetência territorial do tribunal de trabalho, certo é que, conforme decorre de tal preceito, no conhecimento oficioso a que se proceda, deve ser observado “o regime estabelecido nos artigos 102.º a 108.º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações”.
Estabelece o artigo 102.º do CPC que, a infração das regras de competência fundadas no valor da causa, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado na convenção prevista no artigo 95.º determina a incompetência relativa do tribunal.
E, por sua vez, o artigo 104.º, n.º 3, do CPC prescreve que: “O juiz deve suscitar e decidir a questão da incompetência até ao despacho saneador, podendo a decisão ser incluída neste sempre que o tribunal se julgue competente; não havendo lugar a saneador, pode a questão ser suscitada até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados.”.
Ora, conforme decorre do antes referido e dos autos, no caso em apreço teve lugar o proferimento de despacho saneador, no qual foi expressamente declarada a competência territorial do Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, pelo que se mostra que, o conhecimento ulteriormente efetuado da exceção de incompetência territorial, se encontra em contravenção ao momento, definido na lei, até ao qual seria legítimo ao tribunal conhecer oficiosamente da incompetência territorial.
Assim, não podendo subsistir a decisão tomada em 04-11-2024, deverá reconhecer-se – e decidir-se, consequentemente, o conflito de competência em conformidade – que a competência territorial para a apreciação do presente litígio radica no Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, local onde a ré tem domicílio e onde, utilizando da prerrogativa legal que lhe confere o disposto no n.º 1 do artigo 13.º do CPT, o autor instaurou a presente ação.
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V. Pelo exposto, decido este conflito, declarando competente para apreciação e prosseguimento do presente processo, o Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1.
Sem custas.
Notifique-se (cfr. artigo 113.°, n.° 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 28-04-2025,
Carlos Castelo Branco.