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CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA
RECONHECIMENTO
UNIÃO DE FACTO
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Sumário
É o juízo local cível (ou inexistindo este, o respetivo juízo de competência genérica – cfr. artigo 130.º, n.º 1, da LOSJ) – e não o juízo de família e menores - o tribunal competente, para, em razão da matéria, apreciar e decidir das ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, para aquisição de nacionalidade portuguesa, a que se referem o artigo 3.º, n.º 3, da lei n.º 37/81, de 3 de outubro e o artigo 14.º, n.ºs. 2 e 4, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro).
Texto Integral
Processo: 198/24.2T8PTS.L2
8.ª Secção
Conflito de Competência
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I.
1. Por petição inicial apresentada no Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol em 16-05-2024, AA e BB instauraram ação declarativa com processo comum, para reconhecimento judicial da situação de união de facto, contra o Estado Português, representado na presente ação pelo Ministério Público.
Pedem seja decretado o reconhecimento da situação de união de fato entre os Autores, nos termos e para os fins do n.º 2 do artigo 1.º da Lei 7/2001, de 11 de maio, do n.º 3 do artigo 3.º da Lei nº 37/81, de 3 de outubro e dos n.ºs 2 e 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei 237-A/2006, de 14 de dezembro.
2. Citado o réu, foi deduzida contestação – apresentada em juízo em 17-06-2024 – por impugnação.
3. Em 01-10-2024 foi proferido o seguinte despacho: “(…) DA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA Nos presentes autos vieram os Autores AA e BB, residentes na Ribeira Brava, intentar contra o Réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, ação declarativa de reconhecimento de união de facto, nos termos e para os efeitos do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, pugnando pela competência deste Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol. O Ministério Público, em representação do Estado Português veio contestar, apresentando defesa por impugnação. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o artigo 211.º da Constituição da República Portuguesa que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, sendo que na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas. Materializando tais princípios, o artigo 60.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, estatui que a competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código. No que respeita ao enquadramento e organização do sistema judiciário a Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) dispõe o artigo 37.º, n.º 1, que, na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território. Quanto à competência em razão da matéria, o regime regra está consagrado no artigo 40.º da LOSJ: “1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. 2 - A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.” Os tribunais judiciais de 1.ª instância são, em regra, os tribunais de comarca - cf. artigo 79.º da LOSJ - e desdobram em juízos, a criar por decreto-lei, que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de proximidade – cf. artigo 81.º, n.º 1, da LOSJ. Entre os juízos de competência especializada encontram-se os de família e menores – cf. artigo 81.º, n.º 3, al. g), da LOSJ, aos quais compete julgar as causas em referência nos artigos 122.º a 124.º, da LOSJ, entre as quais, as ações relativas ao estado civil das pessoas e família. O caso dos autos constitui uma ação de reconhecimento de uma situação de união de facto, para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa, nos termos previstos no artigo 3.º da Lei da Nacionalidade. Traduzindo-se a união de facto na “situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.” (cf. artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que adota medidas de proteção das uniões de facto). Trata-se de um instituto com proteção constitucional (cf. artigo 36.º, n.º 1, da CRP), equiparada em muitos casos ao vínculo conjugal e socialmente aceite como entidade familiar. Determina o artigo 122.º, n.º 1, al. g), da LOSJ que compete aos juízos de família e menores, além do mais, “preparar e julgar: (…) g) Outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família”. Donde se conclui que a ação de reconhecimento de uma situação de união de facto é da competência dos Juízos de Família e Menores. Neste sentido - e não olvidando a existência de jurisprudência em sentido contrário -, existe ampla jurisprudência, entre a qual destacamos o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 06-12-2022, Rel. Edgar Taborda Lopes, proc. 1163/22.0T8FNC.L1-7, in www.dgsi.pt, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-11-2023, Rel. Joaquim Moura, proc. 8894/22.2T8VNG.P1, in www.dgsi.pt e o acórdão do Tribunal da Relação e Lisboa 08-04-2024, Rel. Arlindo Crua, proc. 20621/23.2T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt - posição perfilhada por este tribunal. Também não olvidamos a menção expressa no artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, a qual atribui competência para julgar estas ações ao “tribunal cível”. Entendemos, porém, que tal menção deve ser entendida como “tribunal judicial”, por oposição aos tribunais administrativos. A este propósito veja-se, entre outros, o decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-11-2023, Rel. Joaquim Moura, proc. 8894/22.2T8VNG.P1, in www.dgsi.pt: “I - Com a menção ao “tribunal cível”, feita no artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade como sendo o tribunal competente para a acção visando o reconhecimento da situação de união de facto, apenas se quis deixar expresso, para não haver dúvidas, de que só o contencioso da nacionalidade passava para a jurisdição administrativa e que aquelas acções continuavam a ser propostas nos tribunais comuns; II - Por isso deve entender-se que, com a referência a “tribunal cível”, o legislador quis referir-se a “tribunal judicial” e não propriamente estabelecer uma excepção à atribuição de competência que decorria da aplicação das regras gerais de distribuição de competência em razão da matéria pelos diversos tribunais judiciais; II - Nesse pressuposto, é de entender que a norma do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, tal como se argumentou no Ac. TRL de 06.12.2022, não se perfila como uma norma excepcional, antes se conforma com a lei geral, pelo que, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, al. g) da LOSJ, são os Juízos de Família e Menores os competentes em razão da matéria para preparar e julgar as acções em que se pretende o reconhecimento da situação de união de facto, pressuposto da aquisição de nacionalidade portuguesa.” Com efeito, no acórdão acima citado do Tribunal da Relação de Lisboa 06-12-2022, Rel. Edgar Taborda Lopes, proc. 1163/22.0T8FNC.L1-7, in www.dgsi.pt, encontra-se devidamente explicitado que: “O artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade-LN (conjugado com o artigo 14.º, n.ºs. 2 e 4, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa) não pode ser interpretado como constituindo uma norma especial que derroga lei geral (o artigo 122.º, n.º1, alínea g)) uma vez que: a - o objectivo da norma foi apenas o de obstar a que estas acções ficassem sob a égide da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais (como decorreria do artigo 26.º da LN que, por via da legislação aplicável, atribui o contencioso da nacionalidade aos Tribunais Administrativos e Fiscais); b - no momento da publicação da LN inexistia norma semelhante à da alínea g) do artigo 122.º da LOSJ e a acção sempre seria da competência dos Tribunais Cíveis, não se tendo pretendido efetuar uma atribuição diferente daquela que na altura resultava da aplicação das regras gerais da LOFTJ; c - podendo o legislador atribuir competência material para o tipo de processos que entender e nos instrumentos legislativos que tiver por convenientes, é linear que a Lei da Nacionalidade não constitui a sede legal natural, normal ou mesmo óbvia, para delimitar a competência material dos juízos dos tribunais judiciais para uma determinada acção, sendo esse o motivo pelo qual no n.º 3 do artigo 3.º, a Lei aceitou, se conformou e se adequou ao que a LOFTJ regulava, não constituindo a escolha dos Tribunais Cíveis uma opção autónoma, mas apenas um sancionar da realidade normativa existente; d - se o legislador não criou nenhuma norma especial que contrariasse o que decorria da lei geral não faz sentido que, com a vigência da alínea g) do artigo 122.º da LOSJ, se passe a considerar ex post o n.º 3 do artigo 3.º da LN, como norma especial, quer por não haver dúvidas de que está em causa matéria de Direito da Família, quer por não haver razões materiais e substantivas que apontem para isso; e - tal interpretação constituiria forçar o legislador a, décadas depois, dizer o que não quis dizer no momento da elaboração da norma, e contrariar a sua opção inicial de respeitar a opção da LOFTJ (hoje LOSJ) e sem qualquer razão de fundo que o justificasse; f - tal interpretação tornaria a norma inconstitucional, porque teria o resultado de discriminar entre as várias formas de constituir família, contra o disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 36.º da CRP.” Donde, considera-se que este Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol não será o competente para tramitar o presente processo face às competências atribuídas ao Juízo de Família e Menores no artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ - o que configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, e determina a absolvição da instância (cf. artigos 577.º, al. a), 578.º e 278.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil). Em face do exposto, julga-se este tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, por ser competente o Juízo de Família e Menores, determinando-se a absolvição do Réu da instância. Custas a cargo dos Autores, que se fixam no mínimo legal. Valor da ação: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) - cf. artigos 296.º, 299.º, n.º 1, 303.º, n.º 1 e 306.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil. Registe e notifique (…)”.
4. A decisão referida em 3. foi objeto de notificação expedida em 02-10-2024.
5. Em 04-10-2024 foi apresentado em juízo requerimento, subscrito pela mandatária dos requerentes, onde consta escrito, nomeadamente, o seguinte: “(…) após ser notificada da sentença de V. Exa. (ref.ª …58 de 01/10/2024) donde se retira que “...considera-se que este Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol não será o competente para tramitar o presente processo face às competências atribuídas ao Juízo de Família e Menores no artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ - o que configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, e determina a absolvição da instância (cf. artigos 577.º, al. a), 578.º e 278.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil). Em face do exposto, julga-se este tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, por ser competente o Juízo de Família e Menores, determinando-se a absolvição do Réu da instância.” Acontece que, a 15/02/2023 a ora signatária, havia dado entrada no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo de Família e Menores do Funchal, Juiz 2, ao qual foi atribuído o n.º de processo …/23.8T8FNC, e no qual foi proferida sentença donde se retira que “...a competência dos juízos cíveis mantêm-se no caso presente. Sobre este assunto vd. Acórdão do STJ de 17.06.2021, Rel. Juiz Conselheiro João Cura Mariano e Acórdão do STJ de 29.04.2022 e 07.07.2022. Desta forma, é este juízo de família e menores incompetente para preparar e julgar o objecto da presente acção. Pelo exposto, declaro o presente juízo de família e menores incompetente para preparar e julgar a presente ação, por ser competente para a mesma os juízos cíveis desta Comarca do Funchal.”, conforme sentença que se junta como doc. n.º 1 Pelo exposto, requer a ora signatária, nos termos e para os efeitos do artigo 111.º do Código de Processo Civil a resolução do presente conflito. Junta: 1 (um documento).”.
6. Anexo ao requerimento referido em 5. consta cópia da decisão proferida, em 13-09-2023, pelo Juízo de Família e Menores do Funchal – Juiz 2, no processo n.º …/23.8T8FNC, concluindo-se na mesma em se declarar “o presente juízo de família e menores incompetente para preparar e julgar a presente acção, por ser competente para a mesma os juízos cíveis desta Comarca do Funchal”.
7. Em 21-10-2024, o Ministério Público promoveu que: “Atento o conflito negativo de competência do Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol, nos presentes autos e do Juízo de Família e Menores do Funchal, no âmbito do processo n.º …/23.8T8FNC, promove-se que seja suscitada a sua resolução pelo presidente do tribunal competente para a decisão, nos termos dos artigos 109.º, n.º 2, 110.º, n.º 2 e 4 e 111.º do Código de Processo Civil”.
8. Em 25-10-2024, o Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol proferiu despacho de onde se lê, nomeadamente, o seguinte: “(…) Mantendo este tribunal o entendimento sufragado no despacho de 01-10-2024, ref.ª 55931958, por considerar que a ação de reconhecimento de uma situação de união de facto é da competência dos Juízos de Família e Menores, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, al. g), da LOSJ, e dos argumentos aduzidos no aludido despacho. Verifica-se um conflito negativo de competência, nos termos do disposto nos artigos 109.º e ss, do Código de Processo Civil, porquanto quer este tribunal, quer o Juiz 2, do Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira se declararam incompetentes para conhecer da mesma questão. De acordo com o preceituado no artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo Civil “Há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas atividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma questão: o conflito diz-se positivo no primeiro caso e negativo no segundo.” Refutando os dois Tribunais da 1.ª instância a sua competência para o julgamento nestes autos, deve ser suscitado, o conflito negativo de competência perante o Venerando Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do disposto nos artigos 109.º a 113.º, do Código de Processo Civil. Correndo o processo de resolução de conflitos com caráter urgente, nos próprios autos (cf. artigo 111.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Em face do exposto, cumpre suscitar o conflito negativo de competência, requerendo-se ao Venerando Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (secção cível), o Tribunal Superior, que dirima o aludido conflito negativo entre tribunais da 1.ª instância. Após trânsito em julgado do despacho que julgou este Tribunal incompetente, subam os autos o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. Notifique”.
9. Em 27-11-2024, o Ministério Público apresentou pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2, do CPC, concluindo que, “não estamos perante um conflito negativo de competência, mas sim perante decisões contraditórias e que por força da aplicação disposto no artigo 625.º do Código de Processo Civil deverá prevalecer a proferida a de 13.09.2023, no processo n.º …/23.8T8FNC, pelo Juiz 2, do Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, que declarou a competência dos juízos cíveis da Comarca do Funchal, para o conhecimento da ação declarativa de reconhecimento de união de facto”.
10. Em 29-11-2024 foi proferida decisão sumária concluindo que, “por não estarmos perante uma situação de conflito suscetível de ser conhecido por esta Presidência, indefiro o pedido formulado no requerimento de 04-10-2024”.
11. Prosseguindo os autos na 1.ª instância, em 29-01-2025, o Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol proferiu o seguinte despacho: “Mediante de despacho de 01-10-2024, ref.ª …58, veio este tribunal declarar-se absolutamente incompetente, em razão da matéria, por ser competente o Juízo de Família e Menores, determinando-se a absolvição do Réu da instância. Mediante requerimento de 10-01-2025 (ref.ª …90) vieram os Autores solicitar a remessa ao tribunal competente. Face à não oposição do Ministério Público, em representação do Réu (cf. douta promoção que antecede), nos termos do disposto no artigo 99.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, determina-se a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta - o Juízo de Família e Menores do Funchal. Notifique.”.
12. Em 14-02-2025, o Juízo de Família e Menores do Funchal – Juiz 3, a quem os autos foram remetidos, proferiu despacho – entretanto transitado em julgado - onde se lê, nomeadamente, o seguinte: “Cumpre, então, apreciar e decidir da competência deste Juízo de Família e Menores, em razão da matéria, para a presente acção. A competência afere-se pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes, sem embargo de não estar o tribunal adstrito, neste domínio, às qualificações que autor e/ou réu tenham produzido para definir o objecto da acção. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 204/11.0TTVRL.P1.S1, de 12/09/2013, disponível em www.dgsi) O art. 211.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, prevê a possibilidade de existência, entre os tribunais judiciais de 1.ª instância, de tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas. Por sua vez, o Código de Processo Civil, no art. 67.º, defere às leis de organização judiciária a determinação de quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada. Nesta sequência, a Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), no seu art. 40.º, determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada. No presente caso, os autores através da presente acção pretendem o reconhecimento judicial da união de facto para efeitos de atribuição da nacionalidade. Determina o art. 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro), que o estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível. Com relevância para a decisão, dispõe, ainda, o art. 122.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, que compete aos juízos de família e menores preparar e julgar: a) Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges; b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum; c) Acções de separação de pessoas e bens e de divórcio; d) Acções de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil; e) Acções intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966; f) Acções e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges; g) Outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família. Nos termos do n.º 2, os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos. Perante estas normas, a interpretação e aplicação do art. 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, tem sido objecto de divergência jurisprudencial: uma orientação conflui no sentido da atribuição de competência material aos juízos de família e menores, enquanto outra atribui a competência aos juízos cíveis. Nesta matéria, temos seguido o entendimento, constante, entre outros, dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos no Processo n.º 3193/22.2T8VFX.L1.S1, de 22/06/2023, e no Processo n.º 8894/22.2T8VNG.P1.S1, de 08/02/2024, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, de que os juízos de família e menores não são competentes para julgar as acções de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa. Conforme se escreve neste último acórdão, citando-se o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Processo n.º 286/20.4T8VCD.P1.S1, de 17/06/2021 (este disponível em www.juris.stj.pt): “Está em causa neste recurso qual o tribunal competente, em razão da matéria, para julgar as ações de simples apreciação positiva de reconhecimento de uma situação de união de facto, para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa, nos termos previstos no artigo 3.º da Lei da Nacionalidade. A Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril, que introduziu alterações à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, conhecida pela Lei da Nacionalidade, aditando um n.º 3 ao artigo 3.º, passou a permitir que, o estrangeiro que viva em união de facto há mais de três anos com nacional português, possa adquirir a nacionalidade portuguesa, mediante declaração, desde que essa situação esteja reconhecida em ação própria. Este mesmo preceito dispõe que tal ação de reconhecimento da situação de união de facto com uma duração superior a três anos deve ser interposta no tribunal cível. Por sua vez, o artigo 14.º, nos respetivos n.º 2 e 4, do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, que veio regulamentar a Lei da Nacionalidade, após as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, dispõe que o estrangeiro que coabite com nacional português em condições análogas às dos cônjuges há mais de três anos, se quiser adquirir a nacionalidade deve igualmente declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto, sendo que nesse caso a declaração deve ser instruída com certidão da sentença judicial, com certidão do assento de nascimento do nacional português, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º, e com declaração deste, prestada há menos de três meses, que confirme a manutenção da união de facto. Alguns acórdãos dos Tribunais das Relações de Coimbra e de Lisboa [1], têm vindo a decidir que a competência para julgar estas ações pertence aos tribunais de competência especializada de família e menores, considerando que esse tipo de ações se enquadra na competência especializada atribuída na referida alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ, aos tribunais de família e menores, por se tratarem de ação relativas ao estado civil das pessoas, uma vez que esta designação se reporta às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto. Estes arestos não têm, porém, valorizado a menção de atribuição de competência específica aos tribunais cíveis para decidir estas ações que consta do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, sendo certo que nada impede o legislador de atribuir competência específica para o julgamento de determinadas ações, contrariando as regras gerais de competência dos diferentes tribunais judiciais especializados constantes da LOSJ. Como já acima se referiu, a previsão destas ações e a atribuição de competência aos tribunais cíveis para as julgar foi da responsabilidade da Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril, que introduziu alterações à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, conhecida pela Lei da Nacionalidade. A redação daquela Lei Orgânica teve na sua origem um texto de substituição elaborado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para onde, após a sua aprovação em Plenário, haviam baixado a Proposta de Lei n.º 32/X e os Projetos de Lei n.º 18/X, 31/X, 40/X, 170X, 173/X e 32/X, que propunham alterações à Lei da Nacionalidade, o qual foi aprovado, primeiro nessa Comissão, e posteriormente em Plenário. Relativamente à parte final da redação do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, onde se determinou o tribunal competente para o julgamento destas ações, a mesma reproduziu o texto do Projeto de Lei n.º40/X, da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, o qual atribuía essa competência ao tribunal cível [2]. Na época em que foi aprovada a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, estava em vigor a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro. Na altura, o artigo 64.º, n.º 1, da LOFTJ, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, determinava que podiam existir tribunais de 1.ª instância de competência especializada e de competência específica, esclarecendo o n.º 2, do mesmo artigo, que os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável, enquanto os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas pela espécie de ação ou pela forma de processo aplicável. Por sua vez o artigo 65.º do mesmo diploma dispunha: 1 – Os tribunais judiciais podem desdobrar-se em juízos: 2 – Nos tribunais de comarca os juízos podem ser de competência genérica, especializada ou específica. 3 – Os tribunais de comarca podem ainda desdobrar-se em varas, com competência específica, quando o volume e a complexidade do serviço o justifiquem. Aos juízos de competência genérica era atribuída competência para preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro tribunal (artigo 77.º, n.º 1, a), da LOFTJ, na redação da Lei n.º 42/2005, de 29 de agosto), e entre os tribunais de competência especializada contavam-se os tribunais de família (artigo 78.º, b), da LOFTJ), que tinham a competência atribuída nos artigos 81.º e 82.º da LOFTJ, a qual não incluía as ações do tipo das referidas pelo artigo 3.º, n.º 3, da Lei na Nacionalidade. Podiam ser criados juízos de competência especializada cível (artigo 93.º da LOFTJ), aos quais competia a preparação e julgamento dos processos de natureza cível não atribuídos a outros tribunais (artigo 94.º da LOFTJ, na redação da Lei n.º 38/2003, de 8 de março). Podiam ainda ser criados varas cíveis, juízos cíveis e juízos de pequena instância cível de competência específica (artigo 96.º, a) e c), da LOFTJ), competindo às primeiras preparar e julgar as ações declarativas cíveis de valor superior à alçada do tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal coletivo (artigo 97.º, n.º 1, a), da LOFTJ, na redação da Lei n.º 42/2005, de 29 de agosto), aos juízos cíveis preparar e julgar os processos de natureza cível que não sejam da competência das varas cíveis e dos juízos de pequena instância cível (artigo 99.º da LOFTJ), e aos juízos de pequena instância cível preparar e julgar as causas cíveis a que corresponda a forma de processo sumaríssimo e as causas cíveis não previstas no Código de Processo Civil a que corresponda processo especial e cuja decisão não seja suscetível de recurso ordinário (artigo 101.º da LOFTJ). Era esta a estrutura e o regime dos tribunais judiciais, quando o legislador, pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, previu a necessidade do reconhecimento da situação de união de facto como pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa por pessoa estrangeira e atribuiu a competência para esse reconhecimento ao tribunal cível. A mesma Lei alterou o artigo 26.º da Lei da Nacionalidade, passando a constar que ao contencioso da nacionalidade são aplicáveis, nos termos gerais, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e demais legislação complementar, onde dantes se dizia que a apreciação dos recursos a que se refere o artigo anterior (recursos relativos à atribuição, aquisição ou perda de nacionalidade portuguesa) era da competência do Tribunal da Relação de Lisboa. O legislador quando previu a possibilidade de a união de facto com cidadão nacional ser fator de aquisição da nacionalidade portuguesa, optou por definir a competência para o reconhecimento dessas situações de união de facto, atribuindo-a aos tribunais cíveis. Com essa definição não se pretendeu efetuar uma atribuição diferente daquela que na altura resultava da aplicação das regras gerais da LOFTJ, uma vez que, não existindo a atribuição aos tribunais de família e menores da competência que hoje consta da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ, a competência para o julgamento daquelas ações sempre competiria a um tribunal cível (podia ser uma vara cível, um juízo cível e, onde não existissem estes tribunais de competência específica, os juízos de competência genérica). O legislador com a indicação específica de qual o tribunal competente para decidir este tipo de ações, sem que essa atribuição de competência constituísse uma exceção à atribuição que resultava da aplicação das regras gerais de distribuição de competência, em razão da matéria, pelos diferentes tribunais judiciais, terá procurado afastar a possibilidade de se entender que a competência pertencia aos tribunais administrativos, face à atribuição do contencioso da nacionalidade a estes tribunais em resultado da alteração da solução do artigo 26.º da Lei na Nacionalidade, pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Poderia tê-lo feito, dizendo que a competência pertencia aos tribunais judiciais, deixando que a aplicação das regras gerais de distribuição de competências nesta ordem jurisdicional definissem o tribunal competente em razão da matéria. No entanto, optou por ser mais específico e, de entre os diferentes tribunais judiciais, definiu que seriam os tribunais cíveis os competentes, o que, como já vimos, se encontrava de acordo com a aplicação das regras gerais da LOFTJ, não constituindo esta definição uma exceção a essas regras. No entanto, com a aprovação da LOSJ, pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, a qual passou a definir as normas de enquadramento e organização do sistema judiciário português, na nova distribuição de competências dos tribunais judiciais, a competência para julgar este tipo de ações passou a ser dos tribunais de família e menores, devido ao aditamento da nova competência constante da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ - as ações relativas ao estado civil das pessoas e família. Contudo, mantendo-se na Lei da Nacionalidade a atribuição de competência específica, constante do artigo 3.º, n.º 3 – o estrangeiro que à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível – e sendo esta norma, uma norma especial, ela não foi tacitamente revogada pela alteração que ocorreu na distribuição de competências pela lei geral de enquadramento e organização do sistema judiciário. Assim sendo, o disposto no referido artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade mantém-se vigente e aplicável, definindo uma competência específica dos tribunais, em razão da matéria, para o julgamento das ações de reconhecimento das situações de união de facto, com duração superior a três anos, como requisito de aquisição da nacionalidade portuguesa, por declaração, passando a constituir uma exceção às novas regras gerais da distribuição de competências dos tribunais judiciais entretanto aprovadas. Ora, dispondo este preceito, especificamente, que a competência pertence aos tribunais cíveis, não é possível aplicar a regra geral constante do artigo 122.º, n.º 1, g), da LOSJ, e considerar competente os juízos de família e menores, uma vez que o disposto numa norma especial prevalece sobre uma norma geral.” Acrescente-se ainda que, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 9226/23.8T8LSB.L1-2, de 04/04/2024, disponível em www.dgsi.pt: “Não se nega que o Juízo de família e menores, enquanto tribunal especializado, está (igualmente) vocacionado para apurar se existe uma união de facto, mas já não nos parece ser inteiramente correto acrescentar (como se faz, por exemplo, no acórdão da RL de 11-10-2022, proferido no proc. n.º 18030/21.7T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt) que as regras aplicáveis às diferentes ações não divergem pela sua finalidade, mormente pela simples circunstância de se pretender, em última instância, obter a aquisição da nacionalidade. Na verdade, ainda que aos diferentes casos seja aplicável a Lei n.º 7/2001, de 11-05, o mesmo não sucede, no que concerne a importantes regras de direito processual, precisamente pela natureza do litígio em questão, pois estamos no âmbito das “ações sobre o estado das pessoas” (cf. art.º 303.º, n.º 1, do CPC) e, como bem se percebe pelo propósito do legislador ao prever, no art.º 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, a necessidade de ação judicial (evitar a fraude), perante uma ação em que a vontade das partes é ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela mesma se pretende obter [cf. art.º 568.º, al. c), do CC]. Também não se discute que a união de facto é uma forma de constituir família. Mas daí não resulta sem mais que o legislador tenha visado, na previsão da alínea g), toda e qualquer ação em que se discuta a existência de uma situação de união de facto, sendo evidente que a aceção deve ser mais restrita, conforme acima explanado, considerando precisamente a “natureza das coisas”, que não se esgota numa vertente estritamente familiar. Um instituto jurídico como a união de facto, à semelhança do casamento, tem necessariamente múltiplos efeitos, que transcendem a esfera familiar, podendo ter reflexos patrimoniais e outros, levando a que uma tal situação possa ter de ser reconhecida em diferentes sedes e por diferentes meios processuais, consoante os casos e as regras legais aplicáveis. Nessa medida, parece-nos inaceitável considerar que uma tal previsão genérica possa abarcar uma ação prevista em lei especial, sem paralelo com as demais que são da competência dos Juízos de Família e Menores, por ser instrumental para a instrução do procedimento de aquisição de nacionalidade, instaurada contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público (um terceiro alheio à vivência e motivações familiares), de cuja causa de pedir não constam quaisquer factos relativos a um litígio familiar cuja resolução os autores (litisconsortes) pretendam e em que a vontade das partes é mesmo ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter, o que, tudo ponderado, é justificação relevante para o tratamento especial que o legislador lhe deu e continua a dar, não a incluindo no âmbito da competência dos Juízos de Família e Menores. Em suma, a previsão da alínea g) do n.º 1 do art.º 122.º da LOSJ, pela sua razão de ser, não abrange as ações de estado em apreço, que ultrapassam, do ponto de vista dos sujeitos processuais, “o seio da família”, com a demanda do Estado Português, representado pelo Ministério Público, para defesa do interesse público.” Com efeito, o reconhecimento da existência de uma situação de união de facto, nestas ações, funciona apenas como a averiguação judicial de um pressuposto da atribuição da nacionalidade portuguesa e não como meio de resolução de qualquer litígio familiar, pelo que a opção do legislador de ter mantido a atribuição da competência aos tribunais cíveis, enquanto tribunais de competência residual, apesar do alargamento das competências dos tribunais de família às ações que tenham por objeto a família, não é destituída de sentido. Neste sentido se pronunciou igualmente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 8894/22.2T8VNG.P1.S1, de 08/02/2024, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se escreveu: “Os juízos de família e menores não são competentes para julgar as acções de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa.” E, ainda, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Processo n.º 2703/23.2T8FNC.l1-2, no âmbito de um conflito de competência, com o seguinte sumário: “É o juízo local cível – e não o juízo de família e menores - o tribunal competente, para, em razão da matéria, apreciar e decidir das ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, para aquisição de nacionalidade portuguesa, a que se referem o artigo 3.º, n.º 3, da lei n.º 37/81, de 3 de outubro e o artigo 14.º, n.ºs. 2 e 4, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro).” Nestes termos, conclui-se que a competência para a presente acção é, de acordo com o art. 130.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, do Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol. A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta deste tribunal e constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que pode ser conhecida “enquanto não houver sentença transitada em julgado” e determina a absolvição do réu da instância, nos termos do art. 96.º, alínea a), 97.º, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea a), do Código de Processo Civil. Pelo exposto, declaro este Juízo de Família e Menores incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção, considerando competente o Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol e, em consequência, absolvo o réu da instância (…).”.
13. Na sequência, foi suscitada a resolução do conflito de competência.
14. Em 22-04-2025, o Ministério Público pronunciou-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente, nos seguintes termos: “(…) Consequentemente somos do parecer conjugadas todas a disposições legais que é competente para tramitação e julgamento do processo n.º 198/24.2T8PTS Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira.”.
*
II. Vejamos:
Resulta apurado nos autos, que os autores instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, no Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol, o que fizeram contra o Estado Português.
Com tal ação pretendem os autores seja declarado o reconhecimento da sua situação de união de facto, nos termos e para os fins do n.º 2, do art. 1.º, da Lei 7/2001, de 11 de Maio, do n.º 3, do art. 3.º, da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, e dos n.º 2 e 4, do art. 14.º, do Decreto-Lei 237-A/2006, de 14 de Dezembro, ou seja, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa.
Sucede que o Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol e o Juízo de Família e Menores do Funchal – Juiz 3, se eximem, mutuamente, de competência material para o efeito, pelo que, nos termos do conflito negativo suscitado, a que alude o n.º. 2 do artigo 109.º do CPC, cumpre dirimir.
Dispõe o n.º 1 do artigo 60.º do CPC que, a competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada, conjuntamente, pelo estabelecido nas leis de organização judiciária (essencialmente, a LOSJ, lei de organização do sistema judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e pelo ROFTJ, que regulamenta aquela, estabelecendo o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais, aprovado pelo D.L. n.º 49/2014, de 27 de março) e pelas disposições deste código.
Por seu turno, da conjugação dos artigos 79.º e 81.º da LOSJ., resulta que os tribunais judiciais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca e que, estes, se desdobram em juízos, a criar por decreto-lei, que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de proximidade.
Os juízos designam-se pela competência e pelo nome do município em que estão instalados (artigo 81.º, n.º 2, da LOSJ).
Entre os tribunais de competência especializada, dispõe-se, no que ora interessa, no n.º 3 do artigo 81.º da LOSJ, o seguinte: “(…) 3 - Podem ser criados os seguintes juízos de competência especializada: a) Central cível; b) Local cível; (…) g) Família e menores; (…)”.
De acordo com o disposto no artigo 117.º, n.º 1, da LOSJ, compete aos juízos centrais cíveis: “a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00; b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal; c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência; d) Exercer as demais competências conferidas por lei”.
Os juízos locais cíveis, por seu turno, nos termos do n.º 1 do artigo 130.º da LOSJ, têm uma competência residual, ou seja: “Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respectiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada”.
Por seu turno, os juízos de família e menores, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 122.º da LOSJ, têm competência para preparar e julgar: “a) Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges; b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum; c) Acções de separação de pessoas e bens e de divórcio; d) Acções de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil; e) Acções intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966; f) Acções e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges; g) Outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família”.
E, nos termos do n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ é conferida ainda competência aos juízos de família e menores relativamente às “competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”.
Conforme referem Paulo Pinto de Albuquerque e Rita Lynce de Faria (cfr., Jorge Miranda e Rui Medeiros; Constituição Portuguesa Anotada; Vol. III, Universidade Católica Editora, 2.ª ed., 2020, p. 115), “ao contrário dos juízos de competência genérica, os juízos de competência especializada e os tribunais de competência territorial alargada conhecem de matérias determinadas, possuindo os juízos de competência especializada cível de competência residual. Os juízos cíveis, os tribunais do comércio, os tribunais criminais, os tribunais de instrução criminal, os tribunais de família e menores, os tribunais de trabalho, os tribunais de execução de penas e os tribunais marítimos são tribunais especializados”.
E é neste contexto que os tribunais em conflito divergem sobre a competência para a apreciação e decisão do presente processo, ou seja, sobre qual o tribunal competente para apreciar da pretensão de reconhecimento judicial da situação de união de facto, tendo em vista a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Importa, assim, convocar as normas que, a este respeito, se reportam ao regime de aquisição da nacionalidade, por decorrência da comprovação de uma situação de união de facto dos respetivos requerentes.
A nacionalidade constitui um vínculo jurídico-político que expressa uma ligação entre um determinado indivíduo e uma dada nação. “Na lógica do Estado-nação, em que o aparelho estadual concretiza a aspiração da nação ao exercício do poder político soberano, a nacionalidade resultará numa ligação exclusiva com um determinado Estado em concreto, a qual fundamentará, por exemplo, a atribuição de um determinado conjunto de direitos e deveres de cidadania” (assim, Paulo Manuel Costa; “Oposição à aquisição da nacionalidade: A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, in Contencioso da Nacionalidade, 2.ª ed., CEJ, 2017, p. 45, disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_Nacionalidade_2ed.pdf).
Para além da previsão dos casos de nacionalidade originária, a lei enuncia diversos modos de aquisição derivada da nacionalidade, dando prevalência, consoante as situações, aos critérios usualmente considerados nesta matéria e a que subjazem as opções legislativas: “ius sanguinis” (que atende aos laços de descendência comum existentes entre os membros da nação) ou “ius solii” (que valoriza a relação estabelecida entre o individuo e o território – nascimento, residência, etc.).
Neste âmbito, o artigo 3.º da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro) estabelece os termos da aquisição da nacionalidade em caso de casamento ou de união de facto, prevendo, quanto à primeira situação, que, “o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio” (n.º 1); e, quanto à segunda situação, que, “o estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível” (n.º 3).
Verifica-se uma diferença, assumida pela lei, no que respeita à aquisição da nacionalidade portuguesa, com origem no casamento ou na união de facto: no casamento basta que a declaração de vontade do cônjuge estrangeiro casado com português há mais de três anos; na união de facto, para além da declaração de vontade nesse sentido e da vivência, à data da declaração, em situação de união de facto há mais de três anos com nacional português, é também necessário que tal situação seja comprovada por “ação de reconhecimento…a interpor no tribunal cível”.
O Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado em anexo ao DL n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, alterado pelo DL n.º 43/2013, de 1 de abril, pelo DL n.º 30-A/2015, de 27 de fevereiro e pelo DL n.º 71/2017, de 21 de junho) estabelece, por seu turno, que a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter como fundamento a declaração de vontade do interessado, a adoção plena ou a naturalização e só produz efeitos a partir da data do registo (cfr. artigo 12.º).
E no artigo 14.º do mesmo Regulamento enunciam-se os termos de aquisição da nacionalidade no caso de casamento ou união de facto mediante declaração de vontade, nos termos seguintes: “1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo. 2 - O estrangeiro que coabite com nacional português em condições análogas às dos cônjuges há mais de três anos, se quiser adquirir a nacionalidade deve igualmente declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto. 3 - A declaração prevista no n.º 1 é instruída com certidão do assento de casamento e com certidão do assento de nascimento do cônjuge português, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º. 4 - No caso previsto no n.º 2, a declaração é instruída com certidão da sentença judicial, com certidão do assento de nascimento do nacional português, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º, e com declaração deste, prestada há menos de três meses, que confirme a manutenção da união de facto. 5 - A declaração prevista na parte final do número anterior pode ser reduzida a auto perante funcionário de um dos serviços com competência para a recepção do pedido ou constar de documento assinado pelo membro da união de facto que seja nacional português, contendo a indicação do número, data e entidade emitente do respectivo bilhete de identidade”.
Os tribunais têm-se defrontado, por diversas vezes, sobre a questão em apreço no presente recurso, decidindo-a com alguma dissonância.
Assim, uma orientação conflui no sentido da atribuição de competência material aos juízos de família e menores, para a ação de reconhecimento de união de facto tendo em vista a aquisição de nacionalidade. Encontram-se neste campo, entre outras, as seguintes decisões (elencadas por ordem cronológica decrescente):
- TRL de 07-11-2024 (Pº 14223/24.3T8LSB.L1-2, rel. PEDRO MARTINS);
- TRP de 15-02-2024 (Pº 1544/23.1T8MAI.P1, rel. JOSÉ IGREJA MATOS);
- TRE de 12-02-2024 (Pº 933/23.6T8PTM, rel. ALBERTINA PEDROSO);
-TRL de 21-11-2023 (Pº 24626/21.0T8LSB.L1-7, rel. ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO);
- STJ de 16-11-2023 (Pº 546/22.0T8VLG.P1.S1, rel. MARIA CLARA SOTTOMAYOR);
- TRL de 06-12-2022 (Pº 1163/22.0T8FNC.L1-7, rel. EDGAR TABORDA LOPES);
- TRL de 11-10-2022 (Pº 18030/21.7T8LSB.L1-7, rel. MICAELA DA SILVA SOUSA);
- TRL de 11-01-2022 (Pº 18030/21.7T8LSB.L1-7, rel. MICAELA DA SILVA SOUSA);
- TRP de 28-10-2021 (Pº 5202/21.3T8PRT.P1, sendo Rel. JOÃO PROENÇA);
- TRE de 09-09-2021 (Pº 2394/20.2T8PTM-A.E1, rel. SEQUINHO DOS SANTOS);
- TRP de 26-04-2021 (Pº 12397/20.1T8PRT.P1, rel. MENDES COELHO);
- TRL de 15-12-2020 (Pº 379/20.8T8MFR.L1-7, rel. MICAELA SOUSA);
- Decisão sumária do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-07-2020 (Pº 160/20.4T8FIG.C1, Des. VÍTOR AMARAL);
- TRL de 30-06-2020 (Pº 23445/19.8T8LSB.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE);
- TRC de 23-06-2020 (Pº 610/20.0T8CBR-B.C1, rel. FONTE RAMOS);
- TRC de 31-03-2020 (Pº 136/20.1T8CBR.C1, rel. LUÍS CRAVO);
- TRC de 08-10-2019 (Pº 2998/19.6T8CBR.C1, rel. LUÍS CRAVO); e
- TRL de 11-12-2018 (Pº 590/18.1T8CSC.L1-6, rel. ANTÓNIO SANTOS).
A argumentação expendida nestas decisões tem convocado a seguinte linha de considerações:
1.ª O legislador utilizou o conceito de “estado civil” na sua aceção mais restrita, considerando o seu significado na linguagem corrente, apenas para se reportar a situações em que esteja em causa o posicionamento das pessoas relativamente ao casamento, união de facto ou economia comum, introduzindo o artigo 122.º, n.º 1, al. g) da LOSJ, de carácter mais genérico e abrangente, no sentido de abranger toda e qualquer ação que se relacione com essas situações e cuja inclusão nas demais alíneas pudesse, eventualmente, suscitar algum tipo de dúvida;
2.ª Os Tribunais de Família, desde o momento inicial da sua criação - pela Lei n.º 4/70, de 29 de abril – e regulamentação - pelo DL n.º 8/72, de 7 de janeiro - sempre se mostraram vocacionados para o conhecimento de ações que versem o ramo do Direito Civil do Direito da Família, sendo tradição a de lhes atribuir a competência para a preparação de julgamento em que há lugar à aplicação de normas de direito da família;
3.ª A realidade jurídica portuguesa revela que, presentemente, a união de facto integra o Direito da Família;
4.ª Ao se reportar ao “estado civil das pessoas e família” (cfr. artigo 122.º, n.º 1, al. g) da LOSJ), o legislador terá pretendido abranger, em toda a sua amplitude e nuances, o contexto da vida familiar, não se restringido aos laços decorrentes do casamento, mas abrangendo todos os tipos de relacionamentos que podem caber no conceito de família, em conformidade, aliás, com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por referência ao artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
5.ª A natureza familiar da união de facto não se altera em função da finalidade com que o seu reconhecimento judicial seja pedido, estando em discussão uma matéria relativa ao estado civil e à família, pelo que a competência material para preparar e julgar a ação caberá necessariamente a um juízo de família e menores, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ;
6.ª A alínea g) do n.º 1 do artigo 122.º da LOSJ abrangerá todas as ações que se reportam às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto, de modo a individualizar ou a concretizar a situação jurídica pessoal familiar;
7.ª A Lei da Nacionalidade não constitui a sede legal própria para delimitar a competência material dos juízos dos tribunais judiciais, circunstância que deve levar o intérprete a concluir que, ao mencionar o “tribunal cível” (no artigo 3.º, n.º 3) como competente para preparar e decidir as ações de reconhecimento da união de facto nos termos por ela exigidos, não pretende regular aquela matéria; e
8.ª Não faria sentido o legislador atribuir a juízos de natureza diversa a competência material para preparar e julgar ações de reconhecimento da existência de uma situação de união de facto propostas consoante tivessem por finalidade adquirir a nacionalidade portuguesa ou outra qualquer finalidade, sendo certo que estas últimas sempre cairiam no âmbito de aplicação do artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ.
Em sentido contrário a esta jurisprudência, reconhecendo competência aos juízos especializados cíveis, decidiram, em particular, os seguintes acórdãos (elencados por ordem cronológica decrescente):
- TRP de 08-04-2025 (Pº 4046/24.5T8AVR.P1, rel. RUI MOREIRA);
- TRG de 20-02-2025 (Pº 635/24.6FAF.G1, rel. PAULA RIBAS);
- TRL de 16-01-2025 (Pº 7018/23.3T8LSB.L1-2, rel. JOÃO PAULO RAPOSO);
- TRL de 04-04-2024 (Pº 9226/23.8T8LSB.L1-2, rel. LAURINDA GEMAS);
- STJ de 08-02-2024 (Pº 8894/22.2T8VNG.P1.S1, rel. NUNO PINTO OLIVEIRA);
- STJ de 22-06-2023 (Pº 3193/22.2T8VFX.L1.S1, rel. JOÃO CURA MARIANO);
- TRL de 29-09-2022 (Pº 1832/21.1T8CSC.L1-6, rel. ANTÓNIO SANTOS);
- TRL de 07-07-2022 (Pº 258/22.4T8FNC.L1-2, rel. INÊS MOURA);
- TRL de 23-06-2022 (Pº 2380/21.5T8VFX.L1-6, rel. ANABELA CALAFATE);
- TRL de 29-04-2022 (Pº 26016/21.5T8LSB.L1-2, rel. INÊS MOURA);
- TRP de 22-03-2022 (Pº 34/22.4T8PRD.P1, rel. RODRIGUES PIRES);
- TRL de 16-12-2021 (Pº 787/20.4T8MTJ.L1-2, rel. ORLANDO NASCIMENTO);
- TRL de 16-12-2021 (Pº 2142/20.1T8LSB.L1-2, rel. CARLOS CASTELO BRANCO);
- STJ de 17-06-2021 (Pº 286/20.4T8VCD.P1.S1, rel. JOÃO CURA MARIANO);
- TRL de 23-10-2014 (Pº 5187/10.1TCLRS.L1-8, rel. MARIA AMÉLIA AMEIXOEIRA);
- TRL de 27-10-2022 (Pº 14919/21.1T8LSB.L1-2, rel. NELSON BORGES CARNEIRO); e
- TRL de 25-10-2018 (Pº 25835/17.1T8LSB.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS).
No mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-2021 concluiu-se que, “face à atribuição específica de competência constante do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, os tribunais de família e menores não são competentes para julgar as ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa”.
Na fundamentação deste acórdão desenvolveu-se, nomeadamente, a seguinte argumentação, que, entendemos ser de subscrever: “(…) A Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril, que introduziu alterações à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, conhecida pela Lei da Nacionalidade, aditando um n.º 3 ao artigo 3.º, passou a permitir, que o estrangeiro que viva em união de facto há mais de três anos com nacional português, possa adquirir a nacionalidade portuguesa, mediante declaração, desde que essa situação esteja reconhecida em ação própria. Este mesmo preceito dispõe que tal ação de reconhecimento da situação de união de facto com uma duração superior a três anos deve ser interposta no tribunal cível. Por sua vez, o artigo 14.º, nos respetivos nos 2 e 4, do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro que veio regulamentar a Lei da Nacionalidade, após as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, dispõe que o estrangeiro que coabite com nacional português em condições análogas às dos cônjuges há mais de três anos, se quiser adquirir a nacionalidade deve igualmente declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto, sendo que nesse caso a declaração deve ser instruída com certidão da sentença judicial, com certidão do assento de nascimento do nacional português, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º, e com declaração deste, prestada há menos de três meses, que confirme a manutenção da união de facto. Alguns acórdãos dos Tribunais das Relações de Coimbra e de Lisboa (…), têm vindo a decidir que a competência para julgar estas ações pertence aos tribunais de competência especializada de família e menores, considerando que esse tipo de ações se enquadra na competência especializada atribuída na referida alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ, aos tribunais de família e menores, por se tratarem de ação relativas ao estado civil das pessoas, uma vez que esta designação se reporta às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto. Estes arestos não têm, porém, valorizado a menção de atribuição de competência específica aos tribunais cíveis para decidir estas ações que consta do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, sendo certo que nada impede o legislador de atribuir competência específica para o julgamento de determinadas ações, contrariando as regras gerais de competência dos diferentes tribunais judiciais especializados constantes da LOSJ. Como já acima se referiu, a previsão destas ações e a atribuição de competência aos tribunais cíveis para as julgar foi da responsabilidade da Lei Orgânica 2/2006, de 17 de abril, que introduziu alterações à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, conhecida pela Lei da Nacionalidade. A redação daquela Lei Orgânica teve na sua origem um texto de substituição elaborado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para onde, após a sua aprovação em Plenário, haviam baixado a Proposta de Lei n.º 32/X e os Projetos de Lei n.º 18/X, 31/X, 40/X, 170X, 173/X e 32/X, que propunham alterações à Lei da Nacionalidade, o qual foi aprovado, primeiro nessa Comissão, e posteriormente em Plenário. Relativamente à parte final da redação do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, onde se determinou o tribunal competente para o julgamento destas ações, a mesma reproduziu o texto do Projeto de Lei n.º40/X, da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, o qual atribuía essa competência ao tribunal cível (…). Na época em que foi aprovada a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, estava em vigor a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro. Na altura, o artigo 64.º, n.º 1, da LOFTJ, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, determinava que podiam existir tribunais de 1.ª instância de competência especializada e de competência específica, esclarecendo o n.º 2, do mesmo artigo, que os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável, enquanto os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas pela espécie de ação ou pela forma de processo aplicável. Por sua vez o artigo 65.º do mesmo diploma dispunha: 1 – Os tribunais judiciais podem desdobrar-se em juízos: 2 – Nos tribunais de comarca os juízos podem ser de competência genérica, especializada ou específica. 3 – Os tribunais de comarca podem ainda desdobrar-se em varas, com competência específica, quando o volume e a complexidade do serviço o justifiquem. Aos juízos de competência genérica era atribuída competência para preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro tribunal (artigo 77.º, n.º 1, a), da LOFTJ, na redação da Lei n.º 42/2005, de 29 de agosto), e entre os tribunais de competência especializada contavam-se os tribunais de família (artigo 78.º, b), da LOFTJ), que tinham a competência atribuída nos artigos 81.º e 82.º da LOFTJ, a qual não incluía as ações do tipo das referidas pelo artigo 3.º, n.º 3, da Lei na Nacionalidade. Podiam ser criados juízos de competência especializada cível (artigo 93.º da LOFTJ), aos quais competia a preparação e julgamento dos processos de natureza cível não atribuídos a outros tribunais (artigo 94.º da LOFTJ, na redação da Lei n.º 38/2003, de 8 de março). Podiam ainda ser criados varas cíveis, juízos cíveis e juízos de pequena instância cível de competência específica (artigo 96.º, a) e c), da LOFTJ), competindo às primeiras preparar e julgar as ações declarativas cíveis de valor superior à alçada do tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal coletivo (artigo 97.º, n.º 1, a), da LOFTJ, na redação da Lei n.º 42/2005, de 29 de agosto), aos juízos cíveis preparar e julgar os processos de natureza cível que não sejam da competência das varas cíveis e dos juízos de pequena instância cível (artigo 99.º da LOFTJ), e aos juízos de pequena instância cível preparar e julgar as causas cíveis a que corresponda a forma de processo sumaríssimo e as causas cíveis não previstas no Código de Processo Civil a que corresponda processo especial e cuja decisão não seja suscetível de recurso ordinário (artigo 101.º da LOFTJ). Era esta a estrutura e o regime dos tribunais judiciais, quando o legislador, pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, previu a necessidade do reconhecimento da situação de união de facto como pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa por pessoa estrangeira e atribuiu a competência para esse reconhecimento ao tribunal cível. A mesma Lei alterou o artigo 26.º da Lei da Nacionalidade, passando a constar que ao contencioso da nacionalidade são aplicáveis, nos termos gerais o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e demais legislação complementar, onde dantes se dizia que a apreciação dos recursos a que se refere o artigo anterior (recursos relativos à atribuição, aquisição ou perda de nacionalidade portuguesa) era da competência do Tribunal da Relação de Lisboa. O legislador quando previu a possibilidade de a união de facto com cidadão nacional ser fator de aquisição da nacionalidade portuguesa, optou por definir a competência para o reconhecimento dessas situações de união de facto, atribuindo-a aos tribunais cíveis. Com essa definição não se pretendeu efetuar uma atribuição diferente daquela que na altura resultava da aplicação das regras gerais da LOFTJ, uma vez que, não existindo a atribuição aos tribunais de família e menores da competência que hoje consta da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ, a competência para o julgamento daquelas ações sempre competiria a um tribunal cível (podia ser uma vara cível, um juízo cível e, onde não existissem estes tribunais de competência específica, os juízos de competência genérica). O legislador com a indicação específica de qual o tribunal competente para decidir este tipo de ações, sem que essa atribuição de competência constituísse uma exceção à atribuição que resultava da aplicação das regras gerais de distribuição de competência, em razão da matéria, pelos diferentes tribunais judiciais, terá procurado afastar a possibilidade de se entender que a competência pertencia aos tribunais administrativos, face à atribuição do contencioso da nacionalidade a estes tribunais em resultado da alteração da solução do artigo 26.º da Lei na Nacionalidade, pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Poderia tê-lo feito, dizendo que a competência pertencia aos tribunais judiciais, deixando que as aplicações das regras gerais de distribuição de competências nesta ordem jurisdicional definissem o tribunal competente em razão da matéria. No entanto, optou por ser mais específico e, de entre os diferentes tribunais judiciais, definiu que seriam os tribunais cíveis os competentes, o que, como já vimos, se encontrava de acordo com a aplicação das regras gerais da LOFTJ, não constituindo esta definição uma exceção a essas regras. No entanto, com a aprovação da LOSJ, pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, a qual passou a definir as normas de enquadramento e organização do sistema judiciário português, na nova distribuição de competências dos tribunais judiciais, a competência para julgar este tipo de ações passou a ser dos tribunais de família e menores, devido ao aditamento da nova competência constante da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º da LOSJ - as ações relativas ao estado civil das pessoas e família. Contudo, mantendo-se na Lei da Nacionalidade a atribuição de competência específica, constante do artigo 3.º, n.º 3 – o estrangeiro que à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível – e sendo esta norma, uma norma especial, ela não foi tacitamente revogada pela alteração que ocorreu na distribuição de competências pela lei geral de enquadramento e organização do sistema judiciário. Assim sendo, o disposto no referido artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade mantém-se vigente e aplicável, definindo uma competência específica dos tribunais, em razão da matéria, para o julgamento das ações de reconhecimento das situações de união de facto, com duração superior a três anos, como requisito de aquisição da nacionalidade portuguesa, por declaração, passando a constituir uma exceção às novas regras gerais da distribuição de competências dos tribunais judiciais entretanto aprovadas. Ora, dispondo este preceito, especificamente, que a competência pertence aos tribunais cíveis, não é possível aplicar a regra geral constante do artigo 122.º, n.º 1, g), da LOSJ, e considerar competente os juízos de família e menores, uma vez que o disposto numa norma especial prevalece sobre uma norma geral (…)”.
De facto, a alteração introduzida na lei da nacionalidade, em 2006, tomou posição específica sobre a questão da competência para as aludidas ações para reconhecimento da situação de união de facto tendo em vista a aquisição da nacionalidade, tratando-as especifica e autonomamente, em sede da mencionada alteração introduzida em tal diploma normativo e atribuindo a respetiva competência ao “tribunal cível”.
Tal previsão legal não foi revogada pela LOSJ que, em termos de competência material, não atribui expressamente competência aos juízos de família e menores para a apreciação e julgamento das ações da natureza da dos presentes autos.
Esta evidência é prévia e distinta da hermenêutica que se faça incidir sobre o conceito de “estado civil” consignado na alínea g) do n.º 1 do artigo 122.º da LOSJ, pelo que, só fará sentido incluir no âmbito deste preceito as situações que não encontrem específica previsão legal atributiva de competência material, o que, como se viu, não é o caso, atenta a previsão especial contida na parte final do n.º 3 do artigo 3.º da Lei da Nacionalidade.
Em face disto, afiguram-se inócuas para a resolução da questão em apreço as considerações 1.ª a 6.ª acima enunciadas, não se encontrando algum obstáculo de natureza constitucional, face ao disposto no artigo 36.º, n.º 1, da CRP, relativamente à opção do legislador na atribuição de competência efetuada.
E, de igual modo, mostra-se insubsistente a argumentação expendida sob a consideração 7.ª supra enunciada, dado que, na realidade, o elemento histórico de interpretação permite concluir que o legislador pretendeu regular expressamente a questão da competência e, podendo fazê-lo de outro modo (sendo que um dos projetos de lei de 2006 se referia apenas a “tribunal competente”), seguiu a expressão mais específica de “tribunal cível”, tomando posição sobre a atribuição de competência material relativamente às ações em apreço.
Finalmente, não colhe também a consideração 8.ª acima referenciada, pois, na realidade, atenta a especifica finalidade das presentes ações – destinadas a impor um reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista ao escopo de atribuição da nacionalidade portuguesa – encontra-se plenamente justificada a opção normativa seguida pelo legislador.
Na altura da aprovação do regime resultante da lei da nacionalidade, não constava na LOSJ, a alínea g), do nº. 1 do seu artigo 122.º, relativa à competência dos tribunais de família.
Porém, com a aprovação da LOSJ, pela Lei nº. 62/2013, de 26 de agosto, aditou-se à competência dos tribunais de família e menores, a alínea g) atinente às ações relativas ao estado civil das pessoas e família.
Contudo, o artigo 3.º, n.º. 3 da lei da nacionalidade manteve a sua redação, ou seja, continuou a consagrar que a ação a interpor o deveria ser no tribunal cível.
Do confronto entre o artigo 3.º, n.º. 3, da lei da nacionalidade, com a al. g) do nº. 1 do artigo 122.º da LOSJ., prevalecerá aquela, que constitui disposição especial atributiva de competência (cfr., neste sentido, o já citado Acórdão do TRL de 29-09-2022).
Ou seja: Os tribunais de família e menores não são os competentes para julgar as ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade, atento o disposto no artigo 3.º, n.º. 3 da lei da nacionalidade.
Assim, conclui-se: É o juízo local cível (ou inexistindo este, ao respetivo juízo de competência genérica – cfr. artigo 130.º, n.º 1, da LOSJ) – e não o juízo de família e menores - o tribunal competente, para, em razão da matéria, apreciar e decidir das ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, para aquisição de nacionalidade portuguesa, a que se referem o artigo 3.º, n.º 3, da lei n.º 37/81, de 3 de outubro e o artigo 14.º, n.ºs. 2 e 4, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro).
*
III. Nos termos expostos, julga-se o presente conflito, atribuindo a competência para dirimir o litígio, ao Juízo de Competência Genérica de Ponta do Sol.
Notifique, nos termos do disposto no n.º. 3 do artigo 113.º do CPC.
Sem custas.
Baixem os autos.