CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
ARTIGO 79.º DA LPCJP
MEDIDA NÃO CAUTELAR
MUDANÇA DE RESIDÊNCIA
Sumário

I. O n.º 1 do artigo 79.º da LPCJP estatui a atribuição de competência ao tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial. As modificações de facto que posteriormente se registem nos autos são irrelevantes para a alteração da competência (n.º 7).
II. O n.º 7 do artigo 79.º da LPCJP apenas ressalva a situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo - “Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência” – sendo necessário, para a consideração do disposto no n.º 4 do artigo 79.º da LPCJP que ocorra mudança de residência da criança por período superior a 3 meses e, bem assim, que tal mudança de residência tenha lugar após a aplicação de medida não cautelar.
III. Não vigorando medida não cautelar, a competência para a apreciação do presente processo de promoção e proteção, radica no Tribunal onde os autos foram instaurados, não se mostrando relevante – para efeito de modificar a competência fixada no momento de instauração do processo – a modificação de residência que ulteriormente se tenha verificado, não sendo aplicável a situação a que se reportam os n.ºs. 4 e 7 do artigo 79.º da LPCJP.

Texto Integral

Pº 27368/22.9T8LSB.L1
7.ª Secção
Conflito de Competência
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I. O Juízo de Família e Menores do Seixal - Juiz 2 suscita a resolução de conflito negativo de competência entre ele próprio e o Juízo de Família e Menores de Lisboa - Juiz 4 para a tramitação do presente Processo de Promoção e Proteção, com fundamento em que ambos se declararam incompetentes para dele conhecer.
O Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 4 remeteu os autos – e, bem assim, o apenso A, relativo a RRP já decidido e findo - ao Juízo de Família e Menores do Seixal, ao abrigo do disposto no artigo 79.º, n.ºs. 4, 6 e 7 da LPCJP, considerando a medida protetiva aplicada a título definitivo a 20-04-2024 (de Apoio à criança AA junto dos Pais, na pessoa da sua Mãe) e a criança residir na área do Seixal há mais de 3 meses, considerando que, o paradeiro da criança BB é desconhecido e o seu caso concreto não foi avaliado, não lhe tendo sido aplicada medida protetiva.
Por sua vez, o Juízo de Família e Menores do Seixal – Juiz 2 considerou-se incompetente para conhecer do processo, considerando não ter aplicação o artigo 79.º, n.ºs. 4 e 7 da PCJP e considerando que é relevante para a salvaguarda dos superiores interesses das crianças que a situação de perigo seja apreciada pelo Tribunal onde se tem vindo a tentar debelar a situação de perigo, sendo que, de momento, não existem medidas não cautelares (só existe uma medida cautelar quanto a AA).
O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2, do CPC, concluindo – por promoção de 06-05-2025 – que “o juiz 4 do Juízo de Família e Menores de Lisboa é o competente para tramitar e conhecer do processo promoção e proteção n.º 27368/22.5T8LSB”.
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II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito, o seguinte:
1) Em 18-11-2022, o Ministério Público apresentou petição inicial requerendo a abertura de processo de promoção e proteção a favor de AA, nascido a 20-06-2021, indicando a respetiva residência em Lisboa.
2) Distribuídos os autos ao Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 4, em 22-11-2022, foi proferido despacho a, nomeadamente, declarar aberta a instrução.
3) No desenvolvimento dos autos, em 20-04-2023 foi realizada diligência de tomada de declarações e conferência, com acordo de promoção e proteção, nos seguintes termos:
“ACORDO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
Iniciada a diligência, a Mm.ª Juiz conferenciou com os presentes, que deram a sua adesão ao acordo de promoção e protecção visando a aplicação da medida de Apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, CC, a favor do menor AA, que se rege pelas seguintes cláusulas:--
A mãe compromete-se a:
a) Cumprir com as regras da Casa-Abrigo onde se encontra a residir, contribuindo para um bom ambiente entre todas a residentes;---
b) Aderir ao plano de intervenção que a Casa-Abrigo irá delinear consigo, tendo em vista a sua autonomização, tão breve quanto possível;---
c) Integrar AA em creche, para que possa beneficiar do contexto de socialização com outras crianças da mesma idade;---
d) Acompanhar o percurso escolar do filho, mantendo uma relação próxima e cordial com a escola;---
e) Garantir que AA tem a vacinação em dia e frequenta as consultas de rotina/especialidade para as quais venha a ser referenciado, cumprindo com as orientações que delas venham a resultar (ex. medicação, regularidade de consultas, acompanhamentos complementares, etc.);---
f) Iniciar acompanhamento psicológico, tendo em vista a aquisição de mecanismos internos que lhe permitam quebrar o ciclo de violência doméstica, adotando uma postura de maior proteção para consigo própria e para com as crianças;----
g) Cumprir com os contactos que venham a ser definidos pelo Tribunal, entre o AA e o pai, e respetivos moldes de funcionamento (ex. contactos supervisionados, videochamada, etc.);--
h) Colaborar com os serviços intervenientes no processo, designadamente a EATTL, numa postura de honestidade e transparência.---
O pai compromete-se a:
a) Cumprir com os contactos que venham a ser definidos relativamente ao AA e respetivos moldes de funcionamento (ex. contactos supervisionados, videochamada, etc.);--
b) Realizar despiste o Centro Integrado das Taipas, cumprindo com as orientações que dela venham a resultar (ex. continuidade do acompanhamento, medicação, análises, etc.);---
c) Colaborar com os serviços intervenientes no processo, designadamente a EATTL, numa postura de honestidade e transparência.---
(…) A presente medida tem duração de doze meses, sem prejuízo da sua prorrogação, caso seja necessário.---
Os Serviços da EATTL farão o acompanhamento da situação relativa ao menor, devendo remeter ao tribunal respectivo relatório, decorridos cinco meses. (…)”.
4) Na referida data – 20-04-2023 – foi proferida, na diligência mencionada em 3), a seguinte decisão:
“(…) Nesta instância cível protectiva, instaurada em 18-11-2022 (fls. 2), pela Digna Procuradora da República (art. 105.º, n.º 1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), em benefício de AA, tomadas declarações foi possível alcançar decisão negociada como antecede. ---
Considerando os seus intervenientes e analisadas as cláusulas integradas no acordo, julgam-se as mesmas válidas, tanto pelo seu conteúdo literal, como por irem de encontro à satisfação das necessidades básicas de saúde, guarda, alimentação, habitação e educação, assegurando o desenvolvimento emocional e crescimento familiar harmonioso daquela, razão pela qual são homologadas por Sentença, ficando todos os seus intervenientes vinculados ao seu cumprimento integral e escrupuloso.---
Não há lugar ao pagamento de custas processuais.---
Registe e notifique (…)”.
5) Em 11-07-2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Fls. 63:
A progenitora encontra-se acolhida numa Casa de Abrigo com o filho menor, AA e está grávida de 35 semanas, tendo a cesariana sido agendada para o próximo dia 21.07.2023.
A progenitora irá carecer de internamento hospitalar sendo que, admite como alternativa o acolhimento do AA, nesse período, pelo progenitor.
Não se revelando tal possível e, na falta de outros familiares que possam acolher a criança, a Casa de Abrigo não poderá assumir os cuidados da criança, tendo a mesma que ficar, temporariamente em casa de acolhimento residencial.
Assim, acolhendo o promovido, determino, nos do artigo 37º da LPCJP, que o menor fique aos cuidados do progenitor durante o tempo que a mãe estiver internada, se tal se mostrar possível e o mesmo para tanto se mostrar disponível ou, assim não sendo, aplico, a título cautelar, a medida de acolhimento residencial ao menor AA a fim de acautelar a sua situação enquanto aquela estiver internada, sendo certo que a execução de tal medida só será levada a cabo se tal se revelar necessário.
Notifique e comunique e notifique a Equipa de Gestão de Vagas para providenciar pela existência de vaga para acolher a criança temporariamente, nos termos decididos”.
6) Em 28-11-2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Considerando que tal como resulta dos autos e das declarações agora prestadas pelo progenitor do menor AA, este encontra-se entregue a si, estando o mesmo a cuidar do menor, concordando com o promovido decide-se aplicar a título cautelar a medida de Apoio Junto dos Pais, na pessoa do pai ao menor AA.
Mais determina, a intervenção do CAFAP, relativo ao progenitor nos termos sugeridos no relatório da Segurança Social.
Relativamente ao menor BB, sendo desconhecido as condições em que o mesmo se encontra e com quem se encontra efetivamente, face às declarações aqui prestadas e ao que consta dos autos e à ausência da progenitora nesta conferência, determino que se proceda nos termos promovidos.
Determina-se ainda que solicite ao NATT-PP, a avaliação das condições da tia paterna DD, melhor identificada também no relatório da Segurança Social.
Vindas as informações agora solicitadas, vão os autos com vista à Digna Magistrada do Ministério Público”.
7) Em 19-03-2025, o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 4 proferiu despacho onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Atenta à medida protetiva aplicada ao AA a título definitivo a 20.04.2024 de Apoio junto dos Pais, na pessoa da sua Mãe, e conforme informação apurada no relatório social que antecede, e, igualmente, na cota informativa consignada nos autos, verifica-se que a Criança se encontra a residir na área do Seixal, há mais de 3 meses, atenta também ao registo informativo no Citius.
Mais se verifica, que, quanto ao BB, ainda que haja notícia de que se encontre a viver em Setúbal, o seu atual paradeiro é desconhecido, e, não tendo sido o seu caso concreto avaliado, não lhe foi aplicada medida protetiva, por falta de elementos, para o efeito.
Em conformidade, ao abrigo do disposto no artº 79º nºs 4, 6 e 7 da LPCJP, determina-se a remessa dos presentes autos, ao Tribunal de Família e Menores do Seixal, por ser o competente para os ulteriores termos processuais. Mais se remeta o Apenso A atinente à RRP, já decidido e findo (…)”.
8) Remetidos os autos, em 12-04-2025, o Juízo de Família e Menores do Seixal – Juiz 2 proferiu despacho onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Como bem refere o Digno Ministério Público de Lisboa, na douta promoção de 30.01.2025, com a decisão cautelar de 28.11.2024 revogou-se a medida então vigente, não cautelar, aplicando quanto a AA cautelarmente a medida de apoio junto do pai, por isso, os autos neste momento só têm decisão cautelar quanto a AA e nenhuma decisão quanto a BB.
Assim, seguramente por lapso, o despacho de 19.03.2025 quando refere que foi aplicada ao AA a título definitivo a 20.04.2024 (sic – foi a 20.4.2023) de Apoio junto dos Pais, na pessoa da sua Mãe não atentou que, a 28.11.2024 esta medida foi revogada e aplicada nova medida cautelar e, como tal, não se aplica o art. 76, ns. 4 e 7 LPCJP que se analisa de seguida.
3. O art. 76 da LPCJP (Lei n.º 147/99 de 01.09).
a) O texto legal
Nos termos do art. 76 LPCP
1 - É competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção a comissão de proteção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial.
2 - Se a residência da criança ou do jovem não for conhecida, nem for possível determiná-la, é competente a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde aquele for encontrado.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde a criança ou o jovem for encontrado realiza as diligências consideradas urgentes e toma as medidas necessárias para a sua proteção imediata.
4 - Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência.
(…)
7 - Salvo o disposto no n.º 4, são irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo.
b) Da não aplicação do art. 76, ns. 4 e 7 LPCJP aos presentes autos
Quando foi proferido o despacho de 19.03.2025, vigorava desde 28.11.2024 medida cautelar quanto a AA e não havia nenhuma medida quanto a BB, pelo não se aplica o art. 76, ns. 4 e 7 da LPCJP, normativa que se invoca no despacho que remete os autos para o Seixal.
5. Seixal ou Setúbal?
Não havendo qualquer fundamento legal para se remeter os autos para o Seixal, cumpre questionar ainda porque razão se opta pelo Seixal.
É que BB não está registado como filho de EE.
Qual o sentido dos autos virem para o Seixal, onde neste momento vive o pai de AA, mas que não é o pai registral de BB?
E estando a mãe a viver em Setúbal com BB, sendo também a mãe de AA, não faria então mais sentido, caso houvesse fundamento legal, para remeter o processo, enviá-lo para Setúbal, ou seja, para o Tribunal onde está a progenitora das duas crianças?
Refere-se no despacho de 19.03.2025 que o paradeiro de BB é desconhecido, mas a mãe, que tem BB consigo, a 20.01.2025 remeteu um mail pedindo para ver e para lhe entregarem o filho AA, dizendo que o pai o “pegou” o AA e nunca mais devolveu. E logo no dia seguinte, a 21.01.2025, o D. MP promove a audição da mãe. O paradeiro da mãe seria desconhecido se nada se soubesse da mãe, mas pretendendo a mesma reaver o filho AA, enviando mail nesse sentido, só depois de se tentar ouvir a mãe, nomeadamente notificando-a para o mail que juntou, e frustrando-se tal tentativa, é que se poderá concluir que o paradeiro é desconhecido.
Mais: como se refere no despacho de 12.03.2025 e nos relatórios sociais que antecedem, o pai, que tem o AA no Seixal, propõe que este seja entregue à sua irmã, tia paterna do AA, que vive em Odivelas, estando a explorar-se esta hipótese andando a Seg. Social a tentar contactar a irmã, sendo que o pai, mesmo tendo dúvidas de ser o pai de BB, aceita que ambos os filhos de FF fiquem aos cuidados da sua irmã.
6. A jurisprudência - douta decisão da RL 07.12.2022
Havendo dois menores, um sem qualquer medida e morando em Setúbal, outro com decisão cautelar vivendo no Seixal, será admissível a remessa para o Seixal?
Vejamos a douta decisão da RL 07.12.2022 em conflito que suscitámos com Cascais no proc. 2226-20.1T8CSC-A Cascais, num caso de um rapaz e uma rapariga, aplicou medida de apoio junto da mãe quanto à filha residindo ambas em Sintra e quanto ao filho a medida de apoio junto do pai, que vivia em Cascais, mas foi viver para o Seixal. Já nem se tratavam de medidas cautelares, eram definitivas, o que nem acontece nestes autos. Ao suscitarmos o conflito afirmámos aceitar a competência quanto ao filho, mas suscitámos o conflito quanto à filha que vivia em Sintra. A douta decisão da Relação entendeu que deveria a situação dos dois filhos continuar a ser acompanhada pelo Tribunal de Cascais, mesmo quanto ao filho cuja competência o Seixal aceitava.
Ora, nos presentes autos, por maioria de razão, além de só existirem decisões cautelares, não pode o Juízo de Lisboa, face a um menor no Seixal e outro de Setúbal, enviar o processo de Lisboa para ficar no Seixal a conhecer dos dois menores, nomeadamente do menor de Setúbal, sendo que EE, o pai de AA, não é o pai registral do menor de Setúbal, o BB.
7. As razões do legislador
O legislador pretende que o Tribunal que começa a acompanhar a situação de perigo das crianças, sendo o perigo o fundamento para a criação e manutenção do processo (arts. 1, 2 e 3 da LPCJP), só deixe de acompanhar o processo por mudança de residência quando já não existirem decisões cautelares, ou seja, quando foi homologada decisão negociada ou foi proferido acórdão (com os Juízes sociais) após debate judicial.
Isto acontece, como se vê nestes autos, pelo facto de muitas das situações de perigo decorrerem exatamente da falta de projeto de vida e estabilidade da família das crianças, nomeadamente com instabilidade habitacional, como estes autos são um bom exemplo. Ora, se de cada vez que um ou os dois progenitores, como acontece nestes autos, mudassem de residência conseguissem alterar a competência do Tribunal, o processo andava a viajar pelo país e nunca nenhum Tribunal analisava e decidia de forma estável medidas que obviassem à continuação do perigo. Por isso, só quando a situação de facto, com todos os intervenientes está estabilizada, e deixou de fazer sentido a manutenção de decisões cautelares, é que o legislador entende que, decorridos três meses após decisão não cautelar o processo deverá transitar para a nova residência. Fora destes casos, e havendo apenas decisão cautelar quanto a AA, e nenhuma decisão, nem sequer cautelar, quanto a BB, o legislador entende que deve ser o Tribunal que começou a apreciar a situação de perigo das crianças que deve cuidar de remover o perigo, através de medidas cautelares até se conseguir (por acordo ou após debate judicial) aplicar medida não cautelar.
Entender que se pode remeter processo de promoção e proteção quando só vigoram medidas cautelares e, no caso de BB, nem há medida, para Tribunal da área onde vive um dos menores é contrariar as razões que estão na base do regime legal consagrado no art. 79 LPCJP.
(…)
9. Conclusão
Pelo exposto, por não aplicação do invocado art. 79, ns. 4 e 7 LPCJP, e seguindo a melhor jurisprudência, acima citada, e, tendo em conta que este é um processo de jurisdição voluntária (art. 100 LPCJP), sendo muito relevante para a salvaguarda dos superiores interesses das crianças que a situação de perigo seja apreciada pelo Tribunal onde se tem vindo a tentar debelar a situação de perigo, sendo que, de momento, não existem medidas não cautelares, só existe uma medida cautelar quanto a AA e sem medida quanto a BB, e tendo em conta as razões por detrás do regime legal do art. 79 LPCJP (analisadas no ponto 5), considero este Juízo de Família e Menores do Seixal incompetente para apreciar a situação das duas crianças AA e BB por falta de fundamento legal para tal remessa e por se contrariar a ratio legis do citado normativo e como tal declaro este tribunal incompetente para conhecer do PPP das crianças AA e BB (…)”.
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III. Conhecendo:
Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
Entendem ambos os tribunais, não serem competentes para dirimir o presente processo de promoção e proteção.
Relativamente a processos de promoção e proteção, regula a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (abreviadamente, LPCJP, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro).
Por “medida de promoção dos direitos e de proteção” entende-se “a providência adotada pelas comissões de proteção de crianças e jovens ou pelos tribunais, nos termos do presente diploma, para proteger a criança e o jovem em perigo” (cfr. artigo 5.º, al. e) da LPCJP), estando o leque de medidas aplicáveis previsto no artigo 35.º da LPCJP.
Sobre a competência territorial para a aplicação de medidas de promoção e proteção, dispõe o artigo 79.º da LPCJP que:
“1 - É competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção a comissão de proteção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial.
2 - Se a residência da criança ou do jovem não for conhecida, nem for possível determiná-la, é competente a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde aquele for encontrado.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a comissão de proteção ou o tribunal do lugar onde a criança ou o jovem for encontrado realiza as diligências consideradas urgentes e toma as medidas necessárias para a sua proteção imediata.
4 - Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência.
5 - Para efeitos do disposto no número anterior, a execução de medida de promoção e proteção de acolhimento não determina a alteração de residência da criança ou jovem acolhido.
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a comissão de proteção com competência territorial na área do município ou freguesia de acolhimento da criança ou jovem, presta à comissão que aplicou a medida de promoção e proteção toda a colaboração necessária ao efetivo acompanhamento da medida aplicada, que para o efeito lhe seja solicitada.
7 - Salvo o disposto no n.º 4, são irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo”.
Nos termos do disposto no n.º. 1 do artigo 85.º do Código Civil, o menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio, o do progenitor a cuja guarda estiver.
Deriva do artigo 79.º da LPCJP que, é competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção, a comissão de proteção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial, sendo, contudo, permitida a remessa do processo ao tribunal da nova residência da criança, desde que essa mudança de residência ocorra após a aplicação da medida definitiva e que essa mudança seja por um período superior a três meses.
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IV. Os presentes autos de promoção e proteção foram distribuídos ao Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 4.
Aí tramitaram os seus termos até que, tal juízo, por decisão de 19-03-2025 considerou que, tendo sido aplicada medida de proteção definitiva em 20-04-2023 à criança AA e dado que a criança reside no Seixal há mais de 3 meses, este último Tribunal seria o competente, nos termos do artigo 79.º, n.ºs. 4, 6 e 7 da LPCJP.
Não encontramos fundamento para concluir deste modo.
O n.º 1 do artigo 79.º da LPCJP é bem claro é estatuir a atribuição de competência ao tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial.
As modificações de facto que posteriormente se registem nos autos são irrelevantes para a alteração da competência.
É o que resulta do n.º 7 do artigo 79.º da LPCJP, preceito que apenas ressalva a situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo.
No n.º 4 do referido artigo 79.º da LPCJP consigna-se que: Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência”.
Ora, para a consideração do disposto no n.º 4 do artigo 79.º da LPCJP mostra-se necessário que ocorra mudança de residência da criança por período superior a 3 meses e, bem assim, que tal mudança de residência tenha lugar após a aplicação de medida não cautelar.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-12-2024 (Pº 3099/24.0T8BRG.G1, rel. GG):
“Nos termos do disposto pelo artigo 79º n.1 da LPPCJP, competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção será o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial.
Diz-nos depois o n.4 do artigo 79º (com a alteração da redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 142/2015, de 08 de Setembro, que aditou a expressão “não cautelar”) que: se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência.
Neste conspecto, a jurisprudência anterior à dita alteração, defendia de modo uniforme, o que se mantém actual e como vimos clarificado na lei, que a alteração de “residência” do menor apenas releva para efeitos de remessa do processo para outro tribunal, se ocorrer (por mais de 3 meses) após a aplicação de uma medida definitiva, não abrangendo as medidas provisórias aplicadas no âmbito dos artigos 35º n.2 e 37º, considerando que a aplicação de tal excepção pressupõe uma situação de estabilidade e continuidade já suficientemente definida, o que não sucede com aquelas medidas. Pelo que, enquanto não for proferida uma decisão definitiva, continua a ser competente para os termos processuais o tribunal que decretou a medida provisória, a quem cabe controlar a sua execução e dirigir a processo de forma a ser tomada a decisão definitiva (…)”.
No caso, em abril de 2023 foi aplicada medida não cautelar de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, medida essa que vigorou até novembro de 2024, data em que, tendo sido aplicada medida cautelar de apoio junto dos pais, na pessoa do pai, a precedente medida foi objeto de revogação, deixando de ter vigência.
É que, conforme resulta do artigo 28.º da LPCJP, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão (n.º 1), sendo que, podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo (n.º 2).
Falta, pois, um dos pressupostos para a consideração da relevância da situação de mudança de residência.
Neste ponto, mostram-se inteiramente de acolher as considerações expendidas na decisão de 12-04-2025 a que se fez referência supra e que se transcrevem:
“(…) Quando foi proferido o despacho de 19.03.2025, vigorava desde 28.11.2024 medida cautelar quanto a AA e não havia nenhuma medida quanto a BB, pelo não se aplica o art. 7[9], ns. 4 e 7 da LPCJP, normativ[o] que se invoca no despacho que remete os autos para o Seixal.
(…)
O legislador pretende que o Tribunal que começa a acompanhar a situação de perigo das crianças, sendo o perigo o fundamento para a criação e manutenção do processo (arts. 1, 2 e 3 da LPCJP), só deixe de acompanhar o processo por mudança de residência quando já não existirem decisões cautelares, ou seja, quando foi homologada decisão negociada ou foi proferido acórdão (com os Juízes sociais) após debate judicial.
Isto acontece, como se vê nestes autos, pelo facto de muitas das situações de perigo decorrerem exatamente da falta de projeto de vida e estabilidade da família das crianças, nomeadamente com instabilidade habitacional, como estes autos são um bom exemplo. Ora, se de cada vez que um ou os dois progenitores, como acontece nestes autos, mudassem de residência conseguissem alterar a competência do Tribunal, o processo andava a viajar pelo país e nunca nenhum Tribunal analisava e decidia de forma estável medidas que obviassem à continuação do perigo. Por isso, só quando a situação de facto, com todos os intervenientes está estabilizada, e deixou de fazer sentido a manutenção de decisões cautelares, é que o legislador entende que, decorridos três meses após decisão não cautelar o processo deverá transitar para a nova residência. Fora destes casos, e havendo apenas decisão cautelar quanto a AA, e nenhuma decisão, nem sequer cautelar, quanto a BB, o legislador entende que deve ser o Tribunal que começou a apreciar a situação de perigo das crianças que deve cuidar de remover o perigo, através de medidas cautelares até se conseguir (por acordo ou após debate judicial) aplicar medida não cautelar.
Entender que se pode remeter processo de promoção e proteção quando só vigoram medidas cautelares e, no caso de BB, nem há medida, para Tribunal da área onde vive um dos menores é contrariar as razões que estão na base do regime legal consagrado no art. 79 LPCJP (…)”.
Em face do exposto: Não vigorando medida não cautelar, a competência para a apreciação do presente processo de promoção e proteção, radica no Tribunal onde os autos foram instaurados, não se mostrando relevante – para efeito de modificar a competência fixada no momento de instauração do processo – a modificação de residência que ulteriormente se tenha verificado, não sendo aplicável a situação a que se reportam os n.ºs. 4 e 7 do artigo 79.º da LPCJP.
Assim sendo, por força do disposto no artigo 79.º, n.º 1, da LPCJP, continua a ser competente para a tramitação do presente processo, o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 4, não existindo motivo para a aplicação do regime resultante dos n.ºs. 4 e 7 do referido normativo.
*
V. Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito, declarando competente para a presente ação, o Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz 4.
Sem custas.
Notifique (cfr. artigo 113.°, n.° 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 08-05-2025,
Carlos Castelo Branco.