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CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA
TERRITORIAL
AÇÃO EMERGENTE DE CONTRATO DE TRABALHO
Sumário
I. Ponderando o disposto no artigo 14.º do CPT, nas ações emergentes de contrato de trabalho, intentadas pelo trabalhador contra a sua entidade patronal, o legislador entendeu conferir a escolha do Tribunal territorialmente competente para julgar a causa, de entre as várias possibilidades que a lei confere, por inteiro ao trabalhador, com o propósito evidente de facilitar a este o exercício da ação judicial. II. Assim, embora o disposto no artigo 19.º, n.º 2, do CPT viabilize o conhecimento oficioso da incompetência territorial do tribunal de trabalho, não tendo o autor exercido a opção por instaurar a ação nos foros previstos na segunda parte do n.º 1 do artigo 14.º do CPT, deverá ser considerada a regra decorrente do disposto no artigo 13.º do CPT e, nessa medida, legitimamente instaurada ação no Juízo do Trabalho de Lisboa.
Texto Integral
Pº 25392/24.2T8LSB.L1
4.ª Secção
Conflito de Competência
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I. O Juízo do Trabalho de Cascais – Juiz 2 suscita a resolução de conflito negativo de competência entre ele próprio e o Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 5 para a tramitação do presente processo (ação emergente de contrato de trabalho), com fundamento em que ambos se declararam incompetentes para dele conhecer.
O Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 5 declarou-se incompetente, em razão do território, com fundamento, em síntese, no disposto no artigo 14.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (CPT), por as 1ª a 7ª Rés terem domicílio em Lisboa, e a 8º. Ré, a sua sede em Oeiras, sendo que, esta ré detém a direção empresarial de todas as rés, dependendo as demais, “em absoluto, da instrução/direção/decisão da 8ª. Ré”, concluindo que, o Tribunal competente para os ulteriores termos da presente ação seria o Juízo do Trabalho de Sintra, o que foi retificado, ulteriormente, por despacho de 23-01-2025, em consequência do que os autos foram remetidos para o Juízo do Trabalho de Cascais.
Por sua vez, o Juízo do Trabalho de Cascais – Juiz 2 – a quem os autos foram distribuídos - declarou-se incompetente em razão do território para a tramitação do presente processo, com fundamento, em síntese, em que, tendo o Autor optado, licitamente, por propor a ação no Juízo do Trabalho de Lisboa, este era competente, nos termos do artigo 13º, n.º 1 e do artigo 14º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Foi suscitada a resolução do conflito.
O processo foi continuado com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, do CPC, que – em 14-05-2025 – se pronunciou no sentido de que: “(…) Está em causa uma ação emergente de contrato de trabalho proposta por trabalhador contra a entidade empregadora, pelo que nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 1 do CPT, a ação pode ser proposta no juízo do trabalho do lugar da prestação do trabalho ou no juízo do trabalho do domicílio do autor. Efetivamente resultando da petição inicial que o Autor prestava a sua atividade em Lisboa, podia propor, como fez, a ação no Juízo do Trabalho de Lisboa, não cabendo ao tribunal escolhido por este, sindicar a sua escolha, ainda que com recurso à norma geral contida no artigo 13.º do Código do Processo do Trabalho. Assim, e aderindo na íntegra à fundamentação constante do seu despacho, somos, de parecer que assiste razão à M. Juíza de direito da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo do Trabalho de Cascais – Juiz 2, devendo considerar-se competente para tramitar os presentes autos a Comarca de Lisboa”.
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II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito – tendo em conta o que resulta da tramitação dos autos - o seguinte:
1) Em 11-10-2024, A …, residente em Carnaxide, apresentou em juízo – endereçada ao “TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA JUÍZO DO TRABALHO DE LISBOA” - a petição inicial da presente ação emergente de contrato de trabalho, que instaurou contra: Teixamar – Refeições Rápidas, Lda., Zitamar – Refeições Rápidas, Lda., Marquêsmar – Refeições Rápidas, Lda., Rossiomar – Restaurantes Rápidos, Lda., Sofiamar – Refeições Rápidas, Lda., Anacatamar – Refeições Rápidas, Lda. e Chiadomar – Refeições Rápidas, Lda., todas com sede em Lisboa e, bem assim, contra Sistemas Mcdonal’s Portugal, Lda., com sede em Porto Salvo, Oeiras.
2) Em 16-10-2024, o Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 5, a que os autos foram distribuídos, proferiu despacho onde se lê, nomeadamente, o seguinte: “Da incompetência deste tribunal em razão do território: O Autor veio intentar a presente ação de processo comum, invocando a competência territorial deste Tribunal de Trabalho de Lisboa, ao abrigo do disposto no artº 14º nºs 1 e 3 do CPT, e bem assim, mais invoca para o efeito, a LOSJ e respetivos Anexos. Sem prejuízo, igualmente alega que as RR., da 1 à 7, encontram-se ligadas por uma relação de grupo económico submetido à direção empresarial unitária, mas, integrada na cadeia de restauração da 8ª Ré. Mais salientando ainda, que todas as RR da 1 à 7 estão sob a instrução da 8ª Ré. Tudo conforme se encontra no seu articulado, designadamente, dos artigos 4 a 6 da sua PI e também conforme teor do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e as RR, na sua alínea A), onde se encontra exarado que, quem detém a licença e a direção para sustentação da relação laboral, é a 8ª Ré. A regra geral da competência territorial encontra-se plasmada no artº 13º do CPT, sendo certo, que, no artº 14º e seguintes do CPT, encontram-se regras supletivas e de conexão da competência, em razão do território. Nos termos do art.º 13º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, as ações devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu. Conforme resulta da petição inicial, da 1ª à 7ª Ré, estas têm o seu domicílio consolidado em Lisboa, e a 8º. Ré, tem a sua sede em Oeiras. Sabendo-se, igualmente, que, a Ré que detém a direção empresarial de todas as Rés, é a 8ª, que, também detém a licença legalmente devida para o exercício da atividade, e que é a 8ª Ré que dá instruções a todo o grupo económico que integra as outras 7 RR, as quais, dependem assim, em absoluto, da instrução/direção/decisão da 8ª. Ré. Dispõe o artº 33º da Lei da Organização do Sistema Judicial, que: “Artigo 33.º Tribunais judiciais de primeira instância 1 - Os tribunais judiciais de primeira instância incluem os tribunais de competência territorial alargada e os tribunais de comarca. 2 - O território nacional divide-se em 23 comarcas, nos termos do anexo II à presente lei, da qual faz parte integrante. 3 - Em cada uma das circunscrições referidas no número anterior existe um tribunal judicial de primeira instância. 4 - A sede, a designação e a área de competência territorial são definidas no decreto-lei que estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais. Anexo II (a que se refere o n.º 2 do artigo 33.º) “(…) Comarca de Lisboa Oeste Sede: Sintra. Circunscrição: Municípios: Amadora, Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra.(…)”. A 8ª Ré tem a sua sede em Oeiras, e conforme resulta demonstrado da PI é à mesma que tem o domínio do grupo empresarial e por conseguinte da relação laboral com o Autor que caberá nestes autos discutir. Conforme acima também se deixou demonstrado, resulta da Lei em vigor, que Oeiras, integra a área de circunscrição da competência territorial da Comarca de Lisboa Oeste, cuja sede é em Sintra. Razão, pela qual, é incompetente, em razão do território, com base na regra geral da competência territorial para tramitar e julgar a presente ação, este Tribunal de Trabalho de Lisboa, sendo competente o Juízo do Trabalho de Sintra, com competência na área da sede da 8ª Ré, a qual, tem a instrução/direção e consequentemente, o domínio de todas as outras 7 RR (cfr. art.º 33º e 126º, Anexo II da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto). (…) Nos termos do art.º 54º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, recebida a petição, se o juiz verificar deficiências ou obscuridades, deve convidar o autor a completá-la ou esclarecê-la, sem prejuízo do seu indeferimento nos termos do art.º 590º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Este último normativo, determina, que, nos casos, em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º. A incompetência territorial constitui uma exceção dilatória, que, a ter-se por verificada, determina que o juiz se abstenha do conhecimento do mérito da causa e determina a remessa do processo para o tribunal territorialmente competente (cfr. artºs. 102.º, 105.º, n.º 3, 576.º, n.º 2 in fine e 577.º, alínea a), todos do Código de processo Civil, aplicável, subsidiariamente por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo de Trabalho). Por outro lado, nos termos do art.º 19º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, observando-se, quanto ao mais, o regime estabelecido nos artigos 102º a 108º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações. (…) Face ao exposto, decide-se julgar verificada a exceção dilatória de incompetência deste Juízo do Trabalho de Lisboa, que se declara incompetente em razão do território para conhecer da presente ação, julgando territorialmente competente, face ao disposto no art.º 13º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o Juízo do Trabalho de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, mais se determinando, a oportuna, remessa dos autos, ao tribunal competente, após trânsito em julgado. Registe e Notifique. Sem custas. Dê baixa/anote a decisão. D.N. (…)”.
3) Os autos foram remetidos ao Juízo do Trabalho de Sintra que, verificando lapso, por despacho de 08-01-2025, devolveu os autos a Lisboa.
4) Em 23-01-2025, o Juízo de Trabalho de Lisboa – Juiz 5 proferiu o seguinte despacho: “Tratando-se de manifesto lapso de escrita, de harmonia com o disposto no 614º, nº1, do CPC, determina-se que se passe a lei «Tribunal de Cascais» onde, na sentença aqui proferida, se escreveu «Tribunal de Sintra». Retifique no local próprio, notifique e cumpra-se a sentença assim retificada (…)”.
5) Remetidos que foram os autos ao Juízo do Trabalho de Cascais – e aí objeto de distribuição ao Juiz 2 - , este juízo proferiu, em 20-02-2025, despacho onde se lê, nomeadamente, o seguinte: “A …, residente (…), em Carnaxide, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra: 1. Teixamar – Refeições Rápidas, Lda., com sede (…), em Lisboa; 2. Zitamar – Refeições Rápidas, Lda, com sede (…) em Lisboa; 3. Marquêsmar – Refeições Rápidas, Lda, com sede (…), em Lisboa; 4. Rossiomar – Restaurantes Rápidos, Lda., com sede (…), em Lisboa; 5. Sofiamar – Refeições Rápidas, Lda., com sede (…), em Lisboa; 6. Anacatamar – Refeições Rápidas, Lda., com sede (…), em Lisboa; 7. Chiadomar – Refeições Rápidas, Lda., com sede (…), Lisboa; 8. Sistemas Mcdonal’s Portugal, Lda., com sede (…), Porto Salvo, em Oeiras. Alegando ter celebrado, em 10 de Março de 2023, com as 1.ª a 7.ª Rés – sociedades que se encontram ligadas entre si por uma relação de grupo económico e submetidas a uma direcção empresarial única, cujo objecto é a exploração sob regime de franchising de restaurantes integrados na cadeia de restaurantes da 8.ª Ré - um contrato de trabalho com pluralidade de empregadores por tempo indeterminado (cuja cópia juntou), invocou que, nas circunstâncias que descreveu e com a motivação que referiu, resolveu o referido contrato, o que comunicou às Rés por carta registada com aviso de recepção de 27 de Junho de 2024. Mais alegou que durante o período em que durou a relação laboral com as 1.ª a 7.ª Rés “ficou adstrito ao estabelecimento comercial sito na sede da Teixamar – Refeições Rápidas, Lda.”, sem embargo de, nas circunstâncias que referiu, ter sido “mandado para outras lojas por uns dias” e de, em reunião de 19 de Junho de 2024, lhe ter sido ordenado que “no dia seguinte, se apresentasse ao trabalho no estabelecimento comercial sito na Praça Marquês de Pombal”. Concluiu pedindo que se reconheça a resolução do contrato de trabalho por justa causa e se condenem as Rés a pagar-lhe as quantias que indica, no valor total de €13.487,43, e, bem assim, por assédio moral, de uma indemnização, por danos não patrimoniais, de € 7.500,00, acrescidas de juros de mora desde a data de vencimento de cada uma das obrigações até ao efectivo pagamento. Peticionou, também, a condenação das Rés “na regularização da situação do A. perante a Segurança Social conforme o vencimento” a que sustentou ter direito. O Autor intentou a presente acção no Juízo do Trabalho de Lisboa que, em sede de “disposições introdutórias”, indicou ser o competente (como, adiante-se desde já, se entende o era). A acção foi distribuída ao Juiz 5 do Juízo do Trabalho de Lisboa que, salvo o devido respeito, de forma absolutamente inusitada e infundada, revelando uma leitura, pelo menos, apressada da petição inicial, se declarou incompetente. Vejamos: O Autor tem residência em Carnaxide, a 1.ª e 7.ª Rés (entidades empregadoras do Autor) têm sede em Lisboa, a 8.ª Ré tem sede em Porto Salvo, o local de trabalho do Autor era em Lisboa. É certo que o Autor e a 8.ª Ré têm, respectivamente, residência e sede em Carnaxide e Porto Salvo, área da competência territorial do Juízo do Trabalho de Cascais, porém, as 1.ª a 7.ª Rés têm sede em Lisboa e o local de trabalho do Autor era em Lisboa. Nestas circunstâncias, o Autor optou, licitamente, por intentar a acção no Juízo do Trabalho de Lisboa, que era competente não só por ser o Juízo do Trabalho da sede das 1.ª a 7.ª Rés (cfr. artigo 13º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho), mas também porque era o Juízo do Trabalho do lugar da prestação do trabalho (cfr. artigo 14º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho). Da conjugação dos artigos 13º, n.º 1 e 14º do Código de Processo do Trabalho resulta que o Autor podia escolher entre propor a acção no Juízo do Trabalho de Cascais ou no Juízo do Trabalho de Lisboa. O exercício desse direito de escolha cabia ao Autor (trabalhador) e o Autor exerceu esse direito optando, como podia, por propor a acção no Juízo do Trabalho de Lisboa. A afirmação, contida no despacho proferido pelo Juiz 5 do Juízo do Trabalho de Lisboa, de que “é incompetente, em razão do território, com base na regra geral da competência territorial para tramitar e julgar a presente acção, este Tribunal de Trabalho de Lisboa” carece, salvo o devido respeito, de apoio na lei. É certo que, nos termos do artigo 19º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, “a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal”, contudo este preceito não habilita, nem pode habilitar, o julgador a declarar-se incompetente quando a lei lhe atribui essa competência, nem a pretender substituir-se na escolha ao autor, usando de uma faculdade que a lei não lhe atribui e que apenas reconhece ao autor. Como se verteu na decisão de 19 de Dezembro de 2024, proferida no âmbito do incidente de resolução de conflito negativo de competências, suscitado no processo n.º 21464/24.1T8LSB, entre o Juiz 3 do Juízo do Trabalho de Sintra e o Juiz 1 do Juízo do Trabalho de Lisboa: “Ponderando o disposto no artigo 14.º do CPT, mostra-se inequívoco que, nas acções emergentes de contrato de trabalho, intentadas pelo trabalhador contra a sua entidade patronal, o legislador pretendeu conferir a escolha do Tribunal territorialmente competente para julgar a causa, de entre as várias possibilidades que a lei confere, por inteiro ao trabalhador, com o propósito evidente de facilitar a este o exercício da acção judicial (neste sentido, Albino Mendes Baptista, em anotação ao art. 14.º, Código de Processo do Trabalho Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2002; e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-04-2009, Pº 141/08.6TTVIS-A.C1, rel. FERNANDES DA SILVA). Assim, embora o disposto no artigo 19.º, n.º 2, do CPT viabilize o conhecimento oficioso da incompetência territorial do tribunal de trabalho, não tendo o autor exercido a opção por instaurar a acção nos foros previstos no artigo 14.º do CPT, deverá ser considerada a regra decorrente do disposto no artigo 13.º do CPT e, nessa medida, legitimamente instaurada acção no domicílio do réu. No caso, a autora/trabalhadora não usou da faculdade legal prevista no artigo 14.º do CPT, pois, por um lado, não resulta do alegado pela autora que a acção tenha sido instaurada no juízo do trabalho do lugar da prestação de trabalho e, por outro lado, não foi usada a faculdade de instauração da acção no foro do domicílio do autor. Assim, a competência territorial para a apreciação do presente litígio radica no Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 1, local onde a autora tem domicílio e onde, utilizando da prerrogativa legal que lhe confere o disposto no n.º 1 do artigo 13.º do CPT, instaurou a presente acção”. Assim, tendo o Autor optado por propor a acção no Juízo do Trabalho de Lisboa, que era competente não só nos termos do artigo 13º, n.º 1, mas também, diga-se, do artigo 14º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, e ponderando que a competência se fixa no momento em que a acção é proposta, não pode este Juízo do Trabalho de Cascais aceitar, sem mais, a declaração de incompetência do Juiz 5 do Juizo do Trabalho de Lisboa. Registe-se que se ponderou aceitar a competência para evitar mais delongas na tramitação dos autos, todavia sendo do nosso conhecimento funcional que situações como a presente têm sido recorrentes, afigura-se que nada fazer e aceitar sem mais aquele desfecho seria dar cobertura a uma prática que, salvo o devido respeito, se mostra desviante das normas processuais aplicáveis e desrespeitadora dos direitos que a lei confere ao autor/trabalhador, quando lhe reconhece a faculdade de escolher entre aqueles a que a lei atribuiu a competência o tribunal que entender ser, para si, mais conveniente, não cabendo ao tribunal sindicar a escolha do Autor quando realizada dentro das opções que a lei lhe disponibiliza. Nestas concretas circunstâncias, considerando que o Autor optou, licitamente, no uso da prerrogativa que a lei lhe confere, por propor a acção no Juízo do Trabalho de Lisboa, que era competente, em razão do território, para a apreciação do presente litígio, julga-se verificada a excepção dilatória de incompetência, em razão do território, deste Juízo do Trabalho de Cascais (pelo qual o Autor não optou no momento em que propôs a acção e exerceu o direito de escolha que a lei lhe reconhece e atribui). Pelo exposto, e, reitere-se, nestas concretas circunstâncias, declara-se este Juízo do Trabalho de Cascais incompetente para tramitar e julgar a presente acção, sendo competente, para o efeito, o Juízo do Trabalho de Lisboa. Sem custas. Notifique o Autor e, também, o Ministério Público e, após trânsito, concluam-se, de imediato, os autos a fim de ser suscitada a resolução do conflito (negativo) de competências, em conformidade com o disposto no artigo 111º do Código de Processo Civil.”.
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III. A competência do tribunal constitui um pressuposto processual, sendo assim um dos elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a pretensão deduzida (cfr., Antunes Varela et al; Manual do Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 98).
Como ensinava Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pp. 90 e 91), para decidir qual das normas corresponde a cada um dos “índices” de competência, deve olhar-se aos termos em que foi posta a ação -seja quanto aos seus elementos objetivos - natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc,- , seja quanto aos seus elementos subjetivos -identidade das partes.
Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
Os tribunais divergem, quanto à aplicação à situação dos autos, do disposto no artigo 13.º do Código de Processo do Trabalho ou do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do mesmo Código.
Dispõe o artigo 13.º do CPT – com a epígrafe “Regra geral” em sede de competência territorial – que: “1 - As ações devem ser propostas no juízo do trabalho do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes (…)”.
Para além desta regra geral – sendo que o n.º 1 do artigo 13.º do CPT ressalva a aplicabilidade das disposições constantes dos artigos seguintes - , o Código de Processo do Trabalho consagra diversas regras especiais de competência territorial, de acordo com a natureza do processo que seja instaurado, regulando, sucessivamente, as ações emergentes de contrato de trabalho (artigo 14.º), as ações emergentes de acidentes de trabalho ou de doença profissional (artigo 15.º), as ações emergentes de despedimento coletivo (artigo 16.º), as ações referentes a questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese, ortopedia e outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, as ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho (cfr. artigo 17.º do CPT e artigo 126.º, n.º 1, als. d) e e) da LOSJ) e as ações de liquidação e partilha de bens de instituições de previdência, de associações sindicais, de associações de empregadores ou de comissões de trabalhadores e outras em que sejam requeridas essas instituições, associações ou comissões (artigo 18.º do CPT).
Assim, neste sentido, o n.º 1 do artigo 14.º do CPT – com a epígrafe “Ações emergentes de contrato de trabalho” – prescreve, como norma especial de competência territorial, que: “1 - As ações emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade empregadora podem ser propostas no juízo do trabalho do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor.(…)”.
Sendo o trabalho prestado em mais de um lugar, podem as ações referidas no n.º 1 ser intentadas no tribunal de qualquer desses lugares (cfr. artigo 14.º, n.º 3, do CPT).
Quando seja aplicável a regra especial de competência, a regra geral deverá ceder a sua aplicação àquela.
Assim, conforme se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-02-2018 (Pº 1485/15.6T8VLG.P1, rel. NELSON FERNANDES), “os artigos 14.º a 19.º do CPT estabelecem situações particulares que, no âmbito da competência interna, determinam a competência territorial dos tribunais portugueses, sendo que, resultando do artigo 14.º que as ações emergentes de contrato de contrato de trabalho podem ser propostas no tribunal do lugar da prestação do trabalho ou do domicílio do autor, essa regra afasta a regra geral prevista no artigo 13.º. A opção entre o tribunal do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor assiste a quem figure como autor na ação (…)”.
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IV. No caso dos presentes autos, está em questão uma ação emergente de contrato de trabalho, intentada pelo trabalhador contra as 1.ª a 7.ª rés, enquanto entidades empregadoras (tendo o autor invocado ter celebrado um contrato de trabalho com pluralidade de empregadores por tempo indeterminado) sendo o objeto a exploração sob regime de franchising de restaurantes integrados na cadeia de restaurantes da 8ª Ré, pedindo o reconhecimento da resolução de contrato de trabalho por justa causa, a condenação das rés a pagar-lhe os créditos laborais, indemnizações e demais valores que peticiona.
As 1.ª a 7.ª rés têm domicílio em Lisboa, sendo aí o local de trabalho do autor(critério relevante para a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 14.º do CPT) e, sendo que, aí, foi instaurada a presente ação, em conformidade com o disposto no artigo 13.º do Código de Processo do Trabalho.
O autor e a 8.ª ré têm domicílio em localidades pertencentes ao âmbito jurisdicional do Juízo de Trabalho de Cascais.
Todavia, como se viu, ponderando o disposto no artigo 14.º do CPT, nas ações emergentes de contrato de trabalho, intentadas pelo trabalhador contra a sua entidade patronal, o legislador entendeu conferir a escolha do Tribunal territorialmente competente para julgar a causa, de entre as várias possibilidades que a lei confere, por inteiro ao trabalhador, com o propósito evidente de facilitar a este o exercício da ação judicial (neste sentido, Albino Mendes Baptista, em anotação ao artigo 14.º, Código de Processo do Trabalho Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2002; e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-04-2009, P.º 141/08.6TTVIS-A.C1, rel. FERNANDES DA SILVA).
Assim, embora o disposto no artigo 19.º, n.º 2, do CPT viabilize o conhecimento oficioso da incompetência territorial do tribunal de trabalho, não tendo o autor exercido a opção por instaurar a ação nos foros previstos na segunda parte do n.º 1 do artigo 14.º do CPT, deverá ser considerada a regra decorrente do disposto no artigo 13.º do CPT e, nessa medida, legitimamente instaurada ação no Juízo do Trabalho de Lisboa.
No caso, como se viu, quer o local da prestação de trabalho do autor era em Lisboa (cfr. artigo 10.º da p.i.), como o
autor/trabalhador não usou da faculdade legal prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 14.º do CPT, não instaurando a ação no foro do domicílio do autor.
Assim, a competência territorial para a apreciação do presente litígio radica no Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 5, a quem os autos foram distribuídos, foro do local onde radica o domicílio do maior número de réus – cfr. artigo 82.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC, aplicável atento o disposto no artigo 1.º, n.º 2, do CPT - e onde, utilizando da prerrogativa legal que lhe confere o disposto no n.º 1 do artigo 13.º do CPT, instaurou a presente ação.
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V. Pelo exposto, decido este conflito, declarando competente para apreciação e prosseguimento do presente processo, o Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 5.
Sem custas.
Notifique-se (cfr. artigo 113.°, n.° 3, do CPC).
Baixem os autos.