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CONFLITO DE COMPETÊNCIA
AÇÃO PARA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA
CRIANÇA
Sumário
I. Nos termos constantes do n.º 1 do artigo 9.º do RGPTC., para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. E prescreve o n.º 4 deste preceito que: No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar. II. O conceito de residência não coincide com o de domicílio legal do menor (o lugar de residência da sua família respetiva), ou com o domicílio do progenitor a quem foi confiado ou que sobre ele exerça as responsabilidades parentais e referido no art.º 85.º do Código Civil. III. Tal critério assenta no facto de ser o tribunal da área onde a criança se encontra com maior frequência e estabilidade, aquele que dispõe de melhores condições para conhecer da realidade familiar e social em que se encontra inserido e tomar as providências adequadas. IV. A presente ação foi instaurada no Juízo de Família e Menores de Loures, o que corresponde, de acordo com as declarações da progenitora, à morada em que, a mesma e a criança, tinham à data da instauração da ação, ou seja, onde tinham fixado residência, sendo irrelevante, para concluir diversamente, a circunstância de a criança ter outra morada – em Alcabideche, Cascais – para efeito de frequência de consultas médicas. V. Sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo, deverá considerar-se como competente para a presente ação o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 3.
Texto Integral
Pº 11714/24.0T8LRS.L1
6.ª Secção
Conflito de Competência
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1) Em 28-10-2024, A …, indicando ser residente na Rua … …, …, 2675- …, Odivelas, apresentou em juízo – junto do Juízo de Família e Menores de Loures - ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais do seu filho B …, nascido a 10-07-2024, o que promoveu contra C….
2) No artigo 6.º da p.i., a requerente alegou que: “6º A requerente vive com o seu filho em casa da mãe”.
3) Em 08-11-2024, o Juízo de Família e Menores de Loures - Juiz 3, a que os autos foram distribuídos, proferiu despacho designando para conferência de pais, nos termos do art. 35º, n.º 1 do RGPTC, o dia 16-12-2024.
4) Em 16-12-2024 teve lugar conferência de pais, encontrando-se presente a requerente e sua Patrona.
5) Consta da ata da conferência referida em 4), nomeadamente, escrito o seguinte: “(…) Iniciada a diligência (…), pela Meritíssima Juiz, foi ouvida em declarações, a requerente, (…) Vania D´Almeida Fernandes, tendo dito: - Deixou de morar em Alcabideche, Cascais desde que o filho nasceu, referindo posteriormente que apenas foi morar para a residência da mãe em Outubro deste ano, não tendo formalizado a alteração de morada; - Reside na Rua …, nº …, …, 2675-… Odivelas, já colocou o atestado de residência em Odivelas, mas ainda não foi aceite; - O filho é seguido no Hospital de Cascais, a correspondência do Hospital vai para a morada da Rua da …, nº …, Bairro da Cruz Vermelha, 2645- … Alcabideche, Cascais, que é onde mora em a sua avó adoptiva; - Gosta das consultas que o filho tem no Hospital de Cascais; - Não tem contacto com o pai do filho, os únicos contactos telefónicos que tinha dele eram os antigos que ninguém atende; - E mais não disse. (…) Seguidamente, pela Meritíssima Juiz, foi proferido o seguinte: =DESPACHO= Compulsados os autos verifica-se que nas consultas efectuadas nas bases de dados relativas à requerente, progenitora do menor, resulta que em 11/11/2024, data posterior à da propositura da acção a progenitora, e o menor que com a mesma reside, mantêm residência oficial na Rua da …, nº …, Bairro da Cruz Vermelha, 2645- … Alcabideche, Cascais, morada que consta igualmente do Boletim de Saúde do menor, ora exibido. Notifique. * De imediato, foram todos os presentes devidamente notificados do despacho que antecede, os quais disseram ficar cientes. * Em face do exposto, pela Meritíssima Juiz, foi dada a palavra à Digna Procuradora da República e, pela mesma foi dito: “Tendo em atenção os elementos que constam dos autos à data da propositura da acção, bem como actualmente a morada da requerente e do menor pertence à área de competência do Juízo de Família e Menores de Cascais, pelo que por ser este Tribunal territorialmente incompetente devem os autos ser transmitidos aquele juízo, em conformidade com o disposto no artigo 9.º do RGPTC.” * De seguida, pela Meritíssima Juiz, foi dada a palavra à Ilustre Patrona da requerente e, pela mesma, no seu uso disse: “Nada ter a opor ou a requerer.” * Seguidamente, pela Meritíssima Juiz, foi proferida a seguinte: =SENTENÇA= Compulsados os autos, verifica-se que na data da propositura da acção a residência do menor corresponde à Rua da …, nº …, Bairro da Cruz Vermelha, 2645- … Alcabideche, Cascais, pelo que, nos termos do artigo 9.º nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, para decretar as providências tutelares cíveis é competente o Tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado, sendo competente para a tramitação dos presentes autos, o Juízo de Família e Menores de Cascais. Sendo a excepção de competência territorial de conhecimento oficioso, (artigo 10.º nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), em face do exposto e, conforme doutamente promovido, declaro este Juízo de Família e Menores de Loures - Juiz 3 territorialmente incompetente para a tramitação do presente processo e, em consequência determino a remessa dos autos aos Juízos de Família e Menores de Cascais para sua tramitação posterior. Valor da acção: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo). Registe e notifique. Após trânsito, remeta os autos aos Juízos de Família e Menores de Cascais, por serem os que têm jurisdição sobre o concelho de Cascais, (artigo 105.º nº 3 do Código de Processo Civil) (…)”.
6) Remetidos os autos em conformidade e distribuídos ao Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz 4, em 05-05-2025 aí foi proferido despacho onde se lê, nomeadamente, o seguinte: “(…) Importa, face à factualidade supra consignada, e face ao que dispõe o artigo 9º, nº 1 do RGPTC, conhecer da incompetência territorial deste Juízo de Família e Menores de Cascais: Estabelece o artigo 9º, n.º 1, do RGPTC que «Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado». Por seu turno, estipula o artigo 10º, n.º 1, do referido diploma legal que «A incompetência territorial pode ser deduzida até decisão final, devendo o tribunal conhecer dela oficiosamente». Ora, afigura-se nos que a residência da criança é, sem dúvida, a Rua …, nº …, …E, Vale do Forno, 2675- … Odivelas, sendo certo que, à data da propositura da acção já o era. Efetivamente, como refere António José Fialho em anotação ao artº 8º do RGPTC in Regime Geral dom Processo Tutelar Cível Anotado, “A residência é o lugar onde a criança reside habitualmente, ou seja, o local onde tem organizada a sua vida, com maior estabilidade, frequência, permanência e continuidade, onde desenvolve habitualmente a sua vida e se encontra radicada. Este conceito não coincide com o de domicílio legal do menor (o lugar de residência da sua família respectiva), ou com o domicílio do progenitor a quem foi confiado (…). Tal critério assenta no facto de ser o Tribunal da área onde a criança se encontra com maior frequência e estabilidade, aquele que dispõe de melhores condições para conhecer da realidade social e familiar em que se encontra inserido e tomar as providências adequadas.”. Por conseguinte, e curando da situação vertente, não se pode considerar residência da criança aquela que consta do seu Boletim de Saúde, uma vez que, naturalmente, a residência que aí consta é aquela que a criança tinha quando foi emitido tal Boletim, coincida, ou não, com a sua residência actual, e, de igual forma, não se pode atribuir qualquer relevância à morada que consta das bases de dados como sendo a da mãe da criança. A residência a considerar para efeitos do disposto no artº 9º, nº 1 do RGPTC é a residência efectiva da criança, devendo o processo de regulação das suas responsabilidades parentais correr no Tribunal da área dessa mesma residência, ou seja, no Juízo de Família e Menores de Loures. Importa, finalmente, dizer que a regra prevista no artigo 105º, nº 2 do Código de Processo Civil não impede que o Tribunal a quem foi atribuída a competência por outro Tribunal a possa por em causa, uma vez que, conforme se decidiu no conflito de competência 1561/18.3T8BRG-A.P1.S1, com a data de 26.02.2025, pela Exma. Sra. Juíza Conselheira, Dra. Graça Amaral, a sua resolução “(…) não pode radiar no recurso ao caso jugado formal”. Assim sendo, e nos termos dos artigos 9º, nº 1 e 10º, nº 1 do RGPTC e dos artigos 102.º, 104.º, n.º 3, 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea a), e 578.º, todos do Código de Processo Civil, por este Tribunal ser territorialmente incompetente – o que expressamente se declara –, julga-se verificada a excepção dilatória de incompetência relativa do Tribunal para os termos da acção por, para tanto, ser competente o Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Loures. Notifique. Após, transito, conclua para seja suscitado o competente conflito junto do Tribunal da Relação de Lisboa”.
7) Por despacho de 02-06-2025 foi suscitada a resolução do conflito.
8) O Ministério Público, que teve vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2, do CPC, pronunciou-se – por promoção de 12-06-2025 - concluindo ser de parecer “que competente para tramitar os autos de regulação as responsabilidades parentais será o Juízo 4 do Tribunal de Família e Menores de Cascais”.
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II. Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
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III. Mostra-se apurada, com pertinência para a resolução do conflito, a factualidade enunciada no ponto I., atento o que se documenta dos autos.
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IV. Entendem ambos os tribunais, não serem competentes em razão do território, para dirimir o presente processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
A Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro veio aprovar o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (abreviadamente RGPTC), estabelecendo o artigo 3.º desse regime que: “Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis: (…) c) A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes; (….)”.
Por seu turno, o artigo 9.º do RGPTC – sob a epígrafe “Competência territorial” – prescreve o seguinte: “1 - Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. 2 - Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais. 3 - Se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele que exercer as responsabilidades parentais. 4 - No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar. 5 - Se alguma das providências disser respeito a duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar. 6 - Se alguma das providências disser respeito a mais do que duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal da residência do maior número delas. 7 - Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido. 8 - Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa. 9 - Sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo”.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 10.º do RGPTC, a incompetência territorial pode ser deduzida até decisão final, devendo o tribunal conhecer dela oficiosamente.
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V. Conhecendo:
Os presentes autos de regulação das responsabilidades parentais, instaurados em 28-10-2024 foram distribuídos ao Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 3.
Na petição inicial, a autora indicou residir, com o seu filho, tendo ambos residência na morada que indicou, sita em Odivelas.
Nas declarações prestadas em 16-12-2024, a autora referiu ter morado em Alcabideche, Cascais, mas que, deixou de aí morar desde que o seu filho nasceu, “referindo posteriormente que apenas foi morar para a residência da mãe em Outubro deste ano, não tendo formalizado a alteração de morada”.
O Juízo de Família e Menores de Loures, entendendo que, na data da propositura da ação, a residência do menor correspondia a Alcabideche, Cascais, declarou a sua incompetência e considerou competente para conhecer do presente processo, o Juízo de Família e Menores de Cascais, remetendo os autos em conformidade.
Por seu turno, o Juízo de Família e Menores de Loures exarou, nomeadamente, que: “(…) afigura-se nos que a residência da criança é, sem dúvida, a Rua …, nº …, …, Vale do Forno, 2675- … Odivelas, sendo certo que, à data da propositura da acção já o era. (…) Tal critério assenta no facto de ser o Tribunal da área onde a criança se encontra com maior frequência e estabilidade, aquele que dispõe de melhores condições para conhecer da realidade social e familiar em que se encontra inserido e tomar as providências adequadas.”. Por conseguinte, e curando da situação vertente, não se pode considerar residência da criança aquela que consta do seu Boletim de Saúde, uma vez que, naturalmente, a residência que aí consta é aquela que a criança tinha quando foi emitido tal Boletim, coincida, ou não, com a sua residência actual, e, de igual forma, não se pode atribuir qualquer relevância à morada que consta das bases de dados como sendo a da mãe da criança (…)”.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 85.º do Código Civil, o menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.
Por seu turno, nos termos constantes do n.º 1 do artigo 9.º do RGPTC., para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
E prescreve o n.º 4 deste preceito que: No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
O “local da residência do menor é aquele onde o mesmo se encontra com maior permanência e continuidade, que não o lugar em que no concreto momento ocasionalmente se encontre” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-2002, Pº 02A1181, rel. LOPES PINTO).
Ou seja, conforme salienta Tomé D’Almeida Ramião (Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 4.ª ed., Quid Juris, 2020, p. 45), por residência “deve entender-se o lugar onde a criança reside habitualmente, isto é, o local onde se encontra organizada a sua vida, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, onde está radicado. Este conceito não coincide com o de domicílio legal do menor (o lugar de residência da sua família respetiva), ou com o domicílio do progenitor a quem foi confiado ou que sobre ele exerça as responsabilidades parentais e referido no art.º 85.º do C. Civ. Tal critério assenta no facto de ser o tribunal da área onde a criança se encontra com maior frequência e estabilidade, aquele que dispõe de melhores condições para conhecer da realidade familiar e social em que se encontra inserido e tomar as providências adequadas”.
Ora, a presente ação foi instaurada no Juízo de Família e Menores de Loures, o que corresponde, de acordo com as declarações da progenitora, à morada em que, a mesma e a criança, tinham à data da instauração da ação, ou seja, onde tinham fixado residência, sendo irrelevante, para concluir diversamente, a circunstância de a criança ter outra morada – em Alcabideche, Cascais – para efeito de frequência de consultas médicas.
Assim, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo, deverá considerar-se como competente para a presente ação o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 3.
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VI. Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito, declarando competente para a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 3.
Sem custas.
Notifique-se (cfr. artigo 113.°, n.° 3, do CPC).
Baixem os autos.