TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Sumário

Sumário (da responsabilidade da CIJ):
O facto de as “doses” vendidas serem, quando isoladamente consideradas, pequenas, o certo é que a habitualidade do comportamento do arguido indicia uma forte energia criminosa e uma clara indiferença perante os valores da vida em sociedade, assim se justificando a integração da sua conduta no art. 21º do D.L. nº 15/93, de 22/01.

Texto Integral

Acordam os Juízes que constituem a Conferência nesta 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
O arguido AA veio recorrer do acórdão proferido pelo Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgado – Juiz 1, que o condenou pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela II-A, na pena de 6 anos de prisão.
O arguido apresentou motivação, formulando as seguintes conclusões:
1. Sempre com o devido respeito, que é muito, errou o Douto Acórdão recorrido ao ter condenado o arguido, ora recorrente, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de trafico de estupefacientes, p. e p. nos termos do artigo 21.° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à tabela anexa II-A, na pena de 6 (seis) anos de prisão, bem como no restante dispositivo em conformidade.
2. Conforme consta da prova pericial valorada pelo Venerando Tribunal a quo para a sua decisão (C.2.2. - prova pericial, pp. 7 do Douto Acórdão), considerou-se o "relatório pericial: relatório n.-9. 2023041123 - BTX do Laboratório de Polícia Científica, de fls. 108, em relação ao qual foram solicitados esclarecimentos que foram devidamente prestados e constam de ref. 6152546, de 17.02.2025", do qual consta que o material submetido a exame correspondia à substância ALFA-PHiP [com designação IUPAC* 4-metil-1-feniI-2-(pirrolidin-1-il)pentan-1-ona)] e não, como por vezes erradamente enunciado, à substância conhecida como ALFA-PHP [com designação IUPAC 1-feniI-2-(pirrolidin-1-il)hexan-1-ona)].
3. Os factos pelos quais o arguido/recorrente foi acusado/condenado, enquadram-se temporalmente entre meados de 2021 e fevereiro de 2023, ou seja, em altura em que a substância apreendida não constava do elenco de drogas previstas na Lei da Droga.
4. Com efeito, a substância ALFA-PiHP apenas foi incluída na tabela II-A da Lei da Droga, por força da alteração deste diploma operada pela Lei n.° 23/2025, de 07.03, e com entrada em vigor a 08 de março.
5. Para a Lei da Droga, apenas as substâncias que se encontram previstas nas 6 tabelas anexas ao diploma é que poderão, em cada momento, ser consideradas para enquadramento na ilicitude do crime de tráfico de estupefacientes, seja na tipificação do artigo 21.° ou na do artigo 25.° da Lei da Droga.
6. O Código Penal dispõe no n.º 1 do artigo 1.º que "Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática", salvaguardando o Princípio da Legalidade, com inscrição constitucional no artigo 29.º/1 da CRP.
7. Releva-se, a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-2008 (Processo 07P1008), segundo o qual o Princípio da Legalidade significa, no essencial, "...que «não pode haver crime nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (nullum crimen, nulla poena sine lege)» (cf. Jorge de Figueiredo Dias, "Direito Penal — Parte Geral", Tomo 1, "Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime", 2004, pág. 165).".
Em consequência,
8. não constando, à data dos factos, a substância "ALFA - PHiP" da tabela II-A, anexa à Lei da Droga, e por referência aos artigos 21.º e/ou 25.º da mesma lei, deverá o Recorrente ser absolvido do crime pelo qual foi condenado.
Sem conceder,
9. por outro lado, errou o Venerando Tribunal a quo ao subsumir os factos no artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.2 15/93, de 22 de Janeiro, uma vez que essa factualidade aponta, antes, para a prática, pelo Recorrente, de 1 (um) crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
10. O Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 23-11-2011 (processo n.º 127/09.3PEFUN.S1), desenvolveu diversos critérios cujo preenchimento tendencialmente (mas não obrigatoriamente) cumulativo, devem conduzir à aplicação do artigo 25.º, em detrimento do artigo 21.º, da Lei da Droga, cfr. supra descriminado a pp. 5 a 7, dando-se aqui por integralmente reproduzidos, os quais se considera estarem verificados no caso sub iudice.
Com efeito,
11. os proventos não são significativos. A quantia em dinheiro apreendida, num total de 495 € — cfr item 10 dos factos provados —, e mesmo a quantia de 3.130,00 €, correspondente às vantagens determinadas e provadas que o Recorrente auferiu com o negócio ilícito, não podem ser consideradas avultadas, ou um valor elevado, como vem definido na al. a) do artigo 202.º do Código Penal, que estabelece como valor elevado 50 unidades de conta, o que corresponde a 5.100,00 €;
12. as quantidades apreendidas são, ainda assim, reduzidas. Foram apreendidos 22 pacotes de substância correspondente a "ALFA-PHiP", com um peso líquido de 1.013 gramas, cfr. ponto 10 dos fatos provados, quantidade, ainda assim, pouco expressiva;
13. o preço das transações variava entre 5 € e 10 € (cfr. itens 2 a 9 dos factos provados), valor reduzido e não compatível com uma situação de tráfico organizado, bem como não correspondente a uma situação de quem, com esses valores, faça da traficância o seu modo de vida;
14. estamos nitidamente perante um típico quadro de vendas "a retalho", sem qualquer mínimo grau de sofisticação e/ou uso de intermediários;
15. Não são conhecidos quaisquer sinais exteriores de riqueza ao Recorrente, antes pelo contrário, as suas condições de vida são modestas, vivendo em casa arrendada e tendo como meio de subsistência uma pensão de invalidez do Recorrente num montante de cerca de 440 € mensais , e um rendimento social de inserção da companheira num montante de cerca de 600 € mensais (cfr. itens 18 a 32 dos factos provados), acrescendo que dos depoimentos das testemunhas não resultou evidência de sinais exteriores/ostentação de riqueza, antes pelo contrário,
16. concluindo tudo com a envergadura da diminuta ilicitude do facto.
17. Assim, salvo o devido respeito por diferente interpretação, estamos convencidos que a forma de atuação do Recorrente é enquadrável nos critérios tendencialmente cumulativos acima citados, ou seja, no pequeno tráfico, e completamente distinta da do grande e médio tráfico, razão pela qual a atuação do Recorrente deveria ter sido enquadrada no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e
18. consequentemente, a pena a aplicar ao Recorrente deverá ser inferior a 5 (cinco) anos de prisão, e mais próximo da primeira metade da moldura penal, ou seja, 2 anos e 5 meses, atento a moldura da pena aplicável e prevista no artigo 25.º, alínea a), do referido diploma.
Sem conceder, nem prescindir,
19. mantendo-se a qualificação dos factos praticados pelo Recorrente rio crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o que se admite por obrigação de patrocínio, parece-nos que a pena aplicada de 6 (seis) anos de prisão é, deveras, exagerada e desproporcional, tendo em consideração os factos dados como provados, bem como os fatores sociais e pessoais do Recorrente.
20. Entendemos, salvo melhor opinião, que se situando a sua conduta numa atuação mais próxima do tráfico de menor gravidade do que na do tráfico comum, a pena a aplicar sempre deveria ser mais próxima do mínimo legal, que se situa nos 4 (quatro) anos, a qual, ainda assim, garantiria de forma cabal e suficiente as finalidades das penas, seja no seu âmbito de prevenção geral como no de prevenção especial.
Para o efeito, releva-se que
21. à data dos factos o Recorrente não contava com nenhuma condenação, sendo que apenas após foi condenado por crime de natureza diversa, nomeadamente por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º do CP, praticado em 07.07.2024, numa pena de multa de 70 dias, extinta pelo pagamento, e na pena acessória de 3 meses e 15 dias de proibição de conduzir veículos a motor, extinta, também, pelo cumprimento.
22. Ora, não é de somenos a postura do Recorrente em, voluntariamente, pagar a pena de multa a que foi condenado, bem como cumprir com a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, porquanto denota uma postura de interiorização da sua conduta e colaboração com a justiça e Estado de Direito, da sua ilicitude e de aceitação das penas a que foi condenado e cumpriu(!), relevando para efeitos das finalidades das penas (prevenção geral e especial) no âmbito do caso sub iudice.
23. No que às finalidades das penas e à medida da pena diz respeito, releva-se o Acórdão do STJ de 18-06-2020 (processo n.º 243/19.3JELSB.L1.S1), no âmbito do qual se reitera e afirma que "...a determinação da pena é realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, devendo em cada caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes da lesão causada, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os factores de determinação da pena elencados no n.° 2, do art. 71.º, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração)./Por seu turno, o artigo 40.º, n.° 1 estabelece que a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado.".
24. o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública e onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes, o que se reconhece. No entanto, há também que atender às necessidades de prevenção especial, há que ter em conta a idade do arguido (no caso em apreço, 56 anos de idade), a sua integração familiar (reside com a sua companheira e os quatro filhos menores desta, tendo ainda 3 filhos, já adultos, de uma anterior relação marital, com os quais mantém relação e o apoiam), e a ausência de antecedentes criminais (como já exposto), que se traduzem, então, em uma baixa/mediana necessidade de prevenção especial.
25. Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal a quo, deu prevalência a critérios de prevenção geral, os quais, se reforça e reconhece, são efetivamente elevados, desconsiderando, ou relevando pouco, no entanto, a culpa concreta do Recorrente e o seu baixo grau de inserção na atividade criminosa, violando, assim, o artigo 40.° do Código Penal.
26. Discorda-se - sempre com o devido respeito - da decidida ilicitude mediana, a qual se considera ser diminuta, cfr. supra exposto em II.
27. Os diferentes fatores de determinação da pena pelo Tribunal a quo, deveriam ter determinado que este graduasse a pena concreta mais próximo do limite mínimo da moldura abstrata (4 anos), uma vez que uma pena concreta de 6 (seis) anos é contraproducente e incongruente com a desejada ressocialização e reintegração familiar, social e profissional do arguido.
28. Condenar o arguido, pela sua conduta ilícita, a uma pena exagerada e desproporcional, é condená-lo a vivenciar num meio no qual nunca esteve, correndo-se o risco de, assim, condená-lo também, e inevitavelmente, a uma nova vivência criminal!
Finalmente,
29. seja, por força da desqualificação do tipo legal de crime, ou por força da reapreciação dos pressupostos da medida da pena no tipo legal de crime no qual o Recorrente foi condenado, a pena prisão a aplicar nunca deveria ser superior a 5 (cinco) anos, sendo que, neste caso, encontram-se preenchidos os pressupostos do artigo 50.° do C.P. para que a pena de prisão possa ser suspensa na sua execução.
30. Impõe-se, assim, averiguar se o tribunal pode prognosticar que a pena de substituição é a adequada e a suficiente para prevenir a prática de crimes futuros.
31. Há que verificar se o tribunal, apoiado nos factos, nas circunstâncias do seu cometimento, na personalidade do agente, neles revelada, nas suas condições de vida, na sua história criminal, na postura perante os crimes cometidos e o resultado
destes e ainda no comportamento adotado posteriormente, possa prever, fundamentadamente, que a condenação e a ameaça de execução da prisão efetiva, são suficientes para que o arguido adegue a sua conduta de modo a respeitar o direito,
32. e, no caso concreto, entendemos que sim!
33. Dos autos, e do relatório da DGRSP, resultou que o Recorrente é oriundo de um agregado familiar com algumas dificuldades financeiras, composto pelo arguido, a sua companheira e os 4 filhos desta, mas havendo referências positivas à coesão e entreajuda entre os dois adultos.
34. Desde muito cedo (com cerca de 8 anos de idade), o seu progenitor interrompeu o percurso escolar do arguido, com o pretexto de apoio laborai deste na venda ambulante, atividade a que desde o arguido também se dedicou - sem prejuízo de ter sido complementada com exploração de dois cafés durante alguns anos.
35. Sofreu há cerca de 20 anos um acidente de viação, com impacto de sequelas físicas e psicológicas, com diagnóstico de epilepsia, o que se repercutiu na capacidade para o trabalho e na situação económica do agregado familiar, o qual, no entanto, subsiste com uma pensão de invalidez de 312,84 € do arguido e um rendimento social de inserção de 710,97 € da companheira, fazendo face a despesas de valor inferior a metade do rendimento mensal do agregado familiar.
36. Tem ainda, de uma anterior relação marital, 3 filhos já adultos, com os quais mantém relação e o apoiam.
37. As exigências de prevenção especial mostram-se, assim, atenuadas.
38. No que se reporta às exigências de prevenção geral, que consabidamente são elevadas, a condenação numa pena de prisão de até 5 anos, ainda que suspensa por igual período, para um indivíduo que não tem antecedentes criminais e não é visto, socialmente, como um criminoso, mostra-se suficiente para salvaguardar as expectativas da comunidade na validade da norma, servindo como uma solene advertência/punição do Recorrente pelo desvalor dos atos praticados.
39. Como tal, a suspensão da execução da pena de prisão permitiria ao Recorrente manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores de Direito como fatores de inclusão.
40. Tendo presente as circunstâncias pessoais do Recorrente, bem espelhadas nos autos, estamos convencidos, sempre com a devida vénia, que a única pena que efetivamente serviria a finalidade última das penas, a da reintegração do agente na sociedade, cfr. artigo 40.º do Código Penal, e sem beliscar a finalidade de prevenção geral nesta tipologia de crime, passaria pela aplicação ao Recorrente de uma pena de prisão numa moldura penal não superior a 5 anos, e suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regras de conduta e/ou rigoroso regime de prova a definir pela DGRSP, sustentada num juízo de prognose favorável da sua reorientação, permitindo-lhe, assim, ser dada uma última e derradeira oportunidade de vida, a qual, certamente, o Recorrente aproveitará da melhor forma e a qual poderá a todo o tempo ser revertível.
41. Nesta confluência, pela errada aplicação e interpretação que deles faz, o Douto Acórdão recorrido viola os artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º do Código Penal; artigos 18.º, 29.º e 204.º da CRP; artigo 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; e ainda artigos 21.º e 25.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ter provimento e, em consequência:
a) Ser revogado o Douto Acórdão recorrido, sendo substituído por decisão que absolva o Recorrente do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela II-A, bem como do restante dispositivo decidido em conformidade
Quando doutamente assim não se entenda:
b) Ser revogado o douto Acórdão recorrido, sendo substituído por decisão que condene o Recorrente pela prática de 1 (um) crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em pena inferior a 5 anos de prisão, e mais próximo da primeira metade da moldura penal, ou seja, 2 anos e 5 meses, atento a moldura da pena aplicável e prevista no artigo 25.º, alínea a), suspensa na sua execução e subordinada a regras de conduta e/ou rigoroso regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 50.º, 52.º e 53.º do Código Penal;
c) Caso ainda assim não se entenda, o que apenas se admite por dever de patrocínio, seja revogado o Douto Acórdão recorrido, sendo substituído por decisão que condene o Recorrente pela prática de 1 (um) crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, numa pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução e subordinada a regras de conduta e/ou rigoroso regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 50.º, 52.° e 53.º do Código Penal.
O Ministério Público apresentou a resposta, formulando as seguintes conclusões:
1. Ao contrário do que a recorrente alega a substância apreendida constava do elenco de drogas previstas na Lei da Droga, pelo que o Tribunal recorrido não violou o princípio da legalidade. Em concreto,
2. Como bem refere o acórdão recorrido com vista a afastar a dúvidas constantes na no relatório n.º 2023041123 – BTX do Laboratório de Polícia Científica, de fls. 108, solicitou esclarecimentos ao referido laboratório que foram devidamente prestadas e constam de ref. 6152546, de 17.02.2025, na qual se lê o seguinte:
“1. A substância Alfa-PHP, é uma catinona sintética, com a designação IUPAC* 1-fenil-2-(pirrolidin- 1-il)hexan-1-ona, com a fórmula molecar C16H23NO e está nominalmente incluída na Tabela II-A anexa ao Decreto Lei nº 15/93 de 22/01
2. No material recebido no nosso exame 2502304123-BTX foi detetada e identificada a substância ativa Alfa-PHiP
3. Esta substância é uma catinona sintética, com a designação IUPAC * 4-mel-1-fenil-2-(pirrolidin- 1-il)pentan-1-ona e sua fórmula molecular é também C16H23NO
4. Deste modo, por definição química, as duas substâncias são isómeros
5. Assim, independentemente da substância Alfa-PHiP vir a ser aditada em nome próprio às Tabelas no DL 15/93 , o seu enquadramento já pode ser feito na Talela II-A do mesmo diploma por ser isómero da Alfa-PHP. “
Pelo que não restam dúvidas que o recorrente praticou um crime de tráfico estupefaciente.
3. Quanto à matéria dada como provada, ao contrário do que o recorrente alega, resulta do exame critico da prova analisada em sede de audiência de julgamento pelo Tribunal a quo, e não deixa qualquer dúvida que a recorrente praticou o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de janeiro.
4. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão.
5. E por esse motivo, não padece de falta de fundamentação ou de erro de julgamento.
6. É ainda de referir, ao contrário do que o recorrente alega quanto faz comparação jurisprudencial com casos ocorridos no continente português, que pugna como semelhantes aos dos autos, acontece, porém que estamos perante uma realidade completamente diferente da que existe do continente, pois nas ilhas açorianas a matéria dada como provada que resulta do exame critico da prova analisada em sede de audiência de julgamento pelo Tribunal a quo, e não deixa qualquer dúvida que a recorrente praticou o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 15/23 de 22 de janeiro, pelo que deve improceder a pretensão do recorrente, como o supra referido.
7. Acresce, ao contrário do que o recorrente alega, da avaliação global da atividade da arguida não poderá justificar uma diminuição da ilicitude da sua conduta, atendendo à frequência e à persistência no prosseguimento do tráfico à proximidade que tinha com os consumidores, ao tipo de estupefacientes comercializados e à sua danosidade para a saúde (já que se tratava de uma droga dura), à quantidade do estupefaciente comercializado que não poderá ser considerada diminuta, ao período de tempo em que desenvolveu esta atividade, e ao facto de não lhe ser conhecida qualquer outro meio de subsistência, o seus antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de crime, tendo colocado em perigo, ainda que num grau médio, os bens jurídicos protegidos pela sua incriminação. Bem como facilmente se conclui que dos factos expostos, constata-se que as condenações anteriores não serviram de suficiente advertência contra o crime.
8. Por fim último está em causa a venda de - Apha PHP - de forte potencial aditivo, e grave perigosidade para a saúde dos consumidores, e para a saúde pública, o bem jurídico tutelado, o que à partida tende a deixar a ilicitude da ação acima dos patamares mínimos. O arguida vinha procedendo, pelo menos desde o início de 2021 até fevereiro de 2023, diariamente, à venda de Apha PHP a número indeterminado de indivíduos consumidores que o contactavam para tal, telefónica ou diretamente - e não apenas aos consumidores relativamente aos quais se apurou ter feito, diariamente, e de cada vez, venda de 3 a 5 pacotes.
9. As vendas aqui em causa se situam num quadro de atividade única de obtenção de meios de vida, não podem encarar-se os factos cometidos pelo arguido numa perspetiva redutora, de pequenas vendas de menor ilicitude.
10. A venda diária e regular, ainda que de doses individuais, de Apha PHP (droga dura) a consumidores, assumida como atividade constante a que a arguida se dedica, ainda que distante das grandes transações, não é, exatamente pela constância da introdução do estupefaciente no tecido social, conduta de menor ilicitude.
11. Não pode assim reputar-se a conduta em causa nos autos como de ilicitude consideravelmente diminuída, como exige o preceito, não podendo enquadrar-se no tipo privilegiado.
12. Ora a droga vendida pelo recorrente- Apha PHP é uma droga psicoativa, assim como as drogas estimulantes, criam adição e, por isso, são especialmente daninhas para a saúde dos consumidores e, reflexamente, para a saúde pública.
13. A Apha PHP é uma droga associada a graves problemas sociais e de saúde. Sendo que o consumidor tal substância acaba desligado da realidade social, com problemas familiares e profissionais e muitas vezes envereda pela criminalidade.
14. A Apha PHP constitui o eixo, em valor (não assim em quantidade), do narcotráfico nacional e internacional.
15. Ora no caso concreto:
- O recorrente traficava Apha PHP;
- O recorrente traficava como profissão, pois não se apurou que estivesse empregado ou tenha exercido qualquer atividade profissional lícita, com caráter permanente e remunerado, para além da reforma por invalidez num total 440 euros;
- vendeu a número indeterminado de consumidores, não apenas os que foram identificados e inquiridos como testemunhas na audiência de julgamento;
16. Assim, ao contrário do que defende o recorrente não se poderá admitir-se que apenas praticou um tráfico rudimentar e de muito baixa escala para ser enquadro no crime de trafico de menor gravidade.
17. Bem andou o Tribunal recorrido em não considerar que o tráfico exercido pelo recorrente contém, sem dúvida, circunstancias que não permitam subsumi-lo à previsão do art.° 25° al. a) do Decreto Lei n.° 15/93 de 22.01, mas sim crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de janeiro.
18. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial.
19. Este tipo de crime causa gravíssimos problemas de saúde pública e sociais em geral. Estamos perante um facto típico que tutela o bem jurídico - saúde pública, cujo grau de ilicitude se situa num grau elevado (basta considerar a destruição de famílias devido ao consumo de drogas).
20. Assim, tendo em atenção os padrões jurisprudenciais utilizados pelo Supremo Tribunal em matéria de correios de droga, atendendo ao limite definido pela culpa intensa do arguido, ao elevado grau de ilicitude da sua conduta, e às fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir, sendo elevadas também as exigências de prevenção especial, não nos merece censura a pena de 8 anos de prisão fixada pelo Tribunal recorrido, pena que se considera justa e adequada ao crime praticado.
21. O recurso não merece, pois, provimento.
22. Tendo em consideração a pena fixada e o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, fica prejudicada a questão da suspensão da execução da pena. Por outro lado, porque estamos perante um quadro do tráfico de estupefacientes, atendendo ao bem jurídico em presença, ao modo como ele é atingido pela conduta ilícita e, essencialmente, o alarme social causado por tal ilícito, as razões de prevenção geral, em regra, desaconselham a suspensão da execução da pena de prisão (em sentido similar, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2012, Coletânea de Jurisprudência, III 194).
23. Contudo sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
24. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pela recorrente.
O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, emitiu parecer em 25/06/2025, corroborando a posição expressa em primeira instância.
Os autos foram a vistos e à conferência.
Do âmbito do recurso e da decisão recorrida:
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo Recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem, apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º n.º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º nº 1 e 412º nºs 1 e 2, ambos do CPP.
Em face da motivação, são as seguintes as questões a considerar:
- Ocorre errado enquadramento jurídico-penal dos factos provados?
- Ocorre erro na determinação da medida da pena?
- Estão preenchidos os pressupostos para suspensão da execução da pena aos arguidos?
A decisão condenatória sob recurso fixou os factos, nos seguintes termos (transcrição parcial):
III – Fundamentação de Facto:
Ao nível da fixação da matéria de facto provada e não provada o tribunal não se pronunciou sobre afirmações contidas na(s) acusação(ões) pública(s) e/ou contestação(ões), que constituam afirmações genéricas e conclusivas e/ou juízos de direito, repetições e que não podem ser objecto de uma pronúncia, em termos de serem considerados "provados" ou "não provados".
A. Matéria de Facto Provada:
Assim, da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa:
Da acusação pública:
1. O arguido decidiu, a partir de meados de 2021, proceder à venda de pacotes de “Alfa – PHiP”, vulgo droga sintética, designadamente perto da sua residência, sita na Rua 1, Ponta Delgada.
2. Assim, ao consumidor de produto estupefaciente BB o arguido vendeu pacotes de droga sintética por 15 a 10 vezes, por 10 euros cada pacote; o que tinha lugar por costume perto do Largo …, nos Fenais da Luz; este consumidor viu diversos toxicodependentes a dirigirem-se a casa do arguido para lhe comprarem produtos estupefacientes.
3. Ao consumidor de produto estupefaciente CC o arguido vendeu pelo menos um pacote de droga sintética, por 10 euros, a Fevereiro de 2022, o que teve lugar junto da casa do arguido.
4. Ao consumidor de produto estupefaciente DD o arguido vendeu, por 3 vezes, pacotes de droga sintética, por 5 euros cada, em Junho e Julho de 2022, o que teve lugar junto da casa do arguido.
5. Ao consumidor de produto estupefaciente EE o arguido vendeu panfletos de droga sintética, entre meados de 2021 a 29 de Dezembro de 2022, o que tinha lugar 2 a 3 vezes por semana, nos Fenais da Luz, ou junto da casa do arguido, perto do largo … dos Fenais da Luz; sendo os pacotes vendidos a 5 ou 10 euros cada.
6. No dia 29 de Dezembro de 2022 o consumidor EE comprou ao arguido quatro pacotes de droga sintética, por 40 euros.
7. Ao consumidor de produto estupefaciente FF o arguido começou a vender pacotes de “Alfa – PHP” no início de 2022 até Fevereiro de 2023, pelo menos 3 vezes por semana, entre 3 a 5 pacotes de 5 euros cada de cada vez; as vendas do arguido eram feitas perto do largo … dos Fenais da Luz.
8. A Fevereiro de 2023 o consumidor ficou a dever 300 euros ao arguido, de pacotes de droga sintética “fiados”, pelo que o arguido foi pedir o dinheiro à mãe deste consumidor; FF voltou a adquirir droga sintética ao arguido durante um mês, da mesma forma.
9. Ao consumidor de produto estupefaciente GG o arguido, à porta da sua residência, a Janeiro de 2023, vendeu um pacote de droga sintética, por 5 euros.
10. Efectuada busca na casa do arguido, sita na Rua 1, a 23 de Fevereiro de 2023, pelas 08:40 horas, ali foi apreendido 215 euros, numa carteira que se encontrava na sala de estar, e 280 euros na carteira que estava na posse do arguido, provenientes do negócio de tráfico, e 22 pacotes de “Alfa – PHP”, com o peso de 1.013 grama, que o arguido escondera na mesa de cabeceira do seu quarto e se destinavam à venda a consumidores de produtos estupefacientes.
11. O arguido conhecia as características e a composição da substância atrás referida, nomeadamente as suas qualidades estupefacientes, substância que detinha e vendia sem autorização; agiu de forma deliberada, livre e consciente, conhecendo o carácter reprovável das suas condutas e que a posse e venda do produto estupefaciente era proibida por lei penal.
Da perda de vantagens a favor do Estado:
12. Com a venda de “Alfa – PHiP” a CC, o arguido obteve um incremento patrimonial de 10 euros.
13. Com a venda de “Alfa – PHiP” a DD, o arguido obteve um incremento patrimonial de 15 euros (3x5€=15€).
14. Com a venda de “Alfa – PHiP” a EE, o arguido obteve um incremento patrimonial de 760 euros (18x8=144x5€+40€ =760€).
15. Com a venda de “Alfa – PHiP” a FF, o arguido obteve um incremento patrimonial de 2340 euros (13x12=156x15€= 2340€).
16. Com a venda de “Alfa – PHiP” a GG, o arguido obteve um incremento patrimonial de 5 euros.
Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica do arguido:
17. Por sentença proferida em 08.007.2024, transitada em julgado em 23.09.2024, no âmbito do processo n.º 250/24.4PCPDL, que correu termos em Ponta Delgada, o arguido foi condenado, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal praticado em 07.07.2024, na pena de 70 dias de multa, extinta pelo pagamento, e na pena acessória de 3 meses e 15 dias de proibição de conduzir veículos a motor, extinta pelo cumprimento.
Mais se provou que:
18. À data dos factos, o arguido residia com a companheira e os 4 filhos desta, de anterior relação conjugal, numa habitação arrendada.
19. A relação entre o casal decorre há cerca de cinco/seis anos, após a ruptura de uma relação conjugal prévia, por parte do arguido, com referências positivas à coesão e entreajuda entre os dois adultos.
20. O arguido pondera a curto prazo, integrar por algum tempo o agregado familiar dum descendente, que reside na Ilha Graciosa, face à iminência do termo do contrato de arrendamento e à inexistência de alternativas de alojamento.
21. À data dos factos o arguido dependia duma reforma por invalidez, num total de 440€ mensais.
22. A companheira era beneficiária de rendimento social de inserção, no valor de cerca de 600€ mensais.
23. As despesas mensais são as referentes à renda de casa e fornecimentos de água, luz, gás e tv cabo, num total mensal de cerca de 450€.
24. AA apresenta dificuldades económicas, quer decorrentes do baixo montante da pensão, quer do facto de ter diversas dívidas, por falta de pagamento de empréstimos bancários e outros encargos, encontrando-se a pagar uma das dívidas, com uma prestação mensal de 52€.
25. O arguido nasceu num contexto familiar com condições de vida muito precárias, numa fratria de 12 elementos, dependendo a família do rendimento do progenitor, como vendedor ambulante de peixe.
26. AA frequentou a escola na idade regular, contudo sem adquirir significativos conhecimentos, não sabendo ler nem escrever, tendo o progenitor interrompido esse percurso quando o arguido tinha cerca de 8 anos de idade, a pretexto do apoio laboral deste, na venda ambulante.
27. O arguido sempre trabalhou por conta própria, quer na venda ambulante, quer completando essa actividade, com a exploração de dois cafés, o que lhe garantiu durante alguns anos, uma situação muito satisfatória em termos económicos.
28. Há cerca de 20 anos, sofreu um acidente de viação, com impacto em termos de sequelas físicas e psicológicas, tendo-lhe entretanto sido diagnosticada epilepsia, o que se repercutiu na capacidade para o trabalho e na situação económica do agregado familiar, com dificuldade em cumprir compromissos bancários.
29. Em termos afectivos, o arguido iniciou uma relação marital com cerca de 22 anos de idade, contexto em que tem 3 filhos, presentemente já adultos.
30. Na sequência da deterioração da situação económica derivada do acidente de viação, a relação marital entrou em ruptura, acabando o casal por se separar.
31. Inicialmente os filhos ficaram aos cuidados do arguido, mas integraram posteriormente o agregado da progenitora.
32. O arguido apresenta, em alguns períodos, consumo abusivo de bebidas alcoólicas.
B. Matéria de Facto Não provada:
Não se provaram quaisquer outros factos que não aqueles que acima foram referidos, nomeadamente que:
Da acusação pública:
a. As vendas de estupefaciente mencionadas em 3 e 4 ocorreram perto do adro … dos Fenais da Luz e no largo … dos Fenais da Luz.
b. As vendas de estupefaciente mencionadas em 5 ocorreram junto da “Pastelaria …”, ou junto do Café …..
Da perda de vantagens a favor do Estado:
c. Com a venda de “Alfa – PHiP” a DD, o arguido obteve um incremento patrimonial superior ao referido em 13.
d. Com a venda de “Alfa – PHiP” a EE, o arguido obteve apenas um incremento patrimonial de 115 euros.
e. Com a venda de “Alfa – PHiP” a FF, o arguido obteve um incremento patrimonial superior ao referido em 15.
C. Motivação da Decisão de Facto:
C.1. Considerações Gerais:
Em sede de valoração da prova, a regra fundamental é a constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”.
Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas.
A livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há-de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção.
C.2. Elenco das Provas Valoradas:
Atendeu-se à seguinte prova:
C.2.1. - Prova por declarações do arguido:
O arguido AA prestou declarações em audiência de discussão e julgamento.
C.2.2. – Prova pericial:
Valorarou-se o seguinte relatório pericial: relatório n.º 2023041123 – BTX do Laboratório de Polícia Científica, de fls. 108, em relação ao qual foram solicitados esclarecimentos que foram devidamente prestados e constam de ref. 6152546, de 17.02.2025.
C.2.3. – Prova por depoimento testemunhal:
Atendeu-se ao depoimento das seguintes testemunhas da acusação: HH (dono de um café na freguesia de Fenais da Luz e conhecido do arguido); BB, CC, DD, EE, GG e FF (todos consumidores de estupefacientes); II (mãe da testemunha FF) e JJ (agente da P.S.P.).
C.2.4 – Prova por documentos:
No caso concreto, analisaram-se os seguintes documentos: auto de busca e apreensão na residência do arguido de fls. 56 e 57; auto de revista e apreensão de fls. 59; auto de pesagem e despistagem de fls. 60; fotografia dos pacotes de “Alpha – PHP” de fls. 61 e 62; informação da Segurança Social quanto ao arguido de fls. 88; remessa do produto estupefaciente para o LPC de fls. 107v.; relatório social para determinação da sanção de fls. 193 a 195, e certificado de registo criminal de fls. 235 a 237 dos autos e ainda quatro documentos juntos pelo arguido em audiência de julgamento e que constam a ref. 58856232, de 11.02.2025 (comprovativo de pensão de invalidez no valor de 312.84€, comprovativo de RSI da companheira KK no valor de 710,97€, comprovativo de conta no banco … titulada pela companheira e comprovativo de levantamento bancário no dia anterior às buscas no valor de 760€.)
Vejamos então:
Quanto ao enquadramento jurídico factual dos factos dados por provados, dúvidas não se colocam sobre a natureza ilícita das substâncias transacionadas, cuja explanação se encontra bastamente efectuada pelo Tribunal a quo, bem como, do conhecimento que o arguido tinha das suas caraterísticas e das consequências que provocam nos consumidores.
Bem andou o Tribunal a quo em reconhecer que, perante as características destas drogas sintéticas, a quantidade de pessoas a quem foram facultadas, num quadro temporal relativamente definido, tal actividade se enquadra nos elementos objectivos e subjectivos do artigo 21º do DL 15/93, de 22/01.
Este Tribunal de Recurso segue, neste particular a jurisprudência propugnada pelo acórdão proferido a 11/07/2024, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Processo 501/23.2PCRGR-C.L1-5, em que foi Relatora a Desembargadora Sara Reis Marques:
“I- A atividade regular, quase diária, de venda de heroína e cocaína sintética (alfa PHP) ao consumidor final, feita a porta de casa, durante meses, é uma situação de facto correspondente a uma “normal” atividade típica de tráfico, nas suas ramificações finais de distribuição e abastecimento para satisfação da procura de consumidores habituais, o que requer, evidentemente, meios, planeamento e organização adequados.
II- A cocaína Alfa – PHP é uma droga sintética, do grupo da catinona (consultável em https://www.unodc.org/LSS/Substance/Details/dad53ec7-df79-4139-be57680308db28), incluída na tabela II-A anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. As drogas sintéticas, cuja produção é de baixo custo, fácil e rápida, são especialmente aditivas, transformaram radicalmente muitos mercados de drogas ilícitas e são socialmente muito danosas.
III- Ainda que a atividade desenvolvida se possa inserir no chamado tráfico de rua, apresenta uma organização e repetição que não se pode considerar como suscetível de apontar para uma acentuada diminuição de ilicitude com potencialidade para integrar o artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93
IV- Tratando-se de uma atividade praticada em co-autoria, considerando que os arguidos vivem na mesma casa, que a venda se realizava à porta de casa e que nenhum é consumidor de estupefacientes.
V- A venda de heroina e cocaína sintética é geradora de muita criminalidade secundária, nomeadamente roubos e furtos, o que contribui para a insegurança das populações. Em casos como o presente, em que as vendas se fizeram na rua, à porta de casa, o tráfico de estupefacientes, gera-se um particular sentimento de insegurança, de desconforto e de inquietação nas pessoas que a ele assistem, exigindo das autoridades medidas que a previnam e impeçam. A aplicação de tais medidas por parte do julgador poderá evitar atitudes irracionais da comunidade, como ondas de medo coletivo ou vontade de fazer justiça pelas próprias mãos. Há por conseguinte perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.” – consultável em www.dgsi.pt
Na apreciação e valoração da prova produzida, vigora o princípio da livre apreciação da prova.
Para ocorrer erro na apreciação da prova terá o mesmo de resultar do texto da decisão recorrida, “é uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio» - Ac. do STJ de 20.11.2014, entre outros, in http://www.dgsi.pt.
A existência de tal erro, pressupõe que, do texto da decisão sob recurso, por si só, ou conjugado com o senso comum, se conclua, de imediato e facilmente, de forma a que a factualidade dada como provada se apresenta como contrária às regras da experiência comum e da lógica da normalidade do acontecer.
«Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)» (Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º).
O que se evidencia desde logo é que o recorrente apenas discorda da forma como o Tribunal apreciou a prova, qualificou os factos e acabou por punir o autor dos mesmos.
O arguido desenvolvia esta actividade habitualmente e, o facto de as “doses” serem, quando isoladamente consideradas, pequenas, o certo é que a habitualidade do seu comportamento indicia uma forte energia criminosa e uma clara indiferença perante os valores da vida em sociedade.
Neste particular, o Tribunal de Recurso acolhe-se ao entendimento sufragado, no Tribunal da Relação do Porto em 19/04/2023, no âmbito do Processo16/21.3GAAVR.P1, em que foi Relator o Desembargador Nuno Pires Salpico, designadamente, quando profere:
“I - O artigo 127.º do Código de Processo Penal não fixa as regras da experiência como limite à discricionariedade, antes define essas máximas da experiência como fundamento da apreciação da prova, num ambiente de liberdade de aferição.
II – O conceito de liberdade na convicção probatória significa que o julgador não está vinculado a conceções políticas ou ideológicas predefinidas ou a prova tarifada, podendo ajuizar as probabilidades das máximas da experiência necessárias à prova indireta, exigindo-lhe que se liberte dos seus processos psicológicos e da sua moral pessoal, e se coloque numa posição imparcial.
III - A livre convicção probatória nada tem de discricionário, constituindo uma atividade profundamente vinculada ao cumprimento dos princípios e regras do direito probatório, às normas da experiência comum pertinentes e da lógica, sendo alvo de um denso escrutínio pelos sujeitos processuais.
IV - A convicção do julgador não poderá ser íntima, nem ter segmento algum indecifrável, mas antes, transmissível e partilhável com as partes (num esforço de convencimento e esclarecimento) e com o Tribunal superior, havendo recurso.
V - Se o juiz não souber explicar de forma racional a sua convicção, então tem de reconhecer que a mesma não é juridicamente válida, encontrando-se fora dos domínios do artigo127.º do Código de Processo Penal.”

O artigo 127º do Código de Processo Penal dispõe que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Mas isto implica, como acentua Frederico Marques, que se impõe no julgador que, nos seus juízos, proceda com bom senso e sentido de responsabilidade, pois o livre convencimento “não se confunde com o julgamento por convicção íntima, uma vez que o livre convencimento lógico e motivado é o único aceite pelo moderno processo penal”.
Segundo Cavaleiro de Ferreira, as “…regras da experiência…” “São definições os juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerça, mas para além dos quais tem validade”.
Também segundo Cavaleiro de Ferreira, a livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade”. Nesse sentido, Teresa Beleza afirma que “O valor dos meios de prova (...) não está legalmente preestabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo”.
Corresponde isto a dizer que, a livre apreciação da prova terá sempre subjacente uma motivação ou fundamentação - o substrato racional da convicção que dela emerge. Ou, como escreve Marques Ferreira, “Tal princípio assenta nas regras da experiência e em critérios lógicos, de modo que a convicção da entidade que aprecia livremente a prova se mostre racional, nada arbitrária ou meramente impressionista”. Ou, como refere o Prof. Figueiredo Dias, o julgador ao apreciar livremente a prova exerce uma “liberdade de acordo com dever”, ou seja, “o dever de perseguir a chamada verdade material de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo”.
Assim, importante, parece-nos, é realçar que o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, não liberta o julgador das provas que se produziram nos autos, ou da sua falta, sendo com base nelas que terá de decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio.” – fim de citação.
O arguido coloca ainda em questão a escolha e determinação da medida concreta da pena.
Para o efeito, atentamos na jurisprudência definida, designadamente, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 3/12/20, pela 5ª Secção, no âmbito do Processo 565/19.3PBTMR.E1.S1, em que foi relatora Margarida Blasco, consultável em www.dgsi.pt:
“I - Nos termos do art. 40.º, do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no art. 71.º, do mesmo diploma.
Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no art. 18.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art. 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.
A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pelas necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada, em concreto, por factores ou circunstâncias relacionadas com este e com a personalidade do agente, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (arts. 40.º, e n.º 1, do 71.º, do CP).
A medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o art. 71.º, n.º 2, do CP considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na al. a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na al. b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a al. c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a al. a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na al. d) (condições pessoais e situação económica do agente), na al. e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na al. f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [al. e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [al. f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das als. e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial
II - O objecto do presente recurso – tal como definido pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação e que delimitam o objecto do recurso - cinge-se, unicamente, à apreciação da medida da pena aplicada que o recorrente considera excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto nos arts. 40.º e 71.º, ambos do CP, pugnando pela sua redução…”
Ainda a respeito da medida da pena atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 25/05/16, pela 3ª Secção, no âmbito do Processo 101/14.8GBALD.C1.S1, em que foi relator Pires da Graça, consultável em www.dgsi.pt:
“I - O art. 71.º, do CP estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
II - A decisão recorrida descreve os factos necessários à decisão da acusa, incluindo, factos sobre a personalidade do arguido e a sua vida pregressa, sendo que a decisão recorrida pronunciou-se sobre os factores alegados pelo recorrente. Ou seja, o recorrente não indica qualquer outra circunstância a que o tribunal devesse ter atendido. Mais, as penas parcelares aplicadas (4 anos de prisão pela prática de 1 crime de roubo qualificado, 3 meses de prisão pela prática de 1 crime de violação de domicílio, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de roubo e 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de roubo na forma tentada) não se revelam desadequadas, nem desproporcionais, atentas as fortes exigências de prevenção geral e especial e a intensidade da culpa.
III - É o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. A determinação da pena do cúmulo exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado.
IV - Valorando o ilícito global, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, como determina o art. 77.º, n.º 1, do CP, tendo em conta a natureza e gravidade dos ilícitos, as fortes exigências de prevenção geral na defesa e restabelecimento das normas violadas, sendo forte a intensidade do dolo e da culpa, bem como as exigências de socialização, em que os factos praticados face à vida pregressa do arguido revelam tendência criminosa, não se revela desadequada a pena única de 5 anos e 10 meses de prisão aplicada pela 1.ª instância.” – fim de citação.
Escrevia CESARE BECARIA – Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Montesquieu – é tirânica.” (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)
Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.
E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.
Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”
Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):
“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
Em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.
As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84)
A finalidade das penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade
E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.
A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)
O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.
Ensina o mesmo Ilustre Professor, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’.
Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”
Ou, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.
É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.
O artigo 71º do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Por sua vez, o n º 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece que:
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
As circunstâncias e critérios do artigo 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, Proc. n.º 2555/06- 3ª).
Tendo presente o quadro factual, dado como provado no acórdão recorrido, a matéria de facto supra descrita, considerando a amplitude da moldura penal abstracta, entende este Tribunal de Recurso que, a conduta do arguido é fortemente censurável, posto que, o arguido não admite a venda de um produto que sabe ser ilícito e altamente lesivo de bens jurídicos eminentemente pessoais.
A gravidade da sua conduta, as suas consequências ao nível da saúde dos consumidores a perenidade da sua execução, atento o escalão penal em causa – 4 a 12 anos de prisão – as elevadas exigências de prevenção geral e especial conduzem à consideração de que a pena aplicada se mostra proporcional e adequada.
Quanto á suspensão da execução da pena, desde logo ela mostra-se afastada legalmente pelo quantum concretamente fixado.
Ainda assim, mesmo que se aplicasse uma pena de 5 anos de prisão, que como já se disse, não é a proporcional e adequada às finalidades de prevenção geral e especial, ao caso cabidas, não se mostram preenchidos os requisitos para a sua suspensão, corroborando este Tribunal de Recurso a fundamentação do acórdão recorrido.
Neste particular, seguimos a jurisprudência definida pelo acórdão de 11/03/2025 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do Processo 81/13.7GHCTB.C1, em que foi Relator o Desembargador Luís Ramos:
“I - A suspensão da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes.
II - Na ponderação da personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do mesmo, o tribunal terá que ter em mente que a suspensão da execução da pena de prisão apenas poderá ser aplicada se sustentar e viabilizar os desígnios de prevenção especial - apoiando e promovendo a reinserção social do condenado - e geral - na perspectiva em que a comunidade não encare a suspensão, como um sinal de impunidade.” – consultável em www.dgsi.pt
Improcede, pois, em todas as dimensões o recurso apresentado.
Dispositivo:
Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar totalmente não provido o recurso e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Acórdão elaborado pelo Primeiro signatário em processador de texto que reviu integralmente, sendo assinado pelo próprio e pelos Desembargadores Adjuntos.

Lisboa, 24 de Setembro de 2025
Carlos Alexandre
Mário Pedro M.A. Seixas Meireles
Francisco Henriques