CO-AUTORIA
PERIGO PARA AQUISIÇÃO DA PROVA
PERIGO PARA A CONSERVAÇÃO DA PROVA
Sumário

Sumário (da responsabilidade da CIJ):
I. Quando se deduz uma acusação, se pronuncia ou se condena um arguido pela prática de um crime em co-autoria, torna-se necessário descrever a contribuição de cada um dos co-autores; cada parte do conjunto é imputada ao outro ou outros que a não realizaram pessoalmente porque eles actuaram por acordo, assumindo todos o domínio funcional do facto.
II. Se cada um, só por si, praticou todos os actos típicos, deve ser punido como autor imediato.
III. O perigo de perturbação do inquérito é maior nas fases preliminares do processo e diminui com o decurso do tempo e com a realização das diligências probatórias mais importantes.

Texto Integral

Acordam os Juízes que constituem a Conferência nesta 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
O arguido AA recorreu do despacho proferido a final do primeiro interrogatório judicial, pelo Juízo de Instrução Criminal da Amadora, que decretou a sua prisão preventiva pela suspeita da prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 14º, nº 1, 26º e 210º, nºs1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), todos do CP.
O arguido apresentou motivação, formulando as seguintes conclusões:
a) O princípio constitucional da presunção de inocência implica que a medida de coação de prisão preventiva não tem em vista uma punição antecipada, só podendo ser excecionalmente aplicada, quando tal se justifique e seja adequado e proporcional ao comportamento do arguido desde que não lhe possa ser aplicada outra medida de coação.
b) Assim, atendendo ao referido princípio, e ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, uma eventual condenação e pena a aplicar não pode ser fundamento para a escolha da medida de coação, nomeadamente da prisão preventiva.
c) Refere o Douto Despacho que: “Acresce que em concreto, o arguido fez-se acompanhar de uma arma para assim lograr mais eficazmente os seus intentos, quer para intimidar o ofendido a entregar-lhes os seus bens, quer para inclusivamente ofender a sua integridade física.”
d) Do auto de diligências, fls. 5 e seguintes pode ler-se: “(…) S 2, também de sexo masculino (…) Este individuo estaria na posse de uma arma de fogo, tipo caçadeira, que exibiu sem nunca a apontar a ninguém (…).
e) A fls. 7 pode ler-se que: “(…) “BB explica que durante a abordagem, não sabemos explicar bem o momento, ocorreu um disparo de arma de fogo no cruzamento entre a Rua 1, a Rua 2 e a Rua 3. Indica que o disparo da arma de fogo foi feito por um indivíduo mulato, com cerca de 1.75 m de altura, magro, que vestia um fato de treino de cor preta ou azul escura, e usava óculos de graduação transparente e “fundo de garrafa” (SIC), e que empunhava uma caçadeira. Explica que não sabe se o disparo foi feito por o indivíduo estar associado ao PUTO WI e ao BEWWEW, ou se o disparo foi feito em virtude de uma outra altercação que tinha ocorrido uns momentos antes. Quando lhe foi perguntado indica não reconhecer o indivíduo, não tendo visto as feições pois estava de capuz e ainda havia pouca luminosidade.”
f) A testemunha ocular dos factos BB, auto de inquirição, menciona dois indivíduos e reitera o já afirmado quanto a ter ouvido um tiro, fls. 17 a 20.
g) Já o Ofendido, refere terem sido quatro aos indivíduos a tê-lo abordado, sendo um portador de uma arma, fls. 12 a 14.
h) Ora, resultam dúvidas, ou seja falta de indícios fortes, quanto ao número de elementos que terão interagido na prática dos ilícitos criminais, bem como,
i) Existem duvida quanto à arma, e principalmente quanto ao facto de o Recorrente se ter feito acompanhar ou ter empunhado uma arma e consequentemente não se pode afirmar que existem fortes indícios quanto a esse ponto (no que ao Recorrente respeita).
j) O Tribunal Recorrido dentro do elenco das medidas de coação previstas na nossa legislação entendeu aplicar a da prisão preventiva que aparece como a mais gravosa de todas as medidas.
k) No que diz respeito ao uso dos meios de coação em processo penal, haverá sempre que respeitar os princípios da legalidade (artigos 29.º, n.º 1, da CRP, e 191.º do CPP), excecionalidade e necessidade (artigos 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP, e 193.º, do CPP),adequação e proporcionalidade (art.º 193.º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição.
l) É a existência em concreto de qualquer um dos perigos enunciados no artigo 204º do Código de Processo Penal que poderá fundamentar a imposição de medidas de coação.
m) A lei impõe que o perigo de continuação da atividade criminosa seja concreto.
n) O perigo da continuidade da atividade criminosa não se confunde, forçosamente, com a consumação de novos ilícitos criminais, devendo antes ser aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido neles revelada.
o) Nenhum indício forte existe nos autos que permite ao Tribunal a quo afirmar que em liberdade o Recorrente continuaria a atividade.
p) A lei impõe que o perigo de continuação da atividade criminosa seja concreto e não só hipotético.
q) Não se encontram assim reunidos quaisquer elementos que possam levar a conclusão de que, uma vez o Recorrente sujeito à obrigação de permanência na habitação com recurso à vigilância eletrónica, continuaria com a atividade criminosa.
r) Nesta conformidade, não se vislumbra o perigo da continuação da atividade criminosa.
s) As anteriores condenações do Recorrente, não são indícios fortes da prática de qualquer ilícito, não podem servir para a aplicação da medida de coação de prisão preventiva.
t) O perigo de perturbação da ordem pública há de resultar de factos concretos capazes de mostrar que a libertação do arguido poderia causar danos à ordem e tranquilidade da sociedade em geral.
u) O que está aqui em causa não é a invocação de um alegado e genérico “alarme social” e a convicção de que certos tipos de crimes, pela sua violência e gravidade, podem em abstrato causar emoção ou perturbação pública.
v) O que se pretende prevenir é antes a ocorrência de situações em que o arguido, pela sua conduta ou personalidade, em razão de circunstâncias particulares do caso concreto, com alto grau de probabilidade e de forma grave, possa pôr em causa a ordem e a tranquilidade públicas, tal como o fez nos moldes descritos.
w) Ora, não há nos autos – nem consta da decisão recorrida - qualquer sinal do perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas
x) Na verdade, estamos perante meras considerações vagas e conclusivas, desacompanhadas de qualquer suporte factual e de elementos probatórios. O Douto Despacho recorrido não contém qualquer facto, qualquer elemento de prova/indicio a sustentar o referido perigo.
y) Assim, não se verifica o perigo invocado de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
z) A fuga e ou perigo de fuga tem sempre de referir-se ou fundamentar-se em actuação do arguido, sob pena de discricionariedade e, no caso vertente, certo é que nenhum facto ou acto concreto é indicado.
aa) O Recorrente é português, vive em Portugal e aqui tem a sua família.
bb) O Recorrente foi detido no aeroporto quando regressava de Inglaterra onde foi à procurar de emprego, mas não tendo visto para o efeito regressou a Portugal. Repare-se que se a intenção do Recorrente fosse de se furtar à justiça, de iniciar fuga, este não teria regressado a Portugal, o que fez de forma voluntária. cc) Em suma o perigo de fuga tem de ser real e não presumido no momento de aplicação da medida de coacção (cfr. Acórdão da Relação de Évora de 17-09-2009 relatado pelo Ex.mo Juiz Desembargador Carlos Berguete acessível in www.dgsi.pt); dd) Não se verifica assim o referido perigo de fuga.
ee) Em atenção ao princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade, deve a prisão preventiva ser substituída por uma outra medida de coação,
ff) Nomeadamente a medida de coação de apresentações periódicas, que se revelará adequada ao caso em apreço; Caso assim não se entende, o que só por mero dever de patrocínio se concebe sem conceder,
gg) Conclui-se, pela inexistência, em concreto dos invocados perigos perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, de continuação da actividade criminosa e de fuga.
hh) Revela-se perfeitamente adequada e suficiente a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201º do Código de Processo Penal, com a aplicação de meios que permitam controlar a ação do Recorrente, utilizando-se meios técnicos de controlo à distância.
ii) Se as finalidades processuais visadas com a imposição de uma medida de coação puderem ser acauteladas por uma outra medida menos gravosa, é esta que deve ser sempre aplicada, ainda que a prisão preventiva seja proporcional à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
jj) Deverá a medida de coação aplicada ao aqui Recorrente, ser substituída por uma outra, que se revela suficiente e adequada ao caso em apreço, como seja a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com recurso à vigilância eletrónica.
kk) Assim, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, viola claramente, por errada interpretação, não só o princípio de adequação, mas também o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 193º n.º 2 e artigo 202º n.º 1 ambos do Código de Processo Penal, pois que sendo a prisão preventiva a extrema ratio das medidas de coação, qualquer outra medida menos gravosa, designadamente a de apresentações periódicas ou a que prevista no artigo 201º do Código de Processo Penal, estaria em condições de defender os mesmos interesses que com aquele se visa proteger.
ll) E face a tudo quanto se deixa alegado, verifica-se também que o Douto Despacho recorrido, ao aplicar a medida de prisão preventiva, violou claramente o princípio da adequação e da proporcionalidade previstos no artigo 193º do Código de Processo Penal, por as exigências cautelares do caso afastarem completamente a necessidade de tal medida. Pelo acima exposto, o Douto Despacho recorrido por incorreta aplicação violou o estatuído nos artigos 18º, 27º, 28º e 32º da Lei Fundamental e ainda o disposto nos artigos 191º, 192º, 193º, 194º, 201º, 202º e 204º, todos do Código de Processo Penal, ou seja os princípios que regem as medidas de coação em geral e a prisão preventiva em particular, princípio da tipicidade, da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da subsidiariedade. Termos em que deve o presente recurso merecer, da parte de Vossas Excelências, o consequente provimento, por ser de Lei e de Justiça e, consequentemente, ser revogado o Douto Despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro, e assim sendo deverão V. Ex.as:
a) Revogar a medida de coação aplicada ao Recorrente por não se verificarem em concreto as circunstâncias em que o Tribunal a quo fundamentou a sua aplicação;
b) Substituir a mesma pela medida de coação de apresentações periódicas; Ou caso assim não se entenda, c)Substituir a mesma pela medida de coação permanência na habitação, com recurso à vigilância eletrónica, por a mesma se revelar adequada e proporcional às exigências cautelares dos presentes autos.
O Ministério Público apresentou a resposta, formulando as seguintes conclusões:
1. Resulta dos autos, a existência de indícios suficientes e fortes da prática pelo arguido de 1 (um) crime de roubo agravado, em co-autoria material, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º n.º 1 e n.º 2 al. b) por referência ao artigo 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal.
2. Tal sustentação advém dos elementos probatórios já carreados para os autos, e indicados no douto despacho, para os quais se remete por razões de economia processual, nomeadamente do reconhecimento pessoal por parte do ofendido e testemunha, bem como da inquirição dos mesmos onde relatam de modo credível a forma como os factos ocorreram.
3. O Tribunal a quo não sustentou a aplicação da medida de coacção com “presunções de comportamentos”, sendo que a participação do arguido nos factos encontra-se cabalmente descrita pelo ofendido, descrição esta que mereceu, e bem, credibilidade por parte do Tribunal, ao contrario da versão apresentada pelo arguido e ora Recorrente.
4. Inexistem, nesta fase, quaisquer dúvidas sobre a co-autoria por parte do Recorrente na prática dos factos e sobre a participação que o mesmo teve no desenrolar dos mesmos.
5. Se podem existir dúvidas quanto ao número de indivíduos envolvidos nos factos, os elementos probatórios já carreados para o inquérito não oferecem dúvidas sobre a circunstância de o arguido ser um deles e que foi feito uso de uma arma de fogo – ainda que não empunhada, mas exibida. 10 de 13
6. O acervo probatório constante dos autos indicia fortemente a prática dos factos pelo arguido, sendo possível extrair quer dos mesmos, quer da descrição fáctica, qual o grau de comparticipação do arguido na prática dos mesmos.
7. O princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no art.º 32º nº 2 da Constituição não pode servir de argumento para fundamentar a substituição ou a revogação da prisão preventiva. O mesmo é tido em conta através da observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
8. No que se refere aos perigos que sustentaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido, o douto despacho está fundamentado e motivado com base nos elementos constantes dos autos, não merecendo qualquer censura, sustentando sobretudo, o perigo de continuação da actividade criminosa, o perigo relativo ao alarme social e de perturbação do inquérito e da conservação da prova e perigo de fuga, fundamentos aos quais, também, se adere e que não oferecem demais considerações.
9. O Tribunal a quo, ao contrario do alegado pelo Recorrente, apreciou concretamente cada um dos perigos tendo em conta a concreta situação pessoal do arguido, a personalidade evidenciada nos autos e assumida em sede de interrogatório, bem como o seu enquadramento social, familiar e até o seu passado criminal, fundamentos aos quais se adere e para os quais se remete por nada haver a acrescentar.
10. O Tribunal a quo ponderou e fundamentou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva com base nos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, tal como exigido pelo artigo 193.º do Código de Processo Penal.
11. O grau de ilicitude é elevadíssimo contando que além da exibição de arma (bastando a sua ostentação para que a vítima fique numa posição bastante diminuída), o arguido praticou os factos com manifesta superioridade numérica sobre o ofendido, o prévio contacto com a acção da justiça em nada moldou os 11 de 13 comportamentos do arguido e o arguido não colaborou com a justiça com o seu regresso a Portugal, apenas tendo regressado para renovar o seu visto e com total desconhecimento da pendência de mandados de detenção.
12. O Recorrente pugna, subsidiariamente, pela alteração da medida de coacção sujeitando o arguido ao cumprimente de medida de coacção de obrigação de permanência na habitação através de vigilância electrónica, porém, face aos elementos constantes dos autos, considera o Ministério Público que não existe qualquer outra medida de coacção que possa dar resposta adequada em sede de prevenção geral à necessidade de tranquilizar a sociedade, ou mesmo de prevenção especial, considerando que o modo como os factos ocorreram e os seus antecedentes criminais não deixam de dar nota de uma personalidade algo avessa ao direito por parte do arguido.
13. Se é certo que a detenção no domicílio, mormente controlada através de vigilância electrónica, permitirá, objectivamente, limitar a liberdade de locomoção do visado em termos similares à detenção em meio prisional, o certo é que, no caso vertente, o ora Recorrente não apresenta circunstâncias que endossem ao Tribunal níveis de confiança relativamente ao “normal” acatamento da medida por si preconizada.
14. A gravidade dos factos e o associado modo de execução, remete para a existência de elevadas preocupações em sede de prevenção geral, na aludida vertente de dar a resposta adequada a tranquilizar a sociedade de uma forma credível, aspecto que a obrigação de permanência na habitação, mesmo que com vigilância electrónica, não tem o condão de alcançar.
15. Nenhuma outra medida de coacção, mormente a aludida obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, se afigura suficiente para acautelar os perigos verificados no caso concreto, os quais apenas ficam afastados com a manutenção da decisão que aplicou ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.
O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, emitiu parecer em 29/07/2025, corroborando a posição expressa em primeira instância.
Os autos foram a vistos e à conferência.
Do âmbito do recurso e da decisão recorrida:
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo Recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem, apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º n.º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º nº 1 e 412º nºs 1 e 2, ambos do CPP.
Em face da motivação, são as seguintes as questões a considerar:
- Ocorre violação dos artigos 191º, 192º, 193º, 194º, 201º, 202º, nº 1, alínea a) e 204º, alínea c), todos CPP, com referência aos artigos 18º, 27º, 28º, 29º, 32º e 205º todos da CRP?
O despacho recorrido é do seguinte teor:
Valido a detenção do arguido, efectuada ao abrigo de mandados emitidos pela autoridade judiciária, sendo tempestiva a sua apresentação em Tribunal – cfr. o disposto nos artigos 254.º n.º 1 a) e 257.º n.º 1 do Código de Processo Penal (doravante, CPP).
I – Factualidade indiciada:
Dos autos resultam indiciados os seguintes factos, todos comunicados ao arguido no início do interrogatório judicial:
1. No dia 16 de Fevereiro de 2025, pelas 7h15, o ofendido CC encontrava-se acompanhado da testemunha BB, tendo saído de um bar sito na Rua 1, na Cova da Moura.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA abordou o ofendido CC exigindo que lhe entregasse o telemóvel.
3. Nessa sequência, gerou-se uma discussão entre ambos, negando o ofendido a dar o telemóvel ao arguido AA, momento em que se aproximou DD e dois indivíduos cuja identificação não se logrou apurar, um destes na posse de uma arma de fogo, tipo caçadeira, juntando-se ao arguido, passando a actuar todos em conjugação de esforços e de vontades.
4. Perante a superioridade numérica que se gerou, o arguido AA desferiu uma chapada na zona da nuca do ofendido e voltou a pedir em tom sério o telemóvel ao ofendido e disse “Anda, mete o código”.
5. Por temer pela sua vida e integridade física, o ofendido entregou ao arguido AA o telemóvel, marca Apple, modelo IPhone 15 Plus, com o valor de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros), bem como todos os códigos de acesso ao mesmo e de acesso às aplicações de “Homebanking”.
6. Após, o ofendido ofereceu € 100,00 para que o arguido e demais inidvíduos não levassem o telemóvel, tendo o arguido AA exigido € 500,00 para que não levassem o telemóvel.
7. Não podendo satisfazer tal quantia, o ofendido não a entregou, tendo o arguido e demais suspeitos se ausentado do local na posse do bem, fazendo-o seu e integrando-o no seu património, contra a vontade e sem o consentimento do ofendido.
8. O arguido AA, acompanhado de DD e de outros dois suspeitos cuja identificação não se logrou apurar, actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano ao qual todos aderiram, fazendo uma divisão de tarefas, com o propósito de fazerem seus o telemóvel do ofendido, o que, efectivamente, conseguiram, recorrendo, para o efeito, à utilização da força física e do anúncio de males contra a vida e a integridade física, utilizando para o efeito uma arma, objecto que potencia o perigo para a vida, o que, igualmente, quiseram e conseguiram, bem sabendo que o referido objecto não lhes pertencia e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo dono, o que quiseram e lograram.
9. Ao agir da forma supra descrita, o arguido AA, acompanhado de DD e de dois suspeitos cuja identificação não se logrou apurar, sabiam que o objecto subtraído acima descrito não lhes pertencia e que ao exibirem uma arma e exercer sobre o mesmo, força física e ameaça com força física, com superioridade numérica, este ficaria, como ficou, com menor capacidade de resistir, o que facilitaria a retirada do referido objecto, bem como a facultar os respectivos código de acesso, contra a vontade do proprietário, o que quiseram e conseguiram.
10. O arguido e demais suspeitos agiram, em conjugação de esforços e vontades, de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Em sede de interrogatório judicial, resultaram ainda indiciados os seguintes factos atinentes à situação pessoal, familiar e profissional do arguido:
11. O arguido é solteiro, tem dois filhos e mora com a mãe.
12. Está desempregado vivendo de uma indemnização que recebeu o ano passado no valor de cerca de €40.000.
13. Veio de Inglaterra, e pretende voltar para esse país para ali trabalhar.
14. Tem o veiculo automóvel de matricula BH-..-...
15. Tem o 9º ano de escolaridade.
O arguido tem antecedentes criminais tendo já sido condenado em:
- pena de multa no âmbito do processo n.º436/18.0PLLSB, pela prática do crime de condução de veiculo sem habilitação legal a 25.04.2018, por sentença de 28.06.2018, transitada em julgado a 03.09.2018;
- pena de multa no âmbito do processo n.º204/18.0PBAMD, pela prática do crime de condução de veiculo sem habilitação legal a 05.05.2018, por sentença de 04.06.2019, transitada em julgado a 30.09.2019;
- pena de prisão no âmbito do processo n.º341/20.0PBAMD, pela prática do crime de detenção de arma proibida e de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada a 13.07.2020, por acórdão de 21.07.2021, transitado em julgado a 23.08.2021;
- pena de prisão no âmbito do processo n.º22/20.5PAAMD, pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário a 24.09.2021, por acórdão de 17.04.2023, transitado em julgado a 16.05.2023
II – Motivação:
A indiciação dos factos supra descritos resulta da conjugação dos seguintes meios de prova, constantes dos autos e comunicado ao Arguido:
- Comunicação da notícia do crime, fls. 2 a 4;
- Auto de diligências iniciais, fls. 5 a 9;
- Auto de denúncia, fls. 46;
- Auto de inquirição, fls. 12 a 13;
- Auto de reconhecimento fotográfico, fls. 15 a 16;
- Auto de inquirição, fls. 17 a 20;
- Auto de reconhecimento fotográfico, fls. 21 a 24;
- Auto de reconhecimento pessoal, fls. 186-187 e 188-189;
- CRC, fls. 194 a 199.
- declarações do arguido, prestadas na presente data, de onde resultou que o mesmo admitiu ter retirado o telemóvel ao ofendido, sendo que ao invés de o devolver, o atirou fora, não sabendo onde o mesmo foi parar e se alguém o apanhou.
Alega que apenas tirou o telemóvel ao ofendido, porque ele estava a filmar uma rapariga, que estava a fazer xixi na rua, e que ela não gostou.
Por esse motivo, ele foi ter com o ofendido para que ele apagasse o vídeo, o que este não quis.
Por esse motivo, é que lhe tirou o telemóvel e pediu o código.
Depois de o ofendido apagar o vídeo e de lhe mostrar, ele jogou o telemóvel fora. Refere que não bateu no ofendido.
Bem como também não lhe pediu códigos nem dinheiro.
Por fim afirma que estava sozinho, e que em momento algum exibiu uma caçadeira ao ofendido.
Sucede que as declarações do arguido não convencem, na parte não confessada.
Não só porque não fazem qualquer sentido e são contrariadas pelas regras de experiencia comum.
Mas também porque são contrarias à demais prova constante dos autos.
De facto, da conjugação dos elementos probatórios supra elencados, resultam fortemente indiciados todos os factos descritos.
Assim, o ofendido relatou com pormenor as circunstâncias em que foi abordado pelo arguido, conforme resulta do respectivo auto de inquirição. Acresce que o ofendido reconheceu pessoalmente o arguido, conforme consta do auto de reconhecimento pessoal supra identificado.
Sendo que estas declarações foram confirmadas pela testemunha, que acompanhava o ofendido, e que também fez o reconhecimento pessoal do arguido.
Diga-se que da inquirição da testemunha resulta que a mesma já conhecia o arguido, pelo que não há duvidas em como a testemunha identificou cabalmente o mesmo.
Resulta, assim, indiciado que o arguido participou nos factos supra referidos.
Mais ficou indiciado, que o arguido, agiu com, pelo menos, três indivíduos, recorrendo à utilização da força física e de intimidação contra a vida e a integridade física, utilizando para o efeito uma arma, de forma a se apropriarem dum bem que não lhes pertencia e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo dono.
Os factos relativos ao elemento subjectivo resultam das regras de experiência comum, e da normalidade da vida, não sendo possível retirar dos factos praticados outra intenção que não fosse a que se mostra indiciada.
Face à prova cosntante dos autos resulta indiciado que o arguido não podia desconhecer que se apoderava dos bens em causa contra a vontade do seu possuidor, que só não ofereceu resistência porque o arguido, e os outros indivíduos, conseguiram com o seu comportamento intimidá-lo. Não é possível afirmar outra intenção que não a de se apropriar de tais bens, com recurso à força, face à sua conduta que é, aos olhos de qualquer pessoa média, proibida e punida por lei, pelo que se conclui que também o é aos olhos do arguido.
Para além disso, nada nos autos nos leva a concluir que, no momento da prática dos factos, o arguido era portador de qualquer incapacidade, que o impedisse de avaliar a ilicitude dos mesmos ou de se determinar de acordo com essa avaliação, pelo que se indicia que agiu de forma livre, voluntária e consciente.
Conclui-se por isso que a indiciação destes factos mostra-se forte, isto é, os elementos probatórios referidos nos quais os factos se baseiam incutem uma convicção séria de que os mesmos ocorreram dessa forma e que deles resulta uma forte possibilidade de ao arguido, em julgamento, vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança.
Os factos que se encontram fortemente indiciados (na actual fase de investigação, e sem prejuízo de eventual alteração resultante do inquérito), são susceptíveis de integrar a prática pelo arguido de 1 (um) crime de roubo agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 14.º n.º 1, 26.º, e 210.º, n.º 1 e n.º 2 al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2 al. f) do Código Penal
Sendo punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, este crime admite, em abstracto, a aplicação de qualquer uma das medidas de coacção previstas no CPP - cfr. artigo 202.º n.º 1 a) do CPP.
Porém, nenhuma medida de coacção poderá ser aplicada se, em concreto, não se verificar pelo menos um dos perigos elencados no artigo 204.º do CPP, que passaremos a analisar:
a) Fuga ou perigo de fuga: Resulta que o arguido esteve com paradeiro incerto, informando agora que estava no Reino Unido, para onde quer voltar, o que indicia alguma mobilidade por parte do mesmo e um concreto perigo de fuga.
b) Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, temos que é possível que o arguido entre em contacto com os outros suspeitos, e intimide as testemunhas, e até destrua meios de prova, pelo que também este perigo se verifica.
c) Por fim e quanto ao perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbem gravemente a ordem e a tranquilidade públicas, desde já se adianta que dos factos indiciados resulta clara a existência deste perigo.
Com efeito, o arguido está indiciado da prática de um crime de roubo agravado, sendo que o mesmo não tem emprego ou ocupação certa, o que leva a admitir como provável que faça dos roubos o seu modo de vida.
Para além disso quando confrontado com os factos, e a postura revelada, são reveladores de uma personalidade avessa ao Direito e uma propensão para a prática de crimes contra as pessoas, demonstrando desrespeito por valores tão essenciais como a vida, a integridade física, a liberdade pessoal e o património.
É, pois, manifesto, o perigo de continuação da actividade criminosa por parte do arguido.
Ao perigo de continuação da actividade criminosa associa-se o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas porquanto, desde logo, é manifesta a gravidade do crime em causa, traduzida na moldura penal aplicável.
Acresce que em concreto, o arguido fez-se acompanhar de uma arma para assim lograr mais eficazmente os seus intentos, quer para intimidar o ofendido a entregar-lhes os seus bens, quer para inclusivamente ofender a sua integridade física.
E fê-lo contra pessoas que encontram na via pública, de forma indiscriminada constituindo um perigo para a ordem e tranquilidade públicas.
Em conclusão, resulta da factualidade indiciada que no caso se verifica o perigo da continuidade da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade pública, e ainda o perigo de fuga pelo que há que analisar qual, ou quais, as medidas de coacção que se impõem decretar.
Atendendo aos princípios constitucionais pelos quais se rege o nosso sistema processual penal (cfr. artigo 32.º da CRP), nomeadamente o da presunção de inocência do arguido, as medidas de coação, enquanto restrições à liberdade de um presumido inocente, não podem traduzir-se numa antecipação da responsabilização e punição penal. A finalidade das medidas de coação é a de garantir a tutela de necessidades de natureza cautelar relacionadas com os fins do processo penal que são a descoberta da verdade material com vista ao restabelecimento da paz comunitária na sequência da prática de um crime, reafirmando a validade das normas violadas.
Atendendo aos perigos que se verificam e já analisados supra, às exigências cautelares que o caso requer, à gravidade dos crimes e às sanções que se prevê que possam vir a ser aplicadas ao arguido, entendemos que só uma medida privativa da liberdade se mostra adequada a acautelar os perigos, que não ficariam acautelados com a manutenção do arguido em plena liberdade de circulação.
No caso, tendo em conta a moldura penal dos crimes pelos quais o arguido se encontra fortemente indiciado é admissível quer a aplicação da obrigação de permanência na habitação quer da prisão preventiva – cfr. artigos 195º, 201º e 202º n.º 1 a) do CPP.
Com respeito pelo princípio da subsidiariedade previsto no artigo 193º n.º 3 do CPP, que determina que a prisão preventiva seja aplicada apenas como medida de última ratio, verifica-se que no caso apenas esta será adequada, necessária e suficiente, uma vez que caso o arguido fique em casa sujeito a obrigação de permanência na habitação, com recurso à vigilância electrónica mesmo ai poderá continuar a praticar os factos pelos quais se encontra indiciado, e a contactar os suspeitos, e conseguir intimidar as testemunhas.
Com efeito, tal medida é a única que se mostra suficiente uma vez que limita a liberdade de deslocação do arguido, impedindo a continuação da atividade criminosa, e assegura a pacificação social, sendo certo que também se mostra proporcional à gravidade do ilícito em causa e à prognose que é possível fazer quanto à pena que poderá vir a ser aplicadas - salientando-se, porém, que não se visa, com a presente medida antecipar tais eventuais penas.
Face ao exposto, determina-se que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito:
- TIR já prestado;
- Proibição de contactar por qualquer meio com o ofendido, e demais suspeitos;
- prisão preventiva – cfr. o disposto nos artigos 191º, 192º, 193º, 195.º, 196º, 202º n.º 1 a) , 204º a) e c) do CPP.
Vejamos então:
- A medida de coação aplicada ao arguido respeita os princípios e é adequada a prevenir os perigos invocados e reconhecidos no despacho judicial?
Quanto aos fortes indícios diremos e citando o Acórdão de 20 de Setembro de 2008, relatado pelo, então, Excelentíssimo Desembargador Gabriel Catarino: “Constituem-se em vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer da existência de um facto jurídico-penalmente relevante e de que deve ser imputável a alguém determinado, devendo ou podendo ser previsível que, num juízo de prognose solidamente estruturado escorado, a manterem-se em julgamento, ocorrerão fundadas e sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelos factos típicos que lhe são imputados.
Na indiciação em fase de inquérito, ou seja numa fase em que os elementos colectados ainda não foram objecto de contraditório, o grau de convencimento do juiz e de ponderação de imputação casual de determinado agir a um concreto sujeito está dependente das regras da experiência e do sentido lógico representativo com que uma dada realidade percepcionada se prefigura ao discernimento e compreensibilidade do julgador.
O juiz pode, nesta fase, socorrer-se das inferências permitidas por um conjunto de elementos que soem ocorrer em situações ou casos similares, observando sempre que as máximas de experiências atinam com factores de aleatoriedade que podem conduzir a juízos erróneos ou de defeituosa avaliação.”
Segundo Luís Osório no seu Comentário ao CPP, IV, pág. 411 refere que “ devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia, a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado”
A este propósito, cita-se ainda no Acórdão do Tribunal da Relação nº 128/11.1TELSB-J.L1 de 11.04.2013 de acordo com o qual:
“É pressuposto da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva a existência de fortes indícios da prática do crime.
No entendimento de Germano Marques da Silva, que por inteiro se subscreve, “A indiciação do crime necessária para a aplicação de uma medida de coacção significa “probatio levior”, isto é, a convicção da existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais, mas em grau inferior à que é necessária para a condenação. (....) não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime.
Noutro passo:
embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”[Curso de Processo Penal, II, 2a ed., pág. 240]. (…)
(…) O Prof. Germano Marques da Silva, por sua vez, e como já referido, obra cit., pág. 240, diz também que “(...) no momento da aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, que pode ocorrer ainda na fase de inquérito ou da instrução, fases em que o material probatório não é ainda completo, não pode exigir- se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos de que o arguido virá a se condenado pela prática de determinado crime.
Nos casos em que a lei exige fortes indícios a exigência é naturalmente maior, embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”.
Vital Moreira e Gomes Canotilho, a fis. 185 da Constituição da República Portuguesa (anotada), 1993, por sua vez, dizem também que “quando a lei fala em fortes indícios pretende exigir uma indiciação reforçada, filiada no conceito de provas sérias”.
Do mesmo modo, fortes indícios, ou indícios suficientes, na definição dada pelo art° 283°, n° 2, do CPP, existem sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.” (fim de cit.)
Conforme resulta do descritivo da narração do despacho de apresentação e que aliás corresponde aos indícios já recolhidos e aos quais o M.º P.º faz apelo, não se pode olvidar que a presente indiciação, imputa ao arguido a prática dos factos em co-autoria e, deste modo, subscrevendo o Acórdão da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo 7383/2008-3 (consultável em fonte aberta in www,dgsi.pt) importa, ainda que sinteticamente, fazer uma breve referência sobre a figura da co-autoria.
“As incriminações constantes da parte especial do Código Penal, salvo quanto aos crimes de comparticipação necessária, descrevem os comportamentos proibidos como se eles fossem integralmente realizados por um único agente.
Se o juiz apenas aplicasse essas normas não poderia, por certo, punir pela prática de cada um desses crimes o agente que, nomeadamente, não tivesse chegado a consumar o crime, aquele que apenas tivesse prestado auxílio ao seu cometimento, quem tivesse omitido o comportamento que lhe era imposto ou o que tivesse, em colaboração com outro ou outros e por acordo com eles, realizado apenas uma parte da conduta típica, praticando os restantes os demais actos necessários à consumação do crime.
Neste último caso, o da co-autoria (3º segmento do Artº 26º do Código Penal), nenhum dos agentes teria, só por si, praticado os actos descritos na norma incriminadora. Nenhum deles poderia, por isso, ser punido.
Isto não é assim porque o nosso legislador incluiu, na parte geral do Código Penal, disposições que constituem verdadeiras cláusulas de extensão da tipicidade, ou seja, que alargam cada uma daquelas previsões da parte especial de forma a permitir a punição, nomeadamente, da tentativa (artigos 22º e 23º), da cumplicidade (artigo 27º), da omissão (artigo 10º) e da co-autoria (artigo 26º).
Se o agente praticar todos os actos previstos na norma incriminadora não se torna necessária qualquer extensão da tipicidade. A sua conduta realiza, só por si, todos os elementos descritos na norma da parte especial do Código.
Assim, quando se deduz uma acusação, se pronuncia ou se condena um arguido pela prática de um crime em co-autoria torna-se necessário descrever a contribuição de cada um dos co-autores. Cada parte do conjunto é imputada ao outro ou outros que a não realizaram pessoalmente porque eles actuaram por acordo, assumindo todos o domínio funcional do facto. Porque a narração foi feita desta forma, pode então concluir-se, no plano normativo e não no da matéria de facto, que todos praticaram aquele crime em co-autoria.
Esta forma de comparticipação não se traduz, portanto, ao contrário do que uma deficiente técnica utilizada na elaboração de muitas peças processuais poderia fazer crer, na realização conjunta de tudo por todos, o que, muitas vezes, se não é impossível ter acontecido, desvirtua por completo a realidade.
Se cada um, só por si, praticou todos os actos típicos, deve ser punido como autor imediato.
Se se limitou a praticar parte das condutas descritas no tipo e se outros, por acordo, realizaram as restantes, todos devem ser punidos como co-autores.”
Prosseguindo o referido Acórdão, relativamente ao preenchimento do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 283.º do CPP, em situações de co-autoria, e para fundamentar o juízo aqui cabido que é de indiciação, em sede de verificação da existência de fortes indícios do cometimento dos crimes imputados no despacho de apresentação há que fazer apelo a outro excerto do mesmo aresto aonde se propugna em moldes que espelham, igualmente, a nossa opinião:
“Para narrar, ainda que de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, como impõe a alínea b) do n.º 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal, tem o Ministério Público e o assistente, num caso de co-autoria, que descrever, com mais ou menos individualização, a participação de cada agente e de imputar a todos uma actuação conjunta que dá execução a um acordo, expresso ou tácito.
Não quer isto dizer que, se tal não for feito, o acto praticado padeça da nulidade prevista no corpo do n.º 3 do citado artigo 283º do Código de Processo Penal.
Tal só aconteceria, a nosso ver, se a acusação omitisse qualquer narração dos factos imputados, o que não é, manifestamente, o que acontece nestes autos.”
Ora, se para a co-autoria não é indispensável que cada um dos agentes intervenha, como se disse, em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado, bastando que a actuação de cada um seja elemento componente do todo, pois como se vêm salientando em outras decisões proferidas pelos nossos tribunais, nos casos de associação criminosa também não se exige que cada associado intervenha em cada um dos actos decididos pelo grupo ou participe em todos os crimes praticados pelos outros associados.
A questão ora em apreço, reconduz-se ao conceito de co-autoria e à amplitude desta modalidade de comparticipação no facto criminoso.
A propósito do conceito de co-autoria importa ainda referir que:
Como se escreveu em anotação ao art. 26º do CP de Leal Henriques e Sima Santos, “ (…) Há co-autoria material quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras da experiência comum.
Com efeito, para incorrer na co-autoria de um crime precedido de um plano, quando nele participaram vários agentes, não é necessário que todos eles tenham tido intervenção na elaboração desse plano. Basta que vários agentes participem na execução de actos que integrem a conduta criminosa, não sendo, contudo, necessário que intervenha em todos eles, desde que actue conjugadamente e em comunhão de esforços, no sentido de alcançar o objectivo criminoso…. (…)”.
Também Faria Costa in “Formas do crime, Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, pág. 170:…..escreveu: “Para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime juntamente com outros… (.)”
A este propósito cita-se ainda o Acórdão nº 0140948 de 13-03.02 do TRL, 2., Recurso nº JTRP00034186, de acordo com o qual:
“(…)Há co-autoria material quando, embora não tendo havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas, à luz das regras da experiência comum. Da co-autoria há que distinguir a mera actuação paralela, que ocorre quando diversos agentes praticaram, sem prévio acordo, actos concorrentes para um resultado criminoso, distinção de todo o interesse uma vez que na comparticipa. (…)”.
Acresce que, é também co-autor de um crime, todo aquele que deu causa ou participou na sua concepção e na delineação do respectivo plano, mesmo que não chegue a tomar parte directa nos seus actos de execução. Neste sentido, veja-se Ac. STJ de 14.11.1984, in BMJ 341/202.
Nestes termos e, considerando o conceito de comparticipação acima referido, é evidente que se indicia que o arguido apresentado a interrogatório judicial, se indicia que praticou o referido crime.
O Ministério Público, a final da diligência do interrogatório do arguido veio apresentar a sua proposta de estatuto coactivo que se encontra gravada, na qual, como se alcança do gravado, requer a prisão preventiva do arguido.
O arguido apresentou a sua posição a respeito do estatuto coactivo que respectivamente lhe foi proposto e que consta da acta gravada, cujo teor se dá por reproduzido, pugnando por medidas não privativas da liberdade.
Entende este Tribunal de Recurso que, sem embargo e ex-abbundanti, consignando-se expressamente que o juízo indiciário e de aplicação de medidas de coacção, no despacho recorrido efectuado, tem apenas por base todos os elementos de prova apresentados ao arguido, como da acta do interrogatório consta e nos exactos termos subsumidos à consideração do Juiz de Instrução Criminal pelo Ministério Público, quando submeteu este arguido a interrogatório judicial, bem como tendo presente as declarações que o arguido entendeu prestar nesta sede, não apenas quanto às suas condições pessoais e económicas, mas sim admitindo ter tirado o telemóvel ao ofendido, de forma brusca, pedindo-lhe o código, mas que o fez apenas para apagar um vídeo, atirando de seguida o telemóvel fora, não tendo agredido o ofendido, nem empunhado uma caçadeira e actuando sozinho, ao invés do que vem referido, importará ter presente a ocorrência ou não dos mencionados perigos.
Na verdade, se é direito do arguido no direito processual penal vigente, na redacção dada ao CPP pela Lei 48/07 de 29/08, considerada a declaração de rectificação n.º100-A/2007 e a rectificação da rectificação nº 105/2007, declarar,tal declaraçao não pode deixar de ser sopesada com o articulado constitucional atinente, e menos certo não é que, resolvendo o arguido declarar quanto aos factos e às suas condições pessoais e económicas, ao Tribunal recorrido é exigível analisar criticamente e no uso dos seus poderes de cognição, a substancia e credibilidade do que sucintamente disse e da sua concatenação com os restantes elementos dos autos.
Perante tais elementos, a versão do arguido é claramente inverosímil face aos restantes depoimentos prestados, sopesados com as regras da experiência comum.
O arguido refere que agiu porque uma rapariga estava a fazer xixi na rua e o ofendido a filmou, pelo que retirou o telemóvel das mãos do ofendido para apagar tais imagens.
Ora os restantes elementos indiciários infirmam tudo isso,relatando o ofendido e a testemunha BB,que o reconheceram a forma violenta,com exibiçao de arma caçadeira,com o envolvimento de vários indivíduos,a retirada do telemóvel, contra a vontade do seu legitimo dono.
A densificação do processo equitativo é feita como ensinam os profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira pela própria constituição em sede penal – artigo 32º da CRP, ou seja garantias de defesa, presunção de inocência, julgamento em curto prazo, compatível com garantias de defesa, direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório, direito à intervenção no processo, etc.
No artigo 32º do CRP, concentram-se os mais importantes princípios materiais do processo penal, sendo o seu nº 1 - o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso - a condensação de todas as normas que constam nos demais números.
Há que saber quem são e que papel têm nestes factos os integrantes do grupo, ou seja, os indicados no despacho proferido a final do interrogatório.
O que o Tribunal a quo fez foi apenas a síntese de um percurso lógico que, em si mesmo, nos parece correctamente formulado.
O que aqui foi ponderado foi a natureza complexa dos factos indiciados e a circunstância de o arguido ter exercido o direito a declarar e a fazer constar dos autos a sua versão dos acontecimentos e com ela, dessa forma, se comprometendo, para daí inferir que, o declarado por si, iria facilitar a intensificação da continuação da pressuposta actividade criminosa, até pelas relações que mantém com outros cidadãos, fortemente indiciados na comparticipação, como também pelo apelo económico a que a dita actividade, acarreta.
A conduta pretérita do arguido indicia que lhe e particularmente habitual comportar.se de modo hostil a convivência fraterna com os seus concidadãos.
Por isso, este Tribunal de Recurso considera que se afiguram reforçados os indícios que se foram sucessivamente recolhendo com os meios de obtenção de prova, recolhidos ao longo do inquérito.
Não ocorre, assim, no entender deste Tribunal, qualquer vício que afecte a validade do despacho recorrido.
Forçoso é reconhecer que existem indícios de que o arguido, pela actividade que vem desenvolvendo e a possibilidade de que não lhe seja coartada a sua liberdade ambulatória, nada há nos autos que inculque que não a prosseguiria ou, em alternativa, se tentaria eximir às consequências posto que e o próprio a reconhecer que veio a tribunal porque não tinha visto que lhe permitisse continuar no Reino Unido e não sabia da existência de mandados de detenção contra si, o que concorre para que se indicie que, sabedor dos elementos já carreados para estes autos, se determine a ausentar-se para se eximir as consequências que pode razoavelmente antever, face ao seu passado criminal.
Existe assim, no entender deste Tribunal de Recurso, perigo de fuga, alias bem invocado
e fundamentado no despacho recorrido.
No tocante aos perigos de perturbação no decurso do inquérito para aquisição, conservação ou veracidade da prova, invocados e reconhecidos.
Destarte, o perigo de perturbação do inquérito como fundamento para a admissibilidade de aplicação de uma qualquer medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência, concretiza-se na verificação de factos que nos permitam indiciar que, os arguidos têm capacidade e podem prejudicar, a actividade de recolha da prova e a eficácia probatória da prova indiciária já adquirida.
A este propósito, exemplifica a doutrina as seguintes situações susceptíveis de evidenciar perigo de perturbação do inquérito: combinação com os outros arguidos de uma determinada versão para os factos, simulando novos factos ou falsos álibis, atemorização ou suborno das testemunhas, fazer desaparecer documentos probatórios ou até produzir documentos falsos — conforme afirma o Prof. Germano Marques da Silva no seu “Curso de Processo Penal”, volume II, 3.ª edição, 2002, página 267.
O perigo de perturbação do inquérito é maior nas fases preliminares do processo e diminui com o decurso do tempo e com a realização das diligências probatórias mais importantes, o que, aliás, se compreende, pela própria dinâmica processual e de solidificação da prova - veja-se, neste sentido, o acórdão do TEDH no caso Clooth v. Bélgica, citado por Paulo Pinto de Albuquerque, em “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição, pág. 576.
Por outro lado, a protecção da prova é dirigida não só à prova já recolhida nos autos, mas também à prova a recolher.
Com efeito, visa-se não só salvaguardar o material probatório já recolhido nos autos, de forma a evitar que possa ser inquinado pelo arguido, mas também aquela que se espera vir a adquirir, através da realização de diligências futuras e em curso, de forma a evitar que o arguido possa frustrar os resultados visados com essa obtenção.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 0410450, datado de 17-03-2004, disponível em www.dgsi.pt,“ estando em investigação uma actividade que se desdobra por diversas pessoas e com ramificações e pontos de contacto em vários locais, incluindo no estrangeiro, havendo certamente elementos ainda por explorar e verificar, e sendo que, como já decorre dos elementos carreados para os autos, a arguida é figura de relevo em toda a engrenagem, é naturalmente de recear que, em liberdade, conhecendo bem, como conhece, os meandros da actividade desenvolvida e os elementos que possam ser decisivos para a sua aclaração, tente dificultar o esclarecimentos dos factos e a aquisição de provas ainda não exploradas”.
Quanto às medidas de coacção, estribamo-nos no entendimento propugnado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/04/2013, no âmbito do Processo 128/11.1TELSB-J.1,1, que reza:
"Fernando Gonçalves e Manuel João Alves, in "A Prisão Preventiva e as Restantes Medidas de Coacção", pág. 87, dizem que "as medidas de coacção são meios processuais penais limitadores da liberdade pessoal, de natureza meramente cautelar, aplicáveis a arguidos sobre os quais recaiam fortes indícios da prática de um crime".
Por outro lado, também dispõe o art° 191°, n° 1, de (PP que "a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei".
É a consagração do Princípio da Legalidade.
Porém, o art° 193º, do CPP, por sua vez, consagrando os Princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, já preceitua no seu n° 1 que "as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ".
No que à prisão preventiva diz respeito, o n° 2 também dispõe que "a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção ".
Resulta ainda do art° 204°, do CPP, prevendo este os chamados requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, que “nenhuma medida de coacção, excepção da prevista no art° 196°, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a)Fuga ou perigo de fuga;
b)Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c)Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas”
Quanto à hipótese de aplicação da "prisão preventiva", por sua vez, dispõe o art° 202°, n° al. a), do CPP que, "se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos (..)"
Contudo, e como se referiu, para que se opte pela prisão preventiva como medida de coacção é necessário que se verifique, cumulativamente com qualquer um dos pressupostos constantes do referido art° 202°, também, e pelo menos, uma das condições ou requisitos descritas no citado art° 204º.
Temos assim que, a prisão preventiva, enquanto medida de coacção, só poderá ser aplicada quando todas as outras se mostrarem inadequadas ou insuficientes, tendo a mesma, como refere Tolda Pinto, in “A Tramitação Processual Penal", .2a ed., um carácter residual ou subsidiário, o que resulta, aliás, do princípio constitucional consagrado no are 28°, da CRP.
"O recurso aos meios de coacção deve orientar-se pelos princípios da sua necessidade e menor intervenção possível (..) e é no âmbito da prisão preventiva (enquanto meio de coacção mais gravoso) que se afirmam com particular intensidade aqueles princípios, especialmente o da necessidade", refere ainda aquele autor.
Também Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal", 2a ed., II vol., pág. 250, diz que "não pode nunca esquecer-se o princípio constitucional da presunção de inocência que impõe que as medidas de coacção e de garantia patrimonial sejam na maior medida possível compatíveis com o estatuto processual de inocência inerente a fase em que se encontram os arguidos a quem são aplicadas e por isso que, ainda que legitimadas pelo fira, devam ser aplicadas as menos gravosas, desde que adequadas".
Depois, e como também resulta do texto da lei, para a aplicação da prisão preventiva exige-se ainda que fortes sejam os indícios da prática de crime doloso punível com prisão de máximo superior a 5 anos.
Leal Henriques e Simas Santos, "Código de Processo Penal Anotado", vol. 1, 3a ed., pág. 1970, nas suas anotações ao referido art° 202°, dizem que o mesmo “(...) inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura. Isto é: não basta que essa suspeita assente (..) em factos de relevo que laçam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade (...)” – fim de citação.
E pelos indícios recolhidos nos autos, há elementos que levam à necessidade de prevenir essa concatenação de versões, não só, pela natureza do ilícito em causa, como dos cuidados que, dos elementos de prova recolhidos e aqui presentes no primeiro interrogatório, é patente que os intervenientes têm, no que tange à actividade desenvolvida.
O perigo de perturbação do inquérito como fundamento para a admissibilidade de aplicação de uma qualquer medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência, concretiza-se na verificação de factos que nos permitam indiciar que o arguido tem capacidade e pode prejudicar, de forma desconexa com a necessidade da sua Defesa, a actividade de recolha da prova e a eficácia probatória da prova indiciaria já adquirida.
Com efeito, há que distinguir esta actuação do arguido, dolosamente contaminadora da investigação, daquelas outras condutas que, no âmbito do exercício do direito de defesa, representam uma postura activa na recolha da prova e na identificação de novos factos, sendo que, só aquela e não esta última, é susceptível de legitimar a aplicação de uma medida de coacção.
Do mesmo passo, a colocação em liberdade do arguido, concorreria fortemente para serem dificultadas as diligencias conducentes à aquisição de prova, sua conservação e veracidade, permitindo até a concatenação de versões, com respeito aos intervenientes cuja responsabilidade e grau de participação estão a ser objecto de investigação, já que o inquérito ainda não está encerrado.
A necessidade de prevenir estes perigos,quer de fuga, quer de continuação da actividade criminosa quer,ainda, para a ordem e tranquilidade publica, bem espelhado na reação cada vez mais timorata da comunidade perante estes actos violentos,com armas de fogo,agindo em superioridade numérica,esta necessidade quando assumida adequada e proporcionalmente, não se compadece, entende este Tribunal de Recurso, com obrigações de apresentação, afastamento ou de proibições de ausência do território nacional ou sequer com cauções isolada ou cumulativamente com aquelas.
Não se cuida de prender para investigar, outrossim, se pretende prevenir que quem está a ser investigado, possa interferir no desenvolvimento cabal da investigação, durante o tempo necessário ao apuramento da verdade material ou eximir.se a assumpçao das suas responsabilidades.
Tais perigos não são eficazmente prevenidos sem a aplicação da medida de coacção mais gravosa, única que se considera adequada, proporcional e suficiente, no tocante ao arguido,como bem explicitado pelo despacho recorrido .
Sendo ainda necessário, quer no quadro da 18ª revisão do CPP, e agora não olvidando que a entrada em vigor das 19ª, 20ª e 21ª revisões aprovadas pelo órgão legiferante e promulgada pelo PR, que a tal respeito nenhuma alteração produziu, ser obrigatório, ao Tribunal, mesmo que aplique a medida de prisão preventiva por a considerar a única adequada, proporcional e suficiente dever dizer se pode ou não a mesma ser substituída pela sucedânea OPHVE, forçoso é faze-lo, referindo que, pelas razões supra mencionadas, se entende que, no actual quadro de elementos à disposição do Tribunal, no âmbito deste primeiro interrogatório, a aplicação da sucedânea, não se mostra adequada, proporcional e suficiente pelas razões que exactamente motivaram a decretação da prisão preventiva, conjugado com o estatuído no artigo 194º, nº 2 do CPP, perante os elementos neste momento ao dispor do Tribunal, bem andou a Juiz a quo em não determinar a substituição da prisão preventiva pela sucedânea OPHVE.
Consequentemente, o recurso não merece provimento em qualquer das suas dimensões.
Dispositivo:
Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar totalmente não provido o recurso e, consequentemente, mantem-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Acórdão elaborado pelo Primeiro signatário em processador de texto que reviu integralmente, sendo assinado pelo próprio e pelos Desembargadores Adjuntos.

Lisboa, 24 de Setembro de 2025
Carlos Alexandre
Rosa Vasconcelos
Alfredo Costa