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INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário
I – Não é admissível a junção de prova documental com a interposição do recurso. II - A prescrição é de conhecimento oficioso, podendo o Tribunal de recurso apreciá-la. III - O que importa para satisfazer a exigência legal do exame crítico das provas é que a fundamentação da decisão de facto expresse a análise objetiva da prova produzida, da qual seja possível retirar qual o processo de raciocínio do tribunal na formação da sua convicção quanto aos factos. IV - Só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo. Se apenas se alega que não houve prova ou que a mesma é insuficiente para se darem como provados os crimes, tendo sido mal valorada, o que pode haver é erro de julgamento. V - Verifica-se o “erro notório na apreciação da prova” quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, o que sucede quando, por exemplo, se dá como provado um facto que notoriamente está errado, que não poderia ter acontecido ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira uma conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória de um facto dado como provado (positivo ou negativo) contido no texto da sentença recorrida. Se o recorrente entende que os danos fixados foram em valores incorretos, então, uma vez mais, deveria ter suscitado o erro de julgamento, designadamente impugnando a existência de um concreto dano ou o respetivo quantitativo. VI – Na ponderação da suspensão da execução da pena de prisão (subordinada à condição de, até ao termo do período da suspensão, o recorrente pagar as quantias fixadas a título de indemnização e comprovar esse facto nos autos) devem ser considerados todos os elementos tendentes a concluir que a simples ameaça da prisão demoverá o recorrente de voltar a cometer crimes: a antiguidade dos factos; o recorrente está a terminar o período de liberdade condicional em ..., inexistindo notícias de que a mesma possa ser revogada; trabalha, contribui para o sustento dos filhos e reside com a sua Mãe, estando inserido profissional e familiarmente; demonstra o propósito, que se nos afigura sério, de ressarcir os lesados; não há notícias de mais processos pendentes e o Ministério Público concorda com a suspensão da execução da pena de prisão.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
Da decisão
I. No processo comum coletivo nº 673/18.8T9LRS do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de Loures, Juiz 5, foi proferido acórdão, em 16.05.2025, mediante o qual foi decidido julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada a acusação e (transcrição):
«1 – Absolver o arguido AA da prática, em autoria material, de vinte e seis crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1, als. a) e e) do Código Penal.
2 – Condenar o arguido pela prática de três crimes de burla qualificada, previsto e punido pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena dois deles de 3 (três) anos e 6 (seis) meses (relativo aos dois veículos automóveis ligeiros) e um, punido com a pena de 3 (três) de prisão (relativo ao motociclo).
3- Condenar o arguido AA da prática, em autoria material, dois crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1, e 3 do Código Penal, na pena cada um deles de 1 (um) ano de prisão.
4- Condenar o arguido AA da prática, em autoria material, três crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1 a), do Código Penal, na pena cada um deles de 6 (seis) meses de prisão.
5 - Condenar o arguido AA da prática, em autoria material, dois crimes de falsas declarações, previstos e puníveis pelo art. 248-A , n.º 1, do Código Penal, na pena cada um deles de 3 (três) meses de prisão,
6 - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.
6 – Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante/assistente BB e, em consequência, condenar o arguido/demandado AA a pagar-lhe, a quantia de € 13.600 ( treze mil e seiscentos) , acrescida de juros, à taxa legal desde a data da notificação do arguido/demandado para contestar o pedido de indemnização civil, e até integral pagamento, absolvendo do demais peticionado .
7 – Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante/assistente CC, em consequência, condenar o arguido/demandado AA a pagar-lhe, a quantia de € 55,000,00 ( cinquenta e cinco) euros, acrescida de juros à taxa legal , desde a data da notificação do arguido/demandado para contestar o pedido de indemnização civil, e até integral pagamento, absolvendo do demais peticionado.
8 - Condenar o arguido AA em 4 Ucs de taxa de justiça, e nas custas,
9 – Condenar o arguido/demandado AA nas custas dos pedidos de indemnização civil, na proporção dos respectivos decaimentos».
Do recurso
II. Inconformado, recorreu o arguido AA.
Pediu que este Tribunal da Relação analise o «alegado quanto à não renúncia do princípio da especialidade relativo ao MDE, o que faz com que o presente julgamento deva ser considerado nulo, e mande ampliar o pedido às autoridades competentes; Que declare prescritos os crimes de falsificação e falsas declarações; Se assim não se entender; Que quanto aos valores peticionados pelas demandantes, os mesmo sejam ajustados nomeadamente nos valores peticionados pela CC, que deveria ter diligenciado pela recuperação das viaturas apreendidas em ..., não devendo o arguido suportar uma vantagem que não obteve; Que deve a pena do arguido deve ser ajustada em conformidade com os crimes de que será condenado e absolvido, assim como os prescritos, ou seja, reduzida na sua dosimetria face aos cinco anos e três meses aplicados, devendo ser aplicada uma inferior aos cinco anos de prisão, mas acima de tudo deve a mesma ser suspensa na sua execução, condicionada à obrigação de pagamento dos valores corrigidos».
Rematou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1) AA arguido nos autos à margem referenciados, por não se conformar com o douto Acordão proferido que o condenou pela prática de três crimes de burla qualificada, previsto e punido pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena dois deles de 3 (três) anos e 6 (seis) meses (relativo aos dois veículos automóveis ligeiros) e um, punido com a pena de 3 (três) de prisão (relativo ao motociclo), pela da prática, em autoria material, dois crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1, e 3 do Código Penal, na pena cada um deles de 1 (um) ano de prisão pela prática, em autoria material, três crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1 a) , do Código Penal, na pena cada um deles de 6 (seis) meses de prisão, pela prática de dois crimes de falsas declarações, previstos e puníveis pelo art. 248-A , n.º 1, do Código Penal, na pena cada um deles de 3 (três) meses de prisão, Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.
2) Desde logo levanta como questão prévia o desrespeito pelo Tribunal da não renúncia do arguido à regra de especialidade no âmbito do Mandado de Detenção Europeu requerido pelo ... que foi cumprido pelo Tribunal de ..., e que determinou o envio do arguido para ..., onde detido, e ainda a cumprir pena à ordem dos processos relativos ao MDE, foi por este Tribunal acusado, julgado e condenado.
3) Entende desde logo que há uma violação à não renúncia do princípio da especialidade.
4) Pois entende que para ser julgado por factos anteriores aos que motivaram a sua detenção e envio para o Tribunal requerente, deveria ter ocorrido um pedido de ampliação do MDE.
5) O que não ocorreu.
6) O arguido ainda está no cumprimento de pena, contudo já em liberdade condicional, mas foi acusado ainda em reclusão, e julgado durante o regime de pré liberdade condicional
7) Pelo que foi violado o disposto no artigo 7.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto na sua redação atual, (MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
8) O Tribunal teve conhecimento deste facto, contudo ignorou alegando que tal regime não se aplicaria ao caso concreto.
9) Termos em que os presentes autos não deviam ter sido levados a julgamento sem que o MDE fosse ampliado.
10) Caso não se dê razão ao arguido, há ainda outra questão prévia.
11) Da prescrição de alguns dos crimes em causa
12) O arguido veio acusado de dois crimes de falsas declarações, assim como acusado de vários crimes de falsificação
13) De acordo com os artigos 118 e121ºdo Código Penal, entendemos que tais crimes já se encontram prescritos. Aliás já o estava quando foi proferida acusação (em ... de 2023), momento em que o arguido tem o primeiro contacto com este processo.
14) Pois em causa crimes alegadamente praticados em 2016 e 2017.
15) Assim o Tribunal apenas se deveria prenunciar quanto aos 3 crimes de burla, determinando a prescrição dos demais, tal como foi indicado nas alegações, e completamente ignorado no douto Acordão.
16) Pois de acordo com o artigo 118.º do Código Penal os crimes puníveis com pena inferior a cinco anos prescrevem decorridos cinco anos, ou sete anos e 6 meses nos casos verificados no artigo 121 n.º 3.
17) Entendemos não haver períodos de suspensão que coloquem em causa a prescrição, lembramos que o arguido apenas teve conhecimento deste processo no momento da notificação da Acusação em ... de 2023.
18) Da Insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada (art-º 410 n.º2 a), e correspondente falta de rigoroso exame crítico
19) No direito processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente; significa isto que o princípio da livre apreciação constitui a regra da apreciação da prova.
20) No entanto tal experiência não ultrapassar a prova quando a mesma é escassa, ou simplesmente não existe, ou é ambígua.
21) Especial cuidado merece a apreciação da prova referente a crimes que resultam em penas de prisão efetiva.
22) No nosso entender, e com o devido respeito, que é muito, desta vez, claramente, o Tribunal não o fez.
23) Baseou-se em convicções, assim como alguma prova documental, nomeadamente autos de ocorrências de operações policiais de estrada, sem que se tivessem chamado a testemunhas esses intervenientes para indicarem o que realmente sabem sobre esses factos.
24) Como se sabe a prova em processo penal tem de ser feita em audiência, nãopode haver a condenação em penasde prisão efetiva sem que se faça prova em sede de julgamento.
25) Diz-se no Acordão que: “Osdepoimentosdastestemunhassupramencionadas,conjuntamentecomademaisprovapericialedocumentalproduzida,conjugadoscomasregrasdaexperiênciacomum,permitiramaoTribunalconcluirpelaactuaçãodoarguidonosfactosqueconstituemoobjectodopresenteprocesso,integradoresdoscrimesdeburlaedoscrimesdefalsificaçãodedocumento,bemcomopelomododeactuação,motivaçãoeintençãosubjacenteàsuaprática,nostermosqueresultaramprovados”
26) Ora, a prova é manifestamente insuficiente para que tais crimes possam ser dados como provados, nomeadamente os crimes de falsificação e de falsas declarações.
27) Desde logo, como todos sabemos, pela experiência que temos neste tipo de processos, que a maior parte dos documentos ditos falsificados, ou originais, nunca são exibidos às entidades que celebram contratos de crédito.
28) A grande parte das vezes, esses documentos chegam às entidades financiadoras através de email, ou seja, nem sabemos se são digitalizações de fotocópias forjadas, ou documentos falsificados.
29) O arguido não prestou declarações, não admitiu, nem deixou de admitir os factos, pelo que não sabemos se foi ele que alterou os documentos, ou os falsificou.
30) Claro que as poucas testemunhas disseram, que todas as assinaturas terão sido efetuadas na presença dessa pessoa como o dito passaporte
31) Não sabemos se a obtenção dos créditos foi conseguida com fotocópias de documentos, ou com documentos falsos.
32) Não houve perícias relativamente a assinaturas.
33) Não houve prova testemunhal suficiente.
34) Não há prova nomeadamente testemunhal que possa atestar e dar como provados a falsificação de documentos quanto aos contratos das operadoras ... e ....
35) Os contratos foram celebrados nas lojas das respetivas entidades?
36) Foram feitas por algum vendedor “porta a porta”?
37) Ou terão esses contratos sido feitos por telefone?
38) Houve nesses contratos de prestação de serviços de telecomunicações alguma perícia às assinaturas?
39) Pelo que os crimes relativos à falsificação de documentos, não foram de todo provados em sede de audiência de discussão e julgamento, que é onde a prova deve ser feita.
40) Os restantes três crimes de falsificação, entendemos que de acordo com a fundamentação dada e que levou à absolvição de 26 crimes de falsificação, também estes 3 crimes devem incorporar o crime de burla, se se entender que tal crime foi inequivocamente provado.
41) Pois não temos perícias de assinaturas, não sabemos se foram usadas fotocópias, se foram efetivamente falsificados pelo arguido documentos para o efeito.
42) Quanto aos crimes de falsas declarações, também entendemos não ter sido feita qualquer prova em sede de audiência de julgamento
43) Não foi levado pelo Ministério Publico nenhum dos supostos agentes intervenientes que pudessem esclarecer os autos quanto à forma de identificação do suspeito, com que documentação, quem elaborou o auto
44) Mais uma vez o Tribunal presume que o que está vertido nos autos dos OPC que os lavraram é verdade, sem saber como é que foi identificado o arguido.
45) Tal como se faz num mero processo sumário, que se questiona o agente se o auto é verdadeiro, se corresponde aos factos, se foi por ele elaborado, se a assinatura nele aposta é do agente, e como foi identificado o condutor? Por passaporte, por cópias, por meras indicações, se foi verificada na central a identidade?
46) Ora tudo isto é básico num Juiz Local de Pequena Criminalidade para processos de condução sem habilitação legal, ou de condução sob o efeito de álcool.
47) Tal rigor aqui, num Juízo Central Criminal, passou completamente ao lado, dando o Tribunal como provados os factos através de dois autos que sem que se faça prova em audiência de julgamento se deem como provados.
48) Apesar de entendemos que também estas crimes estão prescritos, certo é que não se provou em julgamento a sua prática.
49) Pelo que podemos aqui enunciar a falta de rigoroso exame crítico na apreciação da prova, o que representa até, uma violação do disposto no artigo 374°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
50) Pelo exposto anteriormente, resta-nos nesta parte ponderar o princípio dúbioproreo quanto aos factos pouco claros, e que não podemos de todo dar simplesmente como provados.
51) Deve ainda, no que aos crimes de burla diz respeito, haver uma correção dos valores em que o arguido foi condenado a pagar.
52) O Tribunal andou mal a analisar os danos, e ignorou quer a sentença do Tribunal de ..., como as alegações da defesa, pois a Sentença desse Tribunal que já aqui foi referida, cuja informação consta nos autos, e que inclusive é mencionada nos factos dados comoprovados, assim como mencionada na acusação, indica que as viaturas ... ..-SA-.., e moto ... ..-TE-.. foram apreendidas nesses autos em ....
Lê-se na acusação
““11. Em data não concretamente apurada, mas pelo menos no decorrer do mês de ... de 2017, o arguido decidiu adquirir o motociclo de marca ..., modelo ...), com o número de chassis ..., e com a matrícula ..-TF-..
19. Apesar de ter entrado na posse do motociclo o arguido apenas procedeu ao pagamento de quatro das vinte e cinco prestações acordadas, não devolveu o motociclo à entidade mutuante, e este veio a ser encontrado e apreendido pelas autoridades policiais em ..., em .../.../2018, na cidade de ....
28. Em data não concretamente apurada, mas também no decorrer do mês de ... de 2017, o arguido decidiu adquirir o veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com o número de chassis ..., e com a matrícula ..- SA-..,
34. Apesar de ter entrado na posse do veículo e de ter inscrito a propriedade do mesmo a seu favor, o arguido não procedeu ao pagamento de nenhuma das quarenta e oito prestações acordadas, nem devolveu o veículo à entidade mutuante, e o veículo veio a ser aprendido em .../.../2018 em ..., na cidade de ....”
53) Inclusivamente nos autos consta a ... de ... de 2021 um despacho onde se manda insistir para que se façam diligências junto das autoridades ... para a devolução das viaturas às financeiras
54) Apreendidos pelas autoridades francesas no âmbito do MDE para .... As autoridades ... comunicaram a existência dessas viaturas às autoridades portuguesas dado as matrículas serem portuguesas.
55) Ora se as autoridades portuguesas disso sabiam, deviam ter comunicado à DD, que financiou esses veículos, que inclusivamente registou como garantia uma reserva de propriedade para que a mesma diligenciasse para recolher os veículos, e à semelhança da EE, poder vender os veículos e dessa forma reduzir o seu prejuízo.
56) Ou foi comunicado à CC e a mesma nada fez
57) Certo é que o arguido nada podia fazer para recolher essas viaturas, visto ter sido detido para cumprir uma pena de prisão.
58) Pelo que não pode ser responsabilizado pelo valor total das viaturas se as mesmas estão retidas pela justiça francesa ou portuguesa, por inércia de ambas.
59) Ou seja, não colheu uma vantagem proporcional ao valor peticionado, termos em que deve o valor ser reduzido à semelhança do que ocorreu quanto à viatura ..-TZ-.. em que a EE diligenciou por recolher a viatura, vendê-la, e dessa forma ser já ressarcida de parte dos danos.
60) Considerados prescritos, e não provados os crimes de Falsas Declarações, e os crimes de falsificação, deve a pena descer, abaixo em dosimetria abaixo dos 5 anos de prisão, pelo que nesse pressuposto, deve o Tribunal analisar a possibilidade da suspensão da execução da pena.
61) Pois, na determinação da espécie e da medida da pena, o Tribunal pondera o prescrito no artigo 71.º do CP, mencionando expressamente que: “Assim, a pena concreta não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, que nos indica, inconcreto, o seu limite máximo. O princípio da culpa enquanto limite máximo da punição encontra-se, atualmente, consagrado em letra de lei, no art. 40º do Código Penal, onde expressamente se prescreve que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
62) Ora entende-se que as penas devem servir para reinserir, para reparar os danos à sociedade, aos ofendidos, lesados.
63) Uma mera pena de prisão não resolve os danos aos ofendidos, nem repara nada, e muito menos nos tempos que correm integram ou ressocializam alguém
64) O arguido está inserido familiar e profissionalmente.
65) Os factos distam já de 2016 e 2017, ou seja, há cerca de 9 e 8 anos.
66) Corrigindo os valores peticionados pelas demandantes, entende-se que será sempre preferível que tais valores sejam pagos, e que as partes fiquem ressarcidas.
67) Assim, entendemos, e o arguido concorda, que uma pena suspensa condicionada ao pagamento dos valores peticionados é a que mais serve os interesses quer dos lesados, quer do ..., uma vez que todas as partes ficam ressarcidas sem mais.
68) Conduzir o arguido a um EP durante 5 anos e 3 meses, iria desde logo interromper o plano de reinserção social que o arguido cumpre em ..., estando nesta fase em liberdade condicional, pagando um valor mensal pelos danos que provocou, estando assim a ressarcir os lesados.
69) Além de que uma pena suspensa condicionada ao pagamento dos danos que causou, só iria demonstrar que o arguido teria uma possibilidade de ressarcir e reparar os danos».
Da admissão do recurso
III. Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
Da resposta
IV. Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público, entendendo que o recurso deve obter parcial provimento, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
«1. Conforme se extrai dos autos, muito embora o arguido se encontre em cumprimento de uma pena de prisão, em ..., na sequência da emissão de Mandado de Detenção Europeu pelas ..., cumprido pelas ..., a realização da audiência de julgamento dos presentes autos não se insere no âmbito da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.
2. Com efeito, a notificação do arguido do despacho de acusação bem como da data designada para a audiência de julgamento foi efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 283.º e 313.º, do Código de Processo Penal, sem recurso à emissão de Mandado de Detenção Europeu, motivo pelo qual o arguido veio, aliás, requerer ser ouvido através da plataforma WEBEX, pelo que falece a invocada violação do artigo 7.º da mencionada Lei n.º 65/2003.
3. Concorda-se com o recorrente quando alega que o procedimento criminal alusivo aos três crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, e os dois crimes de falsas declarações, previstos e punidos peloartigo348.º-A, n.º 1doCódigoPenal, peloqual foi condenadosemostra prescrito.
4. Na verdade, remontando a prática dos factos alusivos aos citados ilícitos penais ao período compreendido entre 17-06-2016 e 29-08-2017 (falsificação de documentos) e 12-11-2016 e 20-09-2017 (falsas declarações), constata-se que o procedimento criminal se mostra efetivamente prescrito, sem que entre aquelas datas e os dias 09-11-2022 (constituição como arguido) e 15-11-2023 (notificação da acusação) tenha ocorrido qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição – cfr. artigos 118.º, n.º 1, alínea b), 120.º e 121.º, todos do Código Penal.
5. Quanto aos dois crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1 e n.º 3 do Código Penal, sendo os mesmos puníveis com pena de seis meses a cinco anos de prisão ou com pena de multa de 60 a 600 dias, o prazo de prescrição do procedimento criminal, atento o artigo 118.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, aumenta para 10 anos, mostrando-se assim evidente que, remontando os factos a Junho e Dezembro de 2017, o procedimento, quanto a estes dois crimes de falsificação de documento (agravado), não se mostra prescrito.
6. Expurgando os factos que integram os crimes acima referidos e cujo procedimento criminal se entende mostrar-se prescrito, a demais decisão sobre a matéria de facto mostra-se acertada, correctamente e suficientemente fundamentada, tendo o tribunal aquo explicado de forma clara qual o processo que conduziu à sua tomada de decisão, o qual é consentâneo com as regras da experiência e com a prova documental e testemunhal produzida.
7. E fê-lo norteando-se pelo princípio da livre convicção do julgador, inserto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, segundo o qual o julgador é livre de formar a sua convicção perante a prova produzida, desde que tal apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, da experiência e do conhecimento científico, por referência ao homem médio suposto pela ordem jurídica.
8. Considerando o acima exposto, prescrito que se encontra o procedimento criminal alusivo aos crimes de falsificação de documento (simples) e de falsas declarações, concordando-se com as penas parcelares fixadas aos crimes de burla qualificada e aos crimes de falsificação de documento (agravado), temos que a pena única deverá ser fixada entre os 3 anos e 6 meses e os 12 anos de prisão.
9. Face aos factos provados e à personalidade do arguido, que se encontra descrita na decisão recorrida e com a qual se concorda, entende-se como adequado, justoe proporcional fixar-se uma pena única de 4 anos e 8 meses de prisão.
10. Não obstante as elevadas exigências de prevenção geral e as condenações sofridas pelo arguido, a circunstância de actualmente se encontrar em cumprimento de uma pena de prisão (já em liberdade condicional), a antiguidade dos factos e a circunstância de se encontrar familiar, social e profissionalmente inserido permite mitigar as exigências de prevenção especial, ainda que não tenha contribuído para a descoberta da verdade material ou demonstrado arrependimento pelas condutas objecto dos presentes autos.
11. O que possibilita a realização de um juízo de prognose favorável que conduza à suspensão da execução da pena de prisão por um período nunca inferior a 5 anos sujeito à obrigação de proceder ao pagamento das indemnizações civis devidas às sociedades ofendidas, no período de 3 anos».
Do parecer nesta Relação
V. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer nos seguintes moldes, que se transcrevem na parte relevante:
«(…)
O arguido levanta essencialmente as seguintes questões:
A- Violação do princípio da especialidade consignado pelo artigo 7.º da Lei n.º 63/2003, de 23 de agosto;
B- Prescrição do procedimento criminal quanto aos crimes de falsificação de documentos e de falsas declarações;
C- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
D- Medida da pena e pena desadequadas.
O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso e defendeu apenas parcialmente a manutenção do julgado.
Quanto à primeira questão, diz o MP e resulta dos autos que a notificação do arguido do despacho de acusação bem como da data designada para a audiência de julgamento foi efetuada ao abrigo do disposto nos artigos 283.º e 313.º, do Código de Processo Penal, sem recurso à emissão de Mandado de Detenção Europeu pelo que falece a invocada violação do artigo 7.º da mencionada Lei n.º 65/2003. Na verdade, pese embora o arguido se encontre a cumprir pena de prisão em ... à ordem de outro processo onde foram emitidos mandados de detenção europeus cujo cumprimento ocorreu em ..., no âmbito dos presentes autos não é ofendido o Princípio da Especialidade nem os direitos de defesa do arguido ficam por qualquer forma restringidos.
Quanto à segunda questão, o MP concorda com o recorrente quando alega que se mostra prescrito o procedimento criminal alusivo aos factos que preenchem a prática de 3 crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e a prática de 2 crimes de falsas declarações, previstos e punidos pelo artigo 348-A, n.º 1, do Código Penal e cujos factos ocorreram respetivamente entre 17-06-2016 e 29-08-2017 (falsificação de documentos) e 12-11-2016 e 20-09-2017 (falsas declarações), sendo o prazo de prescrição de cinco anos, sem que entre aquelas datas e os dias 09-11-2022 (constituição como arguido) e 15-11-2023 (notificação da acusação) tenha ocorrido qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição – cfr. artigos 118.º, n.º 1, alínea b), 120.º e 121.º, todos do Código Penal.
Contudo, quanto aos dois crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1 e n.º 3 do Código Penal, sendo os mesmos puníveis com pena de seis meses a cinco anos de prisão ou com pena de multa de 60 a 600 dias, o prazo de prescrição do procedimento criminal, atento o artigo 118.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, aumenta para 10 anos pelo que não ocorreu ainda a prescrição.
Quanto à terceira questão, o Tribunal a quo formou a sua convicção através da prova documental e testemunhal recolhida analisada de forma lógica e coerente, à luz das regras da experiência, tendo concluído ter sido o arguido quem assinou os contratos, fazendo-o com clara intenção de não os cumprir, motivo pelo qual se identificou com nome diverso do seu, apresentando documentação igualmente objeto de falsificação. Aliás, em matéria de apreciação da prova, rege o art. 127°, do Código de Processo Penal: «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
Quanto à quarta questão, considerando a aludida prescrição do procedimento criminal alusiva aos crimes de falsificação de documento e de falsas declarações, a parte condenatória do douto acórdão ficaria restringida e o arguido passaria a estar condenado apenas pela prática de três crimes de burla qualificada, previsto e punido pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a) do Código Penal, dois deles na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses (relativo aos dois veículos automóveis ligeiros) e um, punido com a pena de 3 (três) anos de prisão (relativo ao motociclo) e pela prática, em autoria material, de dois crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1, e 3 do Código Penal, na pena cada um deles de 1 (um) ano de prisão.
O MP junto da 1ª instância concordando com as penas parcelares fixadas aos crimes de burla qualificada e aos crimes de falsificação de documento (agravado), entende que a pena única deverá ser fixada entre os 3 anos e 6 meses e os 12 anos de prisão e pugna pela aplicação de uma pena única não inferior a 4 anos e 8 meses de prisão o que permitirá aplicar o instituto da suspensão da execução da pena de prisão, por um período nunca inferior a 5 anos sujeito à obrigação de proceder ao pagamento das indemnizações civis devidas às sociedades ofendidas, no período de 3 anos e 8 meses. Assim sendo, analisados os fundamentos do recurso, bem como os fundamentos do douto Acórdão recorrido, acompanhamos a resposta apresentada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância, aderindo-se totalmente à fundamentação oferecida, que se subscreve e aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
Nesta conformidade, deverá ser parcialmente concedido provimento ao recurso interposto pelo arguido.
Da resposta ao parecer
VI. Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, nada foi acrescentado.
VII. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
OBJETO DO RECURSO
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar.
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
1. Do desrespeito pelo Tribunal da não renúncia do arguido à regra de especialidade no âmbito do Mandado de Detenção Europeu requerido pelo ... que foi cumprido pelo Tribunal de ... e consequente nulidade do julgamento.
2. Da prescrição do(s) crimes(s) pelo(s) qual(is) o recorrente foi condenado.
3. Da nulidade da sentença por falta de rigoroso exame crítico da prova.
4. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada.
5. Do erro notório na apreciação da prova quanto aos valores peticionados / Da correção dos valores que o recorrente foi condenado a pagar pelos crimes de burla.
6. Da não ponderação do princípio in dubio pro reo.
7. Da apelidada “incorporação dos restantes três crimes de falsificação no crime de burla”.
8. Da pena única e da suspensão da sua execução.
DO ACÓRDÃO RECORRIDO
Do acórdão recorrido consta o seguinte (transcrição)
«I – FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a presente decisão:
1. Em circunstâncias não apuradas, mas pelo menos no decurso do ano de 2016, o arguido entrou na posse de um documento que aparentava tratar-se de um passaporte emitido pelas autoridades competentes da ..., com o n.º ..., no qual constava uma fotografia do seu rosto e o nome de FF, a indicação de que se tratava de cidadão ..., nascido a .../.../1968, em ..., com o número de registo civil ..., a data de emissão de .../.../2014 e de validade de .../.../2019.
2. O passaporte ... com o n.º ... corresponde, porém, a documento oficial emitido em .../.../2005, com validade até .../.../2010, para uma cidadã de nome GG, com o número de registo civil ... ..., com domicílio em ..., na ..., e o nome de FF e os demais elementos de identificação constantes do documento que entrou na posse do arguido não correspondem aos de qualquer cidadão ....
3. Em território nacional, pelo menos entre os meses de ... de 2016 e ... de 2017, o arguido decidiu ocultar a sua verdadeira identidade e fez uso do nome de FF para se identificar no âmbito das relações sociais e profissionais que estabeleceu, e utilizou o documento em tudo semelhante a um passaporte ... como se do seu documento de identificação pessoal se tratasse e como meio probatório de identificação no tráfico jurídico.
4. Para tanto, e de modo a conseguir também celebrar contratos, aberturas de contas bancárias, entre outros actos de aquisição de bens e serviços, o arguido utilizou o documento em tudo semelhante a um passaporte ... e a identidade de FF para no dia .../.../2016 solicitar a inscrição de tal identidade junto do ..., tendo, em consequência, sido atribuído a HH, titular do passaporte ... n.º ..., o número de identificação fiscal português ....
5. Neste contexto, e tendo passado também a utilizar o número de contribuinte atribuído na sequência da actuação descrita, mediante a exibição do passaporte e a utilização da identidade de FF e demais dados e elementos pessoais associados, nos dias .../.../2016 e .../.../2017 o arguido procedeu à abertura de contas no banco ... e ..., respectivamente, tendo, para tanto, preenchido e assinado os contratos associados.
6. Agindo do mesmo modo, em .../.../2016 o arguido celebrou um contrato de prestação de serviços com a ... e em .../.../2017 com a ..., tendo, para tanto, utilizado a identidade, os dados contantes do documento em tudo semelhante a um passaporte ... e o número de contribuinte atribuído a HH.
7. Em .../.../2016, na ..., em ..., o arguido identificou-se perante agentes da P.S.P. como sendo HH, cidadão ... titular do passaporte n.º ..., e em consequência esta identificação ficou associada à sua pessoa na ocorrência atestada no Auto de Notícia n.º 1126/16.4SGLSB.
8. Em .../.../2017, na localidade de ..., freguesia da ... e concelho de ..., na sequência da verificação de uma contra-ordenação estradal, e para a elaboração do respectivo auto (n.º 924342226), o arguido identificou-se perante militares da G.N.R. como sendo HH, cidadão ... titular do passaporte n.º ..., e em consequência foi esta identificação que ficou a constar do auto como correspondendo à do autor da infracção.
9. Entre os meses de Junho de 2016 e Agosto de 2017, sob a identidade de FF, o arguido prestou serviços para a sociedade ..., tendo exercido funções de ....
10. Fazendo igualmente uso do passaporte e da identidade de FF, bem como do número de contribuinte atribuído a esta identidade, o arguido logrou apropriar-se de três veículos automóveis sem proceder ao pagamento integral dos respectivos preços, e de modo a conseguir que lhe tivesse sido concedido crédito para a obtenção de tais veículos emitiu facturas-recibo referentes a uma actividade que não prestou e a importâncias que não recebeu.
11. Em data não concretamente apurada, mas pelo menos no decorrer do mês de ... de 2017, o arguido decidiu adquirir o motociclo de marca ..., modelo ...), com o número de chassis ..., e com a matrícula ..-TF-.., o qual se encontrava à venda através do stand ..., em ... pelo valor de €20.245 (vinte mil duzentos e quarenta e cinco euros).
12. Para tanto, por intermédio do referido stand, o arguido solicitou o financiamento para aquisição do veículo à ..., indicando, para além de outros dados, chamar-se FF, titular do passaporte n.º ..., válido até .../.../2019, e do número de identificação fiscal ....
13. Para efeitos de concessão de crédito foi solicitado ao arguido que apresentasse documentação comprovativa da sua situação pessoal e patrimonial, e neste seguimento o arguido exibiu, entre outros documentos, o passaporte em referência, seis faturas-recibo da Autoridade Tributária e Aduaneira e um comprovativo de entrega de declaração Modelo 3 de IRS.
14. As seis faturas-recibo foram criadas pelo arguido através do acesso que lhe foi concedido na sequência da atribuição do número de identificação fiscal ... e emitidas pelo sítio da internet da Autoridade Tributária e Aduaneira, e nelas o arguido atestou a prestação de serviços de advocacia e o recebimento de valores que não prestou nem recebeu, assim concretizados:
Dados do adquirente de serviços e data
Importância recebida
..., .../.../2017
€38.224,72
..., .../.../2017
€895,70
..., .../.../2017
€996,69
..., .../.../2017
€38.250,54
..., .../.../2017
€561,63
..., .../.../2017
€26.629,50
15. O comprovativo de entrega de declaração Modelo 3 de IRS foi igualmente emitido pelo sítio da internet da Autoridade Tributária e Aduaneira, após o arguido ter preenchido a declaração referente ao ano de 2016, através do acesso com o número de identificação fiscal ..., na qual apôs rendimentos que não auferiu e que atestou terem tido o valor total de €117.903,44 (cento e dezassete mil novecentos e três euros e quarenta e quatro cêntimos).
16. Em consequência da actuação descrita, no dia .../.../2017 a II, celebrou com o arguido um contrato de crédito ao consumidor, no valor total de €22.170,19 (vinte e dois mil cento e setenta euros e dezanove cêntimos), e o motociclo com a matrícula ..-TF-.. foi entregue ao arguido.
17. No mesmo dia, utilizando a identidade e número de identificação fiscal atribuído a JJ, o arguido celebrou com a marca de seguros ... um contrato de responsabilidade civil automóvel referente ao veículo (apólice ...).
18. No dia 29/08/2017, fazendo uso dos dados constantes do documento em tudo semelhante a um passaporte ..., do nome de FF e do número de contribuinte atribuído, o arguido logrou que a propriedade do veículo com a matrícula ..-TF-.. fosse inscrita no Registo Automóvel a favor desta identidade.
19. Apesar de ter entrado na posse do motociclo o arguido apenas procedeu ao pagamento de quatro das vinte e cinco prestações acordadas, não devolveu o motociclo à entidade mutuante, e este veio a ser encontrado e apreendido pelas autoridades policiais em ..., em .../.../2018, na cidade de ....
20. Em data não concretamente apurada, mas pelo menos no decorrer do mês de ... de 2017, o arguido decidiu adquirir o veículo automóvel de marca ..., modelo ...), com o número de chassis ..., e com a matrícula ..-TZ-.., que se encontrava à venda através do stand ..., sito no ..., em ..., pelo valor de €66.500,02 (sessenta e seis mil e quinhentos euros e dois cêntimos).
21. Para tanto, por intermédio do referido stand, o arguido solicitou o financiamento para aquisição do veículo à BB, indicando, para além de outros dados, chamar-se FF, titular do passaporte n.º ..., válido até .../.../2019, e do número de identificação fiscal ....
22. Para efeitos de concessão de crédito foi solicitado ao arguido que apresentasse documentação comprovativa da sua situação pessoal e patrimonial, e neste seguimento o arguido exibiu, entre outros documentos, o passaporte em referência, oito faturas-recibo da Autoridade Tributária e Aduaneira e o comprovativo de entrega de declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2016, que atestava o recebimento de €117.903,44.
23. As oito faturas-recibo foram criadas pelo arguido e emitidas através do sítio da internet da Autoridade Tributária e Aduaneira, através do acesso que lhe foi concedido na sequência da atribuição do número de identificação fiscal ... ao cidadão FF, e nelas o arguido atestou a prestação de serviços de advocacia e o recebimento de valores que não prestou nem recebeu, assim concretizados:
Dados do adquirente de serviços e data
Importância recebida
..., .../.../2017
€6.190,44
..., .../.../2017
€2.263,20
..., .../.../2017
€15.744,49
..., .../.../2017
€8.708,61
..., .../.../2017
€2.263,20
..., .../.../2017
€21.898,80
..., .../.../2017
€26.789,79
..., .../.../2017
€28.730,45
24. Em consequência da actuação descrita, no dia .../.../2017 a instituição financeira EE celebrou com o arguido, mas com o nome e demais elementos de identificação de FF, um contrato de crédito ao consumidor, no valor total de €75.833,13 (setenta e cinco mil oitocentos e trinta e três euros e treze cêntimos), e o veículo automóvel com a matrícula ..-TZ-.. foi entregue ao arguido.
25. No mesmo dia .../.../2017, associado ao contrato de crédito, o arguido celebrou também com a EE um contrato de manutenção do veículo e assinou uma livrança em branco, pelo aludido valor de €75.833,13, igualmente utilizando o nome e demais elementos de identificação associados a FF.
26. No mesmo dia, utilizando a identidade e número de identificação fiscal atribuído a JJ, o arguido celebrou com a marca de seguros ... um contrato de responsabilidade civil automóvel referente ao veículo (apólice ...).
27. Apesar de ter entrado na posse do veículo o arguido não procedeu ao pagamento de nenhuma das quarenta e oito prestações acordadas, nem devolveu o veículo à entidade mutuante, e o veículo veio a ser removido por esta entidade em .../.../2018, depois de ter sido encontrado abandonado pelas autoridades policiais em ....
28. Em data não concretamente apurada, mas também no decorrer do mês de ..., o arguido decidiu adquirir o veículo automóvel da marca ..., modelo ... com o número de chassis ..., e com a matrícula ..-Sa-.., que se encontrava à venda através do stand da sociedade ..., na localidade de ..., pelo valor de €55.000 (cinquenta e cinco mil euros).
29. Para tanto, por intermédio do referido stand, o arguido solicitou o financiamento para aquisição do veículo à KK), indicando, para além de outros dados, chamar-se FF, titular do passaporte n.º ..., válido até .../.../2019, e do número de identificação fiscal ....
30. Para efeitos de concessão de crédito foi solicitado ao arguido que apresentasse documentação comprovativa da sua situação pessoal e patrimonial, e neste seguimento o arguido exibiu, entre outros documentos, o passaporte em referência e, pelo menos, o já referido comprovativo de entrega de declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2016 que atestava o recebimento de €117.903,44.
31. Em consequência da actuação descrita, no dia .../.../2017 a instituição financeira CC celebrou com o arguido, mas com o nome e demais elementos de identificação de FF, um contrato de crédito ao consumidor, no valor total de €57.296,05 (cinquenta e sete mil duzentos e noventa e seis euros e cinco cêntimos), e o veículo automóvel com a matrícula ..-SA-.. foi entregue ao arguido.
32. No mesmo dia, utilizando a identidade e número de identificação fiscal atribuído a JJ, o arguido celebrou com a marca de seguros ... um contrato de responsabilidade civil automóvel referente ao veículo (apólice ...).
33. No dia .../.../2017, fazendo uso dos dados constantes do documento em tudo semelhante a um passaporte ..., do nome de FF e do número de contribuinte atribuído, o arguido logrou que a propriedade do veículo com a matrícula ..-TF-.. fosse inscrita no Registo Automóvel a favor daquela identidade.
34. Apesar de ter entrado na posse do veículo e de ter inscrito a propriedade do mesmo a seu favor, o arguido não procedeu ao pagamento de nenhuma das quarenta e oito prestações acordadas, nem devolveu o veículo à entidade mutuante, e o veículo veio a ser aprendido em .../.../2018 em ..., na cidade de ....
35. O arguido quis deter e utilizar um documento com qualidade apta a ser reconhecido como um passaporte oficial para ocultar a sua verdadeira identidade, o que logrou, ciente de que não podia utilizar tal documento e identidade na obtenção de direitos nem no comércio jurídico.
36. Não obstante, com o propósito concretizado que renovou em todas as sobreditas ocasiões, o arguido não se coibiu de utilizar tal documento e identidade para assinar documentos e obter um número de identificação fiscal português, para proceder à abertura de contas bancárias, à celebração de contratos e à assinatura de uma livrança, para elaborar documentos com informações falsas, para proceder ao registo público de dois veículos automóveis em nome de FF.
37. O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de faltar à verdade perante os agentes da P.S.P. e os militares da G.N.R. quando, nas situações descritas, se identificou como FF, titular do passaporte n.º ..., apesar de saber que seria esta identidade que ficaria a constar dos documentos elaborados pelas autoridades policiais e ciente da autenticidade e força probatória conferida a tais documentos.
38. O arguido quis ainda entrar na posse dos três veículos identificados sem proceder ao pagamento integral do respectivo preço, bem sabendo que através da exibição do documento em tudo semelhante a um passaporte ..., das facturas-recibo e do comprovativo de entrega de IRS fazia crer às instituições financeiras que reunia condições para que lhe fosse concedido o crédito para a aquisição dos veículos, bem como que agia em prejuízo de património alheio e em proveito próprio.
39. O arguido agiu sempre com consciência do valor probatório e da fé pública que é reconhecida a documentos oficiais e da autenticidade conferida aos factos inscritos no Registo Automóvel, ciente que a livrança é um meio legal de pagamento, e agiu com o propósito de omitir a sua verdadeira identidade, de não assumir obrigações e de se furtar à acção das autoridades e da justiça.
40. O arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, e bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
41. O arguido foi julgado e condenado pela Justiça..., no Tribunal de Grande Instância de ... em ........2019, pela prática entre ... de ... de 2018 a ... de ... de 2018 em ... pelo crime de detenção fraudulenta de diversos documentos administrativos, in casu um bilhete de identidade e um passaporte da ... em nome de LL.
42. Aí se imputava ao arguido entre outros, os seguintes factos:
1. “Entre ... de ... de 2018 a ..., o arguido detinha e foram encontrados no seu domicilio e na sua viatura um bilhete de identidade, um passaporte e uma carta da condução ...s.
2. A análise do passaporte revelou tratar-se de uma falsificação. (…)
Resulta assim dos autos que todos os factos imputados a AA estão provados. Deve, como tal, ser declarado culpado e condenado (…) na pena de prisão de 2 anos.”
43. A II, é uma instituição financeira de crédito autorizada e supervisionada pelo ... e que no exercício da sua atividade comercial se dedica, com a devida autorização, ao financiamento para aquisição de veículos automóveis da marca ...e ....
44. No exercício da sua atividade comercial, o Assistente celebrou com o Arguido, AA, sob a identidade de FF, em ........2016, um contrato de crédito a consumidor com o número ....
45. A ... financiou o Arguido na aquisição de uma viatura de marca Audi, modelo ...), com a matrícula ..-TZ-...
46. Em face do contrato de crédito ao consumidor celebrado, foi financiado o valor de € 66.500,00 (sessenta e seis mil e quinhentos euros), sendo que o valor global imputado ao Mutuário e ora Arguido foi de € € 75.833,13 (setenta e cinco mil oitocentos e trinta e três mil euros e treze cêntimos),
47. Ficou acordado que o Mutuário e ora demandante deveria liquidar o disposto no contrato em 48 (quarenta e oito) prestações no valor de € 1.047,55 (mil e quarenta e sete euros e cinquenta e cinco euros) cada.
48. O Arguido/demandado nunca pagou qualquer prestação referente ao contrato em apreço, nem devolveu o veículo á MM.
em consequência da falta de pagamento das prestações acordadas, em .../.../2018, o ora Assistente procedeu com a resolução do contrato
49. A CC, no âmbito da atividade bancária a que se dedica, em .../.../2017, o aqui demandante celebrou com o arguido AA, um contrato de crédito no valor de € 57.296,05 (cinquenta e sete mil duzentos e noventa e seis euros e cinco cêntimos), destinado ao financiamento de aquisição de bem ou serviço por aquela a um fornecedor – ...,
50. Tal financiamento destinava-se à aquisição de um veículo automóvel marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-SA-...
51. Para o efeito, o Arguido solicitou o financiamento para a aquisição do referido veículo, indicando, para além de outros dados, chamar-se FF, titular do passaporte n.º ..., válido até .../.../2019, e do número de identificação fiscal ....
52. Por via daquele contrato, a ora Demandante disponibilizou, em ... de ... de 2017, um financiamento no montante de € 57.296,05
53. Foi pela Demandante analisada a documentação pessoal disponibilizada pelo Arguido para efeitos de aferição da sua capacidade financeira para reembolso do financiamento solicitados, a saber cópia do passaporte, comprovativo de morada, comprovativo de Número de Identificação Bancária (NIB).
54. Nos termos daquele contrato, o arguido vinculou-se ao reembolso do crédito concedido pela Demandante em 48 prestações mensais e sucessivas no valor de € 1.418,64 cada uma, acrescido das despesas de cobrança no valor de € 2,60 e do prémio de seguro de € 1.032,86, com vencimento ao dia 10 de cada mês, tudo conforme fotocópia do contrato que se junta como doc. nº 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
55. O arguido/demandado nunca procedeu ao pagamento das prestações acordadas, o que implicou a resolução do contrato de crédito, permanecendo em dívida a totalidade da quantia mutuada, acrescida dos respectivos juros e demais despesas convencionadas, conforme fotocópia carta enviada que se junta sob documento n.º 2 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
56. Face ao incumprimento pelo Arguido da obrigação de pagamento das prestações a que se vinculou, a Demandante remeteu a este carta registada com aviso de receção datada de ...-...-2018, na qual interpelava o arguido para que pusesse fim à mora no prazo de 20 dias, sob pena de serem consideradas vencidas as demais prestações por perda do beneficio do prazo contratual,
57. Carta essa expedida para a morada indicada pelo Arguido no contrato, tendo a mesma sido devolvida com a indicação ”mudou-se”
58. Razão pela qual se considerou incumprido definitivamente o contrato em ...-...-2018.
59. Face ao incumprimento, foi o contrato de crédito judicialmente ativado, tendo sido instaurado o competente procedimento de injunção para pagamento da dívida supra melhor referida, contra o arguido.
60. Deve o Arguido à Demandante, a título de capital, a quantia de € 58 533,22, correspondente à soma das prestações vencidas entre .../.../2018 e .../.../2018 e ao capital vincendo à data do incumprimento contratual (valor das prestações 4.ª a 48.ª, inclusive), devidas por força do incumprimento contratual, nos termos da Cláusula 8. do contrato.
61. Conforme dispõe a cláusula 10. das Condições Gerais, a Demandante – ao proceder à resolução do contrato de crédito e/ou a recorrer a juízo para obter o pagamento do saldo em dívida – substituiu as penalidades mensais de 4% sobre cada uma das prestações em mora por uma penalidade única de 8%.
62. Acresce ao valor de capital os juros de mora, contados à taxa contratualmente estabelecida de 8.400%, acrescida de 3% a título de mora (nos termos do ponto c) da Cláusula 8. das Condições gerais do contrato – doc. 1), bem como do respectivo imposto do selo (calculado à taxa de 4%, nos termos da rubrica 17.3.1 da TGIS), até efetivo e integral pagamento, juros e imposto de selo esses que, na presente data, ascendem a € 36.416,96 e € 1.456,68.
63. O arguido averba no seu Registo Criminal 27 condenações sendo a primeira datada do ano de 2001. Destas condenações, 15 são pela prática de crime de fraude com burla, 8 pela prática de crimes de falsificação de documentos, 1 pela prática de um crime de obstrução ou perturbação do exercício da justiça, 1 pela prática de um crime contrafacção de meios de pagamento, 1 pela prática de um crime de Participação intencional nas actividades não criminosas de uma organização criminosa, tendo sido condenado em penas d emulat e de prisão que cumpriu.
64. O arguido declarou que se encontra em situação de liberdade condicional em ... cujo termo ocorrerá em ........2025. Afirmou que actualmente trabalha numa imobiliária que possui, encontrando-se a efectuar pagamento de uma indemnização civil em que foi condenado em ....
Referiu que o seu pai era ...e a mãe .... Tem um irmão mais velho. Ficou órfão de pai aos 3 anos. Viveu em casa da mãe até aos 28 anos.
Iniciou o percurso escolar aos 5 anos. Afirmou ser licenciado em ... e estudou 3 anos ....
Esteve casado 10 anos e dessa relação nasceram dois filhos. Actualmente aufere em médio o rendimento mensal de 6.000 Euros. Reside m casa da mãe e auxilia mensalmente os filhos que ainda se encontram a estudar com a quantia mensal variável entre 1000 /1500 Euros. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevância para a presente decisão, não se provaram quaisquer factos. MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal quanto ao apuramento dos factos provados, fundamentou-se na análise global, conjugada e crítica da prova testemunhal e documental produzida em julgamento e que consta dos autos.
O arguido não quis prestar declarações, remetendo-se ao silêncio.
Porém, a abundante prova documental junta aos autos, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação e dos pedidos cíveis, foram inequívocos na confirmação da acusação.
Efectivamente a testemunha NN, declarou que um individuo que se identificou como sendo FF, que reconheceu ser o arguido, lhe arrendou um quarto numa casa em ..., e ali permaneceu durante um ano e três meses.
Referiu que lhe foi apresentado pelo arguido um bilhete de identidade ... em que constava a fotografia do arguido e que coincidia com a cara da pessoa com quem estava a contratar o arrendamento do quarto. Esclareceu também que ficou com uma fotocópia do bilhete de identidade que lhe foi exibido pelo arguido, que se apresentou como advogado com escritório em ... e que se encontrava em ... a tratar de assuntos da .... À data deslocava-se numa mota, passado pouco tempo surgiu a conduzir um veículo de marca .... Posteriormente disse-lhe que tinha arranjado um part-time na ..., justificando que tal actividade era para adquirir experiencia para abrir uma plataforma do mesmo género para si e passou a conduzir um veículo eléctrico.
Mais tarde, o arguido apresentava-se a conduzir um veículo ... novo e uma mota ....
Não sabe qual o motivo pelo qual o arguido cessou o contrato de arrendamento consigo, tendo porém, sempre pago a renda mensal.
A testemunha OO, gestora de recuperação judicial da CC, referiu que o contrato de financiamento foi celebrado nas instalações do fornecedor “...” para aquisição de um veículo ..., de matrícula ..-SA-.. que se encontrava á venda por 55.000,00 Euros. O contrato de financiamento incluindo despesas foi no montante de 57,296,05 Euros. O montante financiado seria pago em 48 meses em prestações mensais de 1418,64 euros, através de transferência bancária, porém a primeira prestação não foi paga por ter sido revogada a autorização de pagamento e as restantes não foram pagas por insuficiência de saldo.
Apesar de várias tentativas, não foi possível contactar o arguido, na morada que tinham informação numa ..., pelo que em ... foi rescindindo o contrato.
Esclareceu ainda que os pontos de venda têm indicação expressa de verificarem os documentos físicos que são apresentados pelos potenciais compradores a fim de instruírem com cópias o processo de concessão de crédito.
Todos os documentos que instruíam o processo de aprovação e concessão de crédito pareciam regulares e fidedignos. Se tivessem tido qualquer suspeita não teriam aprovado e concedido o crédito para a aquisição do veículo pretendido pelo arguido.
A testemunha PP, comerciante de automóveis do ..., propriedade de QQ, declarou que recebeu o arguido quando este se dirigiu ao ... para adquirir uma viatura automóvel de marca ... O arguido solicitou financiamento a 100%. O arguido apresentou os “originais” de todos os documentos necessários ao processo de aprovação e concessão de crédito, e foi-lhe entregue a viatura que adquiriu com o recurso ao crédito concedido.
A testemunha RR, jurista da SS, afirmou que financiaram a aquisição ao arguido de um ... branco de matrícula ..-TZ-... Referiu que o arguido apresentou todos os documentos exigidos para o processo de concessão de crédito, designadamente documento de identificação, declaração de IRS, recibos de vencimento, comprovativo de morada em nome de TT. Não surgiu nenhuma dúvida quanto á autenticidade dos documentos e consequentemente em face das informações que constavam dos documentos apresentados, o crédito foi concedido e o veículo foi entregue ao arguido. Não foram efectuados quaisquer pagamentos das prestações acordadas. Acabaram por recuperar o veículo em ... de 2028, através de informação da PSP de ..., que encontrou o veículo abandonado. Referiu ainda que o valor do financiamento foi de 66.500,00 Euros. Apos a recuperação do veículo o mesmo foi revendido pelo valor de 52.900,00 Euros.
*
Foram ainda relevantes para a decisão da matéria de facto os documentos juntos aos autos, designadamente:
- Informação do Registo Automóvel e de Contratos de Seguro de fls. 35 a 43 e 527 a 528;
- Documentação referente e entregue no âmbito do contrato de crédito par aquisição do veículo com a matrícula ..-TZ-.. de fls. 64 a 86;
- Documentação referente e entregue no âmbito do contrato de crédito par aquisição do veículo com a matrícula ..-TF-.. de fls. 90 a 106;
- Documentação referente e entregue no âmbito do contrato de crédito par aquisição do veículo com a matrícula ..-SA-.. de fls. 113 a 131;
- Auto de notícia 1126/16.4SGLSB de fls. 155;
- Auto de Contra-Ordenação 924342226 de fls. 156;
- Informações da base de dados e prestadas pela Autoridade Tributária a fls. 161 a 169 e 521 a 526;
- Informação prestada pela ... a fls. 232 a 233;
- Informação e documentação do banco ... de fls. 236 a 256;
- Informação e documentação do ... de fls. 257 a 256;
- Informação e documentação da ... de fls. 275 a 280;
- Informação e documentação da ... de fls. 321 a 324;
- Informação ... de fls. 343, 374 a 375 e 388 a 389;
- Documentação remetida pelas autoridades francesas e respectiva tradução de fls. 348v. a 355, 391 a 404, 409 a 415 e 437 a 442;
- documentação de fls. 569 a 576; e de fls. 582 a 592
Da análise dos documentos juntos aos autos, resulta evidenciado a celebração pelo arguido utilizando a identidade de FF dos contratos de financiamento para aquisição dos três veículos, bem como a elaboração dos documentos de serviram para a instrução do pedido de concessão de crédito, bem como ainda a celebração de dois contratos com operadoras móveis.
Aliás as condutas praticadas pelo arguido estão sobejamente evidenciadas nos documentos juntos, não subsistindo dúvidas quanto á sua autoria, uso e finalidade a que se destinavam e era pretendida pelo arguido.
*
Os depoimentos das testemunhas supra mencionadas, conjuntamente com a demais prova pericial e documental produzida, conjugados com as regras da experiência comum, permitiram ao Tribunal concluir pela actuação do arguido nos factos que constituem o objecto do presente processo, integradores dos crimes de burla e dos crimes de falsificação de documento, bem como pelo modo de actuação, motivação e intenção subjacente à sua prática, nos termos que resultaram provados».
FUNDAMENTAÇÃO
Questão prévia: da admissibilidade de junção de documentos com a motivação do recurso
Com a motivação do recurso, o recorrente juntou vários documentos, no caso peças de um processo de mandado de detenção europeu em que intervieram a ... e o ....
Não lhe é permitido fazê-lo nesse momento em face do que dispõe o artigo 165º, n.º1, do Código de Processo Penal.
Além disso, o Tribunal de recurso não pode apreciar elementos de prova que o tribunal recorrido não apreciou, uma vez que os recursos estão configurados no nosso sistema processual penal como remédios jurídicos, que visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre questões novas.
Seguindo de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.02.2022, proferido no processo nº 360/20.7JELSB.L1-5, Relator Fernando Ventura, publicado na dgsi: «Trata-se, contudo, de prova documental cuja junção não é admissível no presente recurso. Nos termos do n.º 1 do artigo 165.º do CPP, a apresentação de prova documental deve ser feita nas fases processuais preliminares de inquérito e de instrução, admitindo-se que possa ocorrer na fase de audiência, até ao encerramento desta, caso a junção ao processo não tenha sido possível antes. Como refere a jurisprudência, «trata-se de imposição necessária à correcta tramitação do processo e à disciplina dos actos processuais, consabido que a apresentação e produção de qualquer prova tem a sua sede natural e própria nas fases preliminares e de audiência. Após o encerramento do contraditório e a subsequente prolação da sentença, com a fixação da matéria de facto, torna-se inútil e despropositada a apresentação de prova de qualquer natureza, incluindo a documental, tanto mais que nos raros casos em que a lei admite a renovação da prova – artigo 430.º –, como o próprio instituto sugere, o tribunal de recurso limita-se a reanalisar os meios de prova (já) apresentados e produzidos, ou seja, não podem ser requeridos, nem ordenados oficiosamente novos meios de prova, isto é, meios de prova distintos dos apresentados e produzidos na 1ª instância» (Acórdão do STJ de 12 de outubro de 2011, P.º 484/02.2TATMR.C2.S1, acessível em www.dgsi.pt). Essa disciplina legal apenas deverá ceder nos casos em que se verifiquem as circunstâncias, de todo excecionais, relevadas casuisticamente pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no Acórdão Pereira Cruz e outros c. ..., de 26 de junho de 2018».
Destarte, não se admite a junção aos autos dos documentos junto com a interposição do recurso e determina-se o seu desentranhamento.
1. Do desrespeito pelo Tribunal da não renúncia do arguido à regra de especialidade no âmbito do Mandado de Detenção Europeu requerido pelo ...que foi cumprido pelo Tribunal de ... e consequente nulidade do julgamento
Para o requerido, ocorreu o “desrespeito pelo Tribunal da não renúncia do arguido à regra de especialidade no âmbito do Mandado de Detenção Europeu requerido pelo Reino de Espanha que foi cumprido pelo Tribunal de …, e que determinou o envio do arguido para ..., onde detido, e ainda a cumprir pena à ordem dos processos relativos ao MDE, foi por este Tribunal acusado, julgado e condenado”.
Adianta que “o Tribunal teve conhecimento deste facto, contudo ignorou alegando que tal regime não se aplicaria ao caso concreto”.
Violou-se, desta sorte, para o recorrente, a não renúncia ao princípio da especialidade, já que “para ser julgado por factos anteriores aos que motivaram a sua detenção e envio para o Tribunal requerente, deveria ter ocorrido um pedido de ampliação do MDE, o que não ocorreu”, assim se violando o disposto no artigo 7.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto.
Sempre adianta que a consequência deste desrespeito será a nulidade do julgamento.
Respondeu o Ministério Público que “muito embora o arguido se encontre em cumprimento de uma pena de prisão, em Espanha, na sequência da emissão de Mandado de Detenção Europeu pelas ..., cumprido pelas ..., a realização da audiência de julgamento dos presentes autos não se insere no âmbito da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto. Com efeito, a notificação do arguido do despacho de acusação bem como da data designada para a audiência de julgamento foi efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 283.º e 313.º, do Código de Processo Penal, sem recurso à emissão de Mandado de Detenção Europeu, motivo pelo qual o arguido veio, aliás, requerer ser ouvido através da plataforma WEBEX, pelo que falece a invocada violação do artigo 7.º da mencionada Lei n.º 65/2003”.
Apreciando:
Sobre esta matéria, inexiste nos autos qualquer decisão do Tribunal que importe confirmar ou revogar. O Tribunal de recurso analisa decisões e não questões novas, sobre as quais não se tenha debruçado a primeira instância. Excetuam-se as questões de conhecimento oficioso, como os vícios do artigo 410º ou o cometimento de nulidades insanáveis.
É certo que, compulsados os autos, em 21.01.2025, muito depois de apresentar a sua contestação (na qual, de forma tabelar, remeteu o apuramento da veracidade dos factos para a audiência de julgamento), o recorrente juntou requerimento, já depois de o julgamento ter tido início, pedindo que «sejam tomadas as diligências necessárias para que o arguido possa acompanhar o julgamento, quer pelas formas à distância já referidas, ou, que proceda às demais diligências para que as autoridades Espanholas permitam no âmbito do cumprimento da sua pena, que o arguido possa deslocar-se a ... para a realização do julgamento, sem prejuízo do Tribunal se prenunciar sobre a questão relativa ao Mandato de Detenção Europeia deduzido pelas autoridades Espanholas, em que o arguido não renunciou ao principio da especialidade» - sic - (sublinhado da ora relatora).
No artigo 11º desse requerimento mencionou que «quanto ao Mandato Europeu de Detenção emitido pelas autoridades do ... do qual o arguido não renunciou ao princípio da especialidade, o mesmo entende que ao ser detido na ... por força de um processo a correr termos em ..., que não pode ser julgado por outros processos que apenas por ter sido levado para Espanha possam ter lugar» - sic.
Não se vê que decisão alguma tenha sido tomada, em ata ou por despacho avulso, sobre esta apelidada questão relativa ao MDE, sendo certo que desde já se adianta que, não se impondo o seu conhecimento no acórdão recorrido, não se compreende que o tribunal recorrido nada tenha formalmente dito sobre um requerimento que lhe foi dirigido. Tudo indicia que a questão terá sido singelamente tratada oralmente, sem qualquer formalismo, numa espécie de transmissão de opinião ou de troca de palavras, “alegando que tal regime não se aplicaria ao caso concreto”. A ter sido assim, também não se entende que o recorrente, no momento próprio, não tenha instado o Tribunal recorrido a proferir despacho sobre essa questão, com vista a do mesmo eventualmente reagir.
O que é facto é que o julgamento prosseguiu até ao seu termo.
Haverá aqui motivo conducente a declarar nulo o julgamento, como requer o recorrente, por violação do princípio da especialidade?
Entendemos que não.
Com efeito, dispõe o artigo 7º, nº 1, da Lei 65/2003, de 23 de agosto, sobre o regime jurídico do mandado de detenção europeu (MDE), que A pessoa entregue em cumprimento de um mandado de detenção europeu não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada de liberdade por uma infração praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu.
É o denominado princípio da especialidade, que admite exceções, entre as quais a renúncia ao mesmo.
Ora, ... não foi parte nesse MDE, nem como Estado requerente, nem como Estado requerido, em que apenas intervieram o ... e a ....
E o MDE e as regras que o disciplinam apenas vinculam os Estados requerente e requerido.
Como se lê no acórdão desta 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.06.2025, relatora Sandra Oliveira Pinto, processo 3667/23.8YRLSB-5, publicado na dgsi, «o princípio da especialidade consagrado no artigo 7º da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, traduz-se em limitar os factos pelos quais a pessoa entregue em cumprimento de um mandado de detenção europeu será sujeita a procedimento criminal, condenada ou privada de liberdade, após a entrega ao Estado requerente, àqueles que motivaram essa entrega. Como refere Anna Zairi (Le Principe de la Spécialité de l’Extradition au Regard des Droits de l'Homme, p. 30, apud José Manuel Cruz Bucho e outros, Cooperação Judiciária Internacional, I, pág. 40 n. 71), referindo-se à extradição, o fundamento jurídico do princípio assenta no reconhecimento da soberania do Estado requerido pelo Estado requerente, expressa no carácter convencional da extradição e corresponde à observância pelo Estado requerente do compromisso perante o Estado requerido de apenas perseguir o extraditando pelas infrações mencionadas no pedido».
Nem se vê – nem foi alegado – que ... tenha recorrido a qualquer MDE para poder julgar, no nosso território, o recorrente. O julgamento do recorrente fez-se com a participação do mesmo por webex, como aliás requereu em 20.11.2024 e reiterou em 16.01.2025.
Não sendo ... parte no citado MDE (nem em outro que respeite ao recorrente), é desprovido de fundamento a convocação do princípio da especialidade.
Improcede, aqui, o recurso.
2. Da prescrição do(s) crimes(s) pelo(s) qual(is) o recorrente foi condenado.
Nas conclusões 11 a 17, o recorrente pugna pela prescrição dos crimes de falsas declarações, assim como dos crimes de falsificação, convocando o artigo 118.º do Código Penal: os crimes puníveis com pena inferior a cinco anos prescrevem decorridos cinco anos, ou sete anos e 6 meses nos casos verificados no artigo 121º, n.º 3.
Na resposta, o Ministério Público sustentou que: - Concorda-se com o recorrente quando alega que o procedimento criminal alusivo aos três crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, e os dois crimes de falsas declarações, previstos e punidos peloartigo348.º-A, n.º 1doCódigoPenal, peloqual foi condenadosemostra prescrito. - Na verdade, remontando a prática dos factos alusivos aos citados ilícitos penais ao período compreendido entre 17-06-2016 e 29-08-2017 (falsificação de documentos) e 12-11-2016 e 20-09-2017 (falsas declarações), constata-se que o procedimento criminal se mostra efetivamente prescrito, sem que entre aquelas datas e os dias 09-11-2022 (constituição como arguido) e 15-11-2023 (notificação da acusação) tenha ocorrido qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição – cfr. artigos 118.º, n.º 1, alínea b), 120.º e 121.º, todos do Código Penal. - Quanto aos dois crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1 e n.º 3 do Código Penal, sendo os mesmos puníveis com pena de seis meses a cinco anos de prisão ou com pena de multa de 60 a 600 dias, o prazo de prescrição do procedimento criminal, atento o artigo 118.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, aumenta para 10 anos, mostrando-se assim evidente que, remontando os factos a Junho e Dezembro de 2017, o procedimento, quanto a estes dois crimes de falsificação de documento (agravado), não se mostra prescrito.
Vejamos.
A prescrição é de conhecimento oficioso, podendo o Tribunal de recurso apreciá-la.
O acórdão recorrido, na parte que ora importa, entendeu condenar o recorrente:
- pela prática de três crimes de burla qualificada, previsto e punido pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena dois deles de 3 (três) anos e 6 (seis) meses (relativo aos dois veículos automóveis ligeiros) e um, punido com a pena de 3 (três) de prisão (relativo ao motociclo). Estes crimes têm uma moldura penal abstrata de prisão de 2 a 8 anos. O prazo de prescrição é de 10 anos – artº 118º, nº 1, al. b), do CP;
- pela prática, em autoria material, de dois crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1, e 3 do Código Penal, na pena cada um deles de 1 (um) ano de prisão. Estes crimes têm uma moldura penal abstrata de prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias. O prazo de prescrição é de 10 anos – artº 118º, nº 1, al. b), do CP.
- pela prática, em autoria material, de três crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1 a), do Código Penal, na pena cada um deles de 6 (seis) meses de prisão. Estes crimes têm uma moldura penal abstrata de prisão até 3 anos ou pena de multa. O prazo de prescrição é de 5 anos – artº 118º, nº 1, al. c), do CP
- pela prática, em autoria material, dois crimes de falsas declarações, previstos e puníveis pelo art. 348-A , n.º 1, do Código Penal, na pena cada um deles de 3 (três) meses de prisão. Estes crimes têm uma moldura penal abstrata de prisão até um ano ou pena de multa. O prazo de prescrição é de 5 anos – artº 118º, nº 1, al. b), do CP.
A propósito deste último tipo legal, o dispositivo do acórdão refere o artigo 248º-A, nº 1. Tratar-se-á de evidente lapso de escrita porquanto, seja pela acusação, seja pela fundamentação, se percebe que se queria referir o artigo 348º-A, nº 1, do CPP, o que a final se retificará.
Tal lapso não importa qualquer modificação essencial, pelo que deve determinar-se a consequente retificação, que este Tribunal pode efetuar, nos moldes a que alude artigo 380º, nsº 1, alínea b), e 2 do Código de Processo Penal, o que se consignará no dispositivo deste acórdão.
Voltando ao cerne da questão, os factos vêm descritos como tendo ocorrido em 2016 e 2017.
Mais exatamente, como acertadamente refere o Ministério Público, remonta a prática dos factos alusivos aos citados ilícitos penais ao período compreendido entre 17-06-2016 e 29-08-2017 (falsificação de documentos) e 12-11-2016 e 20-09-2017 (falsas declarações).
A prescrição interrompe-se:
- com a constituição como arguido, ocorrida em 09.11.2022 – artº 121º, nº 1, al. a), do CP;
- com a notificação da acusação, ocorrida em 15.11.2023 – artº 121º, nº 1, al. b), do CP.
Depois de cada interrupção, volta a correr novo prazo de prescrição (nº 2 do preceito em análise.
Ainda assim, a prescrição do procedimento criminal, tem sempre lugar, nos termos do n.º 3, do citado artigo 121º, quando, desde o início e ressalvando o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.
Ora, no prazo de 5 anos nenhuma causa de interrupção da prescrição ocorreu, que apenas ocorreu dentro do prazo de 10 anos (este ainda nem decorreu desde o início).
Pelo exposto, ao abrigo do estatuído no artigo 118.º/1 do Código Penal, declarar-se-á extinto, por prescrição, o procedimento criminal intentado contra o aqui recorrente pela prática, em autoria material, de três crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1 a), do Código Penal; e de dois crimes de falsas declarações, previstos e puníveis pelo art. 348-A , n.º 1, do Código Penal.
3. Da nulidade da sentença por falta de rigoroso exame crítico da prova
Para o recorrente, depois de argumentar que a prova existente era insuficiente e foi mal valorada, foi violado o artigo 374º, nº 2, do CPP por “falta de rigoroso exame crítico na apreciação da prova”.
O artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal impõe, a propósito do requisito da fundamentação, que a sentença mesma contenha a «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A apreciação da prova é livre, mas não pode ser arbitrária, tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objetivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer.
A omissão do exame crítico das provas importa a nulidade da sentença, nos termos do art. 379º nº 1 al. a) do CPP.
Como a própria expressão «exame crítico» refere, se é certo que a exigência de fundamentação da convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados não se basta com a mera enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, (sendo inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância – cfr. Acs. do Tribunal Constitucional n.º 172/94, Diário da República, 2.ª série, de 19 de Julho de 1994 e n.º 573/98, Diário da República, 2.ª série, de 13 de Novembro de 1998), por outro lado, também não deve redundar numa «espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 258/2001, com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), sob pena de violação do princípio da oralidade e de também não materializar qualquer análise objetiva da prova produzida, da qual seja possível retirar qual o processo de raciocínio do tribunal na formação da sua convicção quanto aos factos.
Com efeito, o que importa para satisfazer a exigência legal do exame crítico das provas é que a fundamentação da decisão de facto expresse quais as provas cujo valor probatório se encontra pré-estabelecido na lei (v.g., a confissão do arguido, a prova pericial e a prova documental autêntica e autenticada) que foram produzidas e quais os factos que demonstram, bem como que dessa fundamentação resulte, com clareza, quais as regras de experiência comum, os critérios de razoabilidade e de lógica, ou os conhecimentos técnicos e científicos utilizados para conferir credibilidade a determinados meios de prova (e não a outros) e em que medida os meios de prova produzidos oferecem informação esclarecedora e convincente que permite considerar provados os factos ou, pelo contrário, não oferecem segurança para alicerçar uma conclusão positiva acerca da verificação de determinados factos e, por isso, se justifica a sua inclusão, nos factos não provados.
Analisando o acórdão recorrido, o mesmo explicou a sua convicção nos seguintes moldes:
“A convicção do Tribunal quanto ao apuramento dos factos provados, fundamentou-se na análise global, conjugada e crítica da prova testemunhal e documental produzida em julgamento e que consta dos autos.
O arguido não quis prestar declarações, remetendo-se ao silêncio.
Porém, a abundante prova documental junta aos autos, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação e dos pedidos cíveis, foram inequívocos na confirmação da acusação.
Efectivamente a testemunha NN, declarou que um individuo que se identificou como sendo FF, que reconheceu ser o arguido, lhe arrendou um quarto numa casa em ..., e ali permaneceu durante um ano e três meses.
Referiu que lhe foi apresentado pelo arguido um bilhete de identidade ... em que constava a fotografia do arguido e que coincidia com a cara da pessoa com quem estava a contratar o arrendamento do quarto. Esclareceu também que ficou com uma fotocópia do bilhete de identidade que lhe foi exibido pelo arguido, que se apresentou como advogado com escritório em ... e que se encontrava em ... a tratar de assuntos da .... À data deslocava-se numa mota, passado pouco tempo surgiu a conduzir um veículo de marca .... Posteriormente disse-lhe que tinha arranjado um part-time na ..., justificando que tal actividade era para adquirir experiencia para abrir uma plataforma do mesmo género para si e passou a conduzir um veículo eléctrico.
Mais tarde, o arguido apresentava-se a conduzir um veículo ... Cabrio novo e uma mota ....
Não sabe qual o motivo pelo qual o arguido cessou o contrato de arrendamento consigo, tendo porém, sempre pago a renda mensal.
A testemunha OO, gestora de recuperação judicial da CC, referiu que o contrato de financiamento foi celebrado nas instalações do fornecedor “...” para aquisição de um veículo ..., de matrícula ..-SA-.. que se encontrava á venda por 55.000,00 Euros. O contrato de financiamento incluindo despesas foi no montante de 57,296,05 Euros. O montante financiado seria pago em 48 meses em prestações mensais de 1418,64 euros, através de transferência bancária, porém a primeira prestação não foi paga por ter sido revogada a autorização de pagamento e as restantes não foram pagas por insuficiência de saldo.
Apesar de várias tentativas, não foi possível contactar o arguido, na morada que tinham informação numa ..., pelo que em ... foi rescindindo o contrato.
Esclareceu ainda que os pontos de venda têm indicação expressa de verificarem os documentos físicos que são apresentados pelos potenciais compradores a fim de instruírem com cópias o processo de concessão de crédito.
Todos os documentos que instruíam o processo de aprovação e concessão de crédito pareciam regulares e fidedignos. Se tivessem tido qualquer suspeita não teriam aprovado e concedido o crédito para a aquisição do veículo pretendido pelo arguido.
A testemunha PP, comerciante de automóveis do ..., propriedade de QQ, declarou que recebeu o arguido quando este se dirigiu ao ... para adquirir uma viatura automóvel de marca ... O arguido solicitou financiamento a 100%. O arguido apresentou os “originais” de todos os documentos necessários ao processo de aprovação e concessão de crédito, e foi-lhe entregue a viatura que adquiriu com o recurso ao crédito concedido.
A testemunha RR, jurista da UU, afirmou que financiaram a aquisição ao arguido de um ... Cabriolet branco de matrícula ..-TZ-... Referiu que o arguido apresentou todos os documentos exigidos para o processo de concessão de crédito, designadamente documento de identificação, declaração de IRS, recibos de vencimento, comprovativo de morada em nome de TT. Não surgiu nenhuma dúvida quanto á autenticidade dos documentos e consequentemente em face das informações que constavam dos documentos apresentados, o crédito foi concedido e o veículo foi entregue ao arguido. Não foram efectuados quaisquer pagamentos das prestações acordadas. Acabaram por recuperar o veículo em...de 2028, através de informação da PSP de ..., que encontrou o veículo abandonado. Referiu ainda que o valor do financiamento foi de 66.500,00 Euros. Apos a recuperação do veículo o mesmo foi revendido pelo valor de 52.900,00 Euros.
*
Foram ainda relevantes para a decisão da matéria de facto os documentos juntos aos autos, designadamente:
- Informação do Registo Automóvel e de Contratos de Seguro de fls. 35 a 43 e 527 a 528;
- Documentação referente e entregue no âmbito do contrato de crédito par aquisição do veículo com a matrícula ..-TZ-.. de fls. 64 a 86;
- Documentação referente e entregue no âmbito do contrato de crédito par aquisição do veículo com a matrícula ..-TF-.. de fls. 90 a 106;
- Documentação referente e entregue no âmbito do contrato de crédito par aquisição do veículo com a matrícula ..-SA-.. de fls. 113 a 131;
- Auto de notícia 1126/16.4SGLSB de fls. 155;
- Auto de Contra-Ordenação ... de fls. 156;
- Informações da base de dados e prestadas pela Autoridade Tributária a fls. 161 a 169 e 521 a 526;
- Informação prestada pela ... a fls. 232 a 233;
- Informação e documentação do banco ... de fls. 236 a 256;
- Informação e documentação do ... de fls. 257 a 256;
- Informação e documentação da ... de fls. 275 a 280;
- Informação e documentação da ... de fls. 321 a 324;
- Informação ... de fls. 343, 374 a 375 e 388 a 389;
- Documentação remetida pelas autoridades francesas e respectiva tradução de fls. 348v. a 355, 391 a 404, 409 a 415 e 437 a 442;
- documentação de fls. 569 a 576; e de fls. 582 a 592
Da análise dos documentos juntos aos autos, resulta evidenciado a celebração pelo arguido utilizando a identidade de FF dos contratos de financiamento para aquisição dos três veículos, bem como a elaboração dos documentos de serviram para a instrução do pedido de concessão de crédito, bem como ainda a celebração de dois contratos com operadoras móveis.
Aliás as condutas praticadas pelo arguido estão sobejamente evidenciadas nos documentos juntos, não subsistindo dúvidas quanto á sua autoria, uso e finalidade a que se destinavam e era pretendida pelo arguido.
*
Os depoimentos das testemunhas supra mencionadas, conjuntamente com a demais prova pericial e documental produzida, conjugados com as regras da experiência comum, permitiram ao Tribunal concluir pela actuação do arguido nos factos que constituem o objecto do presente processo, integradores dos crimes de burla e dos crimes de falsificação de documento, bem como pelo modo de actuação, motivação e intenção subjacente à sua prática, nos termos que resultaram provados”.
Ou seja, percebe-se que o que alicerçou a convicção do Tribunal foram os depoimentos das mencionadas testemunhas, que explicaram a sua intervenção nos autos e o relacionamento mantido com o recorrente, tudo conjugado com a vasta documentação elencada e as regras da experiência comum.
Não ocorre a suscitada nulidade da sentença.
4. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada
Apelando ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e ao artigo 410º, nº 2, al. a), do CPP), nas conclusões 18 e seguintes o recorrente diz que a prova foi apreciada sem o especial cuidado que era devido. Nas palavras do recorrente, o Tribunal “baseou-se em convicções, assim como alguma prova documental, nomeadamente autos de ocorrências de operações policiais de estrada, sem que se tivessem chamado a testemunhas esses intervenientes para indicarem o que realmente sabem sobre esses factos”.
Entende que a “prova é manifestamente insuficiente para que tais crimes possam ser dados como provados, nomeadamente os crimes de falsificação e de falsas declarações. Desde logo, como todos sabemos, pela experiência que temos neste tipo de processos, que a maior parte dos documentos ditos falsificados, ou originais, nunca são exibidos às entidades que celebram contratos de crédito. A grande parte das vezes, esses documentos chegam às entidades financiadoras através de email, ou seja, nem sabemos se são digitalizações de fotocópias forjadas, ou documentos falsificados. O arguido não prestou declarações, não admitiu, nem deixou de admitir os factos, pelo que não sabemos se foi ele que alterou os documentos, ou os falsificou. Claro que as poucas testemunhas disseram, que todas as assinaturas terão sido efetuadas na presença dessa pessoa como o dito passaporte Não sabemos se a obtenção dos créditos foi conseguida com fotocópias de documentos, ou com documentos falsos. Não houve perícias relativamente a assinaturas. Não houve prova testemunhal suficiente. Não há prova nomeadamente testemunhal que possa atestar e dar como provados a falsificação de documentos quanto aos contratos das operadoras ... e .... Os contratos foram celebrados nas lojas das respetivas entidades? Foram feitas por algum vendedor “porta a porta”? Ou terão esses contratos sido feitos por telefone? Houve nesses contratos de prestação de serviços de telecomunicações alguma perícia às assinaturas? Pelo que os crimes relativos à falsificação de documentos, não foram de todo provados em sede de audiência de discussão e julgamento, que é onde a prova deve ser feita. (…) Pois não temos perícias de assinaturas, não sabemos se foram usadas fotocópias, se foram efetivamente falsificados pelo arguido documentos para o efeito. Quanto aos crimes de falsas declarações, também entendemos não ter sido feita qualquer prova em sede de audiência de julgamento. Não foi levado pelo Ministério Publico nenhum dos supostos agentes intervenientes que pudessem esclarecer os autos quanto à forma de identificação do suspeito, com que documentação, quem elaborou o auto Mais uma vez o Tribunal presume que o que está vertido nos autos dos OPC que os lavraram é verdade, sem saber como é que foi identificado o arguido».
O que dizer?
É sabido que em face do nosso quadro normativo, a decisão da primeira instância pode ser modificada (artigo 431.º/b) por duas vias diferentes:
Ou através da invocação dos vícios referenciados no artigo 410.º/2 do CPP (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova) vícios, aliás, de conhecimento oficioso, no que se vem denominando de “revista alargada”.
Ou mediante o que se vem denominando de “impugnação ampla”, procedendo-se à invocação de erros de julgamento, de harmonia com o estatuído no artigo 412.º/3 e 4 do mesmo diploma.
No caso dos vícios do artigo 410.º/2 do CPP estamos perante vícios da decisão, sendo que qualquer das situações aí mencionadas se traduz em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspetiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova.
Qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do referido artigo 410.º do CPP, é inerente ao silogismo da decisão e apenas dela pode ser apurado em face da mesma - não sendo possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão, para sua afirmação - ainda que conjugado com as regras da experiência - sendo a consequência lógica e imediata, da sua existência, salvo o caso de ser possível conhecer da causa, o reenvio do processo, nos termos do estatuído no artigo 426.º CPP.
Na sequência lógica destes pressupostos, a sua emergência, como resulta expressamente referido no artigo 410.º/2 CPP, terá que ser detetada do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Em sede de apreciação dos vícios do artigo 410.º do CPP, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Qualquer dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, pressupõe uma outra evidência, não podendo ser confundidos com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem podem emergir da mera divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127.º do CPP.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP, ocorre quando, da factualidade elencada na decisão recorrida, resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância de o Tribunal não se ter pronunciado (dando como provados ou não provados) todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação ou pela defesa, ou tenham resultado da discussão.
Trata-se de um vício que consiste em ser insuficiente a matéria de facto para a decisão de direito.
Verifica-se quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, isto é, quando os factos provados são insuficientes para poderem sustentar a decisão recorrida ou quando o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso.
Só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo.
É, no fundo, uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito.
O recorrente não nos diz que factos ficaram por indagar.
E não se vê que factos mais deveriam ter sido investigados ou que alguns, alegados e com interesse, tenham sido esquecidos ou postos de parte. Aqueles que estão provados permitem alicerçar o juízo condenatório.
Apenas nos diz o recorrente que não houve prova ou que a mesma é insuficiente para se darem como provados os crimes, tendo sido mal valorada. Numa palavra, diz-nos que há erro de julgamento.
Porém, a factualidade não foi impugnada nos termos prescritos no artigo 412.º do CPP.
É, assim, factualidade definitivamente fixada.
Improcede este segmento do recurso.
5. Do erro notório na apreciação da prova quanto aos valores peticionados / Da correção dos valores que o recorrente foi condenado a pagar pelos crimes de burla
Na página 43 da motivação, o recorrente apelida de e discorre sobre o “erro notório na apreciação da prova no que toca aos valores peticionados”.
Retoma essa matéria nas conclusões 51 a 59, que revisitamos:
51) Deve ainda, no que aos crimes de burla diz respeito, haver uma correção dos valores em que o arguido foi condenado a pagar.
52) O Tribunal andou mal a analisar os danos, e ignorou quer a sentença do Tribunal de ..., como as alegações da defesa, pois a Sentença desse Tribunal que já aqui foi referida, cuja informação consta nos autos, e que inclusive é mencionada nos factos dados comoprovados, assim como mencionada na acusação, indica que as viaturas ... ..-SA-.., e moto ... ..-TE-.. foram apreendidas nesses autos em ....
Lê-se na acusação
““11. Em data não concretamente apurada, mas pelo menos no decorrer do mês de... de 2017, o arguido decidiu adquirir o motociclo de marca ..., modelo ...), com o número de chassis ..., e com a matrícula ..-TF-..
19. Apesar de ter entrado na posse do motociclo o arguido apenas procedeu ao pagamento de quatro das vinte e cinco prestações acordadas, não devolveu o motociclo à entidade mutuante, e este veio a ser encontrado e apreendido pelas autoridades policiais em ..., em .../.../2018, na cidade de ....
28. Em data não concretamente apurada, mas também no decorrer do mês de ... de 2017, o arguido decidiu adquirir o veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com o número de chassis ..., e com a matrícula ..- SA-..,
34. Apesar de ter entrado na posse do veículo e de ter inscrito a propriedade do mesmo a seu favor, o arguido não procedeu ao pagamento de nenhuma das quarenta e oito prestações acordadas, nem devolveu o veículo à entidade mutuante, e o veículo veio a ser aprendido em .../.../2018 em ..., na cidade de ....”
53) Inclusivamente nos autos consta a ... de ... de 2021 um despacho onde se manda insistir para que se façam diligências junto das autoridades francesas para a devolução das viaturas às financeiras
54) Apreendidos pelas autoridades francesas no âmbito do MDE para .... As autoridades francesas comunicaram a existência dessas viaturas às autoridades portuguesas dado as matrículas serem portuguesas.
55) Ora se as autoridades portuguesas disso sabiam, deviam ter comunicado à Lesada CC, que financiou esses veículos, que inclusivamente registou como garantia uma reserva de propriedade para que a mesma diligenciasse para recolher os veículos, e à semelhança da VV, poder vender os veículos e dessa forma reduzir o seu prejuízo.
56) Ou foi comunicado à Cofidis e a mesma nada fez
57) Certo é que o arguido nada podia fazer para recolher essas viaturas, visto ter sido detido para cumprir uma pena de prisão.
58) Pelo que não pode ser responsabilizado pelo valor total das viaturas se as mesmas estão retidas pela justiça francesa ou portuguesa, por inércia de ambas.
59) Ou seja, não colheu uma vantagem proporcional ao valor peticionado, termos em que deve o valor ser reduzido à semelhança do que ocorreu quanto à viatura ..-TZ-.. em que a VV diligenciou por recolher a viatura, vendê-la, e dessa forma ser já ressarcida de parte dos danos.
O erro notório na apreciação da prova vem previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
Mais uma vez: o vício em causa é um vício da decisão. Tem que resultar do texto da decisão. Não é possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão para a sua afirmação, ainda que conjugado com as regras da experiência.
Verifica-se o “erro notório na apreciação da prova” quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, o que sucede quando, por exemplo, se dá como provado um facto que notoriamente está errado, que não poderia ter acontecido ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira uma conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória de um facto dado como provado (positivo ou negativo) contido no texto da sentença recorrida.
Este erro na apreciação da prova tem de ser grosseiro, ostensivo e evidente, não escapando ao homem com uma cultura média (vide Luís Lemos Triunfante, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Coimbra, Almedina, 2024, págs. 199 a 204).
Como escreve Sérgio Poças, Processo Penal quando o recurso incide sobre a matéria de facto, in Julgar nº 10, 2010, págs. 29 e 39, «(…) o erro notório é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência.
(…) O recorrente deverá atentar bem na questão que ora nos ocupa, porque, embora muito invocado nos tribunais, verdadeiramente o erro notório na apreciação da prova (tal como é desenhado na lei) raramente se verifica. Naturalmente.
Sejamos claros: se o erro notório é logo detectado pelo observador comum, como é que o julgador, necessariamente atento, por força do exercício
da função, não haveria de ver um erro que se vê logo?
E concluía: o eventual erro na apreciação da prova normalmente nunca emerge como erro notório na apreciação da prova (tal como o instituto está previsto no n.º 2 do artigo 410.º). Assim, quando o recorrente entende que a prova foi mal apreciada deve proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o artigo 412.º, n.º 3, e não agarrar-se ao vício do erro notório».
Ainda assim, com o desiderato de evitar a consolidação de casos de erro clamoroso, tem-se entendido, numa visão mais abrangente da norma, que poderão ser casos de erro notório na apreciação da prova aquelas situações de erro na apreciação da prova que indubitavelmente resultam do texto da decisão recorrida, analisada criteriosamente na sua globalidade, mesmo que escapem ao crivo do cidadão comum sem conhecimentos jurídicos mas que sejam percecionados por um jurista com uma formação e preparação normais (vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-10-2020, relator Manuel Augusto de Matos, processo n.º 1551/19.9T9PRT.P1.S1, e António Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, Coimbra, Almedina, 2014, pág. 1359).
A este respeito, a motivação plasmada no acórdão recorrido não revela que a prova ou não prova de qualquer facto, resulta de um clamoroso erro de julgamento, sendo notoriamente ilógico o raciocínio que lhe esteve na base.
De novo, a divergência do recorrente é quanto aos valores indemnizatórios, mais exatamente na indemnização devida à CC. Pretende uma correção de valores, mas não a quantifica, desconhecendo-se qual o valor que afinal entende ser ajustado.
Se entende que os danos fixados foram em valores incorretos, então, uma vez mais, deveria ter suscitado o erro de julgamento, designadamente impugnando a existência de um concreto dano ou o respetivo quantitativo. Ou defendendo que se deveria dar como provada uma factualidade concreta que afastava o dano ou diminuía o seu montante ou que se traduzia em culpa do lesado.
Mas a factualidade não foi impugnada nos termos prescritos no artigo 412.º do CPP, estando definitivamente fixada.
Improcede este segmento do recurso
6. Da não ponderação do princípio in dubio pro reo
No meio da argumentação referente à insuficiência de prova e à falta de exame crítico na apreciação da prova, o recorrente sempre refere, na conclusão 50ª, que “resta-nos nesta parte ponderar o princípio dúbio pro reo quanto aos factos pouco claros, e que não podemos de todo dar simplesmente como provados”.
Não se vê qualquer violação do princípio in dubio pro reo.
Este princípio assenta numa situação em que, mesmo depois de compulsada toda a prova, o Tribunal permanece com dúvidas, que não consegue ultrapassar.
Ora, o apelo a este princípio, fundamentalmente como corolário da apreciação que o recorrente faz da prova, não colhe no caso em apreço, porquanto não se demonstra que o tribunal de primeira instância se tivesse defrontado com qualquer dúvida na formação da convicção, resolvida contra si.
Também aqui improcede o recurso.
7. Da apelidada “incorporação dos restantes três crimes de falsificação no crime de burla”
De forma pouco clara, na conclusão 40ª, o recorrente prossegue “Os restantes três crimes de falsificação, entendemos que de acordo com a fundamentação dada e que levou à absolvição de 26 crimes de falsificação, também estes 3 crimes devem incorporar o crime de burla, se se entender que tal crime foi inequivocamente provado”.
O recorrente foi condenado em vários crimes de falsificação, uns agravados, outros simples, pelo que deveria ter sido mais preciso na sua alegação.
Citando Sérgio Poças, in Recurso da matéria de facto, publicado na Revista Julgar, nº 10, 2010, página 23 : «De facto, só o recorrente sabe do que discorda e por que razão discorda. Ora se assim é e é, de forma clara e completa, está onerado a dizer a discordância, e das suas razões, de facto e de direito. (…) Sejamos claros: o Tribunal de recurso só pode apreciar a razão do recorrente se este for claro nas razões da sua razão».
Se o recorrente está a referir-se aos três crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1 a), do Código Penal – único caso que tem correspondência com o exarado em escrito, porque só nesse caso o recorrente foi condenado em três crimes de falsificação, a questão está prejudicada, uma vez que, como decorre do ponto 2 desta fundamentação, tais crimes estão prescritos.
Também aqui o recurso improcede.
8. Da pena única e da suspensão da sua execução
Aqui chegados, nas conclusões 60ª e seguintes, o recorrente pugna pela fixação de uma pena abaixo dos 5 anos, suspensa na sua execução.
Alicerça a sua pretensão na sua inserção familiar e profissional, no tempo decorrido desde a prática dos factos (que remontam a 2016 e 2017), concordando que uma “pena suspensa condicionada ao pagamento dos valores peticionados é a que mais serve os interesses quer dos lesados, quer do ..., uma vez que todas as partes ficam ressarcidas sem mais”.
É verdade que o recorrente, em parte anterior do seu recurso, defendeu a correção dos valores peticionados pelas demandantes (cfr. ponto 5 desta fundamentação), mas não obteve provimento.
Na resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu que:
«(…) a pena única deverá ser fixada entre os 3 anos e 6 meses e os 12 anos de prisão. Face aos factos provados e à personalidade do arguido, que se encontra descrita na decisão recorrida e com a qual se concorda, entende-se como adequado, justoe proporcional fixar-se uma pena única de 4 anos e 8 meses de prisão. Não obstante as elevadas exigências de prevenção geral e as condenações sofridas pelo arguido, a circunstância de actualmente se encontrar em cumprimento de uma pena de prisão (já em liberdade condicional), a antiguidade dos factos e a circunstância de se encontrar familiar, social e profissionalmente inserido permite mitigar as exigências de prevenção especial, ainda que não tenha contribuído para a descoberta da verdade material ou demonstrado arrependimento pelas condutas objecto dos presentes autos. O que possibilita a realização de um juízo de prognose favorável que conduza à suspensão da execução da pena de prisão por um período nunca inferior a 5 anos sujeito à obrigação de proceder ao pagamento das indemnizações civis devidas às sociedades ofendidas, no período de 3 anos».
No caso, o recorrente apenas se insurge contra a pena única, que entende dever ser fixada em medida inferior a 5 anos e suspensa na sua execução.
Não belisca as penas parcelares aplicadas aos crimes pelos quais foi e vai continuar condenado, a saber:
- três crimes de burla qualificada, previsto e punido pelos arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena dois deles de 3 (três) anos e 6 (seis) meses (relativo aos dois veículos automóveis ligeiros) e um deles punido com a pena de 3 (três) de prisão (relativo ao motociclo).
- dois crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1, e 3 do Código Penal, na pena cada um deles de 1 (um) ano de prisão.
Liminarmente se consigna que o tribunal de recurso apenas deverá intervir alterando a medida das penas em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso (neste sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 197 e, entre muitos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.12.2024, processo n.º 2103/22.1T9LSB.S1, relator Jorge Raposo.
Do princípio da dignidade da pessoa humana, de que decorre o princípio da culpa (patente nos arts. 1º, 13º, nº 1, e 25º, nº 1, da CRP), conjugado com o art. 18º, nº 2, do texto constitucional, resulta que apenas razões de prevenção geral (i. e., integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação normativa) podem justificar o desencadear de reações criminais. Por seu turno, há que fazer igualmente apelo a critérios de prevenção especial, i. e., de integração social ou socialização, também eles decorrendo da ideia de Estado de Direito material.
Nesta decorrência, o artigo 40º do Código Penal, versando sobre as finalidades das penas e medidas de segurança, preceitua que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade” (nº 1), e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).
Destas considerações deriva que, para a determinação da medida concreta da pena, se tenham em conta, dentro dos limites abstratos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, fixando-se o limite máximo daquela de acordo com a culpa deste; o limite mínimo, de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham (art. 71º, ns. 1 e 2, do CP).
Assim, no caso em apreço, na pena a aplicar devem ser tidos em conta os critérios determinativos constantes dos arts. 70º e 71º do CP, designadamente o grau de intensidade do ilícito penal praticado, considerando-se a respetiva natureza e o dolo do arguido, bem como as consequências da sua conduta.
Quando os crimes se encontram numa relação de concurso efetivo, haverá que fixar uma pena única, para o que relevam os factos e a personalidade do arguido (art. 77º do CP).
Sobre esta matéria, lê-se no acórdão recorrido que:
«No que concerne ao grau de culpa dos arguidos, refira-se que a intensidade dolosa, na modalidade de dolo directo terá sentido muito agravante, na medida em que se trata do tipo de dolo mais intenso entre as modalidades enunciadas no art. 14º do Código Penal, a que acresce o modo de execução, revelador de eficácia e determinação, com plúrimas, e reiteradas condutas do arguido.
O dolo, é intensíssimo e o grau de violação dos deveres impostos muito elevado e censurável porque, com a suas actuações o arguido colocou em causa de modo muito intenso a tutela dos bens jurídicos protegidos, enriquecendo-se ilicitamente à custa do património dos lesados em quantias elevadas, causando-lhes o correspondente prejuízo.
Os factos ocorreram durante um período de ano e meio, o arguido praticou-os com grande engenho, sofisticação e premeditação.
Do arguido cumpre dizer que a prática dos factos revela uma personalidade desviante, revelada pela actuação do arguido, bem como as várias condenações anterior e posteriormente sofridas pela prática de crimes de igual tipo legal, fazendo crer que o arguido optou por um modo de vida que as suas possibilidades económicas não lhe permitem recorrendo a este tipo de comportamento para adquirir bens de luxo mas absolutamente supérfluos, com total desinteresse relativamente ao prejuízo que causa a terceiros.
A ilicitude a nível do desvalor do resultado é também muito intensa em função do elevado valor do prejuízo que com os seus comportamentos reiterados e praticados por causar um prejuízo de pelo menos, equivalente ao valor dos veículos adquiridos.
Haverá ainda que fazer notar o grau de temeridade e determinação em falsificar elevado número de documentos, ao longo daquele ano e meio.
As razões de prevenção geral são particularmente acentuadas.
(…)
Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, de acordo com os critérios consagrados no art. 77º do Código Penal, tendo como limite mínimo a pena mais elevada das penas de prisão concretamente aplicadas 3 anos e 6 meses e como limite máximo a soma das penas de prisão concretamente aplicadas 16 anos e 6 meses, atendendo aos factos na sua globalidade e à personalidade do arguido nos termos supra mencionados, considera-se adequada a aplicação ao arguido, da pena única de 5 anos e 3 meses de prisão».
Em face da prescrição de crimes mencionada no ponto 2 desta fundamentação, e ponderando os crimes pelos quais vai permanecer condenado, a pena única deverá ser fixada entre 3 anos e 6 meses e 12 anos – artº 77º, n 2, do CP.
A este propósito, cumpre ainda ter em conta que, como decorre da factualidade provada:
- O recorrente encontra-se em situação de liberdade condicional em ... cujo termo ocorrerá em ........2025.
- Trabalha numa imobiliária que possui, encontrando-se a efetuar pagamento de uma indemnização civil em que foi condenado em ....
- Esteve casado 10 anos e dessa relação nasceram dois filhos. Atualmente aufere em média o rendimento mensal de 6.000 Euros. Reside em casa da mãe e auxilia mensalmente os filhos, que ainda se encontram a estudar, com a quantia mensal variável entre 1000 /1500 Euros.
Tudo ponderado, mantendo-se o limite mínimo da pena única em 3 anos e 6 meses e descendo o limite máximo de 16 anos e 6 meses para 12 anos, entende-se adequada e proporcional a fixação da pena única em 4 anos e 10 meses de prisão.
De acordo com o art. 50º, nº 1, do CP, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Lisboa, Universidade Católica Editora, março de 2024, pág. 351, «o pressuposto material da suspensão da execução da pena é o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial (sobre a ponderação exclusiva das necessidades de prevenção na substituição das penas principais, ver a anotação ao artigo 70.°). O juízo de prognose refere-se ao momento da sentença e não ao momento da prática do crime (acórdão do STJ, de 14.12.2000, processo 2769/00, e acórdão do STJ, de 24.5.2001, in CJ, Acs. do STJ, IX, 2, 201, e concordando, CONCEIÇÃO CUNHA, 2022, 227)».
Os factos remontam aos anos de 2016 e 2017.
O recorrente está a terminar o período de liberdade condicional em ..., inexistindo notícias de que a mesma possa ser revogada.
Trabalha, contribui para o sustento dos filhos e reside com a sua Mãe, estando inserido profissional e familiarmente.
Demonstra o propósito, que se nos afigura sério, de ressarcir os lesados.
Não há notícias de mais processos pendentes.
O Ministério Público concorda com a suspensão da execução da pena de prisão.
Assim, ainda é possível concluir que a simples ameaça da prisão o demoverá de voltar a cometer crimes.
Prevê o artigo 51º, nº 1, al. a), do CP, que a suspensão da execução da pena de prisão poder ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar, dentro de certo prazo, no todo ou em parte, a indemnização devida ao lesado.
Ponderando esse preceito, e a predisposição demonstrada pelo recorrente (ainda que tenha pugnado pela correção de valores, desatendida), o Tribunal suspenderá a execução da pena única de prisão supra subordinada à condição de, até ao termo do período da suspensão, o recorrente pagar as quantias fixadas a título de indemnização e comprovar esse facto nos autos.
De acordo com o art. 50º, nº 5, do CP, sendo o período de suspensão fixado entre um e cinco anos, fixa-se o mesmo em 5 anos.
Procede, destarte, o recurso parcialmente.
Tendo o recorrente obtido vencimento parcial, não há lugar ao pagamento de custas (cfr. artigo 513º, nº 1, do CPP).
DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido AA e:
a) determinam a retificação do lapso de escrita existente no dispositivo da decisão recorrida, mais exatamente no seu ponto 5, devendo ler-se “348-A, nº 1”, onde se lê “248ºA, nº 1”;
b) declaram extinto, por prescrição, o procedimento criminal referente a três crimes de falsificação de documentos, previstos e puníveis pelo art. 256º, n.º 1 a), do Código Penal; e a dois crimes de falsas declarações, previstos e puníveis pelo art. 348-A , n.º 1, do Código Penal;
c) revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou o recorrente na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão e, em sua substituição, condenam-no na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, cuja execução suspendem por 5 anos subordinada à condição de, até ao termo do período da suspensão, o recorrente pagar as quantias fixadas a título de indemnização e comprovar esse facto nos autos.
No mais, confirmam o acórdão recorrido.
Sem custas.
Notifique.
O presente acórdão foi integralmente processado a computador e revisto pela signatária relatora, seguindo-se a nova ortografia excetuando na parte em que se transcreveu texto que não a acolheu, estando as assinaturas de todos os Juízes apostas eletronicamente – art. 94º, nº 2, do CPP.
Lisboa, 18 de novembro de 2025
Ana Cristina Cardoso
Ana Lúcia Gordinho
Manuel Advínculo Sequeira (com voto de vencido)
Voto vencido
Votei toda a deliberação plasmada no acórdão, excepto no que respeita à suspensão da execução da pena, posto que o passado criminal do arguido é eloquente no sentido de inviabilizar o necessário juízo de prognose e salvo e elevado respeito pela posição que neste ponto fez vencimento.