ARGUIDO
IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
DECLARAÇÕES
SITUAÇÃO ECONÓMICA E FINANCEIRA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I. O arguido quando se identificou referiu que estava desempregado, mas tal facto não pode ser dado como provado. A identificação do arguido não se confunde com as suas declarações, tanto mais que quanto à primeira situação o arguido tem de responder e com verdade – cf. artigo 342.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - e relativamente à segunda pode optar por não prestar declarações – cf. artigo 343.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
II. Ainda que assim não se entendesse, o certo é que saber que o arguido esta desempregado não nos permite conhecer a sua situação económica e financeira, ficando por apurar se beneficia de algum subsídio, se tem outro tipo de rendimentos ou se efetivamente não tem qualquer rendimento disponível.
III. A sentença é omissa relativamente à situação económica e financeira do condenado, sendo certo que tais elementos têm de ser apurados, na medida em que a “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais” – artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal.
IV. Esta omissão acarreta o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que se verifica quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito encontrada, designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes da 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
No processo comum singular 471/22.4PBFUN, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Local Criminal do Funchal, J1, foi proferida sentença, datada de 28 de janeiro de 2025, nos termos da qual foi decidido:
I. Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de:
a. um crime de ofensa à integridade física simples, pp. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa,
b. um crime de dano, pp. pelo artigo 212.º do Código penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa,
II. Em cúmulo, foi o arguido AA condenado na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);
III. Julgar o pedido civil deduzido pelo ofendido parcialmente procedente por provado e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar-lhe a quantia de 500,00€ (quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
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Inconformado com esta decisão, veio o arguido interpor o presente recurso, apresentado motivações e concluindo do seguinte modo (transcrição):
“1. Através de sentença proferida a 28 de janeiro de 2025, o tribunal a quo decidiu condenar o recorrente pela prática em autoria material em autoria material e na forma consumada, em concurso real de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa e de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, sendo que em cúmulo resultou a pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros).
2. O erro de julgamento - error in judicando - consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
3. Em sede de inquérito, não existe qualquer prova que possa imputar ao recorrente a prática dos crimes pelos quais vem condenado.
4. Da prova documental, não existe referência à identidade do recorrente, aferindo-se precisamente o oposto.
5. Em fase de julgamento, o recorrente remeteu-se ao silêncio.
6. Há uma grande confusão temporal por parte do ofendido quanto à data da prática dos factos. O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 2/12/2024, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 43 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 03 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2024-12-02_14-43-05, sendo que relevam as passagens entre os minutos4 00:45 a 02:52.
7. O ofendido refere que, instintivamente esteve sempre de olhos fechados e a proteger-se com a mão, tendo o recorrente se colocado em fuga muito rapidamente.
Contudo, ainda assim, diz saber que foi este último quem praticou os factos. O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 2/12/2024, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 43 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 03 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2024-12-02_14-43-05, sendo que relevam as passagens entre os minutos 04:45 a 05:40 e, ainda, 16:00 a 18:23.
8. Não é compatível com as regras da experiência comum que o ofendido, que admite ter estado sempre de olhos fechados e que logo de seguida admite que foi tudo muito rápido porquanto o autor da prática dos factos se colocou em fuga, tenha uma certeza indubitável sobre a identidade da pessoa em causa.
9. A testemunha BB começa por imputar a prática dos factos ao recorrente.
O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 21/01/2025, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 09 horas e 37 minutos e o seu termo pelas 09 horas e 53 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2025-01-21_09-37-32, sendo que relevam as passagens entre os minutos 00:38 a 01:45.
10. A testemunha BB, posteriormente refere que se tratava de um rapaz alto, referindo que afinal já não conseguia dizer com todas as certezas de que se tratava do recorrente. O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 21/01/2025, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 09 horas e 37 minutos e o seu termo pelas 09 horas e 53 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2025-01-21_09-37-32, sendo que relevam as passagens entre os minutos 04:53 a 06:58.
11. O conceito de “alto” ou “baixo” pode entrar num campo de subjetividade, o certo é que no presente caso, o recorrente sendo um homem com cerca de 1,65 metros, é objetivamente líquido aferir-se que não se trata de uma pessoa alta.
12. O depoimento do ofendido e da testemunha BB foram manifestamente contraditórios e incongruentes.
13. Entende o recorrente que o tribunal a quo não andou bem quando deu como provados os factos 1 a 7 com base na prova constante dos autos – quer em sede de inquérito, quer sem fase de julgamento, porquanto, escrutinada a mesma, o que se impunha era a absolvição do recorrente.
14. Requer-se que seja reconhecido o erro de julgamento na vertente error facti – com consequente absolvição do recorrente – e que se deem como não provados os factos 1 a 7, a saber:
1. No dia ...-...-2022, pelas 12h45, na ..., no …, o arguido exercendo força, desferiu uma cotovelada no vidro da porta dianteira esquerda (porta do condutor), do veículo com a matrícula …- SB-…, partindo-o.
2. Mercê do comportamento descrito em 1., CC que se encontrava sentado no lugar do condutor daquele veículo, foi atingido por estilhaços de vidro na zona da face e das mãos.
3. Em consequência directa e necessária da conduta descrita em 1., padeceu CC de escoriação punctiforme da pirâmide nasal, de escoriação na porção distal da face dorsal do 4.o metacarpo medindo 0,3 cm no membro superior esquerdo e três escoriações na eminência hipotenar, a maior medindo 0,3 cm de cumprimento e a menor punctiforme também no membro superior esquerdo, as quais lhe determinaram, em condições normais, seis dias para a cura sem afectação da capacidade de trabalho geral.
4. E provocou ainda, um prejuízo no vidro do veículo que ascende a € 220,77.
5. O arguido actuou representando como consequência possível da sua conduta, que CC fosse atingido pelos estilhaços do vidro e assim agredido na sua integridade física, o que fez, e agiu conformando-se com esse resultado.
6. Ao agir da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de partir o vidro da mencionada viatura, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu dono.
7. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”
15. Existe error juris quando há uma distorção na aplicação do direito.
16. A testemunha DD, agente da PSP que, referiu que após a prática dos factos e tendo a matrícula da viatura em causa, intercetou o recorrente, à data suspeito, tendo referido que este último, de entre outras coisas, se queixava de dores no cotovelo direito. O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 2/12/2024, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 12 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2024-12-02_15-03-32, sendo que relevam as passagens entre os minutos 01:20 a 05:34.
17. Em sede de audiência de julgamento, foi feita alusão à proibição de valoração de prova.
18. Sucede que, o tribunal a quo refere que “Ouvida a testemunha DD, agente PSP, que se deslocou ao local e visualizou os danos, deu ele a saber que de posse do numero da matricula da viatura do condutor que lhe foi fornecida pela testemunha BB, acabou por interceptar o arguido, trinta minutos depois dos factos e que confrontado admitiu ser o condutor e proprietário da viatura em causa, tendo-se ainda queixado de dores no cotovelo”.
19. O aditamento n.º 1 é datado de 10 de março de 2022. Dos autos consta que o recorrente foi constituído arguido a ...de setembro desse mesmo ano.
20. O recorrente era apenas um suspeito.
21. Por norma, o direito ao silêncio nasce quando o arguido assume essa qualidade, contudo no que concerne às declarações prestadas anteriormente, dá-se o efeito expansivo do exercício do silêncio.
22. O auto ou o aditamento em si são provas legais, sendo amplamente valoráveis em sede de julgamento.
23. Não o podem ser na parte em que reproduzem declarações do arguido ou de quem venha a ser constituído enquanto tal e nessa condição, exerça o direito ao silêncio.
24. Neste caso existe uma proibição de valoração de prova.
25. Incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento, na vertente error juris, devendo portanto tal ser considerado uma proibição de valoração de prova – artigos 356º, n.º 7 e 357º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, – devendo ser proferida nova decisão em conformidade com o explanado, ou seja, desconsiderando as declarações do recorrente do referido aditamento n.º 1.
26. O princípio in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contemplado no artigo 32º, n.º 2 da CRP.
27. Em sede de inquérito, não se vislumbra a existência de qualquer prova que possa imputar ao recorrente a prática dos crimes pelos quais vem condenado.
28. Da prova documental, em qualquer momento é feita referência à identidade do recorrente.
29. No auto de inquirição de testemunha n.º 1, a fls.__ é referido “(...) que não conhece o suspeito e se o voltar a ver dificilmente o reconhecerá, uma vez que foi tudo muito rápido, tendo apenas anotado a matrícula da viatura que o mesmo se fazia transportar”.
30. No auto de inquirição de testemunha n.º 2, a fls.__ é mencionado “(...) que se voltar o suspeito, não o consegue identificar, referindo apenas que o mesmo tem cerca de 20 anos, é magro e alto”.
31. Repetindo, há uma grande confusão temporal por parte do ofendido quanto à data da prática dos factos. O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 2/12/2024, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 43 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 03 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2024-12-02_14-43-05, sendo que relevam as passagens entre os minutos4 00:45 a 02:52.
32. O ofendido refere que, institintivamente esteve sempre de olhos fechados e a proteger-se com a mão, tendo o recorrente se colocado em fuga muito rapidamente.
Contudo, ainda assim, diz saber que foi este último quem praticou os factos. O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 2/12/2024, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 43 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 03 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2024-12-02_14-43-05, sendo que relevam as passagens entre os minutos 04:45 a 05:40 e, ainda, 16:00 a 18:23.
33. Não é compatível com as regras da experiência comum que o ofendido, que admite ter estado sempre de olhos fechados e que logo de seguida admite que foi tudo muito rápido porquanto o autor da prática dos factos se colocou em fuga, tenha uma certeza indubitável sobre a identidade da pessoa em causa.
34. A testemunha BB começa por imputar a prática dos factos ao recorrente.
O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 21/01/2025, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 09 horas e 37 minutos e o seu termo pelas 09 horas e 53 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2025-01-21_09-37-32, sendo que relevam as passagens entre os minutos 00:38 a 01:45.
35. A testemunha BB, posteriormente refere que se tratava de um rapaz alto, referindo que afinal já não conseguia dizer com todas as certezas de que se tratava do recorrente. O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 21/01/2025, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 09 horas e 37 minutos e o seu termo pelas 09 horas e 53 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2025-01-21_09-37-32, sendo que relevam as passagens entre os minutos 04:53 a 06:58.
36. O conceito de “alto” ou “baixo” pode entrar num campo de subjetividade, o certo é que no presente caso, o recorrente sendo um homem com cerca de 1,65 metros, é objetivamente líquido aferir-se que não se trata de uma pessoa alta.
37. O depoimento do ofendido e da testemunha BB foram manifestamente contraditórios e incongruentes.
38. Face à prova produzida – acrescendo o depoimento da testemunha DD, Agente da PSP, que não pode ser valorado pelas questões já invocadas – impunha-se que o tribunal a quo tivesse ficado com dúvidas quanto ao presente caso.
39. Apesar do peso do princípio da livre apreciação da prova, as dúvidas são patentes face às contradições apresentadas pelas testemunhas arroladas.
40. A subsistência de dúvida teria de ter reflexos favoráveis na esfera do recorrente.
41. Face à prova produzida e em conformidade com o princípio in dubio pro reo, deve o recorrente ser absolvido.
42. O tribunal a quo, não deu como provada ou como não provada a situação económica do recorrente.
43. Em sede de audiência de discussão e julgamento referiu estar desempregado. O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 2/12/2025, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 37 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 43 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2024-12-02_14-37-23, sendo que relevam as passagens entre os minutos 00:01 a 01:10.
44. Na fundamentação relativamente ao quantum da pena o douto tribunal refere o seguinte: “Considerando o expendido, e atendendo às condições pessoais do arguido que se desconhecem pois não prestou declarações quanto a elas, entende-se que pena de multa deverá ser fixada à razão diária de 7,00€ (sete euros)”.
45. Contudo, nada faz constar dos factos dados como provados e/ou como não provados.
46. Considera o recorrente que incorreu o tribunal a quo na nulidade de falta de fundamentação.
47. A falta de indagação necessária à determinação da situação socioeconómica do recorrente já é, por si, nula.
48. Nulidade essa que o recorrente expressamente invoca, nos termos dos artigos 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1 alínea a), ambos do Código de Processo Penal, devendo a sentença ora posta em crise ser substituída por outra que conheça a referida nulidade e dê como provado que o recorrente se encontra desempregado.
49. Face às circunstâncias que o caso apresenta e à prova constante dos autos, as penas de multa supramencionadas, aplicadas a ambos os recorrentes são excessivas e desproporcionais.
50. O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40º e 71º, ambos do Código Penal.
51. A medida da culpa é um limite inultrapassável.
52. Há uma proibição do excesso, que tem sempre em consideração a dignidade pessoal do agente, pelo que a sua culpa é considerada uma condição necessária, mas não suficiente.
53. No que concerne à prevenção geral, há que ter em consideração a consciencialização do bem jurídico em causa e o restabelecimento da confiança da comunidade no que concerne à tutela penal do bem jurídico em causa.
54. Quanto à prevenção especial, pretende-se que o agente que delinquiu comece uma caminhada em direção à ressocialização.
55. O recorrente não possui quaisquer antecedentes criminais.
56. No que toca às condições socioeconómicas do recorrente, este encontra-se desempregado.
57. Pelo que a pena única aplicada ao recorrente tribunal a quo foi excessiva e desproporcional.
58. Atendendo ao disposto no artigo 47º do Código Penal, deveria de ser aplicado o valor mínimo de multa diária a cada um dos ilícitos criminais, a saber de € 5,00 (cinco euros), ao invés dos € 7,00 (sete euros) aplicados, ou pelo menos, um valor inferior ao aplicado. Por outro lado, no que toca à totalidade de dias de multa a aplicar, este deve situar-se perto mínimo legalmente previsto, nunca superior a 20 dias de multa para cada um dos ilícitos criminais.
59. O cúmulo jurídico a aplicar, independentemente daquele que seja o quantum da pena única a aplicar pelo tribunal ad quem, esta deverá ser sempre inferior a 120 (cento e vinte) dias de multa.
60. A Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
61. Os factos aqui praticados, ocorreram a ... de ... de 2022 e que à data o recorrente tinha 25 anos, encontra-se preenchido o pressuposto elencado no artigo 2º, n.º 1 da referida Lei.
62. Atendendo ao facto de a pena única a aplicar ter de ser sempre inferior a 120 dias de multa, entende o recorrente que a pena que lhe foi aplicada, a par da sua diminuição, deve ser perdoada, de acordo com o disposto no artigo 3º, n.º 2 alínea a) e n.º 4 da Lei em apreço.
63. O tribunal a quo não condenou o recorrente em qualquer quantia a título de danos patrimoniais, mas condenou-o no pagamento da quantia de € 500,00 (quinhentos) ao ofendido a título de danos não patrimoniais.
64. No seu depoimento em audiência de discussão em julgamento o ofendido referiu que sentiu dor psicológica e não conseguiu dormir bem durante uns dias. O seu depoimento encontra-se gravado, conforme ata de audiência de discussão e julgamento do dia 2/12/2024, através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 43 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 03 minutos e consta como ficheiro n.º Diligencia_471-22.4PBFUN_2024-12-02_14-43-05, sendo que relevam as passagens entre os minutos 12:15 a 13:50.
65. Não foi apresentada prova suficiente pelo ofendido que, a final, se materialize no valor de € 500,00 (quinhentos) a pagar a este a título de danos não patrimoniais.
66. Requer-se que haja uma diminuição do quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais, quantia final essa que nunca deverá ser superior a € 100,00 (cem euros).
Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:
A) Seja reconhecido o erro de julgamento na vertente error facti em virtude da falta de prova constante dos autos e que se deem, consequentemente, como não provados os factos 1 a 7, da sentença ora posta em crise, tendo como consequência necessária a absolvição do recorrente (incluindo a indemnização a título de danos não patrimoniais);
E ainda,
B) Seja reconhecido o erro de julgamento na vertente error juris, atenta proibição de valoração de prova – artigos 356º, n.º 7 e 357º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, – das declarações proferidas pelo Sr. Agente da PSP, devendo ser proferida nova decisão em que desconsidere o depoimento que faz referência às declarações do recorrente do aditamento n.º 1.
Alternativamente,
C) Seja o recorrente absolvido, em consonância com o princípio com consagração constitucional in dúbio pro reo, face à prova produzida (incluindo indemnização a título de danos não patrimoniais);
Subsidiariamente,
D) Ser reconhecida a nulidade e falta de fundamentação da sentença posta em crise, nos termos dos artigos 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1 alínea a), ambos do Código de Processo Penal, devendo a mesma ser substituída por outra que conheça a referida nulidade e dê como provado que o recorrente se encontra desempregado e consequentemente proceda pela diminuição do quantum da medida da pena aplicada ao recorrente – aplicação de valor diário nunca superior a € 5,00 (cinco euros), sem nunca ultrapassar os 20 dias de multa para cada um dos ilícitos criminais, sendo que o cúmulo jurídico a aplicar, independentemente daquele que seja o quantum da pena única a aplicar pelo tribunal ad quem, esta deverá ser sempre inferior a 120 (cento e vinte) dias de multa – sendo que, por fim, deve a referida pena ser deve ser perdoada, de acordo com o disposto no artigo 3º, n.º 2 alínea a) e n.º 4 da Lei .º 38-A/2023, de 02 de Agosto (incluindo a indemnização a título de danos não patrimoniais).
Sem prescindir,
E) Ser o quantum da indemnização a título de danos não patrimoniais diminuído para uma quantia nunca superior a € 100,00 (cem euros).
Fazendo-se assim, a habitual e necessária JUSTIÇA”.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Publico respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Remetido o processo a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer (transcrição):
“3.2.1.Da impugnação da matéria de facto nos termos do art.º412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP – Questão prévia.
O arguido impugna expressamente os factos dados como provados 1 a 7, da sentença recorrida, os quais considera incorretamente julgados, por entender que não foi produzida qualquer prova dos mesmos, sem atender ao conjunto da prova e designadamente às declarações das testemunhas, o ofendido CC, que afirmou ter a certeza de que foi o arguido quem o agrediu, BB, que presenciou os factos e anotou a matrícula do veículo conduzido pelo arguido, DD, agente da PSP que intercetou o arguido pouco depois dos factos, conjugadas com o auto de notícia e aditamento, assim como o relatório pericial, limitando-se a alegações genéricas e subjetivas acerca da sua versão da prova, com alegações às provas produzidas em inquérito (que não foram reproduzidas em julgamento), pelo que não cumpre o requisito de indicação de concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida (art.º412.º, n.º3, alínea b), do CPP).
Há que referir que, e como bem se fundamenta no acórdão recorrido, que o tribunal a quo formou a sua convicção na concatenação crítica do conjunto da prova produzida, designadamente a documental, e testemunhal, apreciada de acordo com o seu valor probatório e as regras da experiência, segundo dita o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º127.º do Código de Processo Penal.
Na verdade, o tribunal a quo esclarece e fundamenta devidamente porque motivo considerou porque considerou provados os referidos factos, de acordo com a prova produzida, tudo conjugado com as regras da lógica e da experiência comum, assim formando a sua convicção, sem ter ficado com qualquer dúvida.
E, não tendo o tribunal tido dúvida, não haveria que aplicar o in dúbio pro reo!
A decisão recorrida se encontra devidamente fundamentada, não merecendo censura.
Pelo que o recurso deverá inteiramente ser rejeitado, por manifestamente improcedente, nos termos do art.º420.º, n.º1, alínea a), do CPP.
3.2.2.Mesmo que assim não se entenda:
Acompanhamos a bem elaborada e fundamentada resposta do Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª Instância, ao recurso interposto pelo arguido quando pugna pela improcedência do mesmo, conforme melhor se alcança do teor da fundamentação inserta na mesma peça processual para a qual, e por uma questão de economia processual, se remete.
Com efeito, consideramos que o Ministério Público junto da 1.ª Instância identificou corretamente o objeto do recurso, rebateu todos as questões suscitadas, argumentou com clareza e correção jurídica, o que merece o nosso total acolhimento, dispensando-nos, assim, porque de todo desnecessário e redundante, de aduzir outros considerandos no que ao objeto do recurso em análise diz respeito.
Não obstante, entendemos que, sendo manifesta a improcedência do recurso, deverá o mesmo ser rejeitado, nos termos do art.º420.º, n.º1, alínea a) e n.º2, do CPP.
Caso assim não se entenda, o recurso deverá improceder.
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Pelo exposto, e salvo o devido respeito por diferente opinião, somos do parecer que o recurso interposto pelo arguido deve ser rejeitado nos termos do art.º420.º, n.º1, alínea a) e n.º2, do CPP ou, caso assim não se entenda, julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida”.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.
*
Colhidos os vistos, o processo foi presente a conferência, por o recurso dever ser aí decidido.
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II. Questões a decidir:

Como é pacificamente entendido tanto na doutrina como na jusrisprudência, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Atentas as conclusões apresentadas, no caso em análise são as seguintes as questões a decidir por ordem de procedência lógica:
• Nulidade da sentença / insuficiência da matéria de facto para a decisão;
• Erro de julgamento;
• Prova proibida;
• In dubio pro reo;
• Adequação da multa e quantitativo diário;
• Aplicação do perdão;
• Alteração do montante arbitrado a título de indemnização / alçada.
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III. Com vista à apreciação das questões suscitada, importa ter presente o seguinte teor da sentença proferida:
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A. Matéria de facto Provada:
Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa:
1. No dia ...-...-2022, pelas 12h45, na ..., no …, o arguido exercendo força, desferiu uma cotovelada no vidro da porta dianteira esquerda (porta do condutor), do veículo com a matrícula ..-SB-.., partindo-o.
2. Mercê do comportamento descrito em 1., CC que se encontrava sentado no lugar do condutor daquele veículo, foi atingido por estilhaços de vidro na zona da face e das mãos.
3. Em consequência directa e necessária da conduta descrita em 1., padeceu CC de escoriação punctiforme da pirâmide nasal, de escoriação na porção distal da face dorsal do 4.º metacarpo medindo 0,3 cm no membro superior esquerdo e três escoriações na eminência hipotenar, a maior medindo 0,3 cm de cumprimento e a menor punctiforme também no membro superior esquerdo, as quais lhe determinaram, em condições normais, seis dias para a cura sem afectação da capacidade de trabalho geral.
4. E provocou ainda, um prejuízo no vidro do veículo que ascende a € 220,77.
5. O arguido actuou representando como consequência possível da sua conduta, que CC fosse atingido pelos estilhaços do vidro e assim agredido na sua integridade física, o que fez, e agiu conformando-se com esse resultado.
6. Ao agir da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de partir o vidro da mencionada viatura, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu dono.
7. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
8. O arguido não tem antecedentes criminais.
B) Matéria de facto não provada com interesse para a decisão da causa:
Que o ofendido tenha efectuado gastos médicos na sequência da conduta do arguido.
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A restante matéria alegada, é conclusiva ou de direito.
MOTIVAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
Como dispõe o art. 127.º do Código de Processo Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Ora, no caso dos autos, o Tribunal, fazendo uma análise crítica e com recurso a juízos de experiência comum, formou a sua convicção quanto aos factos na conjugação dos depoimentos prestados pelo ofendido CC, reformado, que descreveu com precisão as circunstâncias de tempo lugar e modo em que se encontrava, ao volante a sua viatura, imobilizado num semáforo vermelho quando o arguido saindo da sua viatura se lhe dirigiu exaltado e desferiu as pancadas que consta da matéria assente, produzindo, por isso, todas as consequências descritas, quer na sua viatura quer no seu corpo, e descreveu ainda que foi socorrido por pessoas que ali se encontravam perto, que anotaram a matricula do veiculo do arguido que de seguida ao episódio descrito dali se ausentou tripulando-o.
Mas referiu que ficou uns dias com o pensamento recorrente nos factos e que nesses dias não conseguiu conciliar o sono. Referiu que gastou dinheiro em pomadas, mas não apresentou qualquer prova quanto a tais gastos pelo que se consideraram não provados.
Quanto à dor psicológica que a essa lesão assim se referiu, foi evidente que só pelo facto de a reviver em julgamento ainda se mostrava perturbado pela reacção para consigo do arguido. Também não teve qualquer dúvida sobre a identidade do arguido pois que segundo referiu esteve frente a frente com ele, “olhei bem para a cada dele”. Esclareceu ainda que accionou o seguro de responsabilidade civil extracontratual e que lhe foi paga a reparação da sua viatura dos danos causados pelo arguido.
Este presente em audiência, remeteu-se ao silêncio.
Ouvida a testemunha DD, agente PSP, que se deslocou ao local e visualizou os danos, deu ele a saber que de posse do numero da matricula da viatura do condutor que lhe foi fornecida pela testemunha BB, acabou por interceptar o arguido, trinta minutos depois dos factos e que confrontado admitiu ser o condutor e proprietário da viatura em causa, tendo-se ainda queixado de dores no cotovelo.
A testemunha BB, empresária registo a matrícula da viatura do arguido e visualizou-o a desferir cotoveladas no vidro do lado do condutor onde s e encontrava o ofendido, saiu do seu veículo e foi prestar de imediata auxilio ao ofendido que sangrava e lhe disse que tinha um pacemakeer e iria para uma consulta. Mais referiu que o arguido, estando o ofendido parado no semáforo, saiu do seu veículo dirigiu-se ao vidro do lado do condutor do ofendido e de imediato desferiu uma ou duas cotoveladas e não tem qualquer dúvida que o individuo em causa é o arguido.
Assim conjugados estes depoimentos, ficou claro ser o arguido o autor dos factos dados como provados e as lesões e danos que provocou serem os indicados considerando a factura de fls. 6, relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, fls. 13 e 14 o auto de notícia, fls. 7, aditamento, fls. 8, 10 e o CRC do arguido que dá conta da inexistência de antecedentes criminais.”.
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IV. Do Mérito do Recurso
Alega o recorrente que a sentença proferida é nula, por não se encontrar devidamente fundamentada na parte referente à situação económica do arguido, defendendo, ainda, que devia ter sido dado como provado que o arguido está desempregado.
Analisemos.
O arguido, no seu direito constitucional ao silêncio, não prestou declarações, pelo que não se compreende a alegação de que devia ter sido dado como provado que se encontrava desempregado.
É verdade que, quando se identificou, o arguido referiu que estava desempregado, mas a identificação do arguido não se confunde com as suas declarações, tanto mais que quanto à primeira situação o arguido tem de responder e com verdade – cf. artigo 342.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - e relativamente à segunda pode optar por não prestar declarações – cf. artigo 343.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
Ainda que assim não se entendesse, o certo é que saber que o arguido esta desempregado não nos permite conhecer verdadeiramente a sua situação económica financeira, ficando por apurar se beneficia de algum subsídio, se tem outro tipo de rendimentos ou se efetivamente não tem qualquer rendimento disponível.
Não obstante esta falta de elementos, ficou consignado na decisão recorrida que: “Considerando o expendido, e atendendo às condições pessoais do arguido que se desconhecem pois não prestou declarações quanto a elas, entende-se que a pena de multa deverá ser fixada à razão diária de 7,00€ (sete euros)”.
Ora, a taxa diária não foi fixada no limite mínimo e há uma total ausência de factos que fundamentem a opção pelo valor de € 7,00. Na ótica do recorrente, tal acarreta a nulidade da sentença, nos termos conjugados dos artigos 374.º e 379.º ambos do Código de Processo Penal.
Nos termos do artigo 379.º do Código de Processo Penal:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Nenhuma destas situações tem aplicação no caso concreto, a sentença tem relatório seguido da fundamentação, com enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e termina com a decisão condenatória, em cumprimento do estabelecido no artigo 374.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal.
Além disso, a decisão recorrida não condenou por factos diversos dos descritos na acusação, nem ocorreu omissão ou excesso de pronúncia, sendo certo que estas últimas (omissão ou excesso de pronúncia) se referem a questões que têm de ser decididas no processo. As questões foram todas decididas, no entanto, não existiam factos para sustentar a aplicação de uma taxa diária à multa encontrada.
Não ocorre, por isso, qualquer nulidade.
Todavia, não há qualquer dúvida que a sentença é omissa relativamente à situação económica e financeira do condenado, sendo certo que tais elementos têm de ser apurados, na medida em que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais” – artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal.
O que verdadeiramente ocorre é insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que se verifica quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito encontrada, designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão2.
A real mas desconhecida situação económica e financeira do recorrente pode, efetivamente, comportar a fixação daquele quantitativo diário em montante inferior, como se pretende no recurso.
Resta assim concluir, sem necessidade de mais considerações, pela existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quanto à concreta questão do apuramento da situação económica e financeira do recorrente, visando a fixação do quantitativo diário da pena de multa.
Não sendo possível suprir o vício, impõe-se o reenvio parcial do processo, para novo julgamento, quanto a esta concreta questão (artigo 426.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
O novo julgamento deverá ser realizado pelo mesmo tribunal, pois, como se escreveu no Ac. RL de Lisboa de 17.06.2025, relativo a uma situação semelhante, “na falta de factos essenciais para a determinação da sanção, ao abrigo do disposto no art.º 426.º, n.º 1, do C.P.P. impõe-se determinar o reenvio do processo para novo julgamento restrito precisamente à determinação da sanção e, assim, à reabertura da audiência de julgamento para apuramento e eventual discussão dos factos necessários, com subsequente escolha e determinação da medida da pena (cfr. arts. 369.º, 370.º e 371.º do C.P.P.; LATAS, António e ALBERGARIA, Pedro Soares de, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Almedina, 2024, pág. 281).
Tal impõe-se, seja porque a decisão recorrida padece do vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P., o que foi determinante para que não contivesse os factos relativos à determinação da sanção em face ao modelo de cisão ou césure mitigada acolhido nos arts. 369.º, 370.º e 371.º do C.P.P., bem como para que esta instância ficasse impedida de decidir na plenitude que, em princípio, se impunha, seja por aplicação analógica do referido art.º 426.º, n.º 1, do C.P.P., por ser tal regime o particularmente adequado ao apuramento de factos cuja falta ou insuficiência se detete em 2.ª instância, por força do art.º 4.º do C.P.P., que começa por dispor que aos casos omissos se aplicam as disposições do código de processo penal que possam aplicar-se por analogia (cfr. MOURÃO, Helena, in “A revista penal em revista”, A Revista, n.º 2, ponto 230; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2024, processo n.º 2063/18.3T9ALM.L1.S131).
O novo julgamento, com aquele restrito objeto, deverá culminar com a prolação de um novo acórdão, na qual se incorpore o que resultar do reenvio determinado, ou seja, se acrescente à matéria de facto já considerada provada e não provada os factos que vierem a ser apurados em função da prova que venha a ser produzida e se acrescente à motivação da decisão facto e à fundamentação de direito a referente ao objeto do reenvio parcial (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06-11-2018, processo 201/09.6JELSB.E232).
Acresce que o novo julgamento, com aquele restrito objeto, deverá ser efetuado pelo tribunal que efetuou o julgamento anterior (cfr. art.º 426.º-A, n.º 1, do C.P.P.), afigurando-se que inexiste o impedimento a que alude o art.º 40.º, n.º 1, al. c), do C.P.P. Na verdade, numa compreensão teleológica da norma que atenda à ratio de salvaguarda da imparcialidade que lhe deve estar subjacente e a compatibilize com a necessidade de garantir a harmonia dos atos do processo entre si correlacionados, parece-nos que o art.º 40.º, n.º 1, al. c), do C.P.P. deve ser interpretado restritivamente no sentido de apenas levar ao impedimento do juiz de 1.ª instância que depois de, em sentença ou acórdão, ter conhecido do mérito da causa seja confrontado com um cenário de repetição integral da audiência de julgamento (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo e BRANDÃO, Nuno, in Sujeitos processuais penais: o Tribunal, Texto de apoio ao estudo da unidade curricular de Direito e Processo Penal do Mestrado Forense da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2015/2016), 2015, págs. 22 e 23; LOPES, José Mouraz, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, pág. 477), o que não é o caso dos autos”3
Verificando-se a ocorrência do vício da insuficiência da matéria de factos para a decisão, fica prejudicada a análise das demais questões suscitadas em sede de recurso.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em declarar oficiosamente a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento para apuramento da situação económica e financeira do condenado.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 18-11-2025,
Ana Lúcia Gordinho
Alexandra Veiga
João Grilo Amaral
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1. De acordo com o estatuído no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995. Cf. também Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pág. 89.
2. Cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 9ª Edição, Rei dos Livros, pág. 54 e 75.
3. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7f2ae6a6ab4e1f2980258cb40046e8cd?OpenDocument