CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
TÍTULO DE CONDUÇÃO
CADUCIDADE
Sumário

Sumário da responsabilidade do Relator
I. Pratica um crime de condução sem habilitação legal – art. 3.º-DL2/98-3janeiro – e não a contraordenação do art. 130.º/7 do Código da Estrada (redação do DL102-B/2020-9dezembro), quem tenha visto caducar o seu título habilitativo em virtude de, por factos do período da temporalidade do regime probatório, ter sido condenado, por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave,
II. Tal caducidade é definitiva e não dependente dum qualquer decurso temporal, o quanto não impede que para se voltar a poder exercer a condução se obtenha novo título habilitativo, para tanto sujeitando-se, com resultado de êxito, a exame especial onde se exige a frequência, com aproveitamento, de curso específico de formação e realização de prova teórica e prática.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório
1- Antecedentes processuais
No que ora se cuida, por sentença de 12junho2024 foi condenado o Arguido, ora recorrente,
AA
a. pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (art. 3.º/1/2-DL2/98-3janeiro, com referência ao art. 121.º/1CE) na pena de prisão efetiva de 1 ano, a executar em regime de permanência na habitação.
Pugnando por absolvição, desta decisão interpôs o Arguido recurso, firmando conclusões.
Regularmente admitido os recurso, responde o Ministério Público.
2- Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação a Digníssima Procuradora-Geral Adjunto emitiu Parecer. Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório, inexistindo resposta do recorrente.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II- Fundamentação
Nos termos do disposto no art. 428.º/1CPP “[a]s relações conhecem de facto e de direito” “devendo por isso, subsumir o direito aos factos”. (nesta específica expressão, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Pires da Graça, 16maio2012, NUIPC 30/09.7GCCLD.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)
É hoje pacífico o entendimento de que, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso (designadamente dos vícios indicados no art. 410.º/2CPP), é a partir das conclusões que o recorrente extrai da sua fundamentação de motivação que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem na sede de recurso [art.s 403.º;412º/1CPP e jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/95, de 19outubro1995, bem como Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, p. 334]. É dizer, ao Tribunal Superior apenas as questões sumariadas em sede de conclusões cumpre apreciar.
Delimitação feita, há que perceber o que ocorre nos autos.
a) As conclusões apresentadas
Resulta a aposição das seguintes conclusões (que deviam ser mais sintéticas, mas que ainda assim não dão azo a despacho de aperfeiçoamento, uma vez ser, pela via das mesmas, compreensível o objeto do recurso) que se transcrevem:
(SIC, com exceção da formatação do texto, da responsabilidade do Relator, o que vale para todas as demais situações de idêntica natureza)
VII. No entender do Recorrente impunha-se uma apreciação dos factos dados como provados diversa da proferida, tendo a sentença a quo consequentemente aplicado incorretamente os preceitos legais atinentes, com fundamento em erro notório na apreciação da prova produzida, vício da decisão previsto no art. 410.º , n.º 2, al. c), do CPP, e de aplicação do direito.
VIII. O Recorrente não aceita a factualidade dada como provada nos pontos 1 e 2, impugnando a decisão sobre a matéria de facto nos termos do disposto no art.º 412.º, n. .º 3 do Código de Processo penal.
IX. Quanto ao julgamento desta matéria de facto, o Tribunal a quo não fez a correta e necessária avaliação e ponderação dos factos alegados constantes da prova documental carreada para os autos.
X. A decisão do tribunal a quo, quanto à factualidade dada como provada no ponto 1 e 2, é contraditória considerando que foi produzida prova bastante para que deva ter-se por provado pela inexistência da verificação do elemento objetivo do crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3.º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 03/01.
XI. No que tange ao ora Recorrente, encontra-se provado que este é titular da carta de condução n.º ..., emitida em .../.../2003.
XII. E que por sentença proferida em 12/04/2003, no processo sumário n.º 180/03.3PTFUN, que correu termos no Tribunal Judicial do Funchal - Tribunal de Turno, foi declarada caducada a carta de condução do arguido com o n.º …, nos termos dos art.ºs 122.º, n.º 4 e 130.º n.º 1, al. a) do Código da Estrada".
XIII. Em consequência, com relevância para a decisão da causa, a sentença proferida no processo identificado no número anterior não contem a cominação do cancelamento da carta de condução do arguido.
XIV. Assim, face à prova produzida, resulta assente que o título de condução do ora recorrente caducou no período probatório, em 2003, por decisão judicial proferida em 12/04/2003 no âmbito do processo sumário n.º 180/03.3PTFUN, que correu termos no Tribunal Judicial do Funchal, Juízo de Turno.
XV. Ao ignorar que o arguido é titular de carta de condição caducada o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova.
XVI. Por outro lado, até à data de entrada em vigor (08/01/2021) das alterações ao Código da Estrada introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 12 de setembro, quer a caducidade, quer o cancelamento da licença de condução tinham de ser declaradas, já que a sua verificação não era automática (vide neste sentido, quanto à declaração de caducidade da carta provisória, o Ac. do TRE de 19-12-2013-Pº n.º 227/11.OPATVR.E1).
XVII. Na verdade, o art. 2.º, n.º 1, do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, publicado em anexo ao Dec. Lei 138/2012, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 37/2014, de 14-3, dispõe que "Os títulos de condução (...) são emitidos, revogados e cancelados pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT, IP), nos termos do Código da Estrada e do presente Regulamento".
XVIII. Ou seja, esta norma atribuía a competência para cancelar os títulos de condução ao IMT, IP, nos casos previstos quer no RHLC, quer no Código da Estrada - como era o caso do fundamento para cancelamento em causa nos autos, previsto no art. 130.º, n.º 3, al. a), do CE, na redação anterior à data de 8 de janeiro de 2021.
XIX. Todavia, mais resulta provado que o referido título, embora caducado, não foi objeto de decisão de cancelamento por parte do IMT, IP.
XX. Em consequência, tendo sido produzida, prova bastante para que deva ter-se por provada, que o arguido tem a sua carta de condução caducada, mas não cancelada, pelo que a decisão jamais poderia ser condenatória
XXI. Ora, salvo o devido respeito, sempre se dirá que, a sentença a quo interpreta incorretamente a matéria de facto julgada, incorrendo em erro notório na apreciação da prova documental junta aos autos, ignorando a factologia já apurada, e o direito aplicável.
XXII. O tribunal a quo entendeu que a conduta do arguido não preenche a contraordenação prevista no art. 130.º, n.º 7, do Código da Estrada, mas o elemento objetivo a que se refere o artigo 121.º, n.º 1 do Código da Estrada. E sem razão.
XXIII. Acresce que perante o teor singelo e meramente conclusivo da peça acusatória constante dos autos que se limitava a referir não ser o arguido titular de carta de condução (o que manifestamente não corresponde ao evidenciado pelos mesmos), a decisão deveria ser diferente da que foi - a simples absolvição.
XXIV. Assim, o ora Recorrente, por ter conduzido um veículo ligeiro de passageiros na via pública nas condições descritas na acusação não cometeu o crime de condução sem habilitação legal de que vem acusado.
XXV. Mais se dirá que, no caso concreto, o comportamento do arguido - condução de veículo automóvel, sendo titular de título de condução caducado - consubstanciaria, sim, a prática, pelo mesmo, do ilícito contraordenacional, previsto e punido no n.º 7 do art.º 130.º do Código da Estrada.
XXVI. Deve, por isso, o arguido deve ser absolvido da prática do referido crime.
XXVII. Deste modo, o Tribunal a quo, na sentença que proferiu, violou o disposto nos artigos 29.º , n.ºs 3 e 4 e 32.º, n.º 1 da CRP
XXVIII. O Tribunal a quo, ao proferir a decisão de que agora se recorre, prejudicou gravemente os interesses do Recorrente, e descurou de forma grosseira a salvaguarda do princípio da busca da verdade material.
b) Os factos tidos como provados e não provados pelo Tribunal a quo
Estão em causa, e são relevantes somente os seguintes factos: (razão da sua limitada transcrição)
FACTOS PROVADOS
“Da acusação
1. No dia .../.../2022, cerca das 17h00, na ... no ..., o arguido conduzia um veículo ligeiro de passageiros, sem ter título de condução que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo.
2. O arguido sabia que não possuía habilitação que lhe permitisse conduzir veículos automóveis na via pública ou equiparada, porém não se absteve de o fazer.
3. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se apurou que:
4. O arguido foi titular de carta de condução com o n.º ..., emitida em ........2003, pela ....
5. Por sentença proferida em 12.04.2003, no âmbito do processo n.º 180/03.3PTFUN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial do Funchal, Tribunal de Turno, foi declarada a caducidade da referida carta de condução do arguido, nos termos do artigo 122.º, n.º 4 e 130.º, n.º 1, alínea a), do Código da Estrada, em virtude da prática pelo arguido, em 12.04.2003, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, do Código Penal.
6. O arguido confessou a prática dos factos.
(…)
Dos Antecedentes Criminais
28. Por sentença proferida em 07.09.2015, transitada em julgado em 07.10.2015, no âmbito do processo sumário n.º 1620/15.4PBFUN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Local Criminal do Funchal, Juiz 3, foi o arguido condenado pela prática em ........2015, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano. Por despacho proferido em 31.10.2017, a suspensão foi revogada, tendo o arguido cumprido pena de prisão efetiva, a qual foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 17.08.2018.
29. Por sentença proferida em 18.01.2017, transitada em julgado em 18.05.2017, no âmbito do processo abreviado n.º 1354/16.2PBFUN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Local Criminal do Funchal, Juiz 3, foi o arguido condenado pela prática em ........2016, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 9 meses de prisão efetiva, , a qual foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 20.07.2018.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficaram factos por provar relevantes para a decisão da causa.”
c) A prova e análise crítica da mesma efetuada pelo Tribunal a quo
Uma vez que com relação ao recurso não são relevantes todos os trechos desta parte da sentença, somente se transcreverá o significativo:
“O Tribunal, num juízo crítico da prova produzida, formulou a sua convicção quanto aos factos dados como provados e não provados com base na conjugação das provas infra referidas, aplicando as regras da experiência comum que a cada caso se exijam e a livre convicção do julgador, conforme dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Assim, o Tribunal atendeu à seguinte prova:
a) Declarações do arguido AA;
b) Documental:
i. Auto de notícia, a fls. 4;
ii. Relatório da PSP e respetivos fotogramas, fls. 7 a 38;
iii. Print ANSR, a fls. 46;
iv. (…)
v. Ofício DRET, fls. 116, 161, 175;
vi. Ata processo n.º 180/03.3PTFUN, fls. 136 a 138;
vii. (…)
viii. (…)
ix. Certificado de Registo Criminal do arguido, fls. 152 a 158.
Concretizando:
O arguido AA compareceu à audiência de julgamento, admitindo a prática dos factos, os quais estão corroborados pelo print da ANSR a fls. 46 e pelo ofício da DRET a fls. 116 no que concerne à ausência de título que habilite o arguido a conduzir e pelo auto de notícia de fls. 4 quanto às circunstancias de tempo e lugar, bem como ao incêndio, sendo que o mesmo resulta também do relatório e fotogramas de fls. 7 a 38 (sendo deste documento consta o encerramento da via).
(…)
Assim, resultam provados os factos n.ºs 1 a 3, 6, 7 e 11.
O facto n.º 4, quanto à titularidade de carta de condução, resulta do ofício da DRET a fls. 161 e 175.
A caducidade da carta, facto n.º 5, está provada quer pela ata de fls. 136 a 138, consubstancia a sentença que determinou tal caducidade, como, ainda, pelo ofício da DRET de fls. 175.
(…)
Por fim, os factos n.ºs 28 e 29, relativos aos antecedentes criminais do arguido, resultam provados pela consulta do seu certificado de registo criminal, de fls. 152 a 158.
Neste âmbito referir que embora constem no CRC do arguido outras condenações, além das referidas, a verdade é que a data de extinção da última condenação anterior à do processo n.º 1620/15.4PBFUN data de 02.11.2011.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e g e n.º 2, da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio (Lei da Identificação Criminal), tais penas já deveriam ter sido canceladas do registo criminal, o que, não aconteceu.
Sem prejuízo dessa circunstância, a verdade é que, o Tribunal não as poderá considerar, pois, na verdade, as mesmas já não ali deveriam constar, daí apenas resultarem demonstrados dois antecedentes criminais e não cinco.”
d) O Direito, na perspetiva do Tribunal a quo
Uma vez que com relação ao recurso não são relevantes todos os trechos desta parte da sentença, somente se transcreverá o significativo:
“O arguido é acusado da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do Decreto Lei n.º 2/98 de 03.01, com referência aos artigos 121º do Código da Estrada.
Dispõe o primeiro preceito legal mencionado que: «1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.»
(…)
São elementos objetivos do crime em análise: (i) a condução de veículo (ii) a motor, (iii) na via pública ou equiparada, (iv) sem habilitação legal para o efeito.
(…)
Determina o artigo 121.º, n.º 1, do Código da Estrada que só pode conduzir um veículo a motor, na via pública, quem estiver legalmente habilitado para o efeito.
No que diz respeito à habilitação legal para conduzir, dispõem os artigos 123.º, n. 1 do referido Código, que o que habilita uma pessoa a conduzir é a carta de condução.
Prevê-se no artigo 125.º do mesmo diploma outros títulos que habilitam uma pessoa a conduzir.
O tipo subjetivo de ilícito exige o dolo em qualquer uma das suas modalidades previstas no artigo 14.º, do Código Penal.
No caso, apurou-se que por sentença proferida em 12.04.2003, no âmbito do processo n.º 180/03.3PTFUN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial do Funchal, Tribunal de Turno, foi declarada a caducidade da carta de condução do arguido, nos termos do artigo 122.º, n.º 4 e 130.º, n.º 1, alínea a), do Código da Estrada, i.e., pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, durante o período probatório.
À data de tal sentença, estipulava o artigo 122.º, n.º 4 (na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de setembro), referido que: «O título de condução emitido a favor de quem não se encontra já legalmente habilitado para conduzir qualquer das categorias de veículos nele previstas tem carácter provisório e só se converte em definitivo se, durante os dois primeiros anos do seu período de validade, não for instaurado ao respetivo titular procedimento pela prática de crime ou contraordenação a que corresponda proibição ou inibição de conduzir.»
Por sua vez, determinava o artigo 130.º, n.º 1, alínea a), do Código da Estrada (na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de setembro) que o título de condução caducava quando: «Sendo provisório nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 122.º, for aplicada ao seu titular pena de proibição de conduzir ou sanção de inibição de conduzir efetiva;», sendo que nos termos do n.º 5 do mesmo arguido se previa que: «Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para que aquele título foi emitido.»
Solicitada informação à DRET apurou-se que o arguido, efetivamente, tem desde 12.04.2003 a sua carta de condução caducada (cf. fls. 175).
Assim, a questão que se coloca nos presentes autos subsume-se a saber se a conduta do arguido integra a prática do crime pelo qual vem acusado ou a contraordenação prevista no atual artigo 130.º n.º 7 do mesmo diploma legal.
Para o efeito, importa explanar a evolução legislativa no que a esta matéria diz respeito, desde a redação referida.
Com efeito, o DL n.º 44/2005, de 23.02, quanto ao artigo 130.º, n.º 1, alínea a) estipulou que: «a) Sendo provisório nos termos dos n.os 4 e 5 do artigo 122.º, o seu titular tenha sido condenado pela pratica de um crime rodoviário, de uma contraordenação muito grave ou de duas contra-ordenações graves;», sendo que n.ºs termos do n.º 5 do mesmo artigo «Os titulares de título de condução caducado nos termos do n.º 1 e das alíneas b) e c) do n.º 2 consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para que aquele título foi emitido.»
Já com a Lei n.º 72/2013, de 03 de setembro, o artigo 130.º passou a prever que: «1 - O título de condução caduca se:
a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;
b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior.
2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:
a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;
b) O título se encontre caducado há mais de um ano, nos termos da alínea b) do número anterior.
3 - O título de condução é cancelado quando:
a) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;
b) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;
c) O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.º 2;
d) Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido.
4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2 os titulares de títulos de condução cancelados ao abrigo das alíneas a) e b) do número anterior que queiram obter novo título de condução.
5 - Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.
6 - Ao novo título de condução obtido após cancelamento de um anterior é aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º
7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.»
O Decreto-Lei n.º 40/2016, de 29 de julho alterou a redação do artigo em causa, nos termos seguintes:
«1 - O título de condução caduca se:
a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;
b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior.
2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:
a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;
b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior.
c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.
3 - O título de condução é cancelado quando:
a) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;
b) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;
c) O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.º 2;
d) Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido.
4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2 os titulares de títulos de condução cancelados ao abrigo das alíneas a) e b) do número anterior que queiram obter novo título de condução.
5 - Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.
6 - Ao novo título de condução obtido após cancelamento de um anterior é aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º
7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.»
Por fim, o DL n.º 102-B/2020, de 09 de dezembro, que entrou em vigor em 08.01.2021, alterou a redação, ainda hoje em vigor do artigo 130.º, nos termos seguintes:
«1 - O título de condução caduca se:
a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;
b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior;
c) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;
d) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;
e) O condutor falecer.
2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:
a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos e há menos de cinco anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;
b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior;
c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.
3 - O título de condução caducado não pode ser renovado quando:
a) [Revogada.]
b) [Revogada.]
c) O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido;
d) Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado.
4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2:
a) Os titulares de títulos de condução caducados ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 1;
b) Os titulares do título caducado há mais de cinco anos.
5 - Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução.
6 - [Revogado.]
7 - Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600. (sublinhados nossos)
Pela evolução legislativa retratada, verifica-se que a resposta à questão já mereceu diversas soluções, conforme melhor se transcreveu supra e se sumaria agora.
Era crime na redação do Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de setembro e do DL n.º 44/2005, de 23.02, quando apenas se falava em caducidade.
Na redação da Lei n.º 72/2013, de 03 de setembro e do Decreto-Lei n.º 40/2016, de 29 de julho, em que se fazia a distinção entre caducidade e cancelamento do título de condução, sendo que, só no último caso é que era crime.
Sendo que, atualmente, na redação do DL n.º 102-B/2020, de 09 de dezembro apenas se fala em caducidade e de ser crime e contraordenação a condução de veículo com título caducado.
Todavia, face a esta última redação do artigo 130.º do Código da Estrada - que é a que é aplicável ao caso em apreço, atendendo à data dos factos, independentemente da data em que ocorreu a caducidade do título1 - têm surgido diferentes interpretações quanto a saber se a condução com um título caducado é crime, nos termos do n.º 5 de tal artigo ou contraordenação, nos termos do n.º 7, do mesmo normativo legal.2
Com efeito, para melhor explanar as diferentes posições, a jurisprudência tem apelado aos conceitos de caducidade definitiva e caducidade provisória.
Assim, estamos perante um caso de caducidade definitiva quando se verifique uma das situações em que o legislador, anteriormente, designava por «cancelamento», i.e., em que o título já não pode ser renovado ou revalidado.
Já estaremos perante uma situação de caducidade provisória nos casos em que o título caducado ainda pode ser renovado ou revalidado.
De acordo com a redação atual do artigo 130.º, no seu n.º 3, prevê-se os casos em que o título caducado já não pode ser renovado e, portanto, estaremos numa situação de «caducidade definitiva», a saber: (i) o titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido; e (ii) tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado.
Neste dispositivo legal foi eliminada, para o que nos interessa, a alínea a), que previa na redação anterior, o cancelamento (leia-se, em termos atuais, caducidade definitiva) quando o título se encontrasse em regime probatório e o seu titular fosse condenado por crime rodoviário.
A propósito desta eliminação, explanou-se no preâmbulo do DL n.º 102-B/2020, de 09 de dezembro que: «[s]ão introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei.»
Ora, se atentarmos a esta mudança legislativa e ao preâmbulo, há quem defenda que os casos de caducidade definitiva são apenas os atualmente previstos no artigo 130.º, n.º 3, do Código da Estrada e que supra melhor se explicou, o que exclui os casos de caducidade decorrente da prática de crime durante o período probatório, significando, com isso, que estes casos consubstanciam a prática da contraordenação prevista no n.º 7 do mesmo diploma legal, inclusive, em virtude da remissão expressa deste n.º 7 para os casos do n.º 1, onde se inclui, na alínea c), a caducidade do título por prática de crime rodoviário durante o regime probatório.3
Por outro lado, há quem entenda que o facto de ter desaparecido a figura do «cancelamento», não significa que a caducidade decorrente da prática de crime durante o período probatório seja provisória, defendendo, aliás, que essa caducidade é definitiva e opera ope legis, ou seja, sem necessidade de qualquer declaração para o efeito para o condutor ser considerado como não habilitado a conduzir, sendo que a remissão do n.º 7 para o n.º 1, em nada contende com tal entendimento pois que uma conduta pode consubstanciar, simultaneamente um crime e uma contraordenação.4
Ora, a jurisprudência dominante, ao qual se adere, é a da segunda posição, sendo inclusive que o entendimento plasmado também é válido para os casos de cassação da carta de condução.5
Com efeito, conforme sumariou o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 14-12-2023, relator ANA CLÁUDIA NOGUEIRA, processo n.º 1098/21.3GCALM.L1-5: «I–A interpretação do disposto no artigo 130º do Código da Estrada segundo a qual o condutor que, sujeito a regime probatório, e que cometeu uma contraordenação muito grave no exercício da condução, incorre apenas em coima nos termos do nº 7 se conduzir, contraria a letra, o espírito e a história da lei, sendo também desconforme com a globalidade do regime jurídico da obtenção e validade dos títulos de condução, pondo em causa a unidade do sistema, devendo, por isso, ser afastada.
II–As alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 09/12 ao Código da Estrada não modificaram o que foram as opções essenciais do legislador quanto à distinção entre as situações de caducidade provisória decorrente da não revalidação/renovação do título de condução até ao limite de 10 anos desde o fim do prazo legal para o efeito, e as situações caducidade definitiva, na prática, as mesmas que anteriormente determinavam o cancelamento do título de condução, e nas quais se continua a incluir a caducidade derivada de cassação do título ou de condenação definitiva pela prática de infrações estradais no decurso do regime probatório.
III–Não pode equiparar-se a situação do condutor em regime probatório que pratica crime estradal, ou infrações graves ou muito graves determinantes da perda do título provisório de condução, à do condutor cujo título caducou por decurso do tempo e não o revalidou no prazo legal previsto para o efeito; apenas neste último caso se pode falar de revalidação do título de condução, como resulta do estabelecido no art. 17º do RHLCE, pois que apenas se pode revalidar o que existe mas está em vias de perder validade.
IV–Nos casos de cassação do título de condução ou de condenação definitiva de condutor em regime de prova por crime ou infrações estradais no exercício da condução, deixou de existir título, considerando-se os respetivos condutores, como previsto no nº 5 do artigo 130º do Código da Estrada como não habilitados a conduzir; aquele que conduzir nestas condições, verificados os demais factos integradores do respetivo tipo legal, comete o crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01.»6
É certo que o legislador previu a possibilidade de o titular de uma carta de condução caducada pela prática de crime durante o regime probatório ser sujeito a um exame especial (cf. artigo 130.º, n.º 4, do CE), mas tal não quer dizer que quem conduza com a carta caducada nestes termos não pratique um crime de condução sem habilitação legal.
«[N]as situações do exercício de condução por alguém que, com o seu passado estradal, provou não estar apto ao exercício da condução, de modo tal que, para obter nova carta de condução, terá se habilitar com exame especial (teórico e prático, além de frequência com aproveitamento de ação de formação), nos termos do art.º 37º do RHLC. (…)
[D]a conjugação do disposto nos arts. 16º e 17º do RHLC (que, respetivamente, definem as condições de validade dos títulos de condução e da sua revalidação) e do preceituado no art.º 129º, nºs 1 e 5, do CE, emerge que a caducidade da carta de condução seja por não se ter ultrapassado com sucesso o regime probatório (al. c) do nº 1 do art.º 130º) seja por cassação (al. d) do nº 1 do art.º 130º) não se integra na previsão legal respeitante à revalidação de títulos.
É por isso que, nessas circunstâncias, só é emitido novo título uma vez cumpridos pelo candidato os pressupostos do novo exame especial e ação de formação impostos pelo art.º 37º, nº 1, al. b), do RHLC.
Isto é, nas hipóteses das als. c) e d) do nº 1 do art.º 130º do CE, tem-se a carta de condução por definitivamente caducada e, caso se pretenda a obtenção de novo título, em face do seu passado estradal, o legislador prevê que o candidato se submeta a um exame especial teórico e prático e a frequência com aproveitamento ação de formação com vista à obtenção de nova carta de condução. Não se trata de revalidação do anterior título, mas da obtenção de um novo título, sinal de que a caducidade do anterior título é definitiva.
Estamos, pois, na hipótese legal do nº 5 do art.º 130º do CE quando alguém exerce a condução com a carta caducada nos termos das als. c) e d) do nº 1.
Com efeito, os títulos que em certas situações de caducidade careciam de cancelamento por banda da ANSR para que a caducidade fosse definitiva (art.º 130º, nºs 1, als. c) e d), e 3, als. a) e b), do art.º 130º na anterior redação), com a alteração legislativa vinda de referir – desaparecida que está a figura do “cancelamento” – a mesma tornou-se definitiva, ope legis, daí que a manutenção das als. a) e b) do nº 3 do mesmo artigo segundo a redação anterior fosse redundante (ocorrendo por esse motivo, ao que cremos, a sua revogação pelo DL nº 120-B/2020, de 09.12). »
Entendimento diverso, levaria a «situações absolutamente incongruentes, pondo mesmo em causa a unidade de todo o sistema punitivo ligado à circulação rodoviária, como por exemplo, quem, estando encartado, mas estando inibido de conduzir, exerce a condução e por isso comete um crime (de violação de proibições, p. e p. pelo art.º 353º do Código Penal); mas quem exerce a condução conforme resulta dos autos poderia fazê-lo indefinidamente sem qualquer sanção criminal (apenas (apenas contraordenacional e, naturalmente, sem qualquer sanção acessória de proibição associada, por não prevista, como não tinha de estar, visto que o agente não está sequer habilitado a conduzir nos termos do CE).
No limite, o infrator, nessas circunstâncias, com título caducado (provisoriamente na tese do tribunal a quo), poderia não ter interesse em renová-lo e preferir arriscar o exercício da condução se esta apenas se consubstanciar numa infração contraordenacional apenas sancionada com coima.
Infrator esse que não reúne as condições legalmente impostas para o exercício da condução, tomando em consideração que «Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito» (art.º 121º, nº 1, do CE) e que, atento o seu passado como condutor, provou não reunir as condições necessárias para o exercício daquela atividade perigosa em segurança, colocando em risco direitos essenciais dos demais utentes das vias públicas ou equiparadas.»7
Explanada que está a questão, importa, pois, proceder à subsunção dos factos.
No caso,
Provou-se que o arguido foi titular de carta de condução com o n.º ..., emitida em ........2003, pela ... (cf. facto n.º 4), a qual caducou em 12.04.2003 em virtude da prática, pelo mesmo em de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, durante o período de regime probatório (cf. facto n.º 5).
Mais se demonstrou-se que o arguido em .../.../2022, cerca das 17h00, na ... no ..., conduzia um veículo ligeiro de passageiros, sem ter título de condução que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo, pois que, o que possuía, havia caducado em 12.04.2003.
Assim, encontra-se desde logo preenchido o elemento objetivo do crime em causa.
Por outro lado, também se provou que o arguido sabia que não era titular de documento válido que o habilitasse à condução de veículo, não obstante não se coibiu de o fazer, atuando de forma livre, de acordo com a sua vontade e consciente da ilicitude da sua conduta e da sua proibição e punição pela lei, atuando, assim, com dolo direto, pelo que, também se encontra preenchido o elemento subjetivo do tipo legal.
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.
Assim, conclui-se que o arguido AA praticou um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto Lei n.º 2/98 de 03.01 e 121.º do Código da Estrada.”
e) Delimitação das questões objeto do presente recurso
No caso em apreço, atendendo ao que se vislumbra das conclusões da motivação do recurso, tendo em conta o contexto normativo, as questões que importa decidir, por serem as efetivamente colocadas como objeto do recurso, sustentam-se em:
1.ª - opera vício de erro notório na apreciação da prova quanto aos facto provados 1 e 2?
2.ª - existe erro de julgamento quanto ao facto provados 1 e 2?
3.ª – qual a qualificação jurídica da atuação de quem conduz veículo automóvel na via pública, em 20julho2022, tendo vista caduca, por sentença de 12abril2003, transitada em julgado, a carta de condução de que então provisoriamente era detentor?
Uma nota inicial cumpre fazer, uma vez que toda a versão – para efeitos de facto e de direito - do recorrente parte duma premissa: a da vigência da carta de condução ..., para tanto chegando ao ponto de na sua peça de recurso introduzir a nuance da inverdade. Assim o é pois o recorrente afirma o que a sentença não diz. Esta (cfr. facto provado 4) dá como provado que o recorrente “foi titular” (pretérito perfeito) da carta de condução ..., mas o mesmo insiste em dizer (cfr. pontos 9 e 44 da fundamentação de motivação e conclusões V e IX) que se mostra provado que “é titular” (presente do indicativo) dessa carta de condução. O que faz pela via da argumentação da necessidade de declaração expressa do cancelamento, que afirma inexistir. Essa sim uma questão de direito, não de facto face à lei vigente à data dos factos, assim como à hodiernamente vigente. Desde já se adiante, porque essencial para toda a compreensão do infra.
E assim o é porque quem é titular duma carta de condução provisória, porque sujeita a condição, não é veramente titular do direito, uma vez que o mesmo não é em si mesmo pleno. Sim é detentor dum condicional título sujeito a “um requisito negativo da obtenção da carta”, como já o apodou o Tribunal Constitucional (Cfr. Acórdão 472/2007, 25setembro2007, rel. Juiz Conselheiro Mário Torres, acessível in www.tribunalconstitucional.pt), e como tal não detentor de direitos adquiridos.
De facto “[a] obtenção da carta ou licença de condução é, assim, um processo com várias fases, que exige o preenchimento de vários requisitos positivos e negati­vos, o que é justificado pelos potenciais riscos dessa atividade para bens jurí­dicos essenciais. E daí que prevendo a Lei como “requisito da obtenção de licença defini­tiva (…) a não instauração de procedimento por infração de trânsito, tratando‑se, portanto, de um verdadeiro requisito negativo da extinção do carácter provisório da licença” a caducidade não consubstancie “a perda de um direito civil já adquirido, mas antes perante a constatação de que, no decurso do “período probatório” a que o titular de uma licença de condução provisória estava sujeito, o mesmo não satisfez uma condição legal da conversão dessa licença em definitiva.” (Cfr., idem, Acórdão 472/2007)
O que força a conclusão de que uma vez declarada caduca, por sentença transitada em julgado, uma carta de condução provisória, aquele que da mesma era titular já não o é. O título, que era o provisório, caducou. E, como tal, está plenamente inabilitado, uma vez que sequer a provisoriedade conseguiu manter e fazer cessar pela via da definitividade. Do quanto decorre que quem nessa condição se encontre – como pessoa a quem a caducidade do título foi imposta – não possa fazer vingar a tese de que a provisoriedade se mantenha. Já não tem título. Pelo que não pode renovar o que não tem. Sim, poderá obter novo, mediante condições especiais.
- Questão 1 – do vício de erro notório na apreciação da prova
Entende o recorrente, quanto aos pontos de factos provados 1 e 2, que opera erro notório, chamando à colação o art. 410.º/2c)CPP.
Decidindo.
A sindicância da “decisão de facto” faz-se pelas vias: a) restrita - chamada de “revista alargada” - que se consolida através da arguição dum erro notório (ou seja, evidente e visível) na apreciação da prova, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme o supra reportado acórdão 7/95) (art. 410.º/2CPP), ou; b) ampla – chamada de “recurso efetivo da matéria de facto”-, típica dum erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre, para tanto sendo necessário recorrer à indicada análise e apreciação da prova, toda ela documentada, produzida em audiência (art. 412.º/3/4/6CPP).
Daí que os vícios decisórios previstos no art. 410.º/2CPP sejam defeitos estruturais da decisão penal (e não do julgamento) e uma vez que notoriamente advêm do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, não permitem (porque não necessitam) de recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, tais quais as declarações ou depoimentos exarados, ou os documentos juntos, no processo. O seu regime legal não prevê a reapreciação da prova – contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto –, limitando-se a atuação do tribunal de recurso à deteção do defeito presente na sentença e, não podendo saná-lo, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art. 426.º/1CPP).
E daí que tal vício não possa, designadamente, ser confundido com uma divergência entre a convicção alcançada pelo recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela convicção que, nos termos prevenidos no art. 127.ºCPP e com respeito, designadamente, pelo disposto no art. 125.ºCPP, o Tribunal a quo alcançou sobre os factos.
Descendo ao concreto do vício chamado à colação (art. 410.º/2c)CPP), o mesmo ocorre quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Tal qual a prova do que não pode ter acontecido, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de pela simples leitura da decisão não passar o erro despercebido ao cidadão comum.
Desde já se consigna que não se está perante um qualquer quadro de vício do art. 410.º/2c)CPP.
O que antes está em causa é uma operação de discordância do recorrente. Que, em rigor, sequer é do facto. Sim é da consequência jurídica do facto, ou seja, no seu enquadramento.
Discordância esta que, fosse do facto e no caso a nada valer para enquadramento de erro notório (no máximo seria para erro de julgamento, como infra se exporá), não deixava de ser surpreendente, uma vez que se traduz numa simples oposição à concatenação das suas pessoais declarações – que foram de admissão dos factos em causa, sem limitação – com a documentação junta aos autos e que foi apreciada pelo Tribunal a quo.
Tudo a fazer concluir que a via de discordância que o recorrente coloca como integrante do campo do vício que indica não é sindicável por essa via. Razão para declarar a improcedência desta vertente do interposto recurso.
- Questão 2 – do erro de julgamento
Afirma o recorrente que “não aceita a factualidade dada como provada nos pontos 1 e 2”pelo que opera erro de julgamento, uma vez que os documentos juntos aos autos à conclusão contrária conduzem.
Decidindo.
Chama o recorrente à colação o art. 412.º/3CPP e a inerente sindicância pela via ampla.
Cientes desta especificidade, há que decidir pela admissibilidade, ou não, desta via de recurso face ao apresentado na peça processual. Para tal comecemos por uma linha essencial, qual seja a de perceber a abrangência da normalidade de situações reportáveis como de erro de julgamento. Como refere o então Juiz Desembargador Antero Luís, ora Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, NUIPC 23/14.2PCOER.L1-9, 4fevereiro2016, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) nestas podemos encontrar situações de: “- o Tribunal a quo dar como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto; - ausência de qualquer prova sobre o facto dado por provado; - prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência da mesma que permita a prova do mesmo; - prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova; - e todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso e resulta da audição do registo áudio, se permite concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.” Quadro este que o Juiz Desembargador Abrunhosa de Carvalho (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, NUIPC 179/19.8JDLSB.L1-9, 11março2021, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) complementa com as situações de: “dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar”
É dizer, o erro de julgamento, ínsito no art. 412.º/3CPP, ocorre quando o Tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. E daí que o erro de julgamento pressuponha que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Na sede de via ampla é linear que o legislador, sobre a linha mestra de que o recurso sobre a matéria de facto visa concreto e delimitado juízo de censura crítica, pretendeu restringir a interposição aos casos de necessidade de remediação dos vícios do julgamento em 1.ª instância, assim impedindo usar o recurso para as finalidades dum novo julgamento. Daí só ser permitido nos casos em que haja uma identificação do concreto erro de julgamento ocorrido, bem como dos específicos meios de provas que concreta e impositivamente o demonstram. O que torna compreensível a forçosa exigência de o recorrente expressamente cumprir o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecida no art. 412.º/3CPP, indicado quais: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas.”. Mais, “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” (art. 412.º/4CPP)
Desde já se consigne que no recurso interposto o recorrente não logra dar satisfação a todos estes requisitos.
Efetivamente, reporta o concreto ponto de facto da matéria provada que considera incorretamente julgados - “pontos 1 e 2” -, como tal com inicial cumprimento do art. 412.º/3a)CPP.
No mais, o recorrente em nada cumpre o estipulado por Lei, concretamente pela via da mencionada exigência legal constante do n.º 3b) do citado art. 412.ºCPP.
Assim o é porque nenhum elemento de prova chama à colação no sentido de obrigar/impor alteração da matéria de facto, mas antes (uma vez mais confundindo a questão de facto com a consequência jurídica do mesmo) faz somente uso da reiterada tendência recursiva de inversão da posição dos personagens do processo, em que os recorrentes se arrogam da intenção de substituir a convicção funcional e isenta de quem tem de julgar, pela convicção subjetiva e interessada dos que esperam a decisão.
De facto, para cumprir o referido ónus deve “o recorrente explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido visa precisamente impor à recorrente que relacione o facto individualizado que considera incorretamente julgado.” O requisito do art. 412.º/3b)CPP “só é observado se, para além da especificação das provas, o recorrente explicitar os motivos e em que termos essas provas indicadas impõem decisão diversa da decisão do Tribunal, de modo a fundamentar e tornar convincente que tais provas impõem decisão diferente” (…) sendo que tal “exigência corresponde, de algum modo, àquela que é exigida ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, porque do mesmo modo que o julgador tem o dever de fundamentar as decisões, também o recorrente tem que fundamentar o recurso.”. Daí que “não cumpre tal requisito a mera negação dos factos, a discordância quanto à valoração feita pelo Tribunal recorrido quanto à prova produzida, considerações e afirmações genéricas, a invocação de dúvidas próprias (…), com a indicação dos motivos por que tal facto ou factos devem ser dados como provados ou não provados.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juiz Desembargador Luís Teixeira, 12julho2023, NUIPC 982/20.6PBFIG.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro João Silva Miguel, 18fevereiro2016, NUIPC 9/13.4PATVR.R1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) “Importa, (…) relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova suscetível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente. (Acórdão desta 5.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, rel. então Juiz Desembargador Jorge Gonçalves, ora Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, 16novembro2011, NUIPC 1229/17.8PAALM.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl)
No concreto dos autos, mesmo não juntando qualquer prova imperativa do contrário, certo é que o recorrente parte desde logo duma premissa errada para a alteração dos factos 1 e 2. Qual seja a de que o facto 4 diga o contrário do que ele diz. Situação que assim fosse não se enquadraria num erro de julgamento, sim numa contradição insanável a chamar à colação o art. 410.º/2b)CPP. Não fosse tal o bastante para se excluir a presença de um concreto erro de julgamento, certo é que a questão não é veramente de facto, sim é de direito, como já inicialmente se delimitou.
Razão para declarar a improcedência desta vertente do interposto recurso e passar à subsequente – a verdadeiramente enquadrável como possível de discórdia jurídica.
- Questão 3 – qualificação jurídica
Resulta do supra decidido uma definitiva não modificação dos factos.
O que não significa uma impossibilidade de apreciação da justeza do enquadramento jurídico dos mesmos. Questão que é a colocada. Ainda que em tripla vertente: a do recorrente, a do Ministério Público e a constante da sentença a quo.
Decidindo.
Como se disse, os factos provados na sentença estão imutáveis.
Destes decorre inquestionável que o recorrente conduzia veículo automóvel, na via pública. Em ....
Sendo que tendo obtido a carta de condução ..., com emissão a ..., por factos da vigência de provisoriedade, porque de 12abril2003, integrantes de crime de condução em estado de embriaguez, foi condenado, por sentença transitada em julgado, entre o mais em pena acessória de proibição de condução, com a consequência de caducidade de tal título (art. 122.º/4 e 130.º/1a), ambos do CE à data vigente) (cfr. ponto IV-e) da sentença proferida no processo 180/03.3PTFUN).
Ou seja, estando encartado há 1 mês e 17 dias praticou o ora recorrente crime, do qual resultou sentença que firmou, entre o mais, a caducidade do referido título, carta de condução ....
Volvidos 19 anos 3 meses e 8 dias da sentença, transitada em julgado, donde decorre essa declaração de caducidade do referido título, carta de condução ..., uma vez mais o ora recorrente é intercetado a conduzir veículo. No ínterim teve outras idênticas condutas. A aqui não chamar.
Não lhe é conhecida a obtenção de qualquer outro título de condução que não aquele que provisoriamente obteve a .... E que por sentença, transitada em julgado, foi declarado caduco.
Descendo ao concreto do objeto do recurso, vem o recorrente discutir a validade material da sua atuação, uma vez que afirma reiteradamente que é titular da carta de condução ..., Também a discute formalmente uma vez que afirma que no máximo estará perante atuação contraordenacional.
Comecemos por aqui desde já firmar um princípio de economia de meios: cabendo percecionar se a solução jurídica aplicada à concreta situação é, ou não, a correta, quando não houver lugar a reparo na forma e na matéria da decisão, resta ao Tribunal Superior confirmar a mesma, não lhe cabendo a prática do ato, que sempre será inútil, de acrescentar argumentação ao que já de forma fundamentada e acertada se mostre decidido. Os recursos são remédios de soluções inadequadas, não são acrescentos a decisões corretas.
Da sentença consta expressamente a sucessão de leis no tempo. Que supra se transcreveu. Para a qual se remete, aqui tendo-a por reproduzida para todos os efeitos legais.
O tipo penal em presença – art. 3.º/1/2-DL2/93-3janeiro – revela-se como um “tipo aberto”(não uma norma em branco) na justa medida em que para o apuramento (concretização/densificação) de um seu elemento reenvia expressamente para legislação extrapenal: “sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada”.
Sendo assim, como o é, liminarmente se pode afirmar não revelar estranheza - mesmo à face do princípio da legalidade em direito penal (art. 29.º/1CRP e art. 1.º/1/3CP) - a opção ampla do legislador no campo da interpretação e atuação do que signifique “habilitação” e no quanto daí derive em termos de punir de forma “similar” a atuação de quem sequer está habilitado legalmente ou de quem já esteve habilitado e perdeu definitivamente essa faculdade. Intenção que se compreende à luz da globalidade e abstração de situações que o fenómeno da habilitação legal para conduzir abarca.
Nos termos do art. 121.º/1CE vigente, sob a epígrafe “habilitação legal para conduzir”, diz-se que “Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito.”
Começa o recorrente por afirmar que a sentença do processo 180/03.3PTFUN, ainda que tenha declarado caduca a provisória carta de condução ..., em lado algum contém a cominação de cancelamento da carta de condução ....
Semântica é, então, a base de argumentação do recorrente. A qual, entre o mais, passa por citação de legislação e consequente jurisprudência de reporte não à legislação vigente à data dos factos em apreço ou pela referência a quadros de caducidade provisória, tal qual as geradas pela não renovação tempestiva de título.
Mas é-a essencialmente porque percebendo a sequência de regimes legais entre 12abril2003 e ... fácil se constata que, mesmos cientes da imprecisão terminológica com que o legislador apoda os institutos em apreço, certo é que da caducidade ao cancelamento a Lei passou, mas à caducidade voltou. Sendo que aquando de 12abril2003 era essa a formula legal. Como o era – e continua hodiernamente – à data de ....
Percebendo, então a argumentação do recorrente, a mesma só pode passar pelo desejo de à data de 12abril2003 no processo 180/03.3PTFUN ser declarada não a caducidade, sim o cancelamento. É o quanto resulta da conclusão VII.
Só que cancelamento à data da sentença de 12abril2003 não podia ser aplicado, por inexistir.
Pelo que ainda que a tentativa de semântica do recorrente seja o mote, a intenção não logra sentido e, como tal há que atalhar para a realidade. Que era a da caducidade.
À data dos factos, pela via do art. 130.º/1a)CE (redação do DL 265-A/2001-28setembro) o título de condução (in casu a carta de condução ...) caducava, uma vez que era provisório (art. 122.º/4CE – redação idem supra), pela aplicação de pena acessória de proibição de condução.
Indubitável é que ora recorrente foi aplicada uma pena acessória de proibição de condução.
Por sentença. Pois só numa sentença uma pena, ainda que acessória, é suscetível de aplicação. Sentença esta, proferida pelo Órgão de Soberania que a podia proferir: um Tribunal. Sentença esta transitada em julgado. Sendo que à luz do art. 205.º/2CRP as decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades e prevalecem sobre as de quaisquer outras entidades.
Logo, a decisão, leia-se a pena acessória, firmada no ponto IV-e) da sentença de 12abril2003, proferida no processo 180/03.3PTFUN, uma vez transitada em julgado, tinha como consequência direta e necessária, ope judicis, a declaração de caducidade da carta de condução .... Declaração esta que não consubstancia uma sanção, sim uma pura verificação de requisitos objetivos e estritamente vinculados. Isto é, ocorre porque a carta de condução, como licença habilitativa a uma atividade, fora concedida provisoriamente e sob condição de caducidade.
Assim o é pois a sentença não está sujeita na sua plena exequibilidade – art. 467.º/1CPP – a mais que não à sua direta determinação. O mesmo é dizer que, uma vez transitada em julgado a mesma firma os seus próprios limites, não carecendo de atividade externa que lhe confira condição de procedibilidade.
Fica, assim, resolvida a questão da necessidade declarativa para o tempo da sentença de 12abril2003. Sendo que só a tal enunciar se recorre porque parte do objeto do recurso, uma vez que em verdade a solução real da questão antes tenha que passar pelo tempo dos factos ora em apreço - ... – como bem refere a sentença do Tribunal a quo na nota de rodapé 2, a fls. 13 da mesma.
O que nos leva à segunda parte da questão. Qual seja a da consequência da atividade em causa: penal ou meramente contraordenacional.
Cientes da querela jurisprudencial, a qual no caso acaba até por ser - nos limites do objeto do recurso, uma vez que está firmado na sentença do Tribunal a quo um enquadramento de reporte ao n.º 5 do art. 130.ºCE vigente, e o recorrente pretende um enquadramento de reporte ao n.º 7 do art. 130.ºCE vigente - entre Acórdãos desta 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa (Ac. de 14dezembro2023, rel. Juíza Desembargadora Ana Cláudia Nogueira, NUIPC 1098/21.3GCALM.L1-5 versus Ac. de 6fevereiro2024, rel. Juiz Desembargador Paulo Barreto, NUIPC 696/23.5SILSB.L1-5, ambos acessíveis in www.dgsi.pt/jtrl e onde é 1.º Adjunto o Sr. Juiz Desembargador 2.º Adjunto do presente Acórdão) (no sentido deste último, mais uma vez desta 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa, Ac. de 6fevereiro2025, rel. Juíza Desembargadora Ana Lúcia Gordinho, NUIPC 663/24.1PBSNT.L1-5, também acessível in www.dgsi.pt/jtrl) sempre diremos que, como muito recentemente foi decidido (também nesta 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa e onde é 1.ª Adjunta a mesma Sr.ª Juíza Desembargadora do presente Acórdão) “[n]ão pode equiparar-se a situação do condutor em regime probatório que pratica crime estradal, ou infrações graves ou muito graves determinantes da perda do título provisório de condução, à do condutor cujo título caducou por decurso do tempo e não o revalidou no prazo legal previsto para o efeito. Nos casos de cassação do título de condução ou de condenação definitiva de condutor em regime de prova por crime ou infrações estradais no exercício da condução, deixou de existir título, considerando-se os respetivos condutores como não habilitados a conduzir.” (rel. Juiz Desembargador Rui Coelho, NUIPC 57/25.1PHSNT.L1-5, também acessível in www.dgsi.pt/jtrl)
De facto, na conjugação dos argumentos deste último aresto com aqueles que de ordem interpretativa foram chamados à colação na sentença do Tribunal a quo e que se conjugavam com o dito no citado Acórdão de 14dezembro2023, argumentos estes aos quais aderimos, porque dos mesmos partilhamos no sentido da necessidade de afastar o enquadramento da conduta em causa no art. 130.º/7CE vigente, somente nos socorremos, em acrescento, da incongruência em que se traduziria a argumentação que o Ministério Público junto do Tribunal a quo coloca em sede de resposta, mormente quando após discorrer sobre a situação concreta e ter a mesma como integrante da conduta prevista no art. 130.º/7CE vigente, acaba por afinal a enquadrar no art. 130.º/3CE vigente porque decorridos mais de 10 anos do que diz ser o tempo de adequada renovação.
Para tanto o Ministério Público junto do Tribunal a quo faz uma distinção entre caducidade provisória e definitiva que parte da destrinça entre situações de viabilidade de renovação/revalidação em prazo ou fora do mesmo. E, como não encontra prazo para a limite inicial ou final de renovação/revalidação quanto à situação em presença, arranca a solução pela via dum prazo de 10 anos que se conta da data em que deveria ter operado renovação.
Não é, porém, este o quadro legal postulado à data dos factos, ou hoje.
De facto, o legislador distingue situações no art. 130.ºCE vigente.
E assim, por reporte ao n.º 1a) e b), firma exame especial somente com prova prática (art. 37.º/1b)-DL138/2012-5julho vigente) para as situações de caducidade, tida como provisória, em virtude de não renovação há mais de 2 anos e menos de 5 anos, admitindo exceções (art. 130.º/2a)CE vigente), assim como para as situações de caducidade, tida como provisória, há mais de 1 ano em virtude de falta ou reprovação ligada a estado de saúde. (art. 130.º/2c)CE vigente)
Por seu turno, por reporte ao n.º 1b), firma exame especial limitado às provas em falta (art. 37.º/3-DL138/2012-5julho vigente) para as situações de caducidade, tida como provisória, em virtude de reprovação no exame de condução ou provas exigíveis. (art. 130.º/2b)CE vigente)
Impõem ainda o exame especial previsto no art. 130.º/2CE vigente as situações contidas no art. 130.º/4CE vigente.
Na alínea a) do n.º 4, por reporte às alíneas c) e d) do n.º 1.
Sendo que a previsão da c) é a em presença nos autos, é dizer, temporalidade de regime probatório com condenação.
Já a d) reporta a cassação.
E, se quanto à situação de cassação o art. 148.º/11CE vigente estipula um período de carência de 2 anos para a concessão de novo título, já para a situação de temporalidade de regime probatório com condenação nenhuma temporalidade desse nível base é fixada.
Ou seja, em qualquer momento a que o ex titular de título se queira habilitar à obtenção de novo título sempre terá que se sujeitar ao exame especial a que alude o art. 37.º/1-DL138/2012-5julho vigente, agora não apenas baseado numa prova prática (alínea a) deste art. 37.º/1), sim através da frequência, com aproveitamento, de curso específico de formação e realização de prova teórica e prática (alínea b) deste art. 37.º/1).
Dissemos, em qualquer momento, pois é isso que a lei expressamente distingue neste art. 130.º/4CE entre a falada alínea a) e a alínea b), esta a reportar aos demais títulos caducados e desde que há mais de 5 anos, mas renováveis, caso em que, então, o exame especial a que reporta o art. 37.º/1-DL138/2012-5julho vigente, implicará a frequência, com aproveitamento, de curso específico de formação e realização de prova prática (mas já não teórica) (alínea c) deste art. 37.º). Note-se que este exame está, ainda assim, limitado a um prazo máximo, uma vez que só aplicável a situações em que a renovação não devesse ter ocorrido há mais de 10 anos. (parte final da alínea c) deste art. 37.º)
Limite este de 10 anos que tendo ocorrido com relação à data de renovação determina a inviabilidade de renovação. (art. 130.º/3c)CE vigente) Inviabilidade de renovação que também existe para a situação de dupla reprovação a exame especial. (art. 130.º/3d)CE vigente)
Daí também a inaplicabilidade do DL63/2023-31julho à situação em apreço, uma vez que o mesmo visa quadros de revalidação tempestivamente incumprida em virtude de alterações no tempo de validade, com precária informação de reporte, mais quando o documento legalmente emitido passou a dar conta de facto contra legem. Ou seja, quadros de cidadãos habilitados e que pelo decurso de prazo de revalidação administrativamente alterada deixaram de estar habilitados. E não quadros de infração em sede de provisoriedade.
E aqui chegamos à conclusão final. Qual seja a de que as referidas situações temporais de 1, 2 (esta também quando de reporte ao art. 148.º/11CE) vigente), 5 e 10 anos são limites referentes a quadros de renovação, reprovação ligada a exames de saúde ou reprovação no exame.
Já para as situações de temporalidade de regime probatório com condenação e de cassação, próprias de comportamentos classificáveis como reveladores de patente inidoneidade dos então habilitados, não só a Lei não fixa um qualquer gradativo de prazo viabilizador da obtenção de novo título, como estabelece o mais exigente regime de exame especial e não o muda ao longo do tempo.
É dizer, não é por estar com carta caducada há mais de 10 anos que esta não pode ser renovada pelo cidadão que a viu caduca em virtude de no período da temporalidade de regime probatório ter sido sujeito a condenação. Como tal perante uma situação de inabilitação para os termos do art. 130.º/5CE vigente. Sim é por se estar com a carta definitivamente caducada, sendo exigível que se obtenha a mesma pela via de exame especial com a composição acrescida e mais exigente, sendo que enquanto no mesmo não obtiver êxito a situação é sempre a de inabilitação definitiva.
Como vimos, a caducidade plena e absoluta decretada em 12abril2003 fez cessar a existência do titulo provisório, que nunca passou a definitivo. Cessar esse do título e não cessar indefinido e infinito do tempo em que o título se manteria como provisório. Logo, não suscetível de renovação. Sim e só suscetível de nova obtenção de título de condução, sempre através de exame especial.
Assim se concluindo que, ao contrário do pretendido pelo recorrente e sufragado pelo Ministério Público – que não recorreu da sentença, note-se, mas ainda assim legitimamente agiu em defesa da tese do recorrente -, a conduta em presença, como bem analisou o Tribunal a quo, se enquadra no art. 3.º/1/2-DL2/98-3janeiro, 121.ºCE vigente, por reporte ao art. 130.º/5CE vigente, não se verificando que pela via apontada opere qualquer desrespeito de comandos constitucionais, mormente dos referidos, mas não antecedentemente motivados, em sede de conclusões de recurso.
III- Decisão
Nestes termos, em conferência, acordam os Juízes que integram a 5.ª Secção Penal deste Tribunal da Relação de Lisboa:
a. em negar provimento ao recurso interposto pelo Arguido AA e, consequentemente, confirmar na íntegra o decidido pelo Tribunal a quo.
b. Custas a cargo do Arguido AA fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS, nos termos dos art.s 513.º/1;514.º/1;524.ºCPP e Tabela III anexa de reporte aos art.s 1.º;2.º;3.º/1;8.º/9, acrescidas dos encargos previstos no art. 16.º, ambos RCP (DL34/2008-26fevereiro e alterações subsequentes).
Notifique. (art. 425.º/6CPP)
D.N.

Lisboa, 18-11-2025,
• o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários; com datação eletrónica – art. 153.º/1CPC e com aposição de assinatura eletrónica - art. 94.º/2CPP e Portaria 593/2007-14maio
Manuel José Ramos da Fonseca
Ana Cristina Cardoso
Manuel Advínculo Sequeira, o qual junta a seguinte declaração de voto:
- Subscrevo o Acórdão, revendo posição anterior sobre a matéria.
____________________________________________
1. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-10-2019, relator HELENA ISABEL MONIZ, processo n.º 587/17.9GFSTB-A.S1, disponível em https://gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e6ddf6d056e6a64f8025848e003e2514?OpenDocument
2. Assim, tornou-se irrelevante a questão de saber qual a entidade competente para o cancelamento das cartas de condução caducadas (que até então era o IMT, na vigência do RHLC aprovado pelo DL n.º 138/2012 de 5.07) ou da exigência de qualquer ato prévio desta entidade para que a carta caducada fosse cancelada.
3. Neste sentido, ver voto de vencido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14-12-2023, relator ANA CLÁUDIA NOGUEIRA, processo n.º 1098/21.3GCALM.L1-5, disponível em www.dgsi.pt
4. Neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-03-2024, relator JOSÉ CASTRO, processo n.º 243/23.9GEALM.L1-9, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b6e98f475e897fef80258add005c4282?OpenDocument,
Acórdão do mesmo Tribunal, de 14-12-2023, relator ANA CLÁUDIA NOGUEIRA, processo n.º 1098/21.3GCALM.L1-5, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/270ca3fb2f3b6daa80258aa80030dee3?OpenDocument e, ainda,
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13-10-2021, relator JOSÉ CARRETO, processo n.º 8/21.2GCPRT.P1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/e5443a7678121f73802587c900598f9d?OpenDocument
5. Neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06-02-2023, relator FÁTIMA FURTADO, processo n.º 117/22.0GBVVD.G1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d120f3e9c4921b718025895c00384eec?OpenDocument
6. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/270ca3fb2f3b6daa80258aa80030dee3?OpenDocument
7. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-03-2024, relator JOSÉ CASTRO, processo n.º 243/23.9GEALM.L1-9, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b6e98f475e897fef80258add005c4282?OpenDocument