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INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário
I – O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada deverá traduzir-se numa insuficiência dos meios de prova invocados como fundamento para permitir a decisão tomada. Mais, tal vício deve resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, limitando-se a atuação do Tribunal de recurso à sua verificação na sentença II – Não é, pois, de proceder quando o Tribunal logrou justificar o raciocínio seguido para alcançar os valores provados, expondo de forma crítica a análise à prova produzida, permitindo aferir que o critério de avaliação seguido é coerente, sensato e adequado aos padrões do sentido comum. III – Invocado o erro notório na apreciação da prova, não é de proceder o recurso se o argumento apresentado está desenquadrado de todos os outros elementos probatórios dos quais se socorreu o Tribunal para fundamentar a decisão, centrando-se apenas num. Na argumentação integral da sentença reconhece-se um fio condutor de articulação da prova, directa e indirecta, que, globalmente, é coerente e não é colocada em causa com o argumento invocado.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal de Almada - J3, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
a. «Condenar a sociedade arguida “AA” pela prática, nos termos do artigo 7.º Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, de um crime de fraude fiscal qualificado, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 104.º, n.º 2, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, na pena de 550 (quinhentos e cinquenta) dias de multa;
b. Condenar a sociedade arguida “AA” pela prática, nos termos do artigo 7.º Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 105.º, n.º 1 e 4, alíneas a) e b), e n.º 7, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, na pena de 300 (trezentos) dias de multa;
c. Em cúmulo jurídico das penas principais referidas em a) e b), fixa-se a pena única de multa em que vai condenada a sociedade arguida “AA”em 650 (seiscentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 (seis Euros), o que perfaz o montante global de € 3.900,00 (três mil e novecentos Euros);
d. Condenar o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 104.º, n.º 2, alínea b), ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, na pena de 2 (anos) e 4 (quatro)meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo;
e. Condenar o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 105.º, n.º 1 e 4, alíneas a) e b), e n.º 7, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis Euros), o que perfaz o montante global de € 1.200,00 (mil e duzentos Euros); (…)»
- do recurso -
Inconformados, recorreram os Arguidos formulando as seguintes conclusões: «A) Os Recorrentes foram condenados por sentença proferida no dia 17 de Março de 2025, pelo J3 do Juízo Local Criminal de Almada, como autores materiais, na forma consumada, de um crime de Fraude fiscal qualificada, na forma continuada, e de um crime de Abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previstos e punidos nos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 104.º, n.º 2, alínea b) (crime de Fraude Fiscal) e 105.º, n.º 1 e 4, alíneas a) e b) (crime de Abuso de Confiança), do RGIT. B) Conforme consta da respectiva motivação, os Recorrentes invocam diferentes formas de impugnação/fundamentos do presente recurso, ou seja, “A) “Revista alargada” – Vício do texto da decisão recorrida – Artigo 410.º, n.º 2, do CPP – a) - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”; “B) “Revista alargada” – Vício do texto da decisão recorrida – Artigo 410.º, n.º 2, do CPP – c) - Erro notório na apreciação da prova”; e “Erro sobre a matéria de direito - Artigo 412.º, n.º 2”. “REVISTA ALARGADA” – VÍCIO DO TEXTO DA DECISÃO RECORRIDA – ARTIGO 410.º, N.º 2, DO CPP – A) – INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA C) Tendo em consideração o texto da decisão recorrida, considerada a forma de impugnação aqui em análise, há que considerar que, em relação ao IRC, ano de 2012, o Tribunal considerou provada a matéria contida nos factos provados 21, 22, 25 e 26. D) Concluiu o Tribunal recorrido que as vendas não declaradas em 2012 assumem o valor total de € 197.180,86. Sendo que, como consta do quadro contido no artigo 22, considerou o Tribunal recorrido, para apurar esse valor, que todas as vendas não declaradas ocorreram com referência à taxa de 23% (e nenhuma delas à taxa de 6%). E) Juízo que manifestamente não assenta em qualquer indício, facto ou critério minimamente coerente ou razoável. F) O Tribunal parte de uma presunção absolutamente insustentável: que todas as vendas de bens não declaradas ocorreram à taxa de 23%, inexistindo nesse universo uma única venda de um único bem à taxa de 6%. G) Trata-se de uma presunção proibida e claramente violadora do princípio da legalidade criminal. E, que, por isso, por não ser admitida, tem necessariamente de invalidar quer o raciocínio quer os resultados alcançados pelo Tribunal a quo. H) Acresce ainda que o cálculo da vantagem patrimonial, no montante de € 52.096,12, está manifestamente errado. I) Essas duas realidades – i) Presunção de que todas as vendas não declaradas ocorreram à taxa de 23%, e nenhuma delas à taxa de 6%; e ii) os identificados erros que também contribuíram para o cálculo da vantagem patrimonial ilegítima, têm influência decisiva no cômputo final do valor relevante para efeitos de crime de Fraude fiscal, inclusive para saber se se verifica sequer um dos seus elementos objectivos do tipo – saber se a vantagem em causa é ou não superior a € 15.000,00. J) Assim, nos termos descritos, os factos provados n.ºs 22, 25 e 26 traduzem-se em manifesto erro de julgamento, sendo que tal factualidade não poderia ter sido dada como provada. K) O que se acaba de referir quanto ao IRC de 2012 tem plena aplicação em relação aos factos provados 11 a 16, ou seja, quanto ao IVA de 2012. Isto porque aquela presunção de que as vendas não declaradas verificou-se toda por referência à taxa de 23%, presumindo-se também que não existiu qualquer venda não declarada quanto a bens sujeitos à taxa de 6%, é a presunção que serve de base ao cálculo do IVA relevante para efeitos de condenação pelo crime de Abuso de Confiança fiscal. L) Pelo que se impõe igual conclusão: esses factos 11 a 16 não podiam ter sido dados como provados. M) Em suma, verifica-se a decisão recorrida padece do vício contido na al. a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP. Não há qualquer elemento de prova que permita, pois, fundar o juízo de que todas as vendas não declaradas ocorreram à taxa de 23%. Nem que permita sustentar o cálculo da vantagem patrimonial ilegítima tal como o fez o Tribunal recorrido. N) Tudo o que se analisa em relação ao IRC de 2012 tem plena aplicação ao IRC de 2013, 2014 e 2015. Respectivamente, estão em causa: O) IRC 2013: factos provados 32 (e respectivo quadro), 36 (e respectivo quadro) e 37. Mais se releva, nos termos também descritos, o cálculo, para efeitos de IVA, e do valor relevante para efeitos do crime de Abuso de Confiança fiscal, os factos provados 11 a 16 quanto ao período 06T/2013. P) IRC 2014: factos provados 43 (e respectivo quadro), 46 (e respectivo quadro) e 47. Q) IRC 2015: factos provados 53 (e respectivo quadro), 56 (e respectivo quadro) e 57. Mais se releva, nos termos também descritos, o cálculo, para efeitos de IVA, e do valor relevante para efeitos do crime de Abuso de Confiança fiscal, os factos provados 11 a 16 quanto ao período 12T/2015. R) Também em relação a todos estes períodos e imposto, não há qualquer elemento de prova que permita, pois, fundar o juízo de que todas as vendas não declaradas ocorreram à taxa de 23%. Trata-se, também aqui, de presunção não permitida, violadora do princípio da legalidade criminal. Pelo que também aqui se verifica o identificado vício no que à matéria de facto diz respeito, pelo que nenhum dos identificados factos poderia ter sido dado como provado. “REVISTA ALARGADA” – VÍCIO DO TEXTO DA DECISÃO RECORRIDA – ARTIGO 410.º, N.º 2, DO CPP – C) – ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA S) O que se defendeu em relação ao identificado vício analisado enquadra-se também no vício erro notório na apreciação da prova. T) Do texto da decisão recorrida resulta, com evidência um engano – desde logo o de se considerar que todas as vendas não declaradas são vendas, todas elas, à taxa de 23% a – que não passa despercebido ao comum dos leitores e que se traduz numa conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem. Concluir como o fez o Tribunal recorrido, ou seja, que todas as vendas não declaradas dizem respeito à venda de bens, todos eles, à taxa de 23% traduz-se em conclusão ilógica, arbitrária, contraditória e notoriamente violadora das regras da experiência comum. U) O que tem especial relevância atento o texto contido na decisão recorrida, páginas 33 a 36: Considerando este segmento, o Tribunal recorrido entende que, em relação a cada um dos anos em causa, comprar uma determinada percentagem de bens à taxa normal tem necessariamente de equivaler à venda desses mesmos bens, nesse mesmo ano. O que não tem qualquer sentido. Qualquer sociedade que compra bens não terá de os vender necessariamente nesse mesmo ano. Poderá vender mais bens de uma taxa e menos bens de outra taxa. V) Acresce que o facto de os inventários, no entendimento do Tribunal recorrido, não serem fiáveis, não pode implicar a presunção de que então o que foi vendido foram os bens à taxa de 23%. Haveria que demonstrar, desde logo, que bens transitaram dos inventários anteriores, por exemplo, o que foi vendido e comprado no ano de 2012, para se poder tirar algum tipo de conclusão que não a mera presunção proibida segundo a qual os bens constantes do inventário em 2013 foram adquiridos nesse ano, e foram vendidos nesse mesmo ano. W) O Tribunal recorrido usa, no seu raciocínio e fundamentação presunções proibidas em direito penal, desde logo por violação do princípio da legalidade criminal. O ponto de partida do Tribunal recorrido não é um facto adquirido, é ele próprio um facto presumido. X) Pelo que, uma vez mais, não se pode aceitar a conclusão alcançada por aquele, desde logo em relação a todos os já identificados factos provados: há erro notório na apreciação da prova em relação aos factos provados 11 a 16 (IVA), 22, 25 e 26 (IRC/2012), 32, 36 e 37 (IRC/2013), 43, 46 e 47 (IRC/2014), 53, 56 e 57 (IRC/2015). ERRO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO – ARTIGO 412.º, n.º 2 Y) A forma como são calculados os montantes relevantes para aferição do que é a vantagem patrimonial ilegítima no âmbito do crime de Fraude fiscal, assim como, por decorrência daquela, no âmbito do crime de Abuso de Confiança fiscal, é violadora do princípio da legalidade criminal. A decisão recorrida é, também nestes termos, ilegal. Z) Pelo que os Recorrente não podem ser condenados pela prática daqueles crimes. AA) Violam-se, pois, quer o disposto nos artigos 103.º e 104.º (Fraude fiscal) e artigo 105.º (Abuso de confiança fiscal) do RGIT. Assim como o n.º 1 do artigo 1.º do CP e o artigo 2.º do RGIT. BB) Por violação do princípio da legalidade criminal, o Tribunal a quo erra na interpretação do disposto nos artigos 103.º, 104.º e 105.º do RGIT, concluindo-se, atento o que ficou exposto, que os Recorrentes não praticaram aqueles crimes, sendo errada a interpretação daquelas normas e princípios acolhida por tal Tribunal recorrido. CC) Os Recorrente deverão, enfim, ser absolvidos da prática dos crimes pelos quais vieram condenados.»
- da resposta -
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo que «deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelos arguidos, por não lhes assistir razão, e confirmar-se a sentença recorrida.»
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente com todas as consequências legais.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Erro sobre a matéria de direito.
DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada:
1. «A sociedade arguida “AA” é uma sociedade unipessoal por quotas cujo objecto social consiste no comércio de ..., ao qual corresponde o CAE ....
2. Até ........2017, a sede da sociedade arguida era na ..., onde tinha um estabelecimento comercial.
3. A sociedade arguida explorava outro estabelecimento comercial na ..., onde passou a ser a sua sede a partir de ........2017.
4. A sociedade arguida é sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), encontrando-se enquadrada no regime de tributação geral, com contabilidade organizada.
5. A sociedade arguida é sujeito passivo de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), enquadrada neste imposto no regime normal de tributação com periodicidade trimestral.
6. O arguido BB foi sócio-gerente da sociedade arguida durante os períodos de exercício referentes aos anos fiscais de 2012 até 2015 (inclusive).
7. O arguido BB foi sempre o responsável pela representação da sociedade arguida e pela direcção dos seus destinos, cabendo-lhe todas as decisões a tomar, nomeadamente e entre o mais, sobre o cumprimento das obrigações fiscais, agindo em nome e no interesse da sociedade arguida.
8. Em data não concretamente apurada do ano de 2012, o arguido BB decidiu, no interesse da sociedade arguida, recorrer aos expedientes que se revelassem necessários em ordem a privar a Administração Fiscal dos tributos devidos, para os exercícios fiscais daquela sociedade nos anos seguintes, de 2012 até 2015, nem que isso implicasse, como sucedeu, não declarar a totalidade dos rendimentos obtidos no decurso da sua actividade, e declarar custos não existentes, mediante a utilização de meios que anteviu como idóneos em ordem a concretizar tal propósito.
9. O arguido BB sabia que se a sociedade arguida, que então geria, apresentasse na sua contabilidade valores que na realidade não suportou, procurando que o IVA que pagou anulasse o IVA que recebeu e que deveria ser entregue ao Estado, poderia induzir em erro a Administração Fiscal e, por este meio, à custa do Estado e da comunidade contribuinte, obter vantagens patrimoniais indevidas e susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
10. Igualmente sabia o arguido BB que, em sede de IRC, omitir rendimentos obtidos no decurso da actividade da sociedade arguida e apresentar na contabilidade despesas que não tivessem sido efectivamente suportadas por esta, incrementando os custos, diminuía o lucro tributável e, consequentemente, o valor do imposto a pagar. Relativamente ao IVA:
11. A sociedade arguida estava obrigada a entregar as declarações periódicas de IVA referentes aos períodos temporais de Janeiro a Dezembro de 2012 (períodos 201203T, 2012- 06T, 2012-09T, 2012-12T), Abril a Junho de 2013 (período 2013-06T), Outubro a Dezembro de 2015 (período 2015-12T), e a liquidar IVA nas facturas e documentos equivalentes que emitia, e a entregar os montantes correspondentes aos cofres do Estado, após a realização dos devidos apuramentos.
12. A sociedade arguida liquidou IVA e recebeu tal imposto dos seus clientes, enviou as declarações periódicas a que estava obrigada, nos períodos acima descritos, mas, por decisão do arguido, não entregou aos cofres do Estado o IVA exigível, no prazo legal.
13. Não obstante os arguidos estarem a isso obrigados, não foram entregues ao Estado as seguintes quantias: 14. Os arguidos permaneceram com tais montantes recebidos dos clientes da sociedade arguida, e optaram por utilizá-los noutros fins, obtendo, desse modo, vantagens patrimoniais indevidas, em detrimento do património da Fazenda Nacional, colocando em perigo a cobrança de receitas fiscais, não obstante terem os arguidos conhecimento da obrigação legal da entrega de tais montantes ao credor tributário.
15. Os arguidos foram posteriormente notificados para, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento dos montantes devidos à Fazenda Nacional, mas não o fizeram, em tal prazo.
16. A sociedade arguida e o arguido singular, este actuando em nome e representação daquela, agiram com o propósito de se apropriarem de quantias pertencentes à Fazenda Nacional, em sede de IVA, nos acima mencionados períodos temporais, o que conseguiram. Relativamente ao IRC: Ano de 2012
17. Os arguidos declararam junto da AT, para o referido ano fiscal de 2012, os seguintes valores relativamente às compras efectuadas:
18. Por outro lado, os arguidos declararam junto da AT, para o referido ano fiscal de 2012, os seguintes valores relativamente às vendas realizadas:
19. Os arguidos inscreveram, para o referido ano fiscal de 2012, na conta de réditos “71 vendas” da sociedade arguida o montante global de € 317.356,70, conforme segue:
20. Os arguidos apresentaram junto da AT, para o referido ano fiscal de 2012, a respectiva declaração fiscal de IRC, através da qual apenas declararam o lucro tributável de € 2.154,69.
21. Porém, no referido ano fiscal de 2012, o valor total das vendas efectivamente realizadas pela sociedade arguida correspondeu ao valor declarado na declaração fiscal modelo 40 acrescido dos valores de depósitos em numerário e de transferências bancárias, conforme segue:
22. No referido ano fiscal de 2012, os arguidos não declararam vendas que a sociedade arguida efectivamente realizou, no valor total de € 197.180,86, conforme segue:
23. Os arguidos inscreveram como gasto do exercício de 2012, na contabilidade da sociedade arguida, uma factura referente a uma prestação de serviços/aquisição no valor de € 7.047,63, com o n.º 5377 emitida em ........2012 pela sociedade “...”, com o NIF ..., com o descritivo de “obras de recuperação interiores e folha de obra n.º 112”, em local diferente das instalações a partir das quais a arguida desenvolvia a sua actividade comercial, a qual não deveria ter sido declarada como gasto.
24. Os arguidos não procederam à inscrição na contabilidade da sociedade arguida dos gastos suportados com as comissões debitadas pela instituição bancária ..., no montante de € 7.267,76, pela utilização dos terminais de pagamento automático (TPAs), no referido ano fiscal de 2012, os quais deveriam ter sido registados a favor do sujeito passivo.
25. Na realidade, no ano fiscal de 2012, a sociedade arguida obteve um lucro tributável de € 199.115,42, após a devida correção de € 196.960,73, conforme segue:
26. Assim e relativamente ao IRC, tal actuação dos arguidos resultou numa diminuição do lucro tributável declarado da sociedade arguida, no ano de 2012, o que fez diminuir o IRC a pagar e a entregar aos Cofres do Estado no ano de 2012, no valor de € 52.096,12, quantia que os arguidos fizeram sua, conforme segue: Ano de 2013
27. Os arguidos declararam junto da AT, para o referido ano fiscal de 2013, os seguintes valores relativamente às compras efectuadas:
28. Por outro lado, os arguidos pessoas lar declararam junto da AT, para o referido ano fiscal de 2013, os seguintes valores relativamente às vendas realizadas:
29. Os arguidos apresentaram junto da AT, para o referido ano fiscal de 2013, a respectiva declaração fiscal de IRC, através da qual apenas declararam o lucro tributável de € 3.528,73.
30. Todavia, para o referido ano fiscal de 2013, foram declarados os seguintes valores na declaração fiscal modelo 40:
31. Na realidade, no referido ano fiscal de 2013, os arguidos receberam os montantes que se seguem relativos a vendas aos clientes da sociedade arguida correspondentes ao valor declarado na declaração fiscal modelo 40 acrescido dos valores de depósitos em numerário e de transferências bancárias:
32. Efectivamente, no referido ano fiscal de 2013, os arguidos não declararam vendas, que a sociedade arguida efectivamente realizou, no valor de € 95.754,78, conforme segue:
33. No dia ... de ... de 2013, os arguidos registaram novamente como gasto do exercício o valor pago com as acima referidas “obras de recuperação interiores e folha de obra n.º 112”, em local diferente das instalações a partir das quais a arguida desenvolvia a sua atividade comercial, referente à factura de substituição com o n.º FAC ..., no montante de 8.668,58 €, com a inscrição de IVA-Autoliquidação, a qual não deveria ter sido declarada como gasto.
34. Os arguidos inscreveram como despesas do exercício de 2013, na contabilidade da sociedade arguida, gastos não referentes à actividade desta última, conforme segue:
35. Os arguidos não procederam ao registo na contabilidade da sociedade arguida dos gastos suportados com as comissões debitadas pela instituição bancária ..., no montante de € 6.137,48, pela utilização dos terminais de pagamento automático (TPA’s), no referido ano fiscal de 2013, os quais deveriam ter sido registados a favor do sujeito passivo.
36. Na realidade, no ano fiscal de 2013, a sociedade arguida obteve um lucro tributável de € 133.219,79, após a devida correção de € 129.691,06, conforme segue:
37. Assim e relativamente ao IRC, tal actuação dos arguidos resultou numa diminuição do lucro tributável declarado da sociedade arguida, no ano de 2013, o que fez diminuir o IRC a pagar e a entregar aos Cofres do Estado no ano de 2013, no valor de € 35.017,53, quantia que os arguidos fizeram sua. Ano 2014
38. Os arguidos declararam junto da AT, para o referido ano fiscal de 2014, os seguintes valores relativamente às compras efectuadas:
39. Por outro lado, os arguidos declararam junto da AT, para o referido ano fiscal de 2014, os seguintes valores relativamente às vendas realizadas:
40. Os arguidos apresentaram junto da AT, para o referido ano fiscal de 2014, a respetiva declaração fiscal de IRC, através da qual apenas declararam o lucro tributável de € 5.682,36.
41. Todavia, para o referido ano fiscal de 2014, os seguintes valores foram declarados na declaração fiscal modelo 40:
42. Porém, na realidade, no referido ano fiscal de 2014, os arguidos receberam os montantes que se seguem relativos a vendas aos clientes daquela, correspondentes ao valor declarado na declaração fiscal modelo 40 acrescido dos valores de depósitos em numerário e de transferências bancárias:
43. No referido ano fiscal de 2014, os arguidos não declararam vendas de produtos, que a sociedade arguida efectivamente realizou, no valor de € 90.258,90, conforme segue:
44. Os arguidos inscreveram como despesas do exercício de 2014, na contabilidade da sociedade arguida, gastos não referentes à actividade desta última, conforme segue:
45. Os arguidos não procederam ao registo na contabilidade da sociedade arguida dos gastos suportados com as comissões debitadas pela instituição bancária Montepio Geral, no montante de € 5.869,91, pela utilização dos terminais de pagamento automático (TPAs), no referido ano fiscal de 2014, os quais deveriam ter sido registados a favor do sujeito passivo.
46. Na realidade, no ano fiscal de 2014, a sociedade arguida obteve um lucro tributável de € 131.584,48, após a devida correção de € 125.902,12, conforme segue:
47. Assim e relativamente ao IRC, tal actuação dos arguidos resultou numa diminuição do lucro tributável declarado da sociedade arguida, no ano de 2014, o que fez diminuir o IRC a pagar e a entregar aos Cofres do Estado no ano de 2014, no valor de € 30.234,75, quantia que os arguidos pessoas fizeram sua. Ano 2015
48. Os arguidos declararam junto da AT, para o referido ano fiscal de 2015, os seguintes valores relativamente às compras efectuadas:
49. Por outro lado, os arguidos declararam junto da AT, para o referido ano fiscal de 2015, os seguintes valores relativamente às vendas realizadas:
50. Os arguidos apresentaram junto da AT, para o referido ano fiscal de 2015, a respetiva declaração fiscal de IRC, através da qual apenas declararam o lucro tributável de € 8.546,12.
51. Porém, para o referido ano fiscal de 2015, os seguintes valores foram declarados na declaração fiscal modelo 40:
52. No referido ano fiscal de 2015, os arguidos receberam os montantes que se seguem relativos a vendas aos clientes da sociedade arguida, correspondentes ao valor declarado na declaração fiscal modelo 40 acrescido dos valores de depósitos em numerário e de transferências bancárias, conforme segue:
53. No referido ano fiscal de 2015, os arguidos não declararam vendas de produtos, que a sociedade arguida efectivamente realizou, no valor de €,102.403,02, conforme segue:
54. Os arguidos inscreveram como despesas do exercício de 2015, na contabilidade da sociedade arguida, gastos não referentes à actividade desta última, conforme segue:
55. Os arguidos não procederam ao registo na contabilidade da sociedade arguida dos gastos suportados com as comissões debitadas pela instituição bancária ..., no montante de € 5.617,56, pela utilização dos terminais de pagamento automático (TPA’s), no referido ano fiscal de 2015, os quais deveriam ter sido registados a favor do sujeito passivo.
56. Na realidade, no ano fiscal de 2015, a sociedade arguida obteve um lucro tributável de € 154.786,82, após a devida correção de € 146.240,70, conforme segue:
57. Assim e relativamente ao IRC, tal actuação dos arguidos resultou numa diminuição do lucro tributável declarado da sociedade arguida, no ano de 2015, o que fez diminuir o IRC a pagar e a entregar aos Cofres do Estado no ano de 2015, no valor de € 33.388,23, quantia que os arguidos fizeram sua.
58. Os arguidos pessoas coletiva e singular, este actuando em nome e representação daquela, quiseram obter vantagens patrimoniais às quais não tinham direito junto da Administração Fiscal, através da não liquidação, da não entrega e do não pagamento das prestações tributárias devidas, omitindo e alterando factos e valores que deveriam constar dos livros de contabilidade ou escrituração e das declarações fiscais apresentadas ou prestadas junto da AT, nos acima mencionados períodos temporais, diminuindo, por sua vez, as receitas tributárias, bem sabendo que tais valores que faziam seus ultrapassavam inclusive os 50.000 € relativamente ao IRC do ano fiscal de 2012, tudo o que conseguiram.
59. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei. Da contestação: Os arguidos já procederam voluntariamente junto da Administração Tributária ao pagamento de todos os valores em dívida, sendo IVA (2012, 2013/06T e 2015/12T) no total de € 61.636,80 e IRC (2012, 2013, 2014 e 2015) no valor total de € 150.736,63, acrescido de juro e coimas. E ainda:
61. O arguido singular trabalha na sociedade arguida.
62. Aufere mensalmente € 1.300,00.
63. Vive com a sua esposa e duas filhas menores de idade, de 4 e 8 anos.
64. Reside em casa própria, suportando mensalmente prestação bancária na ordem dos €500,00.
65. Não tem outros empréstimos a seu cargo.
66. As duas filhas frequentam a escola pública.
67. Tem seguro de saúde.
68. Tem o 12.º ano de escolaridade.
69. A sociedade arguida continua a exercer a sua actividade comercial.
70. No ano de 2021, a sociedade arguida declarou um lucro tributável de € 55.471,97, sendo o total de rendimentos do período de € 391.029,95.
71. No ano de 2022, a sociedade arguida declarou um prejuízo fiscal de € 58.406,29, sendo o total de rendimentos do período de € 155.642,62.
72. No ano de 2023, a sociedade arguida declarou um lucro tributável de € 3.747,90, sendo o total de rendimentos do período de € 64.557,85.
73. O arguido tem a seguinte condenação averbada no seu certificado do registo criminal:
a. Por sentença transitada em julgado em 06.07.2022, foi condenado pela prática em ........2020 de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, num total de € 300,00, extinta por pagamento.
74. A sociedade arguida tem a seguinte condenação averbada no seu certificado do registo criminal:
a. Por sentença transitada em julgado em 06.07.2022, foi condenada pela prática em ........2020 de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, num total de € 800,00, extinta por pagamento. »
FUNDAMENTAÇÃO
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
No âmbito desta questão navegamos no domínio dos vícios ou impugnação em sentido estrito. Sendo estes vícios de conhecimento oficioso, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, limitando-se a atuação do Tribunal de recurso à sua verificação na sentença e, não podendo saná-los, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art.º 426.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Segundo o Recorrente, verifica-se uma insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada porque o Tribunal errou na análise dos factos em discussão. Para tanto, apontou que em relação ao IRC, ano de 2012, o Tribunal considerou provada a matéria contida nos factos provados 21, 22, 25 e 26, sendo que relativamente ao total daquelas receitas e para apuramento da vantagem patrimonial ilegítima no montante de € 52.096,12, o Tribunal concluiu que todas as vendas não declaradas ocorreram com referência à taxa de 23% e nenhuma delas à taxa de 6%. Ora, no entender do Recorrente tal conclusão não assenta em qualquer indício, facto ou critério minimamente coerente ou razoável tendo a decisão assentado numa presunção inadmissível, sendo por isso insuficiente a prova para alcançar tal conclusão. Resultando tal discrepância do texto da decisão, conclui pela verificação do invocado vício.
Acrescenta ainda que em tal cálculo se verificam ainda erros, pois na vantagem patrimonial ilegítima calculada foi incluído o montante que já havia sido declarado e relevado pelo Recorrente. Assim, o Tribunal apurou tal valor somando o que declarou e pagou acrescido daquilo que devia ter declarado e pago, quando, no seu entender, deveria tal valor corresponder àquilo que deveria ter declarado e pago deduzido daquilo que efectivamente declarou e pagou.
Reforça que idênticos erros ocorreram quanto ao IVA de 2012 (factos 11 a 16), repetindo-se quanto ao IRC de 2013, 2014 e 2015, concluindo que os meios de prova convocados pelo Tribunal recorrido, para efeitos de consideração da matéria de facto provada são insuficientes para a decisão tomada.
Ora, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocado deverá, assim, traduzir-se numa insuficiência dos meios de prova invocados como fundamento para permitir a decisão tomada. Vejamos, então, a fundamentação no que a esta matéria de facto respeita.
Depois de enunciados os meios de prova, testemunhais e documentais, escreveu-se na sentença: «quanto à matéria respeitante ao exercício de 2012 e constante do relatório de inspecção tributária de fls. 21 a 34 (autos principais) depôs a testemunha CC que era a coordenadora da equipa de investigação e que deu o parecer constante de fls. 21 a 24 (autos principais), confirmando o trabalho desenvolvido e as conclusões extraídas pelo referido inspector tributário, conforme explicou devidamente em sede de julgamento e que adiante nos reportaremos. Por sua vez, relativamente à matéria respeitante aos exercícios de 2013, 2014 e 2015 e constante do relatório de inspecção tributária de fls. 44 a 72 (processo apenso), depôs a testemunha DD que era a coordenadora da equipa e que deu o parecer de fls. 44-47v (processo apenso), confirmando, igualmente, o trabalho desenvolvido e as conclusões extraídas pelo referido inspector tributário, conforme teve oportunidade de explicar devidamente em sede de julgamento, tendo ainda sido a pessoa responsável pela elaboração do relatório complementar – ref. citius n.º 41153454, na sequência de pedido de esclarecimentos solicitados pelo Tribunal durante o decurso do julgamento. De mencionar que ambos os depoimentos (das testemunhas CC e DD) foram objectivos, claros, explicativos, seguros e isentos, tendo deposto exclusivamente acerca de matéria que tomaram conhecimento por força do respectivo exercício das suas funções profissionais, num trabalho de revisão e de conferir o trabalho do seu colega, pelo que nos mereceram total credibilidade, sustentando em julgamento o conteúdo de ambos os relatórios de inspecção tributária, validando todo o trabalho efectuado pelo Sr. Inspector EE. De referir que a testemunha FF (coordenador da equipa de investigação criminal) que deu parecer a fls. 146 e 235 (dos autos principais) e fls. 686 (processo apenso) explicou ter tido pouca intervenção nos autos, acompanhado com alguma distância a investigação, pelo que o seu depoimento foi pouco relevante para o apuramento da matéria objecto dos autos. Também o depoimento de GG não assumiu grande relevância, porquanto, na altura estagiária, tendo sido nessa qualidade que assinou o relatório de inspecção de fls. 21 a 34 (autos principais), ficou patente que as suas funções foram essencialmente desempenhadas na recolha de elementos de contabilidade e realização de diligências externas, mas sem cuidar da análise concreta da documentação reunida, pelo que o sue conhecimento se mostrou mais limitado. Também o depoimento da testemunha HH, não obstante ter sido a pessoa responsável pela elaboração dos pareceres de fls. 146-153 e 235-236 (autos principais) e 686-695 (processo apenso), não assumiu especial relevância, na medida em que não fez o apuramento de dados nem a sua verificação. Com interesse e relevância, confirmou apenas que todos os montantes em dívida foram liquidados, conforme documentação de fls. 813831 (autos principais) cujo teor sustentou em julgamento, motivo pelo qual ficou devidamente comprovado o descrito no ponto 60). Por último, o depoimento da testemunha II foi essencialmente genérico e circunstancial, sem demonstrar ter conhecimento directo concreto de quaisquer factos, pelo que não foi atendido pelo Tribunal. Posto isto: - Quanto à factualidade descrita nos pontos 1) a 7), esta resulta da análise conjunta da certidão permanente da sociedade arguida de fls. 1018-1022 (autos principais) com a informação acerca da comunicação de início de actividade de fls. 35-36 (autos principais) e informação de fls. 82 e 82v e 83 (processo apenso). Com efeito, da análise conjunta destes elementos documentais, resulta que a sociedade arguida foi constituída em ........2006 e iniciou actividade em ........2006, tendo como objecto social o comércio de artigos de óptica. Por deliberação de ........2009, levada a registo a ........2009, foi nomeado gerente da sociedade arguida o arguido pessoa singular, que, desde então, se manteve nesse cargo. A sociedade arguida transformou-se em sociedade unipessoal por quotas em ........2011, transformação levada ao registo comercial em ........2011, aí constando ser seu sóciogerente o arguido singular, com uma quota de € 5.000,00, simultaneamente gerente. Assim, inexistindo dúvidas acerca do objecto social da sociedade e da pessoa indicada como seu gerente de direito, também as testemunha ouvidas em julgamento vieram confirmar que a sociedade, durante os anos que interessam nos autos, a saber 2012, 2013, 2014 e 2015, esteve em pleno exercício de actividade desdobrando-se em dois estabelecimentos comerciais, um deles em ... e outro em ..., com trabalhadores ao seu serviço, apresentando-se em julgamento as testemunhas JJ (técnica de ortóptica, trabalhadora da sociedade arguida desde 2012 na loja de ...), KK (técnico de ortóptica, trabalhador da sociedade arguida há mais de 20 anos na loja de ...), LL (empregada de escritório da sociedade arguida, desde 2009) bem como MM (técnica de óptica, trabalhadora da sociedade arguida desde 2006 e irmã do arguido) que depuseram sobre tal factualidade, confirmando a actividade exercida pela sociedade arguida e as funções de gerente assumidas pelo arguido singular, funções essas que também não foram postas em causa pela defesa, tendo as referidas testemunhas o identificado como patrão. Por exemplo, a testemunha KK disse ter sido contratado pelo arguido. A testemunha JJ salientou que uma das funções do arguido era proceder às encomendas, gerindo os contactos com os fornecedores. Pelo que tal factualidade ficou devidamente demonstrada. - Concretamente quanto aos factos imputados aos arguidos [pontos 8) a 57)]: Importa, desde logo, expor a origem do processo de inspecção, a tal respeito explicaram as testemunhas CC e DD que esteve na sua base a existência de uma divergência entre os valores declarados pela entidade bancária quanto aos fluxos de pagamento por parte dos clientes da sociedade arguida com cartões de débito e crédito e os valores de rendimentos declarados pela sociedade arguida nas suas declarações periódicas de IVA e nas declarações de IRC, o que sucedeu ao longo dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015. Constam efectivamente dos autos as declarações modelo 40 (ano 2012) de fls. 83v (autos principais) e de fls. 109-110 (anos 2013, 2014 e 2015) (processo apenso), as quais suportam os valores descritos nos pontos 21) [a respeito dos TPA’S], 30), 41) e 51). Tais valores divergem efectivamente dos valores declarados para os anos fiscais de 2012, 2013, 2014 e 2015 pela sociedade arguida como respeitantes às vendas (rendimentos obtidos) efectuadas pela sociedade arguida aos seus clientes, no desempenho da sua actividade comercial, e que constam das respectivas declarações de IVA e IRC, as quais foram, neste período, sempre apresentadas, conforme se alcança de fls. 40v-45, 135-142 e 143 (autos principais) e de fls. 84-95, 96-108v e 110v-125 (processo apenso), documentação essa que suporta os valores descritos nos pontos 17), 18), 19), 20), 27), 28), 29), 38), 39), 40), 48), 49) e 50). Verifica-se, assim, que os valores de recebimentos por TPA são efectivamente superiores aos valores de recebimentos registados na contabilidade da sociedade arguida. Importa esclarecer que ficou demonstrado que a sociedade arguida dispunha em cada uma das lojas que possuía (em Lisboa e em ...) um terminal de pagamento, associado cada um deles a uma conta bancária (NIB ... associado ao TPA utilizado para pagamentos dos clientes em multibanco da loja de ...; e NIB ... associado ao TPA utilizado para pagamentos dos clientes em multibanco da loja de Lisboa), conforme resulta da informação remetida pela entidade bancária em apreço (...) de fls. 45v-82 (processo principal) e de fls. 125v-254v e 255-285v (processo apenso), bem como do depoimento da testemunha DD. Posteriormente, explicou a testemunha CC que, tendo tomado conhecimento desta divergência de valores, foram analisados os extractos bancários de cada uma destas contas e que se mostram juntos a fls. 45v-82 (processo principal) e de fls. 125v-254v e 255285v (processo apenso). Nessa análise dos extractos bancários, foi possível apurar os valores dos pagamentos em multibanco (TPA’s), depósitos em numerário e valores decorrentes de transferências bancárias. De salientar que os valores nos extractos bancários referentes aos TPA’s (“fecho TPA”) não são totalmente coincidentes em absoluto com os valores constantes das declarações Modelo 40, porquanto encontram-se expurgados dos montantes cobrados pela entidade bancária referentes a comissões bancárias, ou seja, são valores líquidos das comissões cobradas pelo banco, pelo que o valor das receitas registadas nos extractos bancários é inferior. Para apuramento da comissão bancária, foi pela Autoridade Tributária contactada a entidade bancária respectiva. Porém, esta veio informar que “por impossibilidade informática, não se consegue obter o valor das comissões”, conforme se alcança de fls. 83 (autos principais) e fls. 286 (processo apenso). O cálculo da comissão bancária é efectuado pela instituição de crédito sobre o valor da receita (vendas + IVA liquidado), pelo que para o cálculo e apuramento do valor das vendas e do IVA liquidado pela sociedade arguida, a Autoridade Tributária teve em conta o valor da receita bruta, antes de aplicada a comissão. Assim, considerou a Autoridade Tributária que o valor das vendas com IVA incluído efectivamente recebidos/realizados pela sociedade arguida é o valor correspondente ao somatório do valor dos TPA’s declarado na declaração Modelo 40 pela entidade bancária, acrescido do valor dos depósitos em numerário e das transferências bancárias a crédito, conforme quadros enunciados nos pontos 21), 31), 42) e 52), conforme explicaram, em julgamento, as testemunhas CC e DD. A tal respeito, veio a testemunha LL (trabalhadora da loja de ...) explicar que as funções por si exercidas eram basicamente de ajudante do contabilista externo, cabendo-lhe, designadamente, reunir toda a documentação com relevância financeira (facturas de fornecedores, facturas de despesas da sociedade arguida, extractos bancários com fechos de TPA’s, mapas financeiros de cada uma das lojas) e enviar para o contabilista externo que se mostrava sediado em .... Esse envio era efectuado por correio verde registado. Cabia depois ao contabilista fazer o tratamento da documentação e o apuramento dos impostos, remetendo-lhe as guias para pagamento. Referiu que mantinha, por tais motivos, mais contactos com o contabilista do que o arguido singular, sendo que, geralmente, o contabilista vinha apenas uma vez por ano a Lisboa para uma reunião. Confiava, por isso, que tudo era tratado correctamente pelo contabilista. Referiu ainda que, pese embora não realizasse vendas, do conhecimento que tem a maioria dos pagamentos era efectuado com multibanco e, menos usual, havia quem pagasse em numerário. Pelo que contou que várias das entradas em numerário provinham de empréstimos dos pais do arguido singular, que os faziam quando era necessário para fazer face a pagamentos no final do mês a fornecedores, ordenados e impostos. Explicou que lhe cabia a si efectuar os depósitos desse numerário no banco. Explicou que tinha um mapa excel com essas entradas de numerário que também enviava por correio para o contabilista externo, pensado que estavam a ser devidamente tratados. Porém, na altura do COVID, fez uma limpeza do arquivo e mandou todos os comprovativos de envio por CTT para o lixo. Os arguidos não procederam, por isso, nem à junção dos comprovativos de envio de documentação por correio para o contabilista nem ao mapa excel a que se reportou a testemunha. A suportar o depoimento desta testemunha depôs também a testemunha MM confirmando que a testemunha LL exercia funções como contabilista interna em quem o arguido singular confiava, concedendo-lhe autonomia nas suas funções, dedicando-se, à semelhança da testemunha, sobretudo ao exercício das suas funções de técnicos de óptica. Confirmou, assim, que a testemunha LL enviava toda a documentação com relevância financeira por correio para o contabilista externo que fazia o apuramento dos impostos. Pelo que ficaram surpreendidos com o levantamento da inspecção tributária. Não pode o Tribunal deixar de referir que, pela forma como a testemunha se expunha e os conhecimentos que evidenciou, notou-se claramente que não é uma mera funcionária da empresa, demonstrando ter conhecimentos profundos acerca da sua situação comercial, sendo que em muitas das vezes fez a testemunha uso do plural para se referir à gerência da sociedade corrigindo sempre que se apercebia dessa situação. Ficou, portanto, notório que, pese embora formalmente já não seja gerente de direito, a testemunha depôs como quem tem conhecimentos profundos acerca da situação comercial da empresa, falando com propriedade de causa, sendo evidente também o seu interesse no desfecho dos autos. Disse também a testemunha que os pais sempre entraram com numerário para ajudar a empresa e os filhos, assegurando, dessa forma, o pagamento a fornecedores e de impostos, sempre que era preciso. Deu como exemplo, um pedido de € 1.000,00 efectuado ao progenitor que depois entregava essa quantia em numerário à testemunha LL para depósito nas contas da empresa, cabendo a esta última testemunha disso dar conhecimento ao contabilista externo. Negou, por isso, que os valores constantes dos extractos bancários como numerário correspondessem a vendas da sociedade arguida e correspondentes pagamentos pelos seus clientes. Mais referiram as testemunhas que, para além dos pagamentos serem maioria por TPA, também era sempre emitida a correspondente factura. Sobre esta matéria depuseram ainda a testemunha JJ (trabalhadora na loja de ...) que referiu também que os pagamentos são praticamente efectuados por multibanco e, segundo se recorda, sempre emitiu factura aos clientes, sendo diferenciado o IVA suportado pela compra da armação (23%) e o IVA suportado pela compra das lentes (6%), sendo essa diferenciação automática na emissão da factura. Também a testemunha KK disse trabalhar juntamente com a testemunha JJ na loja de .... O seu trabalho é, porém, essencialmente montagem de lentes em óculos e realização de acertos e ajustes, pelo que não tem experiência em termos de vendas. Por outro lado, foram inquiridos alguns clientes da sociedade arguida que, em termos gerais, também confirmaram os pagamentos por multibanco e os pedidos de emissão da correspondente factura. Vejam-se os depoimentos de NN que disse ser cliente da sociedade arguida há mais de 15 anos e pagar habitualmente com cartão bancário e pedir factura para entregar no seu subsistema de saúde a fim de obter a respectiva comparticipação. Adquire habitualmente lentes progressivas. A testemunha OO disse ter feito aquisições de óculos e armações e que foi sempre tudo facturado e pago por multibanco. A testemunha PP disse ser cliente pontual, admitiu que os pagamentos seriam feitos por multibanco, mas não excluiu o uso de numerário. Admitiu também como possível não pedir factura, apesar de dizer que em princípio costuma solicitar a sua emissão. Acontece que importa salientar que os valores constantes da contabilidade da sociedade arguida quanto ao valor das vendas declarado para efeitos de IVA e de IRC é semelhante. Já, da análise dos extractos bancários e das declarações Modelo 40 (acima referido), resulta inequívoco que efectivamente as receitas obtidas por TPA’s são manifestamente superiores aos valores recebidos em numerário e por transferência bancária, pelo que não se estranha que as testemunhas digam que a maior parte dos pagamentos era efectuado por recurso a multibanco. Veja-se, a título meramente exemplificativo, o ano de 2012, em que os pagamentos por TPA’s perfizeram o montante total de € 521.187,67; ao passo que os pagamentos por numerário totalizaram € 61.856,37 e por transferência bancária € 2.374,00, um padrão que se repete nos anos seguintes. No ano de 2012, os pagamentos por TPA representam, pois, quase 90%. De notar que o Tribunal solicitou à Autoridade Tributária que procedesse à análise do sistema E-Factura, o que foi feito conforme documento elaborado pela testemunha DD cujo conteúdo veio sustentar em julgamento – ref. citius n.º 41153454. Explicou a testemunha que tal análise só foi possível para os anos de 2013, 2014 e 2015, uma vez que este sistema ainda não estava implementado no ano de 2012. Ora, dessa análise, resultou que os valores das vendas declaradas pela sociedade arguida nas declarações de IRC e de IVA nos anos de 2013, 2014 e 2015 não divergem significativamente dos valores comunicados no sistema E-factura. Com efeito, no ano de 2013, a sociedade arguida declarou vendas no montante global de € 428.751,80, ao passo que no E-Factura a base tributável declarada é de € 435.036,70; no ano de 2014, os valores são absolutamente coincidentes (no valor de € 370.559,21) e, no ano de 2015, as vendas declaradas foram no valor de € 371.093,00 e no E-Factura a base tributável declarada é de € 382.747,47. Ora, comparados tais valores com a receita creditada no Banco (constante das declarações Modelo 40 acrescida dos valores de numerário e de transferências bancárias), a conclusão não pode ser outra senão a de omissão de facturação que acompanha a omissão de receita, pelo que não corresponde à realidade os depoimentos das testemunhas no sentido de que sempre foi emitida a correspondente factura aos clientes da sociedade arguida. De notar que na inspecção efectuada à actividade declarada da sociedade arguida, não se constatou que existisse registo de devoluções de clientes (sendo que a existir, não estão reflectidas na contabilidade). No registo efectuado no ficheiro SAF-T também não há evidência de emissão de notas de crédito que identifiquem devoluções efectuadas pelos clientes. Por outro lado, verificou-se, conforme já acima mencionado, que a sociedade arguida não contabilizou a seu favor os montantes das comissões cobradas pela entidade bancária pelos pagamentos realizados por TPA’s. Trata-se de uma omissão a favor da sociedade arguida, porém, como explicou a testemunha CC atenta a dimensão dos valores omitidos a título de rendimentos provenientes de TPA’s, a declaração das comissões facilmente chamaria a atenção da Autoridade Tributária, pois os valores declarados não seriam compagináveis com as vendas declaradas. Por conseguinte, tal comportamento só vem reforçar a intencionalidade da omissão, afastando uma atitude displicente ou negligente do contabilista, como fizeram crer as testemunhas LL e MM nos seus depoimentos. No que concerne aos numerários, cumpre ainda notar que, analisados os extractos bancários, estes têm uma cadência regular e correspondem na sua maioria a baixos valores, o que remete efectivamente para a evidência de se tratarem de vendas a consumidores finais. A testemunha PP admitiu proceder a pagamentos em numerário. Não se afigura, pois, credível que os tais empréstimos dos progenitores do arguido singular fossem de baixo valor, pelo que disseram as testemunhas, e nem as testemunhas MM e LL apontaram para uma cadência de regularidade como a reflectida nos extractos. Destarte nos seus depoimentos apontaram mais para necessidades pontuais de fim de mês para fazer face a pagamentos a fornecedores, impostos e salários. Ademais, a própria testemunha MM, quando confrontada com a existência de valores de numerário na ordem dos € 50.000,00/ano, não soube explicar, referindo que os empréstimos dos progenitores rondariam os € 10.000,00/ano. Sucede que também não há qualquer registo na contabilidade de empréstimos nem dos pais do arguido singular nem deste. E, como já referido, não apareceu o tal mapa excel que seria elaborado pela testemunha LL. Acresce que uma análise mais minuciosa dos extractos bancários afasta também a justificação de que os depósitos em numerário foram efectuados como forma de fazer face a dificuldades de tesouraria, na medida em que a sociedade arguida possui linhas de crédito disponíveis no ... e, quando o saldo da conta bancária pontualmente ficou credor, foi efectuada transferência da conta de apoio ao negócio do ... para a conta à ordem. Também as transferências bancárias, analisados os extractos bancários constantes dos autos, se constata que são transferências a crédito com origem em clientes, sendo que a Autoridade Tributária desconsiderou as transferências a crédito provenientes do arguido, conforme se alcança de fls. 71, dando-se como exemplo, o movimento bancário no valor de € 1.000,00, conforme anexo 29, fls. 5 de 131, na página 233. Assim, tudo ponderado, resulta inequívoco que há uma discrepância de valores entre os declarados em sede de IRC e de IVA pela sociedade arguida e os declarados pelas entidades bancários em sede de declarações Modelo 40 e os reflectidos nos extractos bancários da sociedade arguida. Tal divergência é no sentido de os valores declarados pela sociedade arguida serem substancialmente inferiores. Veja-se, no ano de 2012, há uma omissão de receita no valor de € 242.532,46; no ano de 2013, no valor de € 117.778,36; no ano de 2014, no valor de € 111.018,45; e, no ano de 2015, no valor de € 125.955,72; ou seja, um total de € 597.285,00. Não se acredita que a ordem de grandeza destes valores, ao longo de todos estes anos e sempre em favor da sociedade arguida e prejuízo da Autoridade Tributária tenha ocorrido por incúria e negligência do contabilista externo, sem qualquer interferência dos arguidos que são os principais beneficiados com tal comportamento, pelo que não nos mereceu credibilidade, quanto a tal, os depoimentos de LL e MM de que, da parte da sociedade, eram enviada toda a documentação e que o arguido pessoa singular não interferia em nada, deixando tudo nas mãos do seu contabilista externo. Não colhe o argumento de que o arguido singular se limitava a cumprir aquilo que lhe era determinado pelo contabilista externo. As sociedades comerciais têm, naturalmente, colaboradores, cada um com a sua função; ainda assim, e a final, são responsáveis pela sociedade não cada um dos funcionários (que terão as tarefas que lhes forem atribuídas), mas quem tem o poder decisório, ou seja, os sócios gerentes. A ponderação lógica das provas e dos factos e o apelo às regras da experiência comum permitem-nos concluir que ninguém gere determinada sociedade (de facto ou de direito), para não ser responsável pelos seus actos, se ela continua a laborar, a gerar receitas e as dívidas fiscais correspondentes. Quem é gerente, como é o caso do arguido, pretende um controlo directo e pessoal sobre uma pessoa fictícia, apenas reconhecida pelo direito, para atingir um ou mais objectivos. ».
Compulsada esta parte da fundamentação, nenhum reparo merece. O Tribunal logra justificar o raciocínio seguido para alcançar os valores provados, expondo de forma crítica a análise à prova produzida, permitindo aferir que o critério de avaliação seguido é coerente, sensato e adequado aos padrões do sentido comum.
Vejamos agora, a justificação para a taxa de IVA cuja prova vem contestada pelos Recorrentes. Diz-se na sentença: «é inequívoco que a sociedade arguida nas vendas que efectua está sujeita a duas taxas de IVA diferenciadas (6% e 23%). Aliás, pela análise dos ficheiros SFA-T, constatou-se que a facturação à taxa reduzida se refere a lentes de contacto e oftálmicas e a facturação à taxa normal é constituída por aros, óculos de sol, líquidos asséticos e diversos acessórios. Porém, a decisão da Autoridade Tributária de tributação de todas as vendas omissas à taxa normal residiu no facto de se ter verificado um desajustamento entre as compras e vendas respectivas, conforme bem explicaram em julgamento as testemunhas CC e DD. Com efeito, no ano de 2012, apurou-se que a percentagem das compras à taxa normal representa cerca de 38%, no entanto, as vendas à mesma taxa representa apenas 12% das vendas totais. Por sua vez, no ano de 2013, apurou-se que a percentagem das compras à taxa normal representa cerca de 54%, no entanto, as vendas à mesma taxa representa apenas 31% das vendas totais. No ano de 2014, apurou-se que a percentagem das compras à taxa normal representa cerca de 64%, no entanto, as vendas à mesma taxa representa apenas 37% das vendas totais. No ano de 2015, apurou-se que a percentagem das compras à taxa normal representa cerca de 55%, no entanto, as vendas à mesma taxa representa apenas 38% das vendas totais. Inversamente, no ano de 2012, apurou-se que a percentagem das compras à taxa reduzida representa cerca de 62%, no entanto, as vendas à mesma taxa representam já 88% das vendas totais. No ano de 2013, apurou-se que a percentagem das compras à taxa reduzida representa cerca de 46%, no entanto, as vendas à mesma taxa representam já 69% das vendas totais. No ano de 2014, apurou-se que a percentagem das compras à taxa reduzida representa cerca de 36%, no entanto, as vendas à mesma taxa representam já 63% das vendas totais. No ano de 2015, apurou-se que a percentagem das compras à taxa reduzida representa cerca de 45%, no entanto, as vendas à mesma taxa representam já 62% das vendas totais. Pelo que se verifica efectivamente uma elevada discrepância entre as vendas e as compras declaradas pela sociedade arguida, de acordo com a taxa aplicável, no que se pode concluir que consiste numa inversão da matriz de IVA ao nível das taxas praticadas nas compras e as taxas praticadas nas vendas, que permite concluir que as omissões de vendas se realizaram essencialmente nas vendas de produtos sujeitos à taxa normal. Acresce que, conforme explanado no documento de informação complementar elaborado pela Autoridade Tributária, a correcção dos valores das vendas à taxa de 23%, permitiu apurar uma maior simetria entre a proporção das vendas por taxa de IVA e a proporção das compras por taxa de IVA, sem que, em nenhum dos anos, a percentagem das vendas à taxa normal ultrapasse a percentagem das compras à mesma taxa. Assim, corrigidas as vendas por aplicação da taxa normal de IVA às vendas omissas, conclui-se que, em 2013, as vendas corrigidas sujeitas à taxa normal de IVA passam a representar 44% do total das vendas, em consonância com a percentagem das compras sujeitas à mesma taxa de 54%; em 2014, passa a representar 50% do total das vendas, em consonância com a percentagem das compras sujeitas à mesma taxa de 64%; e em 2015, passa a representar 51%, em consonância com a percentagem das compras sujeitas à mesma taxa de 55%; sem nunca exceder a proporção dada pelas compras. Além de que, como explicou a testemunha DD, os produtos vendidos à taxa de IVA de 6% carecem necessariamente de receita médica, pelo que é expectável quanto a esses que haja emissão de factura, a qual se mostra reflectida no sistema EFactura e corresponde, em termos gerais, aos valores declarados pela sociedade arguida em sede de IVA e IRC, pelo que as vendas omissas terão necessariamente sido feitas à taxa de 23%, chegando-se, por esta via, também há mesma conclusão. Não se pode ignorar que a taxa normal é a taxa a aplicar por regra, carecendo a aplicação das demais taxas de justificação, que, no caso concreto, não existe para as vendas omissas. De notar que o Tribunal ainda tentou explorar a correlação com os inventários da sociedade arguida, porém, os valores constantes dos inventários declarados pela sociedade arguida veio a apurar-se não serem fiáveis, pelo que tal não se logrou possível por culpa exclusiva da sociedade que mais uma vez não cumpriu com as suas obrigações fiscais. Sendo certo que, conforme explicou a testemunha DD, para o ano de 2013, no inventário constante da contabilidade da sociedade arguida há mais artigos à taxa de 6% do que de 23%, pelo que se pode concluir que terão sido vendidos os artigos à taxa de 23%. Posto isto, importa, para o caso dos autos, considerar que a prova directa não é o único meio de prova legalmente admitido no nosso sistema processual penal, pois na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções. Ao passo que as primeiras são consideradas instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos; as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que se tem por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir, entrando-se no campo da designada prova indirecta ou indiciária. A prova indirecta ou indiciária reporta-se, pois, a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova (as chamadas presunções naturais) (…) No caso concreto, resulta inequívoco que (i) a sociedade arguida, nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, exerceu a sua actividade de comercialização de artigos de óptica; (ii) tinha duas contas bancárias abertas em seu nome, as quais eram usadas no exercício da sua actividade comercial, conforme se alcança da análise dos fluxos financeiros que aí se mostram retratados. Pelo que, à luz das regras da normalidade da vida e da experiência comum, é plenamente válido presumir que todas as entradas e saídas de dinheiro dessas duas contas bancárias respeitam ao exercício do objecto social da sociedade arguida e, não sendo carreada para os autos qualquer outra justificação válida e verosímil para tais entradas, seja por via de TPA’S, numerário ou transferência bancária, é totalmente legítimo concluir que se tratam de ganhos provenientes do exercício da sua actividade comercial. É, aliás, desprovido de racionalidade lógica fazer, com base em tais elementos conhecidos, afirmação contrária. Por conseguinte, não tendo tais rendimentos sido declarados pela sociedade arguida, como bem explicaram as testemunhas CC e DD resulta manifesto que se tratam de ganhos omitidos pela sociedade arguida, os quais não foram declarados para efeitos de IRC nem de IVA e sobre os quais não houve liquidação de impostos. Pelo que, tudo conjugado, e considerando o valor da taxa de IRC a que se encontra sujeita a sociedade arguida e da derrama municipal, foi calculado o respectivo valor de imposto em dívida. ».
Conforme acima mencionado, o vício invocado deve resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, limitando-se a atuação do Tribunal de recurso à sua verificação na sentença. Ora, o texto da sentença é manifestamente adequado para fundamentar, de acordo com critérios normativos, a decisão tomada.
Foi justificado que a prova da taxa de IVA teve que ser apurada de forma indirecta e esta é uma via probatória admitida na lei e, por isso, um recurso ao alcance do decisor.
Nada obsta ao recurso da figura da prova indirecta para obter uma resposta quanto à matéria de facto levada à apreciação do Tribunal. Veja-se, a propósito, que «Sabido é que o tribunal a quo pode prevalecer-se da prova indirecta ou indiciária para chegar à convicção que formou, pois esta prova (que se distingue da prova directa) é admissível pelo nosso ordenamento jurídico. A prova indirecta ou indiciária reporta-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência (sendo estas “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentemente do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade. A eficácia probatória da prova indiciária está dependente da verificação de quatro requisitos, a saber: a prova dos indícios; concorrência de uma pluralidade de indícios; raciocínio dedutivo entre os indícios provados e os factos que deles se inferem, devendo existir um nexo preciso, directo, coerente, lógico e racional. Se o tribunal recorre à prova indiciária, tem de dar a conhecer o seu raciocínio dedutivo e, sendo este omitido, impede a instância de recurso de sindicar se efectuou (ou não) uma apreciação objectiva da prova produzida, em conformidade com as regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.» [ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 24.09.2019, Desembargador Artur Vargues, ECLI:PT:TRL:2019:294.17.2JGLSB.L1.5.7B] – (negrito nosso).
Como este mesmo Desembargador acrescenta, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.09.2023, [ECLI:PT:TRE:2023:147.21.0PCSTB.E1.1E], «De acordo com o artigo 349º, do Código Civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”, admitindo-se as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, como se extrai do artigo 351º do mesmo. E é perfeitamente possível o recurso à prova indirecta ou indiciária para chegar à convicção que formou o tribunal a quo, pois esta prova (que se distingue da prova directa) é admitida no nosso ordenamento jurídico também no âmbito do processo penal – cfr. neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 11/12/2003, Proc. nº 03P3375; 07/01/2004, Proc. nº 03P3213; 09/02/2005, Proc. nº 04P4721; 04/12/2008, Proc. nº 08P3456; 12/03/2009, Proc. nº 09P0395 e de 18/06/2009, Proc. nº 81/04PBBGC.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt e também o Ac. do Tribunal Constitucional nº 391/2015, em DR nº 224, II Série, de 16/11/2015, que decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 127º, do CPP, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal –assim também o Acórdão deste mesmo Tribunal nº 521/2018, de 17/10/2018, que pode ser lido no respectivo sítio. A prova indirecta reporta-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, da lógica, do raciocínio indutivo e inferência, extrair uma ilação quanto ao tema da prova.»
No mesmo sentido encontramos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2006, Conselheiro Santos Carvalho, [ECLI:PT:STJ:2006:06P4096.3A] «As normas dos artigos 126° e 127° do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo. Essa interpretação não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa, ou da presunção de inocência e do contraditório, consagrados no art.º 32.°, n.º 1, 2, 5 e 8 da Constituição da República Portuguesa, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto para efectivo controlo da decisão.»
Ou seja, não há que temer a prova indirecta. Existem regras para a sua utilização e não produz decisões arbitrárias ou incoerentes. Tem um substracto objectivo e é fruto de um processo indicável. «A prova indirecta (ou indiciária) não é um “minus” relativamente à prova directa. Pelo contrário, pois se é certo que na prova indirecta intervêm a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho. No entanto, a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, de forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis. A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.» - ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2010, Desembargadora Alda Tomé Casimiro
ECLI:PT:TRL:2010:3607.05.6TASNT.L1.5.D3.
Mas o Tribunal não se sustentou apenas na prova indirecta uma vez que se fundou igualmente no depoimento das testemunhas inspectoras tributárias e clientes da sociedade arguida para, juntamente com a prova documental como ponto de partida para tais inferências.
A premissa de que os produtos vendidos a taxas de IVA reduzidas carecem de uma justificação, sendo a taxa normal a aplicável por regra é válida. Assim como o é a circunstância dos produtos vendidos à taxa de IVA reduzida de 6% precisarem de receita médica para beneficiarem dessa redução propiciarem a emissão de factura adequada pois os compradores, com tal receita, precisão da factura para accionarem os respectivos subsistemas de saúde, seguros, ou mesmo o SNS.
Porém, dos documentos contabilísticos fornecidos e disponibilizados à AT nada consta, permitindo, de acordo com as regras da experiência comum, inferir que não existem.
Consequentemente, naufraga, nesta parte, a pretensão recursiva.
- Erro notório na apreciação da prova
Porém, os Recorrentes vão mais longe e, invocam igualmente o erro notório na apreciação da prova, também previsto no art.º 410.º/1 do Código de Processo Penal, mas na alínea c). Com efeito, «Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.», [Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 10.05.2021, ECLI:PT:TRG:2021:2434.18.5T9VCD.G1.AB].
Segundo os Recorrentes, a decisão recorrida erra na análise dos factos em discussão, novamente na questão de considerar que todas as vendas não declaradas são vendas à taxa de 23%. Porém, a fundamentação apresentada supra para validar a decisão do Tribunal a quo nesta matéria é a mesma que agora permite concluir que inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova. A decisão está devidamente fundamentada, sendo clara e válida a sua fundamentação.
Acrescenta, porém, um argumento, apontando como deficiente o raciocínio do Tribunal a quo, quando justifica: «Com efeito, no ano de 2012, apurou-se que a percentagem das compras à taxa normal representa cerca de 38%, no entanto, as vendas à mesma taxa representa apenas 12% das vendas totais. Por sua vez, no ano de 2013, apurou-se que a percentagem das compras à taxa normal representa cerca de 54%, no entanto, as vendas à mesma taxa representa apenas 31% das vendas totais. No ano de 2014, apurou-se que a percentagem das compras à taxa normal representa cerca de 64%, no entanto, as vendas à mesma taxa representa apenas 37% das vendas totais. No ano de 2015, apurou-se que a percentagem das compras à taxa normal representa cerca de 55%, no entanto, as vendas à mesma taxa representa apenas 38% das vendas totais. Inversamente, no ano de 2012, apurou-se que a percentagem das compras à taxa reduzida representa cerca de 62%, no entanto, as vendas à mesma taxa representam já 88% das vendas totais. No ano de 2013, apurou-se que a percentagem das compras à taxa reduzida representa cerca de 46%, no entanto, as vendas à mesma taxa representam já 69% das vendas totais. No ano de 2014, apurou-se que a percentagem das compras à taxa reduzida representa cerca de 36%, no entanto, as vendas à mesma taxa representam já 63% das vendas totais. No ano de 2015, apurou-se que a percentagem das compras à taxa reduzida representa cerca de 45%, no entanto, as vendas à mesma taxa representam já 62% das vendas totais».
Segundo os Recorrentes, não tem qualquer sentido este raciocínio pois uma sociedade que compre bens num determinado ano, não terá de os vender necessariamente nesse mesmo ano.
Essa é a avaliação feita deste segmento argumentativo, desenquadrado de todos os outros elementos probatórios dos quais se socorreu o Tribunal para fundamentar a decisão. Ora, compulsada tal argumentação, na íntegra, reconhece-se um fio condutor de argumentação e articulação da prova, directa e indirecta, que, globalmente, é coerente e não é colocada em causa com o argumento invocado. É certo que as compras de um ano não têm forçosamente que produzir vendas imediatas. Mas, num momento em que as sociedades tudo fazem para reduzir imobilizados, stocks, nomeadamente em produtos que sofrem constantes mudanças de colecção, actualização tecnológica e de design como aqueles negociados pela Arguida, e tendo presentes todos os justificativos de cálculo sustentados na fundamentação, que abrangem vários anos, não se afigura ser tal argumento bastante para questionar os valores das vendas.
Assim, não se retira da fundamentação e dos factos provados qualquer erro notório de apreciação.
- Erro sobre a matéria de direito
Finalmente, invocam os recorrentes o vício decorrente de um erro de direito nos termos do art.º 412.º/2 do Código de Processo Penal. Isto porque, no seu entender, «A forma como são calculados os montantes relevantes para aferição do que é a vantagem patrimonial ilegítima no âmbito do crime de Fraude fiscal, assim como, por decorrência daquela, no âmbito do crime de Abuso de Confiança fiscal, é violadora do princípio da legalidade criminal».
A questão é de simples resolução, porque não se coloca ao nível do direito mas do facto. Como apreciámos supra, entende-se correctamente fixada a matéria de facto provada. E desta emergem os valores que determinam o cálculo da vantagem patrimonial, como justificou o Tribunal a quo, por exemplo para o IVA do ano de 2012 «ao não declarar a totalidade dos seus rendimentos obtidos no período de IRC de 2012 e ao declarar como gastos despesas que não podia inscrever, a sociedade arguida conseguiu diminuir o lucro tributável declarado, deixando de entregar nos cofres do Estado o montante total de € 52.096,12, tendo obtido, como tal, uma vantagem patrimonial indevida nesse mesmo montante».
O mesmo tipo de raciocínio repetiu-se nos demais anos fiscais e revelam o cálculo daquilo que, com base nos factos provados, ficou demonstrado que os Arguidos não declararam, reduzindo os respectivos lucros e, assim, a base tributável. Nenhuma falha se vislumbra nesse cálculo e, desta forma, nenhuma violação da lei ocorreu ao concluir pelo preenchimento dos elementos típicos dos crimes pelos quais foram condenados, como foi extensivamente justificado na sentença recorrida.
DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso, mantendo-se inalterada a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes, fixando-se em 4 UC a respectiva taxa de justiça.
Lisboa, 18.Novembro.2025
Rui Coelho
Manuel Advínculo Sequeira (votei a decisão)
Alexandra Veiga