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CRIME DE INJÚRIA
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE
MEDIDA DA PENA PRINCIPAL
MEDIDA DA PENA ACESSÓRIA
Sumário
I. A expressão “ide para o caralho” dirigida pelo arguido a dois militares da GNR, uniformizados e em pleno exercício de funções, quando procediam a uma fiscalização de trânsito e por causa desta, nunca poderá ser entendida como uma mera falta de educação, mostrado-se, objectiva e subjectivamente, ofensiva da consideração que lhes é devida, integrando esta conduta a prática de crime de injúria agravada (previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao 132.º, n.º 2, al. l), todos do CP). II. A conduta pressuposta pelo crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a), do CP (com referência ao artigo 152.º do Código da Estrada), traduz-se na recusa de realização da prova estabelecida para a detecção do estado de influenciado pelo álcool, não exigindo a identificação, exibição ou análise técnica da concreta prova a que o agente deverá submeter-se. III. O montante diário da pena de multa deve ser fixado de modo a que esta sanção represente um sacrifício real para o condenado, sem o que se remeterá esta pena para o patamar da simples advertência, pressupondo a fixação daquela taxa diária no mínimo legal que o visado se encontre num nível existencial económico mínimo. IV. No crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a), do CP (com referência ao artigo 152.º do Código da Estrada), a operação de graduação da pena acessória aplicável deve ponderar as circunstâncias previstas no artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do CP, e também a necessidade de censurar a perigosidade das condutas subsumíveis à incriminação (que impedem o cabal controlo das condições em que os condutores de veículos motorizados exercem a sua condução).
Texto Integral
Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO
AA, casado, comerciante, nascido em ../../1970, filho de BB e de CC, natural da freguesia ..., concelho ..., e com domicílio na Rua ..., ..., ... ..., foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal singular e, a final, condenado:
a. Pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, com referência ao art. 132, n.º 2 l) do CP, na pessoa dos ofendidos, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, por cada um dos crimes;
b. Pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 348.º, n.º 1 a) do CP na pena de 70 (setenta) dias de multa;
c. Em cumulo jurídico, na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros), no montante global de €1.040,00 (mil e quarenta euros);
d. Na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses.
Foram julgados parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civis formulados pelos dois demandantes e, em consequência, condenado o demandado AA a pagar a cada um deles quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a data da presente decisão, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“1º - Não se encontra preenchido o tipo de crime de que o arguido foi acusado de injúria agravada, entendendo o arguido que não é possível imputar-lhe qualquer facto suscetível de integrar a prática do tipo de crime em apreço. 2º - De facto, sendo os ofendidos agentes da GNR, em exercício de funções, o crime em causa, de injúria agravada, reveste natureza semi-pública, pelo que se torna necessário, para o exercício do respetivo procedimento criminal, a inequívoca demonstração de vontade dos ofendidos de que desejavam procedimento criminal, o que não acontece nos presentes autos, na medida em que o auto de notícia por detenção não vale como denúncia de procedimento criminal. 3º - Nessa medida, ter-se-á de considerar que não existe, nos autos, queixa dos ofendidos contra o ora recorrente, pela prática dos factos que consubstanciam o crime de injúria agravada, carecendo o M.P. de legitimidade para acusar por este ilícito. 4º - Um auto de notícia por detenção, lavrado por imposição legal e no exercício das respetivas funções, por agentes de autoridade, narrando factos reportados a crimes de natureza semi-pública em que sejam ofendidos, não revela, só por si, uma manifestação inequívoca de desejo de procedimento criminal por parte desses agentes, para que se possa configurar, para os legais efeitos, como queixa criminal. 5º - A douta sentença recorrida ao condenar o arguido pela prática dos crimes de injúrias agravada, sem que os ofendidos tenham apresentado queixa violou o disposto nos artigos 181º e 184º do Código Penal. 6º - Mesmo que assim não se entendesse e tendo resultado demonstrado apenas que o arguido proferiu a expressão referida no ponto 10) da matéria de facto provada, “ide para o caralho!”, tal expressão, objetivamente considerada, ainda que possa revelar uma conduta moralmente censurável da parte do arguido, não ultrapassa o limite da linguagem grosseira, boçal e até ordinária, mas não se afigura idónea a afetar a honra ou consideração dos ofendidos. 7º - O entendimento dominante é atualmente, que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180º e 181º do Código Penal, tudo dependendo da intensidade da ofensa ou perigo da ofensa. 8º - Como disse o tribunal a quo na sentença recorrida, haverá que ter em conta que “os ofendidos não são ofendidos quaisquer, mas sim guardas de um corpo da polícia militarizado como é a GNR”, devendo reconhecer-se que não será qualquer palavra, isolada, desrespeitosa e até mal-educada, objetivamente considerada, idónea a afetar a honra ou consideração dos ofendidos. 9º - No caso, a expressão utilizada não constitui a imputação de qualquer facto, nem visou ofender a honra ou consideração dos referidos agentes da GNR., trata-se de uma expressão desrespeitosa e nada educada, censurável do ponto de vista moral, mas não assumindo relevância criminal, como se disse. 10º - Efetivamente, no crime de injúrias, o direito penal não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere suscetibilidade do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa possa ter apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros, sendo ainda de frisar que na avaliação do preenchimento do tipo de crime de injúria não basta a consideração das palavras e expressões proferidas: é preciso situá-las no enquadramento preciso em que foram ditas. 11º - No contexto em que aquela expressão de “ide para o caralho” foi proferida, em um só momento e por uma única vez, não tem outro significado que não seja a mera verbalização das palavras obscenas, sendo absolutamente incapazes de pôr em causa o carácter, o bom nome ou a reputação dos visados. 12º - Não se verifica o elemento objetivo do fim da ação levada a cabo pelo arguido, e consequentemente o elemento subjetivo - dolo- o que afasta a verificação do tipo legal em causa. Pelo que o arguido deve ser absolvido dos crimes de injúrias agravada, bem como dos respetivos pedidos de indemnização cível. 13º - Não se encontra preenchido o tipo de crime de que o arguido foi acusado de desobediência, entendendo o arguido que não é possível imputar-lhe qualquer facto suscetível de integrar a prática do tipo de crime em apreço. 14º - Com efeito, entendemos, porém, que para a condenação pelo crime imputado não basta a prova de que o arguido recusou submeter-se ao teste de despistagem de álcool. 15º - É necessário, igualmente, que se prove que existia o teste disponível para fazer a despistagem de álcool ou, pelo menos, algum facto de que inevitavelmente resulte que podia dispor do respetivo aparelho para efetuar o teste a despistagem de álcool. 16º - Quem não tem consigo o respetivo aparelho para efetuar o teste de despistagem de álcool, nem pode dispor dele, não comete o crime de desobediência por não o fazer, porque não lhe é possível cumprir. 17º - É algo que decorre da própria natureza das coisas: “só se deve obediência a ordens possíveis de cumprir, sendo a possibilidade aferida, como é próprio dum comando dirigido a alguém em concreto, pela situação e capacidades do particular destinatário. De impossibilita nemo tenetur. Cfr. Conimbricense, tomo III, pag. 257. 18º - A existência do aparelho para efetuar o teste de despistagem do álcool ou de que o arguido podia dispor dele para o fazer, é «facto» que não consta da acusação e tinha de constar, pois a ela compete a alegação e prova de todos os elementos constitutivos do crime. 19º - É sabido que, não contendo a acusação factos suficientes para a condenação do arguido, não pode o tribunal, sob pena de violação da estrutura acusatória do processo penal, alargar a investigação a outros factos que permitam a condenação. 20º - É que a acusação fixa o objeto do processo, traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a atividade investigatória e cognitória do tribunal. Trata-se de uma decorrência do princípio do acusatório que, nos termos do art. 32 nº 5 da Constituição, estrutura o processo penal. 21º - A acusação deverá conter a «narração» de todos os factos que fundamentam a aplicação ao arguido da pena – art. 283 nº 3 al. b) do CPP – o que não sucede no caso. 22º - Ora, do texto da acusação não resulta explícito, nem inevitavelmente implícito, que o arguido tinha disponível naquele momento o aparelho para fazer o teste de despistagem de álcool no sangue quando lhe foi dada a ordem para o fazer. 23º - Decisivo é a circunstância de, consistindo a desobediência na omissão de um comportamento, ter de constar da acusação factos que permitam o juízo de que o arguido estava em condições de não omitir a conduta que lhe foi ordenada. No caso, a alegação de que existia o aparelho para fazer o teste de despistagem de álcool no sangue ou acesso a ele para o fazer. 24º - Em suma, os factos narrados na acusação não eram suficientes para a condenação do arguido pela prática do crime de desobediência que, assim, deve ser absolvido. 25º - Caso não se entenda absolver o arguido dos crimes de injúria agravada e do crime de desobediência e dos pedidos de indemnização, o que não se concede, mas se expõe por mero dever de prudente patrocínio, requer-se de todo o modo, a diminuição das penas que lhe foram aplicadas, por ambos os crimes (bem como, da pena única que lhe foi fixada) e a diminuição do período da proibição de conduzir, por todas elas se mostrarem exageradas e desproporcionadas às circunstâncias do caso, tendo em conta o baixo grau de ilicitude, a diminuta intensidade do dolo e o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, fiel ao Direito durante 53 anos de vida. 26º - O tribunal recorrido, não sopesou, na sua devida conta, todos os fatores em jogo, quer desfavoráveis, quer favoráveis, nomeadamente, o grau da ilicitude, a intensidade do dolo, a inserção profissional do arguido, as condições de vida, a sua idade, o desvalor social da ação delitiva, o juízo de censura suscetível de ser formulado, a ausência de antecedentes criminais do arguido, fiel ao Direito durante 53 anos, a gravidade das condutas e as circunstâncias em que as mesmas ocorreram. 27º- Não fixou, pois, de forma criteriosa, as penas parcelares aplicáveis, a pena única resultante do necessário cúmulo jurídico nem o período de proibição de conduzir, configurando-se, todas elas, como desproporcionais àqueles vetores e à tutela dos bens jurídicos em concreto. 28º - Assim, conforme supra exposto, caso não se entenda absolver o arguido, o que não se concede, mas se expõe por mero dever de prudente patrocínio, e perante o circunstancialismo do caso concreto, considerando a condição social, pessoal, e económica, assim como as consequências dos factos, sempre se mostraria adequada à culpa do arguido e suficiente para realizar a tutela dos bens jurídicos protegidos que as penas de multa não ultrapassassem os limites mínimos da moldura penal aplicável, pelo montante mínimo diário, não devendo a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor ser superior ao mínimo de três meses. 29º - A decisão recorrida não é justa de direito, foi violado o disposto nos artigos 181º, 184º, 132º, nº 2 l) do CP; 348.º, n.º 1 a) do CP; art. 152.º, n.º 3 do Código da Estrada; art. 69.º, n.º 1 c) do CP, art. 483.º, n.º 1 e 487º, art. 496.º, n.º 1, artº 494º todos do Código Civil, bem como violou os princípios básicos de determinação da medida da pena, ao arrepio dos critérios previstos nos artigos 71º, 40º e 41º, 47º e 77º do Código Penal.
Termos em que, deve ser admitido o presente recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo e, consequentemente, na medida das articuladas conclusões e pelo douto suprimento, revogada a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.”.
O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, concluindo nos seguintes termos:
“I. O arguido vem pôr em crise a sentença proferida nos presentes autos argumentando, conforme ressalta das conclusões do recurso, que o Ministério Público não tinha legitimidade para promover o processo penal relativamente aos crimes de injúria agravada, que o tribunal a quo efetuou uma incorreta qualificação jurídica dos factos no que concerne ao preenchimento dos elementos típicos dos crimes de injúria agravada e desobediência e, ainda, que a medida das penas de multa (quer as parcelares quer a única resultante do cúmulo jurídico) é excessiva. II. O auto de notícia que deu origem aos presentes autos, assinado pelos dois militares da Guarda Nacional Republicana ofendidos, DD e EE, para além de descrever a factualidade suscetível de consubstanciar a prática do crime de injúria agravada, contém a menção de que ambos "encontravam-se em pleno exercício de funções e devidamente uniformizados, por tal facto, desejam procedimento criminal contra o arguido pelas injúrias e ameaças". III. Tal auto de denúncia, nos termos em que foi elaborado e submetido ao órgão titular do inquérito, consubstancia uma verdadeira queixa para efeitos de instauração de procedimento criminal contra o arguido pela factualidade ali descrita suscetível de, em abstrato, preencher a tipicidade do crime de injúria agravada, relativamente a cada um dos ofendidos, pois o seu teor traduz uma clara, manifesta e inequívoca demonstração de vontade dos seus subscritores para o efeito e, assim, legitima a instauração e prossecução do procedimento criminal por parte do Ministério Público. IV. As expressões dirigidas pelo arguido aos ofendidos com o propósito de "de denegrir a sua imagem e de os atingir na sua reputação, enquanto cidadãos e enquanto militares da GNR", como resulta da factualidade dada como provada na sentença recorrida, assumem um significado objetiva e inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social, situando-se muito para além da mera violação das regras de cortesia e da boa educação, atingindo já o âmago daquele mínimo de respeito indispensável ao relacionamento em sociedade. V. E, nessa medida, excedem manifestamente o direito à crítica e à liberdade de expressão e atingem a "área nuclear inviolável" do direito à honra e ao bom nome, cuja proteção constitui condição do livre desenvolvimento ético da pessoa e, como tal, está subtraída à intervenção privada (ou pública) que não demonstre ser justificada e/ou verdadeira. VI. Por conseguinte, a conduta do arguido preenche todos os elementos típicos do crime de injúria agravada p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. I), do Código Penal. VII. Resulta do quadro factual dado como provado na sentença recorrida - e não impugnado pelo recorrente -, em síntese, que, numa fiscalização rodoviária foi solicitado ao arguido que se submetesse ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, ao que este recusou, sendo que, perante tal recusa, os militares da GNR advertiram o arguido que se mantivesse tal recusa cometia um crime de desobediência, o qual, não obstante ter ficado ciente das consequências, manteve a recusa em efetuar o mencionado teste qualitativo. VIII. É, assim, manifesto que o arguido/recorrente faltou à obediência devida a uma ordem legítima, que tem subjacente uma disposição legal a cominar que o seu desrespeito seja punido como desobediência simples (cf. artigo 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código da Estrada), ordem essa que foi regularmente comunicada e emanada de autoridade competente que, embora no caso não seja exigido pela norma incriminadora, fez expressamente ao arguido a cominação de punição por desobediência simples. IX. Perante tal factualidade, não restam dúvidas de que a conduta do arguido preenche todos os elementos típicos do crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal. X. O Tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de escolha e graduação das penas - incluindo os invocados no presente recurso - sendo avaliada a conduta do arguido em função dos parâmetros legais, que foram respeitados, designadamente as elevadas exigências de prevenção geral, as reduzidas exigências de prevenção especial, o grau elevado da ilicitude da conduta e da culpa, o dolo direto, a inserção familiar, social e profissional do arguido e a inexistência de antecedentes criminais. XI. Sendo valorados os fatores apontados na sentença recorrida para a determinação da medida das penas de multa (quer as parcelares quer a única resultante do cúmulo jurídico) e da pena acessória haverá de concluir-se não assistir razão ao recorrente pois aquelas não ultrapassam a medida da sua culpa e correspondem ao mínimo de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos violados e das expectativas comunitárias. XII. Com efeito, as penas de multa - quer as parcelares quer a única resultante do cúmulo jurídico - foram fixadas próximo do ponto médio da pena abstratamente aplicável (ou seja, em oitenta dias numa moldura de quinze a cento e oitenta dias, no que concerne às penas parcelares de injúria agravada, em setenta dias numa moldura de dez a cento e vinte dias, no que concerne à pena parcelar de desobediência, e em cento e trinta dias numa moldura de oitenta a duzentos e trinta dias, no que concerne à pena única resultante do cúmulo jurídico) e a pena acessória foi fixada (ainda assim) muito próximo do limite mínimo da pena abstratamente aplicável. XIII. Do mesmo modo, a fixação do quantitativo diário da pena única de multa muito próximo do montante mínimo estabelecido pelo artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal- ou seja, em € 8,00 (oito euros) num mínimo de cinco e num máximo de quinhentos - revela-se adequada e proporcional à situação económica do arguido e do seu agregado familiar. XIV. Ademais, tudo faz supor que o arguido conduzia influenciado por uma elevada taxa de álcool no sangue tendo em conta que, conforme resulta do acervo factual dado como provado, "exalava um forte cheiro a álcool" e a ausência de reconhecimento do desvalor da sua conduta traduz uma menor suscetibilidade de ser influenciado pela pena a aplicar e, consequentemente, um grau maior de perigosidade. XV. Pelo exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, quer quanto à decisão quer quanto aos respetivos fundamentos, de facto e de Direito, e não padece de qualquer vício.”
O recurso foi admitido.
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Cumprido o disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, veio o Ministério Público, nesta Relação, emitir parecer no sentido do recurso do arguido não merecer provimento.
Em resposta a este parecer, o arguido nada veio dizer.
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Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
As relações conhecem de facto e de direito (artigo 428.º do CPP), sendo que, no caso em apreço, foi questionada a decisão sobre a matéria de facto vertida no acórdão recorrido.
É consabido que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (artigos 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo de poder abranger outras questões de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).
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Não se descortinando questões passíveis de conhecimento oficioso, deveremos aqui apreciar e decidir aquelas que o arguido suscitou nas conclusões insertas no recurso que interpôs e que são as seguintes:
a. a legitimidade do Ministério Público para a promoção do processo penal relativamente aos crimes de injúria agravada;
b. a aptidão da matéria de facto provada para configurar a prática pelo arguido dos crimes de injúria agravada e desobediência;
c. a medida das penas de multa (parcelares e única), bem como do montante da taxa diária fixada, e da pena acessória.
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Transcrição da parte pertinente da decisão sob recurso:
“I. Factos provados
(…)
1) No dia 27 de Fevereiro de 2023, pelas ..., na Avenida ..., em ..., o arguido AA tripulava na via pública o veículo automóvel ligeiro de matrícula ..-..-SS;---
2) No referido local circulava uma patrulha da GNR em acção de fiscalização, formada pelo Guarda-Principal, DD e pelo Guarda EE, devidamente uniformizados;---
3) Ao constatarem que o arguido tinha efectuado uma manobra de inversão de marcha quando passou pelo carro patrulha, aqueles militares seguiram no seu alcance e fizeram-lhe sinais luminosos para parar a viatura;---
4) Uma vez imobilizado o veículo, os componentes da patrulha constataram que o arguido exalava um forte cheiro a álcool e, como tal, solicitaram-lhe que se identificasse e que exibisse a sua carta de condução e os documentos da viatura;---
5) Porém, o arguido questionou os militares da GNR das razões da fiscalização, afirmando que não eram ninguém para o mandarem parar e que só mostraria os documentos se assim o entendesse;---
6) Após insistência, o arguido acabou por exibir o seu cartão de cidadão;---
7) Então, por suspeitarem que o arguido estaria a conduzir sob influência de álcool, os agentes de autoridade informaram-no que seria submetido ao teste para detecção de álcool no sangue;---
8) Porém, o arguido recusou-se a submeter-se ao exame, afirmando que ninguém o obrigaria a tal;---
9) Os agentes de autoridade insistiram com o arguido, por diversas vezes, da obrigatoriedade de realização do exame, tendo-o alertado de que, a manter tal atitude de recusa de realização do teste de ar expirado, incorreria na prática de um crime de desobediência;---
10) Porém, apesar de bem ciente das consequências de tal atitude, o arguido continuou a recusar-se a submeter-se ao referido exame, tendo afirmado para os componentes da patrulha “ide para o caralho!”;---
11) Nessa altura, a fim de procederem à detenção do arguido, aqueles militares da GNR solicitaram apoio, via rádio, tendo-se deslocado para o local o Guarda Principal, FF;---
12) Nesse entretanto, o arguido proferiu as seguintes expressões “querem que eu chame aqui 30 gajos para se tratar do assunto? Desliguem o vosso carro porque eu não vou sair daqui de dentro e estão a gastar combustível pago por mim. O que vocês estão a fazer só vos vai estragar a vida. Eu sou um gajo muito importante”;---
13) Após a chegada do Guarda Principal FF, os agentes de autoridade voltaram a insistir junto do arguido para que se submetesse à realização do teste qualitativo de álcool, tendo o mesmo novamente recusado;---
14) Então, o Guarda-Principal DD deu voz de detenção ao arguido, tendo o mesmo sido conduzido ao posto da GNR de ...;---
15) Já no interior do posto, enquanto o participante elaborava o respetivo auto de notícia, o arguido dirigiu-se aos agentes de autoridade nos seguintes termos: “pagar multas é zero. Isto não é a primeira vez. Vós à minha beira não sois ninguém. Eu sou um homem de categoria e vós não sois ninguém. Vós ides pagar por isto. Isto é tudo ilegal. Ainda vou ganhar umas coroas com isto. Isto vai tudo para o lixo. Vocês vão ter uns problemas do caralho”;---
16) A determinada altura, virou-se para o Guarda Principal DD e disse-lhe: “eu trabalho na ... e arranjo uns ciganos que te fazem a folha”;---
17) Na verdade, ao ouvirem as supra citadas expressões os agentes de autoridade ficaram assustados, temendo que o arguido viesse a concretizar as ameaças e atentasse contra as suas vidas ou as suas integridades físicas;---
18) Por outro lado, ao mandar os militares da GNR DD e EE “para o caralho” e ao afirmar que eles “não eram ninguém” agiu o arguido com intenção de denegrir a sua imagem e de os atingir na sua reputação, enquanto cidadãos e enquanto militares da GNR;---
19) Efectivamente, os ofendidos sentiram-se vilipendiados na sua honra e consideração pessoal e profissional com as expressões proferidas pelo arguido;---
20) Bem sabia o arguido que aqueles militares se encontravam no exercício das suas funções, tendo, pois, um especial dever de os respeitar;---
21) O arguido actuou com manifesto desrespeito pela obrigação que sobre si impendia de se sujeitar aos exames de pesquisa de álcool no sangue e pela ordem que nesse sentido lhe foi dada, ordem que sabia proveniente de autoridade competente, proferida no âmbito e exercício das funções e de acordo com a lei;---
22) O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, não obstante saber que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;---
(…)
Provou-se ainda que
25) O arguido é casado e reside juntamente com a sua esposa e uma filha de 29 anos, na casa desta última;---
26) É comerciante, tem o 6º ano de escolaridade, trabalha por conta própria e aufere um rendimento mensal de cerca de €1.000,00;---
27) O arguido suporta a renda da sua loja no valor de €175,00;---
28) O arguido não tem antecedentes criminais averbados no CRC;---
*
A primeira questão colocada pelo recorrente prende-se com a legitimidade do Ministério Público para a promoção do processo penal relativamente aos crimes de injúria agravada.
Os crimes de injúria agravada, pelos quais o arguido foi condenado, encontram a sua previsão típica nos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao 132.º, n.º 2, al. l), todos do CP.
Tratam-se de crimes de natureza semipública, ou seja, em que o procedimento criminal só pode ser iniciado mediante queixa do titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com aquela incriminação, ou de outra pessoa legitimada para tanto, possibilitando que, a partir de então, o Ministério Público, titular da acção penal, promova os termos do processo (artigos 188.º e 113.º do CP e 48.º e 49.º do CPP).
A queixa, similar à participação ou a denúncia no que concerne à comunicação de factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime às autoridades competentes para investigarem tais factos, exige, também, uma manifestação de vontade no sentido de que seja iniciado um procedimento criminal (para investigação daqueles factos e apuramento e responsabilização do seu autor). Por outro lado, a lei não prevê, nem sujeita a queixa a qualquer formalismo específico, apenas exigindo que a comunicação ao processo do seu titular que revele indubitavelmente a sua vontade de que haja procedimento criminal (se já existir processo, ou à autoridade competente se ainda não tiver tido o seu início) – vide, entre outros, os acórdãos do TRC de 6.03.2013 e do TRL de 19.03.2024, disponíveis in www.dgsi.pt, este último também citado pelo Ministério Público.
No caso vertente, os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação da injúria agravada eram os militares da GNR que foram visados pela conduta do arguido e que assinaram o auto de notícia que deu início ao processo, onde se fez constar uma descrição dos factos sucedidos e igualmente que ambos os militares subscritores, por se encontrarem no momento dos factos exarados em pleno exercício de funções e devidamente uniformizados, desejavam procedimento criminal contra o arguido pelas injúrias e ameaças.
Esta inequívoca manifestação de vontade legitimou o Ministério Público a instaurar e promover o procedimento criminal quanto aos crimes de injúria agravada, pelos quais o arguido veio a ser condenado.
Assim, não assiste qualquer razão ao recorrente.
O arguido veio depois sustentar que a matéria de facto provada para configurar a prática pelo arguido dos crimes de injúria agravada e desobediência
Quanto ao crime de injúria agravada e abreviando razões, o arguido entende que as palavras que dirigiu aos militares da GNR não eram idóneas para ofender a sua honra ou consideração.
A sentença recorrida destaca essencialmente duas expressões proferidas pelo arguido direcionadas aos militares da GNR: “ide para o caralho” e “Vós à minha beira não sois ninguém”.
Admitindo-se, porventura, que a segunda expressão surja mais como uma “fanfarronice”, inserida numa débil tentativa de intimidação, já a primeira expressão, no contexto em que foi proferida e dirigida a quem foi, nos parece ter um efectivo cunho ofensivo da honra e consideração dos agentes de autoridade.
A jurisprudência tem divergido quanto idoneidade de tal expressão (ou similares) para integrar a prática de um crime de injúria (vide acórdão do STJ de 12.01.2017, in www.dgsi.pt).
Para uns a expressão “vai para o caralho” não preenche a previsão normativa do estatuído no artigo 181.º do CP (previsão típica principal do crime de injúria), por não atingir aquele núcleo essencial do conceito de honra e consideração de forma a merecer a tutela penal, antes ficando num patamar de “mera” grosseria, má educação, obscenidade, não traduzindo, ainda assim, um atentado à personalidade moral do interlocutor (entre outros, acórdãos do TRC de 12.06.2002, 25.06.2003, 19.04.2006 e de 19.12.2007, todos in www.dgsi.pt).
Para outros, concordando que a previsão normativa incriminatória da injúria não protege a susceptibilidade pessoal mas apenas a dignidade individual do cidadão e o respeito pela honra e consideração que lhe são devidas, a dita expressão é algo mais do que grosseiro, tendo um valor inequivocamente ofensivo da honra e consideração de alguém, à luz dos padrões médios de valoração social (entre outros, acórdãos do TRL de 17.12.1997 e 5.05.2004, da TRE de 21.07.2011 e 9.02.2021, todos in www.dgsi.pt).
Ora, parece-nos que, para além da expressão propriamente dita, importará atender ao contexto em que é proferida, só este permitindo perceber se aquela, no concreto contexto, viola a esfera de protecção da incriminação da injúria.
Como se acentua no acórdão do STJ de 12.01.2017, já citado, “(…) como se mostra consensual, a lei não nos dá um conceito de honra. Portanto, saber quando é que certas palavras são ofensivas da honra e consideração de alguém depende em primeiro lugar da intensidade ou perigo da ofensa. (…) Depois, a ofensividade potencial das palavras, mesmo independentemente do modo de sentir do visado, depende das circunstâncias do caso. (…) Por último, a tarefa do julgador, para saber se há crime de injúrias, não se basta com a objetividade da pronúncia de certas palavras, antes reclama a valoração dos factos, aqui as palavras dirigidas. Ora, essa valoração e designadamente o grau do caráter ofensivo a partir do qual se passa da obscenidade e má criação para o crime, depende sempre da mundividência e sensibilidade do julgador. É inultrapassável. (…)”.
Na situação em análise, a expressão “ide para o caralho” foi dirigida pelo arguido a dois militares da GNR, uniformizados e em pleno exercício de funções, quando procediam a uma fiscalização de trânsito.
Tal como se refere no acórdão do TRE de 21.07.2011, já citado, “(…) as expressões, “Estás parvo ou quê? Vai para o caralho!” foram proferidas, quando o ofendido no exercício das suas funções de militar da GNR fiscalizava o trânsito rodoviário, ainda que motivadas pela irritação do arguido, eventualmente pela forma como foi abordado e pelo ambiente que rodeou a sua detenção, não podem deixar de significar ter o arguido querido colocar em causa a dignidade do ofendido e do cargo pelo mesmo exercido (…). Não correspondendo aquelas expressões, apenas e tão só, a uma mera falta de educação, ou grosseria do arguido para com o agente público que estava no exercício das respetivas funções.(…)” e, indo mais além na demonstração do acerto deste raciocínio, “(…) na mesma linha de raciocínio se o mesmo arguido em Tribunal, perante uma interpelação da Sr.ª Juíza, a propósito dos factos de que foi acusado, se digerisse à mesma com a expressão “estás parva ou quê… vai para o caralho”, a solução seria a mesma, porquanto tal expressão, de acordo com as regras da experiência nunca seria entendida como uma mera falta de educação (…)”.
E neste caso, verifica-se igualmente que a expressão proferida pelo arguido o foi sem qualquer razão para além do normal exercício de funções por parte dos militares visados, pretendendo rebaixa-los no exercício das suas funções, manifestando desprezo pelas suas condutas.
Desta feita, testado o carácter ofensivo da expressão proferida pelo arguido (que atingiu, sem margem de dúvida, a consideração de que os afentes de autoridade por ela visados são inequivocamente credores), e provado que foi o elemento subjectivo do ilícito típico em apreço, sem que se descortine ainda qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, resta-nos afirmar que os factos apurados (pontos 10), 18) a 20), e 22)) integram a prática pelo arguido dos crimes de injúria agravada pelos quais foi condenado.
No que tange à condenação pelo crime de desobediência de que o arguido foi alvo, a conclusão não é diferente.
Esta condenação decorreu da conclusão tirada pelo Tribunal a quo de que parte dos factos apurados integravam a prática pelo arguido do crime previsto no artigo 348.º, n.º 1, al. a), do CP, que dita ser tal crime cometido por quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, se uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples.
Esta disposição legal, no caso, é o artigo 152.º do Código da Estrada, do qual decorre que os condutores devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas e que se recusaram a realização de tais provas são punidos pelo crime de desobediência.
Defende o arguido que “para a condenação pelo crime imputado não basta a prova de que o arguido recusou submeter-se ao teste de despistagem de álcool. É necessário, igualmente, que se prove que existia o teste disponível para fazer a despistagem de álcool ou, pelo menos, algum facto de que inevitavelmente resulte que podia dispor do respetivo aparelho para efetuar o teste a despistagem de álcool.”.
Sem qualquer razão.
Em primeiro lugar, porque a conduta pressuposta pela incriminação se traduz na recusa da realização da prova estabelecida para a detecção do estado de influenciado pelo álcool, não exigindo a identificação, exibição ou análise técnica da concreta prova a que o agente deverá submeter-se.
Depois, porque, à luz das mais elementares regras de experiência comum, não se perceberia que uma patrulha de trânsito em acção de fiscalização, nesta se incluindo frequentemente a despistagem da condução sob o efeito de álcool, não dispusesse de um aparelho para realização desta despistagem.
Finalmente, porque ainda que nenhum aparelho a referida patrulha dispusesse, outros haveriam certamente nas cercanias (mormente na esquadra policial), sendo ainda certo que as provas para a detecção do álcool a que alude o Código da Estrada não se esgotam nos vulgares aparelhos de ar expirado.
A verdade é que o arguido recusou submeter-se a tais provas, mesmo após ser advertido que por essa conduta incorria na prática de um crime de desobediência.
Aqui chegados e provado que foi o elemento subjectivo do ilícito típico de que agora tratamos, sem que se descortine ainda qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, apenas se conclui que os factos apurados (pontos 7) a 9), 13), 21) e 22)) integram a prática pelo arguido do crimes de injúria agravada pelos quais foi condenado.
Apreciemos agora a medida das penas de multa (parcelares e única), bem como o montante da taxa diária fixada, e a medida da pena acessória.
O crime de injúria agravada é abstratamente punido com pena de um mês e meio a quatro meses e meio de prisão ou com multa de quinze a cento e oitenta dias (artigos 181.º, 184.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, do CP) e o crime de desobediência é punido com pena de um mês a um ano de prisão ou com multa de dez a cento e vinte dias (artigo 348.º, n.º 1, al. a), do CP).
A prática do crime de desobediência em apreço determina igualmente a aplicação de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos (artigo 69.º, n.º 1, al. c), do CP).
Nos termos do artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do CP, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que, em caso algum, poderá a pena ultrapassar a medida da culpa.
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70.º do CP).
Por sua vez, resulta do artigo 71.º do CP que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, deve atender primacialmente à culpa do agente e às exigências de prevenção, devendo ainda considerar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; e f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena).
Como se explicita no acórdão do STJ de 13.02.2019 (acompanhando muitos outros também publicados in www.dgsi.pt, em jurisprudência há muito unânime sobre a interpretação das regras aplicáveis à determinação da concreta medida da pena), “(…) na determinação concreta da medida da pena (…), o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele (…), bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial. A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada. A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente. Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias (…) a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. (…) Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais». (…) «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial (…) seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...)”.
O Tribunal a quo optou bem pela preferencial pena de multa, já que esta parece mostrar-se suficiente para protecção de bens jurídicos afectados (ainda que não excessivamente) e a reintegração do agente na sociedade (face à ausência de antecedentes criminais registados pelo arguido e à sua inserção familiar e profissional).
Foi igualmente dado cabal cumprimento ao disposto no artigo 71.º, n.º 3, do CP, exarando-se expressamente na sentença recorrida os fundamentos que conduziram à concreta medida das penas parcelares ali fixadas.
Com efeito, ali se lê “(…) Ponderando as circunstâncias que rodearam a prática dos factos, para efeitos de medida da culpa e da ilicitude do arguido, verifica-se que a mesma se situa num patamar objectivamente elevado, considerando a pluralidade de infracçõs cometidas pelo arguido, bem como o dolo directo com que actuou, que é de considerar intenso. Em relação às necessidades de prevenção geral, as mesmas são elevadas, atendendo à denominada crise do Estado e das instituições, tendo em conta a frequência com que as autoridades públicas (e concretamente, policiais) vêm sendo postas em causa, e ainda a dignidade que assumem os bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras. Por fim, no que respeita às necessidades de prevenção especial, as mesmas situam-se num patamar moderado/ diminuto, considerando que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais averbados no CRC, e se encontra bem inserido em termos familiares, pessoais e profissionais.(…)”.
Da ponderação deste circunstancialismo no quadro legal aplicável, resultou a fixação concreta de uma pena de oitenta dias de multa por cada um dos crimes de injúria agravada e de uma pena de setenta dias de multa pela prática do crime de desobediência.
É um resultado que nos parece equilibrado, pois estas penas foram fixadas no seu ponto médio (oitenta dias numa moldura de quinze a cento e oitenta dias e setenta dias numa moldura de dez a cento e vinte dias), aquele que se encontra entre o peso negativo da elevada ilicitude e culpa e o positivo coincidente com as menores exigências de prevenção especial, sem desvirtuar a pena de multa como sanção criminal.
O mesmo ocorre com a pena única, fixada em obediência ao disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP (cujo limite máximo é a soma das penas concretamente aplicadas - duzentos e trinta dias -, sendo o seu limite mínimo a pena mais elevada concretamente aplicada - oitenta dias), e que foi fixada em cento e trinta dias.
A taxa diária de cada dia de multa aplicada na sentença recorrida (oito euros) foi também questionada pelo arguido, sustentando que a mesma se deve situar no mínimo legal.
Prescreve o artigo 47.º, n.º 2, do CP, que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre cinco e quinhentos euros, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
A este propósito, provou-se (pontos 25) a 27)) que: o arguido é casado e reside juntamente com a sua esposa e uma filha de 29 anos, na casa desta última; é comerciante, tem o 6º ano de escolaridade, trabalha por conta própria e aufere um rendimento mensal de cerca de €1.000,00; suporta a renda da sua loja no valor de €175,00.
O montante diário da pena de multa deve ser fixado de modo a que esta sanção represente um sacrifício real para o condenado “(…) sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade (…)”, pressupondo a fixação daquela taxa diária no mínimo legal que o visado se encontre num nível existencial económico mínimo (vide, por todos, acórdão do TRG de 7.04.2008, in www.dgsi.pt).
Constatando-se que, ao contrário do alegado, o Tribunal a quo levou efectivamente em consideração as condições económicas e financeiras do arguido, de forma ainda adequada (adequação que ainda se encontraria no caso da taxa diária ter sido um pouco mais elevada), que não se encontra num nível existencial económico mínimo, improcede mais esta sua pretensão.
Resta apreciar a pretensão do arguido quanto à redução da pena acessória que lhe foi aplicada na decisão recorrida (proibição de condução de veículos motorizados pelo período de quatro meses).
Nos termos do artigo 69.º, n.º 1, al. c), do CP, a pena acessória pela prática do crime de desobediência em que o arguido foi condenado tem como limite mínimo três meses e como limite máximo três anos.
Os critérios de determinação da medida concreta da pena acessória são idênticos aos que se aplicam à pena principal, respeitando, porém, a sua principal finalidade que consiste na censura da perigosidade do agente (cumprindo uma função de intimidação genérica, mas igualmente de defesa contra a perigosidade individual).
Julgamos que a ponderação a efectuar na determinação da medida concreta desta pena acessória se encontra exemplarmente sintetizada no acórdão do TRE de 8.06.2021 (in www.dgsi.pt, também citado pelo Ministério Público nas alegações de resposta ao recurso), onde se escreveu: “No crime de desobediência p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1 alínea c) do Código Penal e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, quanto à determinação da pena acessória respetiva, importa assegurar um equilíbrio (complexo) entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP, ou seja, as circunstâncias que devem ser levadas em conta para a determinação da medida da pena (principal e acessória, como vimos supra) e a circunstância desconhecida da taxa de alcoolemia (TA) que o agente tinha quando evidenciou a conduta desobediente (mantendo-a, dolosamente, desconhecida). (…) Importa encontrar um ponto de equilíbrio entre a possibilidade de, sobrevalorizando as circunstâncias conhecidas atenuantes, desvalorizar a possibilidade de compensar o agente relativamente a uma TA que o mesmo sabe ser elevada (ou mesmo elevadíssima) e, por outro lado, seguindo o percurso inverso, sancionar o agente de forma desproporcionada precisamente atento o desconhecimento da TA.(…)”.
Na sentença recorrida foram, na operação de graduação desta pena acessória ponderadas as circunstâncias previstas no artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do CP. E ponderada também a necessidade de censurar a perigosidade das condutas subjacentes ao crime de desobediência pressuposto de aplicação da pena acessória em apreço (que impedem o cabal controlo das condições em que os condutores de veículos motorizados exercem a sua condução, sendo que, no caso vertente, tudo indica que o arguido conduzia influenciado por uma elevada taxa de álcool no sangue tendo em conta que se provou que o mesmo "exalava um forte cheiro a álcool", tudo tendo feito, desde a injúria até à continuada desobediência, para evitar a realização do teste de pesquisa de álcool), consideramos ajustada a pena acessória aplicada, que, ainda assim, se situa num patamar muito próximo do mínimo aplicável.
Assim, soçobra também esta pretensão do arguido recorrente. III DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, em manter integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (artigo 513.º, n.º 1, do CPP).
Guimarães, 28 de Outubro de 2025
Artur Cordeiro
Cristina Xavier da Fonseca
Paula Albuquerque