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CRIME DE ROUBO
CONCURSO DE CRIMES
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
REPARAÇÃO DOS DANOS
MEDIDA CONCRETA DAS PENAS PARCELAR E ÚNICA
Sumário
1. Tendo sido interpostos outros recursos da mesma decisão que não versam apenas sobre matéria de direito, mas também sobre matéria de facto, a competência material para conhecer de todos os recursos pertence a este Tribunal da Relação de Guimarães, não sendo de concluir pela inconstitucionalidade do nº 8 do art. 414º do C.P.Penal. 2. Atenta a natureza do crime de roubo, que é complexo e pluriofensivo, haverá tantos crimes de roubo quantas as pessoas ofendidas. 3. A enorme gravidade dos factos praticados (de noite, por três pessoas, empunhando pedras e um pau), num quadro de elevadas ilicitude e culpa (com dolo na forma de dolo direto), é reveladora de perigosidade, demonstra uma personalidade contrária ao dever ser jurídico-penal e, como tal, impede a formulação de um juízo de prognose no sentido de que a atenuação possibilita mais facilmente a reinserção social do arguido e torna incompreensível, para qualquer cidadão médio, a aplicação do regime atenuativo previsto no regime penal especial dos jovens. 4. Atendendo, nomeadamente, à atuação dos arguidos, à personalidade manifestada na prática dos crimes de roubo qualificado, ao impacto nos ofendidos, quer em termos físicos (um dos quais foi agredido) quer em termos emocionais, atentos os momentos de terror por eles vividos, a reparação dos danos causados, enquanto circunstância ulterior aos crimes, não é suscetível alterar a imagem global dos factos, atentas as circunstâncias envolventes, ao ponto de diminuir de forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa dos agentes ou necessidade das respetivas penas.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO
1. No processo comum, com intervenção de Tribunal Coletivo, nº 255/24.5PABCL a correr termos no Juízo Central Criminal de Braga – Juiz ..., foi proferido acórdão, no qual decide-se: “1. Condenar o arguido AA: a) Pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa do ofendido BB, na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão. b) Pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa da ofendida CC, na pena de 4 (quatro) anos de prisão. c) Em cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão. 2. Condenar o arguido DD: d) Pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa do ofendido BB, na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão. e) Pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa da ofendida CC, na pena de 4 (quatro) anos de prisão. 3. Em cúmulo jurídico das penas referidas em d) e e), condenar o arguido DD na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão. 4. Condenar o arguido EE: f) Pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa do ofendido BB, na pena de 4 (quatro) anos de prisão. g) Pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal na pessoa da ofendida CC, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. 5. Em cúmulo jurídico das penas referidas em f) e g), condenar o arguido EE na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado da presente decisão. 6. Sujeitar a referida suspensão da pena a regime de prova, a definir em concreto pelos Serviços de Reinserção Social; 7. E ainda às seguintes obrigações/regras de conduta: - Responder a convocatórias do técnico de reinserção social; - Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, devendo estar inscrito, se for caso disso e salvo justificação em contrário, em centros de emprego e formação profissional e/ ou manter a frequência escolar; 8. Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado pela Unidade Local de Saúde de ..., EPE, condenando os demandados a pagar àquela, solidariamente, a quantia de € 94,41 (noventa e quatro euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. 9. Não arbitrar aos ofendidos BB e CC qualquer quantia a título de indemnização. (…)
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Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I - O presente recurso tem por objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, proferida na sentença de 11/06/2025, no âmbito do processo n.º 1581/24.9JABRG, exclusivamente quanto ao arguido AA. II - O recorrente especifica os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas, com identificação exacta das passagens relevantes da prova gravada, nos termos exigidos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal. III - A sentença incorre em erro de julgamento quanto aos pontos 7, 9 e 10 da matéria de facto provada, ao atribuir ao recorrente actos que não resultaram provados em audiência. IV - No ponto 7, afirma-se que o arguido AA ordenou a paragem da viatura em que seguiam os ofendidos, obrigando-os a imobilizá-la e a sair. V - Tal facto é desmentido pelas declarações de BB, prestadas em audiência a 05/06/2025 (ref.ª Citius 196940473), entre os minutos 15:54:53 e 15:55:53, onde afirma que parou por iniciativa própria, por estar num beco sem saída, e não porque lhe fosse ordenado. VI - Também CC, entre os minutos 16:00:42 e 16:01:10, confirma que a viatura já estava parada quando os arguidos se aproximaram, não tendo presenciado qualquer ordem. VII - As referidas declarações impõem decisão diversa quanto ao ponto 7, devendo este facto ser julgado não provado. VIII - O ponto 9 da matéria de facto afirma que AA desferiu golpes com uma pedra na viatura e no corpo do ofendido BB. IX - Contudo, entre os minutos 16:03:46 e 16:04:46, BB declara não ter visto quem lançou a pedra, e entre 16:04:46 e 16:05:16 refere não poder afirmar que foi AA. X - As declarações de CC (minutos 16:54:10 a 16:55:20) também não referem qualquer acto de agressão com pedras por parte de AA. XI - A ausência de observação directa, conjugada com a ausência de qualquer prova técnica ou testemunhal adicional, impõe decisão diversa quanto ao ponto 9, que deve ser julgado não provado. XII - O ponto 10 afirma que AA retirou do interior do veículo os telemóveis e a carteira do ofendido BB. XIII - Este facto é peremptoriamente afastado pelas declarações de BB (minutos 16:07:53 a 16:08:53), que afirma: “Vi ele a discutir, mas não o vi tirar nada.” XIV - CC declara (minutos 16:52:46 a 16:53:46) que não conseguiu ver quem retirou os objetos, afirmando: “Estava a chorar, a gritar. Só vi vultos.” XV - O agente da PSP FF, ouvido na mesma audiência entre os minutos 15:14:26 a 15:15:26, confirma que nenhum dos arguidos foi encontrado na posse dos bens subtraídos. XVI - O próprio arguido, entre os minutos 10:38:10 e 10:39:00, nega qualquer contacto com os bens, declarando: “Não peguei em nada.” XVII - Estas provas impõem decisão diversa da recorrida quanto ao ponto 10, que deve ser julgado não provado. XVIII - Para além dos erros de julgamento identificados, a sentença omitiu factos essenciais, plenamente demonstrados, que devem ser aditados à matéria de facto provada. XIX - Deve ser aditado que AA se deslocou ao local motivado por um conflito verbal prévio com o ofendido BB, que alegadamente ofendera a sua mãe, e não com intenção patrimonial. XX - Tal resulta das declarações do arguido (minutos 10:17:10 a 10:18:10), onde afirma: “Fui porque ele tinha falado da minha mãe.” XXI - Este facto tem relevância directa para a aferição do dolo específico do crime de roubo (art. 210.º CP), pois revela motivação distinta do propósito de subtrair bens. XXII - Deve também ser aditado que AA não foi encontrado na posse dos objetos subtraídos, conforme declarado pelo agente FF e confirmado pela ausência de qualquer apreensão. XXIII - Ainda, deve ser dado como provado que nenhuma das vítimas identificou AA como autor da subtração, tendo ambas declarado não ter visto quem retirou os bens. XXIV - Finalmente, foi omitido o facto de que os ofendidos foram integralmente ressarcidos dos danos sofridos, tendo declarado por escrito, em 17/12/2024 (doc. “2024-12-17-Declaração.docx”), não manter qualquer pretensão penal ou indemnizatória. XXV - Este facto é juridicamente relevante para os efeitos dos artigos 71.º, 72.º e 74.º do Código Penal, nomeadamente quanto à atenuação especial da pena ou mesmo à sua dispensa. XXVI - A omissão destes factos traduz-se em erro notório na apreciação da prova e em violação dos princípios da fundamentação, do in dubio pro reo e da presunção de inocência (arts. 127.º e 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e 32.º da CRP). XXVII - O recorrente indica como provas a reapreciar as declarações gravadas de: XXVIII - – AA (05/06/2025, ref.ª Citius 196940473, minutos 10:17:10–10:18:10 e 10:38:10–10:39:00); XXIX - – BB (minutos 15:54:53–15:55:53, 16:03:46–16:04:46, 16:07:53–16:08:53); XXX - – CC (minutos 16:00:42–16:01:10, 16:52:46–16:53:46, 16:54:10–16:55:20); XXXI - – Agente FF (minutos 15:14:26–15:15:26). XXXII - Deve, assim, ser reapreciada a matéria de facto à luz das provas referidas, nos termos dos artigos 431.º e 433.º do Código de Processo Penal. XXXIII - Por consequência, deve ser revogada a decisão condenatória proferida contra AA, com a sua absolvição quanto ao crime de roubo ou, subsidiariamente, com requalificação jurídica adequada à factualidade corrigida. XXXIV - Caso o Tribunal da Relação acolha a impugnação da matéria de facto nos moldes propostos na motivação, impõe-se uma alteração da qualificação jurídica dos factos, porquanto não se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de roubo (art. 210.º do Código Penal). XXXV - A nova matéria de facto demonstra que AA se deslocou ao local motivado por impulso emocional, em virtude de alegadas ofensas à sua mãe, e não com o propósito de se apropriar de bens alheios. XXXVI - Não foi observado por qualquer testemunha a retirar bens do interior da viatura, não foi encontrado na posse de qualquer dos objectos subtraídos, nem foi directa ou indirectamente identificado pelos ofendidos como autor da subtração. XXXVII - A omissão destes factos na sentença recorrida falseia o juízo de tipicidade e compromete a subsunção jurídica efectuada, tornando-a incompatível com os requisitos do tipo legal de roubo, que exige violência instrumental à subtração e dolo específico de apropriação. XXXVIII - A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é unânime em afirmar que a violência ou ameaça com finalidade não patrimonial (designadamente, por retaliação ou impulso emocional) não permite a subsunção ao artigo 210.º do Código Penal (v. Ac. STJ, 17-03-2011, proc. n.º 124/10.3PBCSC.S1). XXXIX - Assim, na hipótese de alteração da matéria de facto, a qualificação jurídica admissível restringe-se, eventualmente, a crime de ofensa à integridade física (art. 143.º CP), ameaça (art. 153.º CP) ou dano (art. 212.º CP), a determinar consoante os factos que subsistirem como provados. XL - Mesmo que o Tribunal da Relação entenda manter a matéria de facto e a qualificação como roubo, a medida da pena aplicada ao recorrente revela-se desproporcionada, não fundamentada e violadora dos critérios do artigo 71.º do Código Penal. XLI - A sentença não analisou a culpa concreta do agente, o seu grau de perigosidade, nem as exigências de prevenção geral e especial, limitando-se a aplicar uma pena de prisão efectiva de 5 anos e 4 meses, sem justificação individualizada, nomeadamente no cúmulo jurídico. XLII - O arguido não possui antecedentes criminais, demonstrou comportamento colaborante, participou na reparação integral dos danos e beneficiou da desistência expressa dos ofendidos quanto à perseguição penal ou civil dos factos. XLIII - A ultrapassagem do limite de cinco anos de prisão inviabiliza aaplicação do regime da suspensão da execução da pena (art. 50.º, n.º 1, CP), razão pela qual a determinação da pena única deve ser reponderada em cúmulo jurídico, com redução para valor inferior àquele limiar, permitindo a substituição da pena por medida menos gravosa. XLIV - A aplicação de uma pena de prisão efectiva não constitui, no caso concreto, resposta penal necessária nem proporcionada, pelo que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à medida concreta da sanção. XLV - Sem prejuízo do pedido principal de absolvição, requer-se, em alternativa, a requalificação dos factos provados para tipo legal menos grave, como o previsto no artigo 143.º, 153.º ou 212.º do Código Penal, com aplicação de pena adequada ao reduzido grau de culpa. XLVI - Requer-se, subsidiariamente, a redução da pena única aplicada a montante inferior a 5 anos, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, com consequente aplicação da suspensão da execução da pena, nos termos do artigo 50.º do mesmo diploma. XLVII - Ainda que o tribunal entenda aplicar pena inferior, requer-se, em grau último de subsidiariedade, a aplicação do regime da dispensa de pena previsto no artigo 74.º do Código Penal, por estarem preenchidos todos os requisitos legais: culpa reduzida, reparação do dano, ausência de perigo de reincidência e desnecessidade de reacção penal. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.as suprirão, requer o recorrente AA a Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães se digne: a) Admitir o presente recurso com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, se legalmente admissível; b) Conhecer do objecto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, com reapreciação das concretas passagens da prova gravada, devidamente identificadas na motivação e conclusões; c) Alterar a decisão da matéria de facto nos seguintes termos: • Dar como não provados os pontos 7, 9 e 10 da matéria de facto da sentença recorrida, por falta de prova segura e directa quanto à conduta do recorrente; • Aditar ao elenco dos factos provados os seguintes factos: (i) O arguido AA deslocou-se ao local motivado por alegadas ofensas proferidas pelo ofendido BB contra a sua mãe, e não com qualquer intenção de se apropriar de bens pertencentes aos ofendidos; (ii) O arguido AA não foi visto por nenhuma testemunha a retirar objetos do interior da viatura, não foi encontrado na posse dos bens subtraídos, e declarou não ter tido qualquer contacto com os mesmos; (iii) Os ofendidos BB e CC não conseguiram identificar o arguido AA como autor da retirada dos seus bens, declarando que, devido ao estado de confusão e medo, apenas presenciaram vultos e não reconheceram o autor da subtração; (iv) Os ofendidos BB e CC foram, após os factos, integralmente ressarcidos pelos danos sofridos e declararam formalmente, em 17 de Dezembro de 2024, não manter qualquer pretensão penal ou indemnizatória contra os arguidos. d) Caso o Tribunal ad quem mantenha a condenação, ainda que com diferente qualificação jurídica, seja a conduta requalificada nos termos dos artigos 143.º, 153.º ou 212.º do Código Penal; e) Seja aplicada a pena de multa, suspensão da pena ou, subsidiariamente, a dispensa de pena, nos termos dos artigos 70.º, 72.º e 74.º do Código Penal, atendendo à baixa culpa e à reparação integral dos danos; f) Seja revogada a pena de prisão efectiva aplicada, por desproporcionalidade, ausência de necessidade de prevenção geral e violação dos princípios da legalidade e da justiça material”.
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Inconformado, o arguido EE interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I. O arguido EE foi condenado, por acórdão proferido em 25 de Junho de 2025, como co-autor de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 204.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa por igual período, com imposição de regras de conduta e regime de prova. Tal condenação assenta numa apreciação incorrecta da matéria de facto e numa errónea qualificação jurídica da conduta. II. A decisão recorrida deu como provados diversos factos sem suporte probatório suficiente, designadamente os pontos 6, 9 e 10 da matéria de facto, relativos à alegada participação activa do recorrente na agressão a BB, na existência de actuação concertada entre os três arguidos e na consciência da ilicitude da conduta por parte de EE, factos esses que devem ser considerados não provados, por força do princípio in dubio pro reo. III. A prova produzida em audiência, designadamente os depoimentos dos ofendidos e da testemunha de defesa GG, bem como as declarações do arguido em sede de inquérito e o relatório social da DGRSP, impõem decisão diversa quanto à participação do recorrente, demonstrando a sua mera presença no local dos factos, sem adesão consciente a qualquer plano delituoso, sem prática de actos de violência, ameaça ou subtracção de bens. IV. Deveriam ter sido aditados aos factos provados elementos essenciais como: a idade do recorrente à data dos factos (16 anos), a sua inserção num agregado familiar em condições de vulnerabilidade social, a ausência de intervenção activa nos factos imputados, a sua fragilidade emocional e social, a inexistência de adesão ao plano dos co-arguidos e a existência de um prognóstico positivo de reintegração social, expressamente reconhecido pela DGRSP. V. A subsunção jurídica dos factos ao tipo legal de roubo agravado, em co-autoria, é manifestamente excessiva e incorrecta, por inexistência de qualquer dos pressupostos legais da co-autoria penal previstos no artigo 26.º do Código Penal, nomeadamente a prática conjunta de actos típicos, o domínio funcional do facto e a consciência e vontade de cooperação dolosa. VI. A conduta do arguido, tal como descrita nos autos e nos factos que se requer sejam dados como provados, não preenche os elementos objectivos nem subjectivos do tipo legal de roubo, previsto no artigo 210.º do Código Penal, não havendo violência, ameaça, intenção de apropriação nem nexo causal entre qualquer acto seu e o resultado verificado, o que impõe a absolvição por ausência de tipicidade. VII. Ainda que, por mera hipótese, se mantivesse alguma forma de responsabilização penal, a sua eventual punibilidade teria de ser enquadrada noutro tipo legal (como omissão de auxílio ou cumplicidade passiva), com moldura penal significativamente inferior, sendo inadmissível a condenação como co-autor de dois roubos agravados. VIII. A sentença recorrida recusou injustificadamente a aplicação do regime penal especial para jovens, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, sem fundamentação suficiente e contra os elementos constantes do relatório social, violando o disposto nos artigos 4.º e 5.º desse diploma, bem como os princípios da adequação da pena à reinserção social, da proporcionalidade e da especial prevenção. IX. A pena única de prisão fixada — 4 anos e 10 meses — ainda que suspensa na sua execução, revela-se manifestamente desproporcionada, à luz dos critérios dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, aproximando-se injustificadamente do limite superior da moldura, sem consideração efectiva pela idade do arguido, pela sua inserção escolar, pela ausência de antecedentes criminais e pelo seu potencial de reintegração comunitária. X. A suspensão da pena por 5 anos, sem plano individual de reinserção, sem coordenação com as entidades escolares ou sociais, e sem fundamentação expressa sobre a duração, contraria o disposto nos artigos 50.º e 53.º do Código Penal, afastando-se da função pedagógica da pena e configurando uma forma de sancionamento simbólico excessivo e desajustado. XI. A decisão recorrida deve, por conseguinte, ser revogada, com fundamento em erro notório na apreciação da prova, omissão de matéria de facto relevante, erro na qualificação jurídica dos factos e desproporcionalidade da sanção, com as consequências seguintes: (i) absolvição do recorrente quanto aos crimes de roubo, por ausência de tipicidade e de culpa; ou, subsidiariamente, (ii) requalificação da conduta com atenuação especial da pena, ao abrigo do regime penal especial para jovens, e (iii) reformulação da pena com suspensão não superior a 3 anos, acompanhada de regras de conduta compatíveis com o percurso de reinserção escolar.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.as suprirão, requer o recorrente EE a Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães se digne:
i) a absolver do recorrente por não se encontrarem verificados os elementos do tipo do ilícito de roubo;
Ou, subsidiariamente ii) requalifique a conduta do recorrente com atenuação especial da pena, ao abrigo do regime penal especial para jovens; iii) reformule a pena com suspensão não superior a 3 anos, acompanhada de regime de prova compatível com a sua reinserção escolar;”.
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Inconformado, o arguido DD interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o jovem arguido DD recorrer do acórdão datado de 25.06.2025, nos termos do qual foi condenado, por dois crimes de roubo qualificado numa pena única de 5 anos e 4 meses de prisão efetiva, resultando essa pena única de dois crimes de roubo qualificado com as penas parcelares de 4 anos e 4 meses de prisão e, ainda de 4 anos de prisão. 2. Este recurso pugna por uma redução das penas parcelares (ambas) e da pena única aplicada, solicitando-se, nesse sentido, a ponderação de uma suspensão na sua execução. 3. Mas também questionamos a eventual subsunção da factualidade em apreço a um crime continuado, nos termos do artigo 30.º n.º 2 do Código Penal, afastando-se a aplicação do n.º 3 do preceito, por se ter tratado de um roubo a uma viatura no interior da qual se encontrava um casal (casados entre si), sendo os bens subtraídos património comum. Cremos que, no caso particular que nos ocupa, o facto de ser um mesmo ato, instantâneo à mesma viatura, no interior da qual se encontravam duas pessoas, casadas entre si, impõe a subsunção dessa factualidade à prática de um crime continuado (um só crime que afetou o casal nessa qualidade). 4. O conhecimento deste recurso compete exclusivamente ao STJ, uma vez que o mesmo versa unicamente sobre matéria de Direito – matéria reservada ao STJ por o recurso respeitar a acórdão proferido por Tribunal Coletivo e a pena única ser superior a 5 anos, homenageando-se assim o AUJ n.º 5/2017 que fixou a seguinte jurisprudência: «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo- -lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.» 5. O n.º 8 do artigo 414.º do Código Processo Penal é um normativo inconstitucional quando obriga a que um recurso sobre matéria de Direito fique dependente da inação de outros coarguidos para ser conhecido pelo STJ; caso contrário, é conhecido pelo Tribunal da Relação. 6. Em casos como o presente, terá o recurso apresentado pelo Recorrente de correr os seus termos em Apenso autónomo – não existindo qualquer perigo de se verificarem decisões contraditórias por parte dos Tribunais Superiores, por se tratar de matéria de Direito. 7. Se um arguido escolhe, por lhe ser possível em razão da pena aplicada, o STJ – nenhuma norma lhe pode coartar esse direito – por violação do princípio de igualdade em relação a arguidos que se encontrem numa situação semelhante em termos de penas, os quais terão a possibilidade de ver o seu recurso analisado e decidido pelo STJ. 8. Entendimento contrário conduziria a uma situação em que o legislador ‘dá com uma mão e tira com a outra’ – permitindo-se retirar pela janela aquilo que entrou pela porta - ora não podemos esquecer o seguinte: perante duas normas penais em conflito, prevalece sempre a aplicação normativa mais favorável ao arguido. SEMPRE! 9. A situação mais favorável ao Arguido decorre da aplicação do artigo 432.º n.º 1 alínea c) do C.P.P., onde se lê taxativamente o seguinte: Artigo 432.º - Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…) c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; 10. Na verdade, uma norma que seja constitucional não pode bloquear/desviar/redirecionar um recurso destinado ao STJ para o Tribunal da Relação, estando o recurso para o STJ na dependência do que outros arguidos do processo irão ou não fazer. 11. Isto é: se os vários arguidos do processo não recorrerem da matéria de facto e não interpuserem recurso das penas inferiores a 5 anos (duas condicionantes do n.º 8 do artigo 414.º do C.P.P.), o recurso do aqui Recorrente subirá ao STJ. Todavia, se algum dos outros arguidos recorrer de penas inferiores a 5 anos ou da matéria de facto, o presente recurso dirigido ao STJ será desviado para o Tribunal da Relação, onde será apreciado. 12. Esta é uma situação inaceitável – esta norma do n.º 8 do artigo 414.º do C.P.P. é inconstitucional, por violação do artigo 13.º e 20.º da CRP, por fazer depender a chegada do recurso ao STJ da ação ou inação de outros sujeitos processuais. 13. É o arguido quem escolhe e seleciona o tribunal de recurso; a partir do momento em que a pena aplicada lhe permite selecionar se pretende que o seu recurso seja apreciado pela Relação ou pelo Supremo, ninguém pode coartar a chegada do recurso ao STJ se o recurso visa, em exclusivo, matéria de Direito. 14. Diz esse n.º 8 do artigo 414.º o seguinte: Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto. Inconstitucionalidade, sem prejuízo de qualquer mero ajustamento do enunciado normativo ou meramente vocabular que é, sempre, ajustado oficiosamente: 15. O artigo 414.º n.º 8 do Código Processo Penal, ao impor que o recurso de uma decisão proferida por um tribunal coletivo em pena de prisão superior a 5 anos de prisão seja julgado pelo Tribunal da Relação apenas porque um ou mais do que um arguido recorre da matéria de facto e/ou das penas até 5 anos, quando o arguido Recorrente condenado em prisão efetiva superior a 5 anos recorreu exclusivamente sobre a matéria de Direito para o Supremo Tribunal de Justiça é inconstitucional por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade (no acesso a um tribunal superior elegido pelo Recorrente), do acesso ao Direito e do processo justo e equitativo, da integridade pessoal e moral, da dignidade pessoal e proteção legal contra qualquer tipo de discriminação, das garantias de defesa e do direito ao recurso para o tribunal cuja competência e seleção está na lei e é efetuada pelo arguido Recorrente, ínsitos nos artigos 1.º, 18.º n.ºs 1 a 3, 20.º n.ºs 1 e 4, 25.º n.º 1, 26.º n.ºs 1 e 3, 32.º n.ºs 1, 2 e 9, todos da Constituição da República Portuguesa. 16. Ou, por razões de exatidão, caso o Tribunal venha a aplicar uma ratio decidendi diferente, à cautela, por previsibilidade imposta pela jurisprudência do T.C., dizemos: Os artigos 414.º n.º 8 e 432.º n.º 1 alínea c) do Código Processo Penal, na interpretação, isolada ou conjugada, segundo a qual, um recurso interposto iretamente ao Supremo Tribunal de Justiça por um arguido condenado em pena de prisão superior a 5 anos por acórdão proferido pelo tribunal coletivo, é desviado ou redirecionado para um Tribunal da Relação porque um outro arguido do processo recorreu do mesmo acórdão em relação a matéria de facto e/ou foi condenado em pena de prisão que não permite a esse arguido a alçada do STJ, quando o arguido Recorrente condenado em prisão efetiva superior a 5 anos recorreu exclusivamente sobre a matéria de direito para o Supremo Tribunal de Justiça é inconstitucional, por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade (no acesso a um tribunal superior elegido pelo Recorrente), do acesso ao Direito e do processo justo e equitativo, da integridade pessoal e moral, da dignidade pessoal e da proteção legal contra qualquer tipo de discriminação, das garantias de defesa e do direito ao recurso para o tribunal cuja competência e seleção está na lei e é efetuada pelo arguido Recorrente, ínsitos nos artigos 1.º, 18.º n.ºs 1 a 3, 20.º n.ºs 1 e 4, 25.º n.º 1, 26.º n.ºs 1 e 3, 32.º n.ºs 1, 2 e 9, todos da Constituição da República Portuguesa. 17. Assim, haja ou não outros arguidos a recorrer, seja qual for o fundamento do recurso de cada um desses arguidos, o presente recurso TEM de ser enviado ao STJ, por se tratar de um direito que a lei confere ao arguido: o recurso per saltum. 18. O direito de recurso para o Tribunal da Relação não é comparável ao direito de recurso para o STJ – porquanto o recurso ao STJ permite uma melhor aplicação da lei, da jurisprudência e da doutrina – já por isso é que cabe ao STJ (e não às Relações) os processos de uniformização de jurisprudência, por ser o mais alto tribunal em Portugal. E se o arguido pode ter acesso ao STJ, não abdica desse direito objetivo, para ver o seu recurso analisado pelo Tribunal da Relação. 19. Mais a mais, é sobejamente conhecido que, em matéria referente a medidas das penas e de filosofia jurídica, o STJ é um Tribunal mais ponderado, atento às questões jurídicas e humanas, justo e equilibrado. 20. Significa isto que o desvio do recurso para a Relação amputa e aniquila definitivamente o acesso do arguido ao STJ.
DO TEMA DE RECURSO PROPRIAMENTE DITO 21. O presente recurso tem por objeto o douto acórdão proferido no âmbito do processo supra identificado – para a qual remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzido por questões de economia processual - no que concerne à medida das penas concretamente aplicadas (as parcelares e a única, após o respetivo cúmulo jurídico). 22. A Defesa discorda da desvalorização das circunstâncias favoráveis ao arguido: o arrependimento, o ressarcimento integral dos prejuízos causados, a idade jovem, a confissão dos factos, a sua inserção pessoal, social e profissional. 23. As medidas concretas das penas aplicadas ao arguido, já descritas supra, são excessivas, desproporcionais e desajustadas. 24. Consta no acórdão recorrido o seguinte: - O facto de os arguidos AA e DD terem confessado parte dos factos que lhe eram imputados e demonstrado algum arrependimento, tendo efetuado um pedido de desculpas aos ofendidos em audiência. - Os arguidos ressarciram os ofendidos dos danos causados. - O passado criminal dos arguidos, anterior e posterior aos factos em análise nos presentes autos: não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos AA e EE; o arguido DD possui uma condenação anterior, embora por crime de condução sem habilitação legal. 25. Não pretendendo proceder a qualquer desculpabilização, nem amnistiando o comportamento delinquente perpetrado pelo arguido, a verdade é que o mesmo confessou, reparou financeiramente os danos patrimoniais causados, pediu publicamente desculpas aos ofendidos - circunstâncias que devem ser devidamente atendidas na ponderação referente às medidas parcelares e única. 26. Aliás, tendo em conta a reparação integral dos danos por parte do arguido – que ocorreu antes da prolação do acórdão recorrido – sempre seria de atenuar especialmente a pena, nos termos do disposto no artigo 72º, n.º1 e n.º 2 alínea c) do Código Penal, que o Tribunal a quo não aplicou. 27. Considerando que estes dois crimes de roubo referem-se, na verdade, a uma mesma factualidade, a uma mesma conduta, em execução de um mesmo desígnio criminoso, que afeta o património comum de um casal, importa que a mesma seja subsumível a um crime continuado, nos termos do artigo 30.º n.º 2 do C.P., ficando afastada a exclusão do n.º 3 do mesmo preceito. 28. A Defesa entende e pugna que deve ser efetuada uma redução das penas parcelares - Quanto à factualidade respeitante ao Ofendido BB: a pena de 4 anos e 4 meses deve ser reduzida para 3 anos e 10 meses; - Quanto à factualidade respeitante à Ofendida CC: a pena de 4 anos deve ser reduzida para 3 anos e 4 meses. Em sede de cúmulo, a medida da pena não deve ser superior a 5 anos. 29. E, o Tribunal Superior, atendendo ao contexto e ponderando as circunstâncias favoráveis que aproveitam ao arguido, deverá aplicar uma suspensão da execução da pena, ainda que sujeita a regras e deveres que forem tidos por adequados ao caso. 30. Entende o arguido DD que o Tribunal recorrido não aplicou bem o princípio da dosimetria das penas, desvalorizou em demasia a sua personalidade, as suas condições de vida derivadas da sua adição, a sua conduta posterior ao crime, designadamente o ressarcimento e o pedido de perdão apresentado, e a sua confissão – que são atenuantes da medida da pena. 31. O douto acórdão violou e interpretou mal os artigos 40.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal (medida da pena versus medida da culpa) e os artigos 77.º n.ºs 1 e 2 (excesso da pena única) e deveria ter aplicado o artigo 30.º n.º 2 do Código Penal “um crime continuado que abarca a conduta dirigida à viatura onde estavam duas pessoas”. 32. Igualmente foram mal interpretados e mal aplicados os artigos 71.º, 72.º e 73.º do Código Penal - desconsiderando-se a reparação integral dos prejuízos causados, o arrependimento, o pedido de perdão, a confissão, a problemática do álcool – tendo sido aplicada penas única e parcelares em medida excessivas, afastando-se o artigo 50.º do C.P. 33. Por fim, a pendência processual referida no acórdão e a forma como a mesma foi valorizada contra o arguido deve ser retirada, em obediência ao princípio constitucional da presunção da inocência até ao trânsito em julgado, sob pena de se estar a aplicar uma pena de prisão efetiva aqui por antecipação de eventuais futuras condenações “acolá”. 34. O arguido já foi julgado e condenado no processo relacionado com o crime de tráfico de menor gravidade, tendo apresentado o respetivo recurso, e nesse processo foi condenado a uma pena de prisão suspensa na sua execução, sem prejuízo de se verificação uma alteração do tipo de crime para tráfico-consumo, ou se o arguido vir a ser absolvido e/ou ser reduzida a pena suspensa aplicada. O certo é que essa decisão de condenação não transitou em julgado.
Nestes termos, e por remate, face às motivações e conclusões apresentadas, e todas as demais questões de conhecimento oficioso, devem Vossas Excelências, Juízes Conselheiros, revogar o acórdão de 25.06.2025 e; a) Avaliar se, no caso em concreto, em que a conduta, em execução de um mesmo desígnio criminoso, tendo sido dirigida à viatura onde se encontram duas pessoas casadas entre si, não será subsumível à prática de um crime continuado, nos termos do artigo 30.º n.º 2 do C.P., ficando afastada a exclusão do n.º 3 do mesmo preceito, porque se trata de uma mesma conduta que abarca, no mesmo contexto, dentro da mesma viatura, os bens que constituam património comum do casal; b) Eliminar qualquer ponderação ou consideração relacionada com a pendência processual referida no Acórdão, em respeito ao princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado, uma vez que o Tribunal só pode valorar o conteúdo de decisões constantes do CRC ou outras decisões transitadas em julgado; c) Reduzir a penas parcelares aplicadas nos seguintes termos: Quanto à factualidade respeitante ao Ofendido BB: a pena de 4 anos e 4 meses deve ser reduzida para 3 anos e 10 meses; Quanto à factualidade respeitante à Ofendida CC: a pena de 4 anos deve ser reduzida para 3 anos e 4 meses., sem prejuízo de aplicação diferente pelo Tribunal de Recurso E/OU; d) Caso assim não se entenda, o que por mera cautela e hipótese académica se equaciona, reduzir a pena única para medida não superior a 5 anos de prisão; e) Aplicar a suspensão da execução da pena de prisão, sujeita a regras e deveres que forem entendidos por adequados ao caso do arguido DD”.
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Os recursos foram admitidos para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 01.08.2025, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta, sem que tenha formulado conclusões.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos interpostos pelos arguidos.
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Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal, tendo o recorrente apresentado resposta na qual mantêm que o recurso deve ser julgado totalmente procedente.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DOS RECURSOS
Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o art. 410º do C.P.Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 7/95, in DR, I Série-A, de 28/12/95), o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação.
Pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (art. 412º, nº 1 do C.P.Penal).
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As questões suscitadas são analisadas pela ordem de precedência lógica indicada nos art 368º e 369º do C.P.Penal, por remissão do art. 424º, nº 2 do C.P.Penal.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, por ordem de precedência lógica, cumpre apreciar:
1. Relativamente ao recurso interposto pelo recorrente AA:
a) Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º, nº 2, al. a) do C.P.Penal;
b) Vício do erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, al. c) do C.P.Penal;
c) Erro de julgamento quanto aos pontos 7, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada
Violação do princípio in dubio pro reo;
d) Incorreto enquadramento jurídico-penal dos factos;
e) Medida das penas de prisão (parcelares e única);
2. Relativamente ao recurso interposto pelo recorrente EE:
a) Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º, nº 2, al. a) do C.P.Penal;
b) Vício do erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, al. c) do C.P.Penal;
c) Erro de julgamento quanto aos pontos 6, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada
Violação do princípio in dubio pro reo;
d) Incorreto enquadramento jurídico-penal dos factos;
e) Aplicação do Regime Penal aplicável a Jovens Delinquentes
f) Medida das penas de prisão (parcelares e única);
3. Relativamente ao recurso interposto pelo recorrente DD:
a) Inconstitucionalidade do nº 8 do art. 414º do C.P.Penal;
b) Incorreto enquadramento jurídico-penal dos factos;
c) Aplicação da atenuação especial da pena na determinação das molduras penais das penas abstratas dos crimes face à reparação integral dos danos
d) Medida das penas de prisão (parcelares e única)
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Factualidade relevante para apreciação do mérito do recurso: 1. O acórdão recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos, com a seguinte motivação: “1. No dia 07/07/2024, pelas 23h20, os ofendidos BB e CC, casados entre si, deslocaram-se, vindos do restaurante EMP01..., no veículo automóvel ..., matrícula ..-DT-.., propriedade do primeiro e por si conduzido, até à Rua ..., da freguesia ..., concelho .... 2. Naquela rua, o ofendido BB estacionou o veículo junto à sede do Núcleo Desportivo ..., e ambos os ofendidos permaneceram, no seu interior, a jantar. 3. Nessas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, ali surgiram os arguidos AA e DD, no veículo automóvel ..., matrícula ..-..-FO, propriedade do primeiro e pelo mesmo conduzido. 4. Ao avistarem o veículo do ofendido, os arguidos AA e DD decidiram-se a fazer seus os objectos e/ ou valores que os ocupantes trouxessem consigo, ainda que, se necessário, com recurso a violência física. 5. De imediato, em execução desse plano, o arguido AA parou o veículo automóvel na dianteira do veículo automóvel do ofendido, apontando-lhe as luzes dos faróis, e logo os dois arguidos se apearam e dirigiram até ao mesmo, sendo que o arguido AA se dirigiu à janela do condutor, onde bateu e disse ao ofendido que a abrisse, enquanto o arguido DD se dirigiu à janela do lugar do passageiro dianteiro. 6. Surpreendido e assustado com as movimentações dos arguidos, o ofendido pôs o veículo automóvel em funcionamento e conduziu-o por aquela mesma Rua ..., até que o imobilizou, por a dita rua não ter saída, junto à entrada do Acampamento .... 7. Os arguidos AA e DD seguiram-no, como condutor e passageiro, respectivamente, do veículo ..-..-FO, vindo aquele a imobilizar o veículo imediatamente atrás do veículo do ofendido, e logo se apearam e dirigiram até ao mesmo. 8. Nesse momento e à entrada do Acampamento, encontravam-se vários indivíduos, entre os quais o arguido EE, que logo se abeirou do veículo do ofendido e, apercebendo-se do plano delineado pelo irmão, o arguido AA, e pelo arguido DD, àquele prontamente aderiu, aceitando-o nos seus precisos termos. 9. Em acto contínuo, o arguido AA dirigiu-se até à porta do lugar do condutor, onde se encontrava o ofendido BB, e o arguido DD dirigiu-se até à porta dianteira direita, onde se encontrava a ofendida CC, tentando abri-las. 10. Em pânico, o ofendido BB trancou todas as portas do seu veículo automóvel, o que impossibilitou os arguidos de concretizarem a sua abertura. 11. Inconformados, os arguidos AA, DD e EE rodearam o veículo, recolheram do chão um número não concretamente apurado de pedras, como assim o último recolheu, ainda, um pau e, usando-os como armas, todos arremessaram as pedras e o arguido EE desferiu, igualmente, pancadas com o pau, nos vidros dianteiro, traseiro e laterais do veículo, partindo-os. 12. Após, o arguido DD abriu a porta dianteira direita do veículo, momento em que, temendo pela sua vida e integridade física, a ofendida CC saltou para os bancos traseiros. 13. Em acto imediato, o mesmo arguido introduziu-se no veículo e logo desferiu murros na cara e cabeça do ofendido, enquanto o arguido AA fazia exactamente o mesmo, através da janela do condutor. 14. Instantes depois, o arguido DD juntou-se ao arguido AA e ambos se esforçaram por abrir a porta do veículo e por arrancar o ofendido através da janela, o que não conseguiram porque este conseguiu segurar a porta e agarrar-se ao volante. 15. Apesar dos gritos desesperados dos ofendidos e das súplicas para que os deixassem, os arguidos prosseguiam indiferentes. 16. Então, um dos arguidos DD ou AA dirigiu-se ao ofendido BB, dizendo “Dá-me tudo o que tens!”. 17. Em seguida, os arguidos AA e DD retiraram do interior do veículo automóvel os seguintes objectos: - um telemóvel, marca ..., modelo ..., com o IMEI ...59, no valor de €579,99, que se encontrava na parte central do tablier, pertencente ao ofendido; - uma carteira, em pele, de cor ..., no valor de €25,00, pertencente ao ofendido, que se encontrava junto à alavanca das velocidades, contendo no seu interior o respectivo título de residência, carta de condução brasileira e dois cartões de débito da instituição bancária Banco 1...; e - um telemóvel, marca ..., modelo ... ..., com o IMEI ...75, no valor de €1.300,00, que se encontrava junto ao volante, pertencente à ofendida. 18. Já com os bens na sua posse, os arguidos AA e DD continuaram a atingir o ofendido com murros, até que este, aproveitando que aqueles já não tentavam abrir a porta, conseguiu pôr o veículo em funcionamento e fugir. 19. Por fim, também os arguidos AA, DD e EE se ausentaram do local, levando consigo os referidos objectos, integrando-os nos respectivos patrimónios, vindo o primeiro a escondê-los junto a um poste de iluminação, situado à saída do Acampamento. 20. Em resultado dos ferimentos sofridos, o ofendido recebeu assistência médica, nessa noite, na Unidade Local de Saúde de .... 21. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos AA, DD e EE, o ofendido BB sofreu, para além de dores, escoriações na face e hematoma na zona temporal. 22. Lesões estas que lhe determinaram oito dias de doença, quatro dos quais com afectação da capacidade de trabalho geral e especial. 23. Os estragos causados pelos arguidos AA, DD e EE no veículo automóvel do ofendido importaram uma reparação cujo valor ascendeu a € 2.287,46. 24. Agiram os arguidos AA, DD e EE de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei. 25. Agiram os arguidos AA, DD e EE em comunhão de intentos e esforços, em execução de plano previamente delineado pelos dois primeiros, a que o terceiro aderiu. 26. Os arguidos AA, DD e EE agiram com o propósito concretizado de ofenderem o corpo e a saúde do ofendido BB e de causarem estragos no veículo automóvel, que bem sabiam não lhes pertencer e que agiam contra a vontade do legítimo proprietário, conscientes de que a violência da sua acção intimidava e atemorizava os ofendidos BB e CC, a quem, no interior do veículo e impossibilitados de reagir, causavam receio pela sua integridade física e vida, para, dessa forma, conseguirem subtrair-lhes os objectos que estes trouxessem consigo, como conseguiram, fazendo-os seus, bem sabendo que tais objectos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos respectivos proprietários e em prejuízo destes. 27. Agiram os arguidos AA, DD e EE com o propósito concretizado de utilizarem as pedras e o pau por si recolhidos como meio de agressão.
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Postura processual dos arguidos: 28. Os arguidos AA e DD confessaram parte dos factos, verbalizaram arrependimento e efetuaram em audiência um pedido de desculpas aos ofendidos.
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Das condições pessoais e económicas do arguido AA 29. Desde fevereiro de 2023 e até à sua reclusão, AA integrou o agregado de origem da companheira HH, que partilhou com esta e com o filho de ambos, com 10 meses de idade, e com os pais dela, profissionalmente ativos e integrados, em empresa de família. 30. O agregado residia em casa dos sogros, propriedade destes, em moradia situada numa zona periférica da cidade .... 31. O arguido teve duas anteriores relações afetivas com coabitação, a primeira, com casamento celebrado aos 16 anos de idade, com uma jovem com idade aproximada da sua. Decorridos dois anos, iniciou a segunda relação afetiva, na constância da qual nasceu o seu primeiro filho, menor com quem continua a manter contactos regulares. 32. No período compreendido entre a primeira e a segunda conjugalidade, o arguido morou na sua própria casa, de construção rudimentar, junto da dos pais e de outros familiares, num terreno localizado em ..., ..., habitação com humildes condições de habitabilidade. 33. AA ingressou na escola aos 7 anos de idade, habilitou-se com o 6º ano de escolaridade, e tem no seu percurso escolar três retenções. 34. Em abril de 2024 iniciou-se laboralmente como operário têxtil na empresa EMP02... - Tinturaria Têxtil, sedeada em ..., a cumprir o horário das 14h às 22horas, mas, decorridos cerca de dois meses, ficou desempregado, e passou a aceitar trabalhos de curta duração, irregulares, tipo biscates. 35. A subsistência do agregado era suportada fundamentalmente nos rendimentos dos pais da companheira, no valor global de 2.115,00€, relativos à pensão de reforma do sogro e ao vencimento da sogra, mas também no da sua companheira, ambas agentes funerárias em empresa familiar. 36. Como despesas fixas mensais destacam-se os consumos de abastecimento domésticos, em água, energia elétrica, gás e telecomunicações, no valor médio aproximado de 250€. 37. À data dos factos, mantinha convivência com o seu agregado familiar de origem, pais e três irmãos menores, um deles o coarguido EE, assim como com as duas irmãs, já autonomizadas. 38. AA ocupava parte do seu tempo livre em convívio com amigos e conhecidos, alguns deles com hábitos aditivos e/ou de ingestão alcoólica abusiva, e com a manifestação de comportamentos antissociais. 39. No âmbito do processo 303/23.6JABRG do Juízo Central Criminal Juiz ..., AA foi preso preventivamente no Estabelecimento Prisional ... em 25.03.2023, de onde foi libertado em 25.03.2024, data do termo da prisão preventiva, onde está acusado de 28 crimes de diversas tipologias, tais como: 16 furtos, 4 ofensas à integridade física qualificadas, 2 roubos, 2 ameaças agravadas, extorsão, dano com violência, detenção de arma proibida e abuso de cartão de garantia, encontrando-se o julgamento a decorrer, com a próxima audiência agendada para 10.07.2025. 40. Em contexto prisional, o arguido apresenta uma postura educada e tem revelado aparente atitude de acomodação ao normativo institucional. Contudo, colocado a trabalhar como faxina de pavilhão, desistiu, mas solicita e aceita atividades desportivas e a frequência do ginásio. 41. O arguido compreende as normas e regras do funcionamento da vida em sociedade, contextualizou o seu percurso de vida de forma sucinta e pouco fluida e não expressou consciência da necessidade de alterar as suas rotinas e contexto de convivência social de risco. 42. O arguido beneficia de retaguarda da companheira, HH, e dos familiares de origem, que o visitam com regularidade, e que, ocasionalmente, se fazem acompanhar dos filhos menores do arguido. 43. A existência dos presentes autos é do conhecimento público junto da comunidade de residência.
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Das condenações anteriores do arguido AA 44. O arguido não regista averbadas ao seu certificado de registo criminal quaisquer condenações.
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Das condições pessoais e económicas do arguido DD 45. À data dos factos, DD, solteiro, integrava o agregado de origem, que partilhava com a mãe e com uma das irmãs, em virtude do pai trabalhar em França e a outra irmã se ter autonomizado. 46. A dinâmica relacional mostrava-se estruturada. O pai viaja trimestralmente para Portugal para passar fins-de-semana prolongados junto da família, assim como em épocas festivas e no período de Verão. 47. De acordo com a mãe, trabalhadora têxtil, o estilo de vida do arguido vinha a contribuir para uma dinâmica familiar conturbada, revelando-se as relações intrafamiliares fragilizadas e agastadas, particularmente, por a mãe percecionar alguma resistência do arguido face às regras de funcionamento sociofamiliar, por ter enveredado por um percurso de convívio de pares, frequentemente em contextos de convívio em estabelecimento comerciais noturnos, e com consumos de estupefacientes e de álcool. 48. DD iniciou o consumo de estupefacientes durante a frequência do 5º ano de escolaridade, pelos doze anos de idade, consumo que foi acentuando ao longo do seu processo de socialização, e adquirindo também hábitos de consumo de álcool em excesso em contextos de convívio com pares e, ultimamente, também em cafés. 49. Habilitado com o 12º ano, grau de ensino que alcançou pela via profissionalizante, com a frequência de Formações na Associação Comercial e Industrial ... - Associação Comercial e Industrial ..., DD iniciou-se laboralmente no sector da construção civil, na colocação de tela, e posteriormente foi contratado por uma empresa portuguesa para trabalhar nas linhas ferroviárias em ..., atividade que manteve durante três anos. Por último, o arguido trabalhou, como armador de ferro, para a empresa EMP03..., Unipessoal Lda., vocacionada para a organização de feiras, congressos e outros eventos, sedeada na Avenida ..., ..., com contratos à tarefa. 50. A subsistência familiar mantém-se assente na atividade exercida pelos pais, pai armador de ferro em França e mãe operária têxtil. 51. Para fazer face às suas despesas pessoais, quando a trabalhar, o arguido assegurava-as com o seu vencimento mensal, que gastava em pouco tempo, pelo que a sua subsistência era suportada fundamentalmente pelos pais, designadamente a nível de alimentação e ainda com dinheiro de bolso, não contribuindo DD para a economia doméstica. 52. O agregado apresenta como despesas fixas mensais o montante aproximado de 450€, relativo à amortização bancária do apartamento, e gastos com os consumos de abastecimento domésticos e telecomunicações, no valor global médio de 170€. 53. DD mantinha um relacionamento afetivo, encontrando-se a namorada, profissionalmente ativa, a trabalhar para um call center, em teletrabalho, em casa de quem por vezes pernoitava. 54. O arguido praticava artes marciais e desportos de combate, particularmente Taekwondo (cinturão preto) e Kickboxing, assim como mantinha treinos em ginásio, em ..., .... 55. No âmbito do convívio com amigos e conhecidos em diferentes contextos recreativos (cafés, bares e discotecas), entre eles os coarguidos, AA, seu amigo, e EE, seu conhecido, por vezes, adotavam condutas de risco; no passado, de consumos de estupefacientes (haxixe) e ultimamente, de ingestão problemática de bebidas alcoólicas, particularmente, de whisky, com a manifestação dos sequentes comportamentos de instabilidade psicoemocional. 56. No âmbito do processo 303/23.6JABRG, DD esteve preso preventivamente no Estabelecimento Prisional ... entre 12.09.2024 e 25.03.2024. 57. O arguido tem outros processos em curso, como o nº 155/21.0PABCL, no Juízo Local Criminal de ..., com julgamento marcado para 13.06.2025, e um outro, o nº 548/20.0TABCL, igualmente no Juízo Local Criminal de ..., ainda sem julgamento agendado. 58. DD demonstrou dispor de competências pessoais que lhe permitem compreender as normas e regras do funcionamento da vida em sociedade, reconhecendo a importância de alterar as suas rotinas e contexto de convivência social de risco. 59. Contudo, considera desnecessário o tratamento às suas dependências, uma vez que durante a prisão preventiva não consumiu estupefacientes ou álcool. 60. Durante a reclusão, continua a beneficiar de apoio familiar.
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Das condenações anteriores do arguido DD 61. O arguido regista averbada no seu certificado de registo criminal a seguinte condenação: i. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Braga, no processo n.º 405/19.3PABCL, datada de 06/07/2021, e transitada em julgado a 15/05/2023, o arguido foi condenado pela prática, em 19/09/2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 6,00. A referida pena foi posteriormente declarada amnistiada ao abrigo do disposto no art. 4.º da Lei n.º 38-A/2023.
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Das condições pessoais e económicas do arguido EE 62. À data dos factos e no presente, EE reside com os pais e dois irmãos menores. Tem ainda 3 irmãos mais velhos, maiores de idade, já autonomizados, com quem mantém contacto de proximidade, um deles coarguido nos autos, com quem partilha convivência regular. 63. As relações do núcleo familiar são estáveis e harmoniosas. Contudo, muito embora os progenitores se esforcem no sentido do cumprimento de regras e condutas socialmente positivas, existe dificuldade em influenciar o comportamento do arguido. 64. A residência insere-se em complexo de estruturas construídas de forma rudimentar, em acampamento com frágeis condições de habitabilidade, mas que possui equipamentos básicos, designadamente cozinha e casa de banho, sem saneamento básico, abastecimento de água potável e energia elétrica, mas com benefício dos mesmos por ligações estiradas pelos residentes. 65. À data dos factos, do ponto de vista socioeconómico, o agregado familiar beneficiava de situação semelhante à atual. Os pais encontram-se desempregados e de baixa, e o agregado subsiste com o rendimento social de inserção, num montante de 775€ mensais, acrescido dos valores dos abonos de família referentes aos filhos menores de cerca de 437€, beneficiando o arguido de subsídio de refeição e outros apoios sociais eventuais. A situação económica é suficiente para suprir as necessidades dos elementos do agregado, que não apresenta despesas fixas à exceção do consumo de gás e telecomunicações, num valor mensal fixo de 130€. 66. À data dos factos, o arguido encontrava-se em período de férias escolares, tendo sido transferido de estabelecimento de ensino em setembro de 2024. O contexto comportamental escolar e de relacionamento interpessoal permaneceram similares. 67. EE encontra-se habilitado com o 6.º ano de escolaridade, frequentando atualmente um curso de Educação e Formação Tipo 3, de Mecânico de Automóveis Ligeiros, na Escola Profissional ..., que confere uma certificação escolar com equivalência ao 9º ano. 68. Em meio escolar, aquando do ingresso em nova escola, embora iniciasse o ano letivo 2024/2025 com uma avaliação comportamental positiva, decorrido o primeiro período escolar passou a ser descrito como aluno com um comportamento instável e pouco adequado no contexto de sala de aula e espaço escolar, perturbando o normal funcionamento das aulas, das quais se ausenta sem regra. Apresenta elevado absentismo escolar injustificado e comportamentos de desobediência para com os professores, motivos que sustentaram a sinalização à CPCJ ... em janeiro de 2025, que se encontra em fase de avaliação diagnóstica. 69. Apresenta empatia no âmbito do relacionamento interpares, embora lhe sejam atribuídas caraterísticas como figura de referência para alguns colegas, mas para comportamentos ou ações de índole pró-criminal, a que EE é normalmente associado. A motivação pela frequência escolar e pela aprendizagem tem sido o foco de intervenção pelas estruturas sociais, designadamente pela Associação de Pais e Amigos das Crianças (APAC) de ..., e pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). 70. EE apresenta como pretensão vir a exercer atividade laboral na área do curso que se encontra a frequentar, manifestando gosto e interesse pela área da mecânica automóvel. 71. Os seus tempos livres são com a família próxima, sendo que alguns deles vivem no mesmo acampamento, nomeadamente o irmão, AA. Despende o restante tempo livre em atividades indiferenciadas a jogar futebol com os amigos, sendo sinalizado como um jovem com capacidade para estabelecer relacionamentos interpessoais variados, nem sempre conotados como socialmente positivos. 72. O meio comunitário é conotado com vulnerabilidades sociais, embora as relações interpessoais entre os residentes sejam pouco conflituosas, mantendo os residentes uma organização doméstica com algum cuidado de higienização, sendo referenciado que as crianças da família estão bem tratadas. 73. EE revela preocupação e algum nível de ansiedade decorrente da sua constituição como arguido no presente processo. Contudo, manifesta dificuldade em refletir e compreender a ilicitude de comportamentos similares aos descritos nos autos, legitimando os mesmos face à conduta prévia do ofendido. 74. Desde a ocorrência dos factos que deram origem ao presente processo, adotou maior introversão no espaço familiar e maior descrição no seu quotidiano pessoal, e mostra-se disponível para colaborar com as entidades judiciais. 75. O arguido beneficia de enquadramento familiar, mantém inserção escolar, embora com uma conduta de incumprimento de regras e, ainda que com défice de influência no seu comportamento escolar e social, continua a dispor do apoio e suporte parental.
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Das condenações anteriores do arguido EE 76. O arguido não regista averbadas ao seu certificado de registo criminal quaisquer condenações.
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Do pedido de indemnização civil da Unidade Local de Saúde de ..., EPE: 77. No dia 08/07/2024, o demandante prestou cuidados médicos a BB, em virtude das lesões que lhe foram causadas pelos demandados, que ascenderam ao valor total de € 94,41.
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Da contestação do arguido DD 78. A família do arguido ressarciu os ofendidos dos danos causados pelos arguidos em função dos factos referidos supra. 79. Até à sua detenção, o arguido apresentava atividade profissional regular. 80. A empresa para a qual trabalhava até à detenção mostra-se disponível para retomar o vínculo laboral do mesmo assim que este esteja em liberdade.
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2.2 - Factos Não Provados Não resultaram não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa. 2.3 - Motivação da matéria de facto (…) Assim, os factos provados baseiam-se nos seguintes meios de prova: Na formação da convicção, o Tribunal atendeu, desde logo, aos seguintes elementos de prova documental: Por Reconhecimento 1) Autos de reconhecimento fotográfico, a fls. 254 a 260 - o ofendido BB reconheceu o arguido AA como tendo partido o vidro da porta do lado do condutor com pedras, agrediu-o com socos na face/ cabeça e tentou tirá-lo do interior do veículo, puxando-o (254-255); - o ofendido BB reconheceu o arguido DD como tendo partido os vidros da porta da frente do lado direito, agrediu-o com socos na face, disse “dá-me tudo que tens”, tirou o telemóvel e a carteira e o telemóvel da ofendida CC (fls. 256-258). - o ofendido BB reconheceu o arguido EE como tendo partido o vidro da frente do veículo e o de trás com pedras (fls. 259-260). 2) Autos de reconhecimento pessoal, a fls. 385 - a ofendida CC reconheceu o arguido AA como tendo partido os vidros, agredido o ofendido BB e retirado o seu telemóvel. Fls. 396 - a ofendida CC reconheceu o arguido DD como tendo partido os vidros, agredido o ofendido BB e retirado a carteira e o telemóvel deste.
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Pericial 1) Relatório pericial de avaliação do dano corporal, a fls. 553 a 554 - o período de doença do ofendido BB é fixável em 8 dias com afetação da capacidade de trabalho geral por 4 dias e de trabalho profissional por 4 dias;
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Documental - Reportagem fotográfica, a fls. 186 e 187, 208 a 217 - é visível o estado de destruição da viatura dos ofendidos, bem como pedras no seu interior; e 223 - retrata os ferimentos na face do ofendido BB; - Auto de apreensão, a fls. 181 a 185 - pedras apreendidas no veículo dos ofendidos e uma pulseira; - Informação do registo automóvel, a fls. 188 (veículo do ofendido, com a matrícula ..-DT-..) e 262 (viatura registada em nome do arguido AA, de matrícula ..-..-FO).; - Orçamento, a fls. 200 - reparação da viatura ..-DT-..; - Auto de visionamento, a fls. 228 a 244 (CD na contracapa) - São visíveis as movimentações das viaturas ..-DT-.. e ..-..-FO entre as 23h35m e as 23h44m; visualizam-se ainda os arguidos a sair do Acampamento ...; - Registos clínicos, a fls. 482-485 - referentes ao ofendido BB; - Fatura de fls. 488 - referente ao telemóvel ... ..., no valor de € 579,99; - Relatório social, a fls. 560 a 565. - Declarações dos ofendidos de fls. 641-642; - CRC’s constantes dos autos. - Relatórios sociais de 04/06, 05/06 e 09/06/2025. - Fatura da ULS de fls. 716-717; - Documentos juntos em audiência de fls. 877-882;
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Elencada a prova tida em consideração pelo Tribunal na sua globalidade, importa agora analisar os meios de prova de forma mais detalhada. O arguido AA prestou declarações, começando por dizer que “é tudo verdade”. Contudo, avançando nas suas declarações, o arguido acabou por confirmar apenas alguns pontos da matéria que lhe era imputada. Assim, referiu que os factos ocorreram após ter jantado com o arguido DD. Após, dirigiram-se ao Acampamento ..., onde encontraram um casal (os ofendidos) a ter relações sexuais no carro, o que entenderam como “falta de respeito”, pelo que se terá desentendido com o ofendido BB. Referiu que o que ocorreu “Foi uma estupidez”, e confirmou a ocorrência da matéria assente nos pontos 5 e 6. Afirmou desconhecer quando se juntou a eles o arguido EMP02..., seu irmão. Explicou que a porta do carro estava aberta, e terá pedido ao ofendido BB para sair daquele. Admitiu que atiraram pedras aos vidros da frente, laterais e traseiro do carro, e referiu que o ofendido abriu a porta da viatura. Relatou que tentaram tirar o BB pela porta do carro. Negou ter retirado qualquer objeto do interior da viatura, ou saber quem o terá feito. Apenas viu dois telemóveis no chão, mas não sabe quem os tirou de dentro do carro, não tendo visto a carteira. Admitiu ter desferido murros no ofendido BB. Após, os ofendidos saíram no seu carro do local. O arguido AA disse-se arrependido dos factos praticou, tendo noção da sua gravidade. Manifestou vontade de fazer um pedido de desculpas aos ofendidos em audiência, o que fez.
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Por sua vez, o arguido DD também prestou declarações. Disse que tinha ido ao Café ..., onde esteve à espera do arguido AA, tendo negado ter jantado com este. Referiu que era uma 6ª feira à noite, e iam sair. Referiu que, quando seguia no interior do carro com o arguido AA, deram sinais de luzes ao veículo do ofendido, para eles arrancarem. Após, perseguiram o carro até à rua sem saída. Depois, saiu do carro e abriu a porta do passageio, tendo retirado os telefones e a carteira do interior da viatura e atirado os mesmos para o chão. Admitiu ainda que desferiu socos no ofendido BB. Disse que, na altura, estava alcoolizado. Negou ter partido os vidros da viatura, e admitiu que tanto ele como o AA agrediram o ofendido BB. Negou ter proferido quaisquer expressões na direção do ofendido, e referiu que os telemóveis e a carteira ficaram no local. Após o sucedido, o ofendido BB tinha a cara pisada dos dois lados. O arguido disse estar arrependido do sucedido e manifestou vontade de pedir desculpas aos ofendidos em audiência, o que fez. Explicou que até à reclusão trabalhava em organização de eventos.
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Quanto às declarações do arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, este referiu que pegou no telemóvel do ofendido, e apenas o “atirou para ele não ligar para ninguém”, não pretendendo apoderar-se do mesmo. Referiu que “Foi uma confusão absoluta”, e que “Admitia tudo”, mas que estava alcoolizado. Negou ter atirado pedras para a viatura.
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Por sua vez, o arguido EE não prestou declarações em julgamento, tendo usado do seu direito legal ao silêncio. Em sede de primeiro interrogatório judicial prestou declarações, nas quais, em síntese, referiu que estava em casa a dormir, e com o barulho acordou. Vestiu-se para ir ver o que se passava, pegou numa pedra e atirou-a para a viatura dos ofendidos. Disse que “Estava lá muita gente”, e que “Eles estavam a ter relações sexuais”. Referiu que estava no local o seu irmão AA e o DD. Negou ter visto os telemóveis ou a carteira dos ofendidos.
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Analisando criticamente as declarações dos arguidos, diremos que os mesmos apenas admitiram os factos que de modo algum podiam negar, tendo assumido a sua presença no local dos factos, a abordagem aos ofendidos quando estes se encontravam na sua viatura, as agressões ao ofendido BB, e o arguido DD admitiu ter retirado os telemóveis e a carteira do interior da viatura, embora não com o intuito de se apoderar dos mesmos. Assim, as declarações dos arguidos convenceram o Tribunal apenas na parte em que se mostraram consonantes com a matéria de facto dada como provada, pois que, nesse âmbito, foram providas de indiscutível razão de ciência, mostraram-se firmes e seguras, além de coerentes com prova produzida que o Tribunal considerou credível. A isto acresce que a maior parte dos factos admitidos pelos arguidos são factos que lhes são desfavoráveis e que, por isso, nenhum interesse aqueles teriam em admitir. Já na parte em que as declarações dos arguidos foram em sentido diverso da matéria de facto dada como provada, elas em nada convenceram o Tribunal. Em primeiro lugar, dado que as declarações dos arguidos, nessa sede, se mostraram totalmente parciais e interessadas no resultado do presente feito crime. Em segundo lugar, porque, nessa parte, as declarações dos arguidos foram contrariadas pelas regras da experiência comum e por outra prova que o Tribunal considerou credível. Já quanto aos demais factos, porque díspares entre si (sublinhamos, a título de exemplo, que enquanto o arguido AA admitiu ter atirado pedras para os vidros da viatura, o arguido DD negou tê-lo feito) e não sustentados por corroborações periféricas indubitavelmente válidas e frontalmente contrariados por prova clara em sentido diferente (isto é, em sentido convergente com o que se deu por provado), não foram as declarações dos arguidos consideradas pelo Tribunal.
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Assim, para prova dos factos dados como assentes foram tidas em conta, de modo primordial, as declarações dos ofendidos, que desde já se antecipa depuseram de forma objetiva, isenta e credível, não denotando quaisquer sentimentos de inimizade para com os arguidos, nem qualquer tentativa de empolar os factos por estes praticados. O ofendido BB começou por referir que foi ressarcido pelos familiares dos arguidos em 5.000€, no total, tendo sido tal valor calculado em função do valor dos danos de € 2.800 causados na quebra dos vidros, 500 a 600€ do valor de um ... ... e 1.300€ de um ... .... Quanto aos factos ocorridos, referiu que, no dia em causa, estava com a sua mulher no seu veículo (um ..., matrícula ..-DT-.., de 2007). Depois de terem ido ao EMP01... comprar comida, dirigiram-se para o Campo ..., onde pararam o carro para comer enquanto viam uma série no telemóvel. De repente, foram abordados por dois homens, que queriam que baixasse os vidros. Como temeu estar a ser assaltado, arrancou com o carro e seguiu em frente. Contudo, a rua não tinha saída e no fundo tinha umas barracas, pelo que não conseguia voltar para trás. O seu carro ficou “bloqueado” pelo carro onde seguiam os arguidos AA e DD. Aí, os dois arguidos saíram da viatura e tentaram abrir o seu carro, mas as portas estavam trancadas e começaram a bater neste. Relatou que partiram todos os cinco vidros do carro, tendo atirado pedras para o mesmo. Depois chegou também um rapaz mais novo, o arguido EMP02... (que identificou como estando retratado a fls. 48), com um pedaço de pau, com que também atingiu o carro e amassou o capot, e depois também partiu o vidro de trás. Referiu que este arguido não o agrediu. Os arguidos AA e DD estavam “um de cada lado do vidro”. Durante as agressões, a sua esposa CC passou para o banco de trás enquanto estava a ser agredido pelos arguidos com murros na cara, aterrorizada. Relatou ainda que os arguidos acabaram por conseguir por abrir a porta da viatura e queriam tirá-lo à força para fora do carro. Contudo, tentou resistir e agarrava-se à porta. Referiu que, de entre os dois arguidos, o DD era o mais forte, sendo que inclusivamente a pulseira deste ficou dentro do carro devido à violência das agressões. Quando conseguiu, arrancou com o carro, tendo apanhado mais à frente a sua esposa CC, que, entretanto, havia fugido do carro pela porta de trás. Explicou ainda que, não obstante estarem a assistir ao episódio mais pessoas do acampamento, as mesmas “só estavam a olhar”, sendo que só os três arguidos atuaram junto deles e da viatura. Quanto à expressão: ”Dá-me tudo o q tens”, referiu que a mesma foi proferida pelo arguido AA, tendo sido este quem pegou na sua carteira e nos telemóveis do tablier. Ora, nesta parte, refira-se que a prova do reconhecimento fotográfico (enquanto prova documental, por parte do ofendido BB) conduziu à identificação do arguido DD como tendo sido o autor da expressão em causa, pelo que não se conseguiu identificar cabalmente qual dos dois arguidos proferiu a expressão em causa, já que o mesmo ofendido, em audiência, acabou por identificar o arguido AA como o autor da mesma expressão. No entanto, não restam dúvidas de que, no contexto em causa, a mesma foi proferida por um dos dois arguidos, motivo pelo qual se procedeu à alteração não substancial dos factos nos termos correspondentes. Quanto à carteira que lhe foi retirada, o ofendido BB referiu tratar-se de uma carteira preta, em imitação de pele, que continha os seus documentos pessoais, cartões de crédito, de débito, o título de residência e a carta de condução. Referiu que, até à data, não recuperou os seus telemóveis. Na sequência do sucedido, ficou magoado no rosto e pescoço, tendo confirmado os seus ferimentos como estando retratados na imagem de fls. 55. Relatou ainda que, na altura dos factos, estava em tronco nu e de calções. Finalmente, o ofendido foi confrontado com o auto de fls. 228 ss., tendo confirmado as deslocações da sua viatura para o local, bem como a posição em que se encontrava inicialmente. Confrontado com a imagem de fls. 232, referiu que tal imagem retrata o momento em que tentaram entrar no seu carro, isto é, a primeira abordagem dos arguidos DD e AA.
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Por sua vez, a ofendida CC confirmou igualmente ter sido ressarcida na quantia de € 5.000 pelos telemóveis e pelos danos causados na viatura, tendo referido que nunca recuperaram os primeiros. A respeito dos factos, relatou que no dia em causa se encontrava com o seu marido no carro, e tinham ido ao EMP01... comprar comida, após o que estacionaram próximo das ... para comer enquanto viam uma série. Tinham os telemóveis na frente do carro, estando o seu preso à frente, a carregar, e o do marido no meio, junto da carteira (assim confirmando a localização dos bens retirados da viatura). De repente, um carro parou junto do seu com os faróis ligados, e desceram do carro dois indivíduos que vieram junto da viatura. O seu marido arrancou com o carro e desceram a rua até ao Acampamento. Contudo, a rua não tinha saída. Os arguidos pararam na sua traseira e foram até ao carro, tendo começado a bater neste, abriram a porta e partiram os vidros do carro com pedras. Na altura, aproximou-se muita gente do acampamento. Os dois arguidos bateram no seu marido, que esteve sempre dentro do carro, tendo visto este a ser agredido pelos dois arguidos, o AA e o DD. Não conseguiu ver quem retirou do carro os telemóveis e a carteira. Aterrorizada, passou para o banco de trás do carro, tendo saído deste a correr pela porta de trás. Depois, o seu marido quando conseguiu fugir do local apanhou-a mais à frente, e dirigiram-se de imediato para a esquadra da polícia. O seu marido tinha um corte na cara, fruto das agressões, e estava vermelho no pescoço. O veículo ficou com muitas pedras no seu interior, tendo retirado várias delas. Contudo, quando foram à polícia ainda conseguiram encontrar algumas. Referiu que o arguido DD era quem se encontrava inicialmente do seu lado (do passageiro), ao passo que o arguido AA se encontrava do lado do BB (do condutor). Por fim, esclareceu ainda que, no momento dos factos, o ofendido estava sem camisa.
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Foram ainda inquiridos os agentes policiais intervenientes na investigação, que depuseram igualmente de forma isenta, objetiva e credível. Assim, a testemunha II, Coordenador da Brigada de Investigação Criminal da PSP de ..., referiu que recolheu as imagens de CCTV do Acampamento ..., tendo elaborado o auto de visionamento de fls. 228 a 244. Assim, explicou que a primeira imagem é das 21:00, onde surge a viatura ..., conduzida pelo arguido AA, a sair do acampamento, sendo que na altura, conforme decorre do seu conhecimento funcional, este morava entre o acampamento e a residência de HH, sua companheira. Já a fls. 230, é visível a viatura dos ofendidos a parar no topo da Rua, sendo que esta só tem saída para dentro do Acampamento (às 23:24). Às 23:35, ocorre novamente a entrada do ..., desta feita com um passageiro de t-shirt branca (visível a fls. 232). Cerca de sete minutos depois, ambas as viaturas voltam a movimentar-se, o que ocorreu às 23h42m (cfr. fls. 233), depreendendo-se que este se trata do momento em que as vítimas tentam fugir dos arguidos. Os danos na viatura são visíveis na foto 11, de fls. 234. Por sua vez, às 00:04, já após os factos, os arguidos AA e DD vêm apeados (fls. 238), sendo que o primeiro pára junto a um poste, agacha-se e deixa lá alguma coisa (Foto 12, fls. 235, 236). Já à 01:35 a HH e o arguido AA param perto do poste, e aquele dirige-se novamente junto do poste para apanhar algo que lá estava escondido (conforme é visível a fls. 239-243). Repare-se ainda que, nesta parte, o auto de visionamento contraria diretamente as declarações do arguido DD de que não pretenderam apoderar-se dos bens dos ofendidos, pois não só se apoderaram dos mesmos como ainda os esconderam num poste e, mais tarde foram novamente procurar os mesmos objetos no local onde previamente os haviam escondido. Não restaram assim ao Tribunal quaisquer dúvidas quanto à intenção de apropriação dos objetos retirados da viatura dos ofendidos por parte dos arguidos. No mesmo sentido depuseram ainda as declarações dos ofendidos, que referiram de modo coincidente que nunca recuperaram os objetos que nessa noite lhes foram retirados da viatura. Depois, como referiu ainda a mesma testemunha, à 01:45 regressam ao Acampamento os arguidos AA e EE no carro da HH, sendo que o primeiro acompanha o segundo a meio do caminho e regressa ao carro. Referiu-se ainda a testemunha ao auto de fls. 269, em que é visível na imagem retirada do posto de combustível que o ... era na época dos factos usado e conduzido pelo arguido AA. Relatou ainda que a viatura dos ofendidos ficou com estragos em todos os vidros, revelando estilhaços causados por pedras nos vidros da frente, tendo também os vidros laterais e traseiro todos estilhaçados. Disse ainda que a ofendida CC, durante o reconhecimento, ficou ansiosa e em pânico quando reviu os arguidos do outro lado do vidro. Descreveu ainda, a propósito da diligência em causa, algumas características dos seus colegas que integraram a linha de reconhecimento. Relatou ter tido conhecimento que os ofendidos foram ressarcidos em 5.000€. Por sua vez, a testemunha JJ, Agente-Principal da PSP, relatou que quando entrou ao serviço, na noite dos factos, se deparou com o ofendido BB a fazer a denúncia, tendo fotografado os ferimentos deste (cfr. fls. 55). Descreveu ter visto os ofendidos em pânico, bem como a viatura com os vidros todos partidos, à exceção de um, e com pedras no interior. Foi ainda apreendida na viatura uma pulseira que não pertencia às vítimas. Relatou ainda que o arguido AA tinha um ... preto e era o seu condutor habitual, sendo que era este quem o conduzia no dia 2 de Julho. Referiu ainda que, conforme resulta de fls. 186-187, no início do caminho não havia vestígios de vidros, pelo que presumiu que a abordagem dos arguidos teve lugar mais junto do Acampamento. Descreveu ainda algumas características do colega KK, que integrou a linha de reconhecimento. Por fim, a testemunha FF, Agente-Principal da PSP, mencionou ter intervindo numa vigilância ao arguido AA, onde constatou que este residia na casa da sua namorada, HH, em ..., ... e conduzia um ... preto. Referiu-se também a algumas características físicas dos seus colegas que integraram a linha de reconhecimento, KK e LL.
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Assim, os depoimentos dos ofendidos foram conjugados com os depoimentos dos agentes policiais e ainda com a demais prova constante dos autos. Nesta parte, foi valorada, desde logo, a prova por reconhecimento. Assim, nos autos de reconhecimento fotográfico, a fls. 254 a 260, o ofendido BB reconheceu o arguido AA como tendo partido o vidro da porta do lado do condutor com pedras, agrediu-o com socos na face/ cabeça e tentou tirá-lo do interior do veículo, puxando-o (254-255). Depois, o ofendido BB reconheceu o arguido DD como tendo partido os vidros da porta da frente do lado direito, agrediu-o com socos na face, disse “dá-me tudo que tens”, tirou o telemóvel e a carteira e o telemóvel da ofendida CC (fls. 256-258). O ofendido BB reconheceu ainda o arguido EE como tendo partido o vidro da frente do veículo e o de trás com pedras (fls. 259-260). A estes autos de reconhecimento fotográfico seguiram-se autos de reconhecimento pessoal, constantes de fls. 385, no qual a ofendida CC reconheceu o arguido AA como tendo partido os vidros, agredido o ofendido BB e retirado o seu telemóvel; bem como, a fls. 396, a ofendida CC reconheceu o arguido DD como tendo partido os vidros, agredido o ofendido BB e retirado a carteira e o telemóvel deste. Nesta parte, inferindo-se do respetivo auto de reconhecimento de pessoas que foram observadas as exigências legais previstas no artigo 147.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Penal e não tendo sido produzida qualquer prova em sentido contrário - a impugnação da validade de determinado meio de prova exige, na maioria das vezes, que se produza prova em sentido contrário -, nada obsta a que o mesmo seja valorado como meio de prova, como ocorreu no caso. Refira-se ainda que, nesta matéria, as dúvidas colocadas pela defesa quanto à validade do reconhecimento são manifestamente inócuas, pois que os arguidos DD e AA, nas suas declarações, se colocaram no local e assumiram parte dos factos, pelo que não restam quaisquer dúvidas quanto à sua presença no local em causa e à sua participação no episódio em causa. Depois, foi tido em conta o teor do Relatório pericial de avaliação do dano corporal, a fls. 553 a 554, do qual decorre que o período de doença do ofendido BB é fixável em 8 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral por 4 dias e de trabalho profissional por 4 dias. Ademais, foi valorada a diversa prova documental constante dos autos, designadamente, a reportagem fotográfica, a fls. 186 e 187, 208 a 217, onde é visível o estado de destruição da viatura dos ofendidos, bem como pedras no seu interior; a imagem de fls. 223 retrata os ferimentos na face do ofendido BB. O auto de apreensão, a fls. 181 a 185, descreve as pedras apreendidas no veículo dos ofendidos e uma pulseira. A informação do registo automóvel, a fls. 188, de onde decorre que o veículo do ofendido tem a matrícula ..-DT-.., e 262, de onde se depreende que a viatura registada em nome do arguido AA tem a matrícula ..-..-FO. Foi ainda valorado o teor do orçamento de fls. 200, de onde decorre que a reparação da viatura ..-DT-.. foi orçada no valor de € 2.287,46, conforme resultou assente. Decorre ainda do auto de visionamento, a fls. 228 a 244 (CD na contracapa), as movimentações das viaturas ..-DT-.. e ..-..-FO entre as 23h35m e as 23h44m; bem como os arguidos a sair do Acampamento .... De referir, nesta parte, que o Tribunal visualizou os diversos vídeos das imagens de videovigilância, tendo observado em direto as movimentações das ditas viaturas e dos arguidos. Ora, se é certo que os factos terão decorrido durante aproximadamente 2 ou 3 minutos, a destruição da viatura dos ofendidos é já bem visível quando esta abandona o local com os vidros visivelmente destruídos, pelas 23h44m. Pelas 00:04, é bem visível no vídeo (e ainda nos fotogramas de fls. 235-239) que os arguidos DD e AA, conforme bem se depreende do seu aspeto físico que visualizámos em audiência, acompanhados de um terceiro indivíduo, se abeiram de um poste e aí o arguido AA se baixa junto do mesmo e esconde um objeto. Repare-se ainda que, pela 01:35, é visível que o arguido AA (conforme, uma vez mais, se depreende pelo aspeto físico que do mesmo observámos em audiência) se dirige ao mesmo poste, onde antes já havia estado, pega num objeto que oculta junto ao corpo e, acompanhado do mesmo, se dirige para a viatura de HH (conforme vídeo que visualizámos e fotogramas de fls. 239-243). Foram ainda valorados os registos clínicos de fls. 482-485, referentes ao ofendido BB; a fatura de fls. 488, referente ao telemóvel ... ..., no valor de € 579,99. Finalmente, foram valoradas as declarações de fls. 641-642, nas quais os ofendidos declaram ter sido ressarcidos dos danos causados pelos arguidos. Para prova do valor dos tratamentos prestados ao ofendido BB, foi valorado o teor da fatura junta pela Unidade Local de Saúde a fls. 716-717.
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Ora, face a tudo o exposto, os factos externos apurados, consubstanciados nas concretas atuações objetivas demonstradas, com base nos meios de prova referidos e nas regras de experiência, permitiram ao Tribunal, com consistência, presumir o facto interno e alcançar convicção positiva, sobre a evidente e direta intenção dos arguidos de atuarem das referidas formas nos moldes dados como provados. A prova do(s) elemento(s) subjetivo(s) é sempre indireta e deve ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum - o que sucedeu no caso em análise -, uma vez que a verificação de estados psíquicos não é passível, por norma, de demonstração direta. Daí que, não existindo confissão do próprio agente, apenas as regras da experiência e da lógica permitem associar determinadas ações a certos estados de espírito. No caso, os arguidos AA e DD confessaram parte dos factos em causa nestes autos, mostrando-se ambos cientes do teor das suas declarações, na parte respetiva. Ainda que assim não fosse, constata-se que a materialidade objetiva que se demonstrou não consente outra leitura senão a de que todos os arguidos, ao procederem nos termos em que o fizeram, agiram com vontade intencionalmente direcionada, de forma consciente e com pleno domínio de ciência a respeito do desvalor dos seus comportamentos. De facto, a vontade de realização dos factos queda como provada atento o manifesto e óbvio: os comportamentos levados a cabo pelos arguidos, deslocando-se conjuntamente, atuando de forma violenta sobre os ofendidos a fim de se apoderarem dos bens de valor que estes transportavam consigo na respetiva viatura - denunciam, de modo inequívoco, a intenção que os moveu - apropriação de bens/dinheiro que encontrassem na posse dos ofendidos, usando da violência para o efeito, conforme previamente acordado entre si. Naturalmente que a prova da atuação em conjunto dos arguidos resultou da envolvência e decorrência sequencial dos acontecimentos, ou seja, o papel ativo e distinto, mas concertado, que os arguidos tiveram, ponderado à luz das regras do senso comum e da normalidade das coisas. No que respeita à voluntariedade dessas condutas e à sua consciência da ilicitude, além do que se infere dos depoimentos das testemunhas acima identificadas, da postura que os arguidos tiveram em audiência de julgamento concluímos que têm capacidade de distinguir entre o bem e o mal e de se determinar de acordo com essa avaliação. A consciência da ilicitude resulta, desde logo, do facto de se tratar de uma conduta axiologicamente relevante, ou seja, qualquer pessoa sabe que não pode apropriar-se bens de terceiros e usar da força ou de violência para o fazer.
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Os factos relativos às condições económico-sociais dos arguidos resultam dos respetivos relatórios sociais constantes dos autos, enquanto os respetivos antecedentes criminais resultam dos CRC’s juntos aos autos. Nesta parte, relativamente ao arguido DD foi ainda valorado o depoimento da testemunha MM, que foi patrão daquele durante cerca de 6 meses. Descreveu aquele como um bom trabalhador, solícito, tendo ainda referido que se este sair em liberdade lhe dá emprego. Foi ainda inquirida NN, irmã do arguido, que o descreveu como protetor das irmãs e da mãe, tendo referido que quando aquele foi libertado da prisão preventiva que cumpriu mudou muito, e que quer “mudar de vida”. Assim, o depoimento das referidas testemunhas foi ainda valorado, a par do respetivo relatório social, para prova dos factos referentes à contestação do arguido. Quanto ao arguido EE, foi inquirida a testemunha GG, padrinho daquele, que se referiu àquele como “bom rapaz”, e que está atualmente a frequentar um Curso técnico de mecânica; bem como OO, que referiu que frequenta a casa do arguido e dos pais, nunca tendo assistido a desacatos, descrevendo-os como pessoas disponíveis. A respeito do arguido AA, foram inquiridas as testemunhas PP, que o descreveu como pessoa correta e educada, tendo lidado com este nos seguros e pagamentos; por sua vez, a testemunha QQ referiu conhecer o arguido desde criança, pelo facto de os pais serem clientes da sua oficina automóvel, descrevendo a família como bons clientes, que não causam desacatos. Referiu ainda que aquele até à reclusão estava a trabalhar.
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A prova do facto referente à postura processual dos arguidos resultou da atitude e postura, em audiência de julgamento, demonstrada pelos arguidos AA e DD, os quais se afirmaram arrependidos dos atos praticados e pediram desculpas aos ofendidos BB e CC perante o Tribunal.
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Não se respondeu à restante matéria por ser irrelevante, conclusiva ou respeitar a matéria de direito”. 2. Sob a epígrafe “Enquadramento jurídico-penal” foram vertidas no acórdão recorrido as seguintes considerações: “(…) Ora, percorrida a matéria assente, constata-se que se encontram preenchidos os citados elementos objetivos do crime de roubo, de subtração de coisa móvel alheia através de violência exercida sobre uma pessoa e de ameaça com perigo iminente para a integridade física. Com efeito, os arguidos agrediram o ofendido BB com murros na cara e na cabeça, e ainda provocaram danos com paus e pedras no veículo em que aquele e a ofendida CC seguiam a fim de lhes subtraírem dois telemóveis, e uma carteira, tudo no valor global de € 1.904,99, causando ainda danos na viatura daqueles no valor de € 2.287,46. Usaram, pois, os arguidos da violência como meio de se apropriarem dos bens pertencentes aos ofendidos. Relativamente à circunstância agravante do transporte da coisa em veículo, também não restam quaisquer dúvidas de que os objetos retirados aos ofendidos BB e CC, dois telemóveis e uma carteira, eram por si transportados no veículo em que seguiam, encontrando-se todos os objetos referidos no seu interior, concretamente: o telemóvel ... no tablier, a carteira junto à alavanca das velocidades e o telemóvel ... junto ao volante. Pelo que é manifesto e linear o preenchimento da circunstância qualificativa prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º, na senda da jurisprudência supra mencionada.
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Por outro lado, os arguidos utilizaram ainda diversas pedras e um pau, com os quais danificaram a viatura dos ofendidos, sendo imputada aos arguidos a este respeito a circunstância qualificativa de utilização de arma aparente ou oculta. Contudo, cremos que a utilização de tais objetos, no caso dos autos, não preenche a circunstância qualificativa prevista no art. 204.º, n.º 2, al. f), porquanto a utilização das referidas pedras e do pau foi feita para causar danos na viatura dos ofendidos, e não diretamente sobre estes. Com efeito, o que resulta da matéria assente é que os arguidos utilizaram as pedras e o pau como forma de partir os vidros da viatura em que seguiam os ofendidos, mas não sobre a pessoa destes, sendo que o ofendido BB foi agredido pelos arguidos com murros na cara e na cabeça, mas não com aquelas pedras e pau. Ora, quer isto dizer que tais objetos não foram utilizados como arma de agressão, não preenchendo assim o conceito de arma previsto no artigo 4.º do DL 48/95, de 15/03. Assim, não cremos que a sua utilização se enquadre no conceito de arma aparente ou oculta previsto no artigo 204.º, n.º 2, al. f). Permanece, assim, apenas preenchida a circunstância qualificativa do roubo imputada aos arguidos e prevista no artigo 204.º, n.º 1, al. b), não se verificando a prevista no mesmo artigo mas no n.º 2, al. f).
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Por outro lado, atento o valor total dos objetos pertencentes aos ofendidos (no montante de € 1.904.99) de que os arguidos se apoderaram, este excede largamente a unidade de conta, pelo que não há lugar à sua desqualificação nos termos do art. 204.º, n.º 4 do Código Penal. Assim, no caso, atentos os factos provados, dúvidas não subsistem, portanto, de que o tipo objetivo de ilícito se encontra preenchido. Mais ficou provado que os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punível pela lei penal. Por outro lado, a conduta dos arguidos também é ilícita, porque contrária à ordem jurídica, e culposa, já que nas concretas circunstâncias em que os arguidos estavam inseridos era-lhes exigível a adoção de outra conduta possível e não lesiva dos bens jurídicos tutelados por este tipo de crime, merecendo, nessa medida, a emissão de um juízo de censura penal. Inexistem, ainda, quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação.
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Da co-autoria: Relativamente à atuação dos arguidos, que lhes é imputada a título de co-autoria, cumpre analisar esta forma de atuação. (…) Ora, no caso dos autos, constata-se que os três arguidos atuaram em co-autoria, atenta a participação ativa de todos eles nos factos por si praticados, nos moldes apreciados. Com efeito, mesmo o arguido EE, não obstante não se ter feito transportar na viatura dos arguidos AA e DD, dirigiu-se ao local onde estes se encontravam apeado e aderiu ao respetivo plano, tomando parte ativa no mesmo, posto que também atingiu a viatura dos ofendidos com um pau e arremessou pedras para a mesma. Pelo que, aplicando os supra referidos ensinamentos ao caso concreto, os factos provados revelam que todos os arguidos aceitaram participar ativa, direta, conjunta e concertadamente, tiveram intervenção relevante, material, direta, imediata e necessária nas ações levadas a cabo, e conheciam os contornos das ações, tendo, por isso, o domínio funcional da sua colaboração para o facto. Tal atuação, integrando-se diretamente e com relevância imediata no conjunto da ação, integra, a nosso ver, a noção de coautoria como parte direta na execução do facto - artigo 26.º do Código Penal, quanto aos três arguidos.
3. Sob a epígrafe “Das consequências jurídicas do crime” foram vertidas no acórdão recorrido as seguintes considerações: “(…) Em termos abstratos, o crime de roubo, quando cometido nos termos qualificados do n.º 2, é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos. (…) Da atenuação especial da pena: (…) Voltando ao caso concreto, o que resulta dos factos é que a família do arguido ressarciu os ofendidos dos danos causados pelos arguidos. Contudo, não se verifica sequer uma confissão integral e sem reservas dos factos pelo arguido DD, nem este sequer admitiu que se tenha apoderado dos bens pertencentes aos ofendidos, conforme das declarações prestadas pelo mesmo, e supra devidamente escalpelizadas, resulta. Ora, por tal motivo, não pode considerar-se, em caso algum, estarmos perante um arrependimento sincero do agente que permita o recurso à atenuação especial da pena, pois que não obstante a reparação dos danos ter ocorrido, tal não é condição sine qua non para uma aplicação automática da referida atenuação especial. Com efeito, o arguido não confessou integralmente e sem reservas os factos, nem confessou sequer ter atingido os vidros da viatura dos ofendidos com pedras, pelo que a sua conduta está longe de revestir uma confissão e, muito menos, um arrependimento sincero para efeitos do mencionado artigo 72.º. Assim, face à factualidade provada acima sintetizada, é claro que não se coloca a possibilidade de aplicação de qualquer das alíneas a), b) e d) do n.º 2 do artigo 72.º do Cód. Penal. E também não será caso de aplicação da alínea c) do mesmo número porque a confissão integral e sem reservas (que, no caso, nem sequer ocorreram) e a admissão do móbil da conduta são insuscetíveis, sem mais, de consubstanciarem o arrependimento sincero, traduzido, especialmente, na reparação, dentro do possível, dos danos causados, o que, in casu, não ficou demonstrado. Em suma, não se verifica o pressuposto de aplicação da atenuação especial da pena prevista no artigo 72.º do Cód. Penal quanto a nenhum dos arguidos nestes autos.
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Da aplicação do regime especial para jovens: (…) No caso dos autos, apenas quanto ao arguido EE (nascido a ../../2008, pelo que tinha 16 anos à data da prática dos factos), pode ser equacionada a aplicação do regime em causa, posto que o arguido DD havia já completado 21 anos de idade a 24/06/2024. (…) No caso dos autos, resulta dos factos provados que o arguido EMP02... não regista quaisquer antecedentes criminais. Estamos, no caso sub judice, perante o cometimento de dois crimes de roubo qualificado, cujas necessidades de prevenção geral são prementes, desde logo pela razoável frequência com que são praticados em todo o País e porque este tipo de crime que causa forte alarme e sentimentos de insegurança na comunidade. A gravidade das infrações praticadas e a dimensão da culpa e da ilicitude, evidenciadas no caso vertente, justificam a conclusão de que uma atenuação especial induzida de forma automática pela idade não se compagina com as exigências da sociedade perante infrações que contendem com valores nucleares. É certo que não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido, no entanto, sopesando a personalidade desviante revelada pelo mesmo, a censurável e perversa falta de crítica em relação aos atos praticados, as circunstâncias em que os atos foram praticados, a gravidade dos mesmos e as suas consequências para os ofendidos, concluímos que não se verifica qualquer fundamento para supor que uma atenuação especial da pena seria propulsora ou beneficiaria a reinserção social do mesmo, pelo que inexiste justificação para que aquele beneficie do dito regime. Acresce não se poder valorar a favor do arguido nem um genuíno arrependimento, nem uma confissão integral e sem reservas, porquanto tal não foi manifestado em julgamento. Para além disso, as condições sociais do arguido também não abonam a seu favor, sendo que da factualidade assente a respeito daquele decorre tratar-se de um aluno com um comportamento instável e pouco adequado no contexto de sala de aula e espaço escolar, que apresenta elevado absentismo injustificado e comportamentos de desobediência para com os professores, o que sustentou a sua sinalização à CPCJ. Na verdade, no nosso entender não é possível formular uma previsão minimamente consistente de que a atenuação especial da pena de prisão a aplicar possa contribuir para o afastamento do arguido de posteriores e idênticas práticas delituosas, tanto mais que apresenta fragilidades a nível pessoal e familiar que poderão determinar a que reincida na prática do crime. Deste modo, mostra-se justificada a ponderação dessa pena concreta de prisão à luz da moldura abstrata prevista para o crime de roubo qualificado, sem fazer operar a atenuação especial de pena decorrente do artigo 4.º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, o que se decide.
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DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA (…) Há assim que ponderar os seguintes factos: Contra os arguidos depõem: - A intensidade do dolo dos arguidos: que reveste a forma de dolo direto, de acordo com o art. 14.º, n.º1 do Cód. Penal, constituindo o grau máximo de censura da conduta por si adotada. - As exigências de prevenção geral são muitíssimo elevadas quanto ao crime de roubo. Na verdade, em casos de criminalidade violenta como é o caso dos autos, e em face do crescente aumento do sentimento de insegurança que se vai generalizando – designadamente nesta Comarca de Braga, onde, com persistência, se vêm sucedendo atos semelhantes aos do presente feito crime - torna-se necessária a aplicação de uma pena mais elevada para, por um lado, manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumentos de tutela de bens jurídicos e, por outro lado, intimidar a generalidade das pessoas para que não cometam factos semelhantes. - Os motivos que estiveram na determinação dos crimes estão na incapacidade dos arguidos em respeitar o património alheio, não tendo receio de afetar a liberdade de ação (e decisão) e a integridade física e psíquica de pessoas para levar a cabo os seus intentos. - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime – comportamento egoístico e socialmente desajustado. - Os arguidos atuaram de forma conjunta, e no período noturno, revelando a sua atuação extrema violência, o que agrava a ilicitude da sua conduta e coloca o seu grau de culpa num patamar elevado quanto aos arguidos DD e AA, e médio quanto ao arguido EE. - As consequências dos factos assumem gravidade, atendendo, por um lado, às lesões físicas sofridas pelo ofendido BB (que lhe demandaram 8 dias para a cura), por outro, ao sofrimento psicológico que as condutas como as dos arguidos provocam nas vítimas e, por fim, à natureza, caraterísticas e valor dos objetos subtraídos (no montante de € 1.904.99). Devendo ainda valorar-se que os arguidos causaram danos na viatura dos ofendidos no valor de € 2.287,46 e utilizaram pedras e um pau para causar os referidos danos. - O alarme social é elevado. - Os arguidos DD e AA estiveram em situação de prisão preventiva até Março de 2024 e, escassos meses após a sua libertação, voltaram a ter comportamentos desconformes à lei e ao Direito. - O arguido AA, desde que recluído, foi colocado a trabalhar como faxina de pavilhão, mas desistiu da atividade laboral. O arguido não mostra consciência da necessidade de alterar as suas rotinas e contexto de convivência social de risco. - O arguido DD, antes da reclusão, enveredou por um percurso de convívio de pares, frequentemente em contextos de convívio em estabelecimento comerciais noturnos, e com consumos de estupefacientes e álcool. Iniciou o consumo de estupefacientes durante a frequência do 5º ano de escolaridade, aos doze anos de idade, consumo que foi acentuando ao longo do seu processo de socialização, e adquirindo também hábitos de consumo de álcool em excesso em contextos de convívio com pares e, ultimamente, também em cafés. O arguido considera desnecessário o tratamento às suas dependências. - O arguido EE é um aluno com um comportamento instável e pouco adequado no contexto de sala de aula e espaço escolar, perturbando o normal funcionamento das aulas, das quais se ausenta sem regra. Apresenta elevado absentismo escolar injustificado e comportamentos de desobediência para com os professores, motivos que sustentaram a sinalização à CPCJ ... em Janeiro de 2025, que se encontra em fase de avaliação diagnóstica. - O arguido EE manifesta dificuldade em refletir e compreender a ilicitude de comportamentos similares aos dos autos, legitimando os mesmos face à conduta prévia do ofendido.
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A favor dos arguidos depõem: - O facto de os arguidos AA e DD terem confessado parte dos factos que lhe eram imputados e demonstrado algum arrependimento, tendo efetuado um pedido de desculpas aos ofendidos em audiência. - Os arguidos ressarciram os ofendidos dos danos causados. - O passado criminal dos arguidos, anterior e posterior aos factos em análise nos presentes autos: não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos AA e EE; o arguido DD possui uma condenação anterior, embora por crime de condução sem habilitação legal. - Em reclusão, o arguido AA apresenta uma postura educada e tem revelado atitude de acomodação ao normativo institucional. Beneficia de retaguarda da companheira, HH, e dos familiares de origem, que o visitam com regularidade. - O arguido DD terminou o 12º ano pela via profissionalizante e estava empregado até à sua reclusão. Mantinha um relacionamento afetivo, encontrando-se a namorada profissionalmente ativa. Durante a reclusão, continua a beneficiar de apoio familiar. - O arguido EE frequenta atualmente um curso de Educação e Formação Tipo 3, de Mecânico de Automóveis Ligeiros, na Escola Profissional .... Vive com os pais, em meio conotado com vulnerabilidades sociais, mas continua a dispor do apoio e suporte parental.
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Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido AA, pela prática de: - um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa do ofendido BB, da pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão. - um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa da ofendida CC, da pena de 4 (quatro) anos de prisão.
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Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido DD, pela prática de: - um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa do ofendido BB, da pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão. - um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa da ofendida CC, da pena de 4 (quatro) anos de prisão.
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Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido EE, pela prática de: - um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa do ofendido BB, da pena de 4 (quatro) anos de prisão. - um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa da ofendida CC, da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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DO CÚMULO JURÍDICO DAS PENAS DE PRISÃO APLICADAS AOS ARGUIDOS: Apuradas as penas de prisão parcelares aplicáveis aos crimes praticados pelos arguidos, cumpre agora efetuar o cúmulo jurídico, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 77.º do Cód. Penal. Assim, nos termos do seu n.º 2, no caso concreto, a moldura penal a aplicar aos arguidos AA e DD passa a ter como limite mínimo 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, e como limite máximo 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão. Por sua vez, a moldura penal a aplicar ao arguido EE passa a ter como limite mínimo 4 (quatro) anos de prisão, e como limite máximo 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. Cumpre assim operar o respetivo cúmulo jurídico das penas parcelares, tendo em consideração a personalidade do agente, designadamente os elementos já atrás aduzidos, e pesando, por um lado, o a gravidade dos crimes praticados pelos arguidos, sem prejuízo dos demais elementos já supra detalhados acerca dos mesmos. Assim, cabe atender à ausência de antecedentes criminais dos arguidos (com exceção do arguido DD, que regista um antecedente criminal, mas por crime de natureza diversa). Não obstante, não pode olvidar-se a gravidade e a violência dos crimes de roubo praticados pelos arguidos, em número de dois, bem como o facto de estes terem sido praticados cerca de três meses após terem sido colocados em liberdade depois de terem cumprido medida de coação de prisão preventiva (isto quanto aos arguidos DD e AA). Ainda assim, como circunstância atenuante cumpre recordar a confissão parcial dos arguidos DD e AA em audiência, e o facto de terem ressarcido os ofendidos. Pelo exposto, sopesando todos os elementos referidos, bem como os já supra mencionados, decide-se aplicar aos arguidos AA e DD uma pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão. Sopesando todos os elementos referidos bem como os já supra mencionados, decide-se aplicar ao arguido EE uma pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
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Uma vez que a pena única de prisão concretamente aplicada aos arguidos AA e DD ultrapassa o limite temporal de 5 (cinco) anos, está legalmente arredada qualquer hipótese de suspensão da sua execução (cf. artigo 50.º do Código Penal).
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Suspensão da execução da pena de prisão: Cumpre agora apreciar de que forma deverá esta pena de prisão ser executada pelo arguido EE. Ora, a respeito do arguido EE, verifica-se que o mesmo não tem quaisquer antecedentes criminais, pelo que nunca lhe foi aplicada qualquer pena suspensa na sua execução. Acresce que o arguido está integrado social e familiarmente e é estudante. Ora, atenta a concreta gravidade dos factos em causa nestes autos e a intervenção do arguido nos mesmos, tendo em conta a sua muito jovem idade, uma vez que tem apenas 17 anos de idade, depreende-se que a sua conduta não é de molde a impedir a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, tendo em conta que nunca lhe foi aplicada pena de tal natureza. Assim, entende-se que a gravidade dos factos ainda permite a realização de um juízo de prognose favorável ao arguido EE, tendo em conta o seu comportamento à data dos factos e posterior à prática do crime. Pelo que, tudo ponderado, o conjunto dos factos mencionados consubstanciam circunstâncias que atenuam fortemente as necessidades de prevenção geral e especial aqui reclamadas, fazendo-nos supor, em sede de prevenção especial, que a censura do facto e a mera ameaça da prisão ainda realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. Assim sendo, impõe-se uma suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido EE, pelo período de 5 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, ao abrigo do art. 50.º, n.º 5 do Cód. Penal, justificando-se a suspensão da pena em medida superior à da pena aplicada em virtude da juventude do arguido e da gravidade dos factos por si praticados.
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Dispõe o n.º 2 do art. 50.º do CP que o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, sendo que, segundo o n.º 3, os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. O art. 53.º, n.º 1, do CP, por sua vez, define que “O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade”. No caso dos autos, acresce ainda que, nos termos do artigo 53.º, n.º 3, atenta a idade do arguido à data dos factos, a aplicação do regime de prova é obrigatória. O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social (cfr. artigo 53.º, n.º 2 do CP). O concreto plano a que o arguido será sujeito será elaborado, após trânsito desta decisão, pelos serviços de Reinserção Social (art. 494.º do CPP). No essencial, visa-se, com tal decisão, que o arguido seja confrontado com os factos praticados e, de futuro, deixe de praticar factos violadores de bens jurídicos. Nestes termos, importará que o arguido EE demonstre estar ocupados no seu dia-a-dia semanal, se possível, a nível laboral ou, porventura, em outras atividades (ainda que familiares). O art. 52.º, n.º 1, do CP prevê a fixação de regras de conduta de conteúdo positivo, suscetíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, como seja, frequentar certos programas ou atividades (al. b)), e cumprir determinadas obrigações (al. c)), mas também, segundo o n.º 2, pode, complementarmente, impor-se ao condenado o cumprimento de outras regras de conduta, como seja, (b) não frequentar certos meios ou lugares e (d) não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas. O n.º 3 do art. 54.º do CP, estabelece que o Tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado. Assim, em conformidade o Tribunal imporá ao arguido EE, tendo em vista o rigoroso cumprimento do plano de readaptação social e o aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do arguido, as seguintes obrigações (e durante o período de suspensão da pena): a) Responder a convocatórias do técnico de reinserção social; b) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, devendo estar inscrito, se for caso disso e salvo justificação em contrário, em centro de emprego e formação profissional e/ ou manter a frequência escolar; Julgamos que tal regime de prova, com as imposições das obrigações e regras de conduta citadas, se mostra adequado ao comportamento do arguido nos termos referidos sancionado nestes autos e às exigências de prevenção que se fazem sentir. Entendemos estar perante deveres e obrigações cujo cumprimento é perfeitamente adequado e proporcional (art. 51.º, n.º 2, do CP). O arguido deve ter consciência de que, para além do mais, o incumprimento das obrigações, regras de conduta impostas, bem como do plano de reinserção social, é causa de revogação da suspensão da pena de prisão, o que determinará o cumprimento efetivo da referida pena (cfr. art. 56.º do CP)”.
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Apreciação dos Recursos
Nos termos do estatuído no art. 368.º aplicável ex vi art. 424.º n.º 2 do C.P.Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer em primeiro lugar das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Nessa medida, independentemente da sequência pela qual os recorrentes suscitam as questões, na sua apreciação o tribunal de recurso deve seguir uma ordem de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação às outras, tendo por referência a ordem indicada na disposição legal citada.
Assim sendo, será de começar pelas questões que podem determinar a anulação do julgamento e eventual reenvio (nulidades da decisão), seguidas daquelas que podem determinar a alteração da matéria de facto (erros de julgamento) e, finalmente, as questões de direito suscitadas.
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1.Inconstitucionalidade do nº 8 do art. 414º do C.P.Penal
O recorrente DD pretende que o seu recurso corra em processo autónomo, com vista a remetê-lo, de imediato, para o Supremo Tribunal de Justiça, com vista à sua apreciação e sustenta que: “esta norma do n.º 8 do artigo 414.º do C.P.P. é inconstitucional, por violação do artigo 13.º e 20.º da CRP, por fazer depender a chegada do recurso ao STJ da ação ou inação de outros sujeitos processuais” (conclusões 6ª e 12ª).
Alega, para o efeito, que recorreu apenas de direito, de um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que o condenou numa pena superior a 5 anos de prisão.
O recorrente DD foi condenado, mediante acórdão proferido pelo tribunal a quo: “d) Pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa do ofendido BB, na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão. e) Pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pessoa da ofendida CC, na pena de 4 (quatro) anos de prisão. 3. Em cúmulo jurídico das penas referidas em d) e e), condenar o arguido DD na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão”.
Tendo sido condenado numa pena superior a 5 anos de prisão e resultando da análise do recurso por si interposto que apenas recorre de direito, a competência material para conhecer do seu recurso pertenceria ao Supremo Tribunal de Justiça face ao disposto no art. 432º, nº 1, al. c) do C.P.Penal: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…) c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; (…)”.
Releva, para este efeito, a jurisprudência decorrente do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 5/2017, de 23 de junho (publicado no Diário da República n.º 120/2017, Série I de 2017-06-23, páginas 3170 – 3187), de cujo sumário consta o seguinte: “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.”
Todavia, foram interpostos outros recursos da mesma decisão que não versam apenas sobre matéria de direito, mas também sobre matéria de facto, pelo que a competência material para conhecer de todos os recursos, inclusive do recurso do arguido DD, pertence a este Tribunal da Relação de Guimarães, face ao disposto nos arts. 432º, nº 2 e 414º, nº 8 do C.P.Penal:
Artigo 432: “(…) 2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º”
Artigo 414.º: “(…) 8 - Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto.”
Resultar, ainda, do art. 434º do C.P.Penal, sob a epígrafe “Poderes de cognição”, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 432º.
Por sua vez, o art. 427º do C.P.Penal, sob a epígrafe “Recurso para a relação”, dispõe que “exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação.”.
A conjugação de tais preceitos legais demonstra que é inquestionável que a competência material para conhecer do recurso interposto pelo arguido DD pertence a este Tribunal da Relação de Guimarães e que é legalmente inadmissível organizar apenso autónomo e subsequente remessa ao Supremo Tribunal de Justiça para apreciar apenas o recurso por ele interposto.
E, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido desta forma (cfr., a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 05.03.2025, Proc. nº 3/21.1JELSB.L1.S1, mencionado pelo Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer: “Sempre que no mesmo recurso ou no caso de pluralidade de recursos, esteja em causa o conhecimento de questões de direito conexas com os factos, cuja decisão possa ter repercussão nos mesmos e não possam ser decididas pelo STJ apenas com recurso ao texto da decisão recorrida, não incumbe ao Supremo, mas sim ao tribunal da Relação o julgamento dos mesmos, por força do disposto nos arts. 414.º, n.º 8 e 428.º do CPP”).
Assim sendo, impõe-se concluir pela improcedência da propugnada separação do recurso do recorrente DD e subsequente remessa ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça para sua apreciação, por inadmissibilidade legal para o efeito. De facto, tal contenderia com violação expressa do disposto no art. 414º, nº 8 do C.P.Penal, cuja inconstitucionalidade é por si invocada, por violação do disposto nos arts. 13º e 20º da CRP, ao fazer depender a chegada do recurso ao STJ da ação ou inação de outros sujeitos processuais.
O recorrente concretiza que: “o artigo 414.º n.º 8 do Código Processo Penal, ao impor que o recurso de uma decisão proferida por um tribunal coletivo em pena de prisão superior a 5 anos de prisão seja julgado pelo Tribunal da Relação apenas porque um ou mais do que um arguido recorre da matéria de facto e/ou das penas até 5 anos, quando o arguido Recorrente condenado em prisão efetiva superior a 5 anos recorreu exclusivamente sobre a matéria de Direito para o Supremo Tribunal de Justiça é inconstitucional por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade (no acesso a um tribunal superior elegido pelo Recorrente), do acesso ao Direito e do processo justo e equitativo, da integridade pessoal e moral, da dignidade pessoal e proteção legal contra qualquer tipo de discriminação, das garantias de defesa e do direito ao recurso para o tribunal cuja competência e seleção está na lei e é efetuada pelo arguido Recorrente, ínsitos nos artigos 1.º, 18.º n.ºs 1 a 3, 20.º n.ºs 1 e 4, 25.º n.º 1, 26.º n.ºs 1 e 3, 32.º n.ºs 1, 2 e 9, todos da Constituição da República Portuguesa” (conclusão 15ª).
Encontrando-se o direito de recurso do recorrente assegurado, não se vislumbra de que forma o art. 414º, nº 8 do CP.Penal possa estar ferido de inconstitucionalidade, quando o seu direito do recurso não se encontra, por qualquer forma, limitado pelo mencionado preceito que apenas define o tribunal competente para apreciar os recursos quando, da mesma decisão, se recorre de facto e de direito.
Como bem se diz no sumário do Acórdão do STJ de 29.03.2012, Proc. nº 334/04.5IDPRT.P1.S1: “(…) V - A Lei 48/2007 modificou substancialmente os pressupostos e as condições dos recursos, em segundo grau, para o STJ “restringindo-os, como muito claramente se proclama na Proposta de Lei que está na sua origem. Esta restrição não se traduz, porém, em violação da garantia constitucional do direito ao recurso, consagrada no art. 32.°, n.º 1, da CRP. Com efeito, como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Anotada, I Vol., 418), o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva consagrado no art. 20.° da CRP «não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição». Mas a «dupla instância» em matéria penal além de expressamente consagrada no art. 14.°, n.º 5, do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos e no art. 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, está igualmente inscrita no art. 32.°, n. 1, da CRP. VI - A consagração do direito ao recurso, como uma das garantias de defesa, veio explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, isto é, o direito de o arguido ver a sua causa reapreciada por um tribunal superior. Quer dizer, a garantia constitucional do direito ao recurso, como uma das garantias de defesa consagradas no art. 32.°, n.º 1, da CRP, significa e impõe que o sistema processual penal preveja um modelo de impugnação das decisões que possibilite, de maneira efectiva, a reapreciação por uma instância superior das decisões condenatórias e das que afectem directa, imediata e substancialmente os direitos fundamentais do arguido, como por exemplo as que, por qualquer modo, restrinjam a sua liberdade. Mas o direito ao recurso, como garantia constitucional, postula apenas o duplo grau de jurisdição que não se confunde com o duplo grau de recurso.”
Acresce que uma alegada inconstitucionalidade não pode ser sustentada na argumentação de que “em matéria referente a medidas das penas e de filosofia jurídica, o STJ é um Tribunal mais ponderado, atento às questões jurídicas e humanas, justo e equilibrado” (conclusão 19ª) pois, a admitir-se tal argumentação, seria o mesmo que ferir de inconstitucionalidade qualquer norma legal determinante da competência de qualquer outro tribunal (por não se tratar do “mais alto tribunal em Portugal” – conclusão 18ª), o que não apresenta o mínimo sustento legal.
Em suma, improcede a advogada separação do recurso do recorrente DD e subsequente remessa ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça para sua apreciação, por inadmissibilidade legal para o efeito, em violação expressa do art. 414º, nº 8 do C.P.Penal, cuja pretendida inconstitucionalidade, pelos fundamentos ante expostos, não se reconhece.
Assim sendo, o recurso do arguido DD será conhecido por este Tribunal da Relação de Guimarães a par dos restantes.
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2. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º, nº 1 e 2, al. a) do C.P.Penal
O recorrente AA afirmou que “a sentença omitiu factos essenciais, plenamente demonstrados, que devem ser aditados à matéria de facto provada” (conclusão XVIII), pelo que considera que devem ser aditados os seguintes factos:
a) “AA se deslocou ao local motivado por um conflito verbal prévio com o ofendido BB, que alegadamente ofendera a sua mãe, e não com intenção patrimonial” (o que resulta das declarações do arguido) – conclusão XIX;
b) “AA não foi encontrado na posse dos objetos subtraídos” (o que resulta do depoimento do agente FF e se mostra confirmado pela ausência de qualquer apreensão) – conclusão XXII;
c) “nenhuma das vítimas identificou AA como autor da subtração, tendo ambas declarado não ter visto quem retirou os bens” (conclusão XXIII);
d) “os ofendidos foram integralmente ressarcidos dos danos sofridos, tendo declarado por escrito, em 17/12/2024 (doc. “2024-12-17-Declaração.docx”), não manter qualquer pretensão penal ou indemnizatória” (conclusão XXIV).
E, o recorrente EE alegou que: “Deveriam ter sido aditados aos factos provados elementos essenciais como: a idade do recorrente à data dos factos (16 anos), a sua inserção num agregado familiar em condições de vulnerabilidade social, a ausência de intervenção activa nos factos imputados, a sua fragilidade emocional e social, a inexistência de adesão ao plano dos co-arguidos e a existência de um prognóstico positivo de reintegração social, expressamente reconhecido pela DGRSP”.
Antes de mais, importa relembrar os pressupostos da impugnação da matéria de facto em sede de recurso.
Os poderes de cognição dos tribunais da relação abrangem a matéria de facto e a matéria de direito (art. 428º do C.P.Penal), podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (art. 410º, nº 1 do C.P.Penal).
Como é sobejamente sabido, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:
a) no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no mencionado art. 410º, nº 2 do C.P.Penal;
b) através da impugnação ampla da matéria de facto.
Estabelece o art.º 410º, nº 2 do C.P.Penal que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) O erro notório na apreciação da prova”.
Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e, uma vez demonstrada a existência desses vícios e a impossibilidade de se decidir a causa, o tribunal de recurso deve determinar o reenvio do processo para um novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio (art.º 426º, nº1 do C.P.Penal).
Estes vícios são de conhecimento oficioso, pois têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorrem do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo constantes do processo (neste sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17. ª ed., pág. 948). Mas, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127º do CPP. Pois o que releva “é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410º, nº 2 do C.P.Penal, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos” (Cfr. Acórdão do STJ de 2008.11.19, Proc. nº 3453/08-3 referido por Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 9.ª ed., 2020, pág. 76).
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A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja, quando os factos provados são insuficientes para poderem sustentar a decisão recorrida ou quando o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso.
Contudo, este vício decisório não se deve confundir com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento, nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do art. 127º do C.P.Penal, entendeu dar como provada. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido, Acórdão do TRL de 29.03.2011, Proc. nº 288/09.1GBMTJ.L1-5).
Está em causa a omissão de pronúncia aferida de acordo com o objeto do processo. Tal omissão ocorre quando o tribunal não aprecia toda a factualidade levada perante si.
Por tal motivo, a insuficiência em causa não se confunde com a omissão de diligências probatórias essenciais (art. 120º, nº 2, al. d) do C.P.Penal) ou necessárias (art. 340º do C.P.Penal) nem com o erro de julgamento na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Como refere Sérgio Poças[1]: “num discurso argumentativo, encorpado e completo, mas ao mesmo tempo simples e claro, o recorrente deve procurar convencer o tribunal de recurso que faltam factos (identificando-os) necessários (fundamentando esta necessidade, nomeadamente invocando as normas jurídicas pertinentes) para a decisão e que não foi levada a cabo indagação a respeito deles, quando (fundamentando) podia e devia ser feita”. Acrescenta que, invocando tal vício, critica-se “o tribunal por não ter indagado (e depois conhecido) os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de acordo com o objeto do processo”, enquanto que, no caso da insuficiência da prova “censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal; teriam sido dados como provados factos sem prova para tal. Com é evidente, esta segunda questão tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3, com a reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, que hão-de ser inequivocamente visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas, como se sabe. Como também nada tem a ver com o vício da insuficiência que analisamos, como erroneamente por vezes se vê nomeado, quando o recorrente enumera uma série de factos que foram dados como não provados e que na sua perspectiva deviam ser dados como provados (há insuficiência de factos provados, alega). Parece clara a confusão: verdadeiramente, o que o recorrente não aceita é a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal”.
Acrescenta que “sob a ilícita protecção do vício da insuficiência … nunca pode surgir a criação de um processo novo, um remédio para uma acusação inepta, por exemplo. Explicitando: a mais ampla e possível indagação da matéria de facto (sem prejuízo das situações contempladas nos artigos 358.º e 359.º) tem de ser sempre no respeito da estrutura acusatória do processo, sempre no objecto do processo. Do que se trata é de indagar e conhecer de toda a matéria necessária àquele processo, com um determinado objecto, para uma decisão justa e não um outro processo. Concluindo: o recorrente quando alega este vício não pode pretender a subversão do processo; não pode querer outro julgamento de um outro processo”.
Analisado o texto do acórdão recorrido, temos que concluir que os factos provados (com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, em conformidade com o disposto no art. 374º, nº 2 do C.P.Penal) permitem o proferimento da decisão de direito, não resultando dos mesmos a existência de qualquer dúvida que beneficie os recorrentes.
Com efeito, resultou provado que os arguidos AA e DD, quando avistaram o veículo do ofendido, decidiram fazer seus os objetos e/ou valores que os ocupantes trouxessem consigo, ainda que, se necessário, com recurso a violência física, tendo o arguido EE aderido a tal plano, previamente delineado por aqueles; para alcançar tal objetivo, os três arguidos rodearam o veículo e arremessaram pedras (tendo o EE desferido, igualmente, pancadas com um pau) nos vidros, traseiro e laterais do veículo, partindo-os; os arguidos AA e DD agrediram fisicamente o ofendido e um deles disse-lhe: “Dá-me tudo o que tens!” e os arguidos AA e DD retiraram do interior do veículo automóvel dois telemóveis e uma carteira, tendo os três arguidos se ausentado do local, levando com eles tais objetos que integraram nos respetivos patrimónios.
Mais resultou provado que os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei; com o propósito concretizado de ofenderem o corpo e a saúde do ofendido BB e de causarem estragos no veículo automóvel, que bem sabiam não lhes pertencer e que agiam contra a vontade do legítimo proprietário, conscientes de que a violência da sua ação intimidava e atemorizava os ofendidos BB e CC, a quem, no interior do veículo e impossibilitados de reagir, causavam receio pela sua integridade física e vida, para, dessa forma, conseguirem subtrair-lhes os objetos que estes trouxessem consigo, como conseguiram, fazendo-os seus, bem sabendo que tais objetos não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade dos respetivos proprietários e em prejuízo destes e com o propósito concretizado de utilizarem as pedras e o pau por si recolhidos como meio de agressão.
A motivação da matéria de facto provada demonstra que o tribunal a quo analisou criticamente as declarações dos arguidos que “convenceram o Tribunal apenas na parte em que se mostraram consonantes com a matéria de facto dada como provada, pois que, nesse âmbito, foram providas de indiscutível razão de ciência, mostraram-se firmes e seguras, além de coerentes com prova produzida que o Tribunal considerou credível”, pois “na parte em que as declarações dos arguidos foram em sentido diverso da matéria de facto dada como provada, elas em nada convenceram o Tribunal” que considerou que “nessa sede, se mostraram totalmente parciais e interessadas no resultado do presente feito crime” e que “foram contrariadas pelas regras da experiência comum e por outra prova que o Tribunal considerou credível”.
Acrescentou que “quanto aos demais factos, porque díspares entre si (sublinhamos, a título de exemplo, que enquanto o arguido AA admitiu ter atirado pedras para os vidros da viatura, o arguido DD negou tê-lo feito) e não sustentados por corroborações periféricas indubitavelmente válidas e frontalmente contrariados por prova clara em sentido diferente (isto é, em sentido convergente com o que se deu por provado), não foram as declarações dos arguidos consideradas pelo Tribunal”.
Em contrapartida, o tribunal a quo considerou que os ofendidos depuseram “de forma objetiva, isenta e credível” e, afirmou, de forma transparente, que conjugou as declarações dos mesmos com os depoimentos dos agentes policiais e com a demais prova constante dos autos, nomeadamente, a prova por reconhecimento (fotográfico e pessoal), o relatório pericial de avaliação de dano corporal, auto de apreensão, auto de visionamento, registos clínicos e declarações assinadas pelos ofendidos de fls. 641 e 642.
Com base na concatenação dos meios de prova mencionados na fundamentação, o tribunal recorrido considerou provados os factos, para além de qualquer dúvida razoável sobre qualquer deles, e não teve dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos.
Por conseguinte, nenhum dos argumentos invocados pelos recorrentes AA e EE se subsume a este concreto vício, confundindo a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, com a insuficiência da prova para a comprovação dos factos.
Concretizando.
Os recorrentes AA e EE censuram a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal a quo quando o primeiro defende que deve ser atribuída credibilidade às suas declarações e que, com tal fundamento, deve ser considerada como provada uma motivação (relacionada com um alegado conflito verbal) contrária à motivação constante dos pontos 4 e 26 da matéria de facto dada como provada, e quando o segundo sustenta que deveria constar da matéria de facto provada que não aderiu ao plano dos coarguidos, nem teve intervenção ativa nos factos imputados, em oposição ao teor dos pontos 4, 25 e 26 da matéria de facto dada como provada.
Também se reconduz à apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal a quo a pretensão do recorrente EE ver a sua idade aditada à matéria de facto dada como provada, na medida em que a sua idade foi ponderada por esse tribunal, nomeadamente, quando equacionou a aplicação do regime especial para jovens.
Todavia, não a fez constar da matéria de facto dada como provada, nem mencionou o assento de nascimento no elenco dos elementos de prova a que atendeu na formação da sua convicção, o que se reconduz à impugnação ampla da matéria de facto por implicar a ponderação de um meio de prova (documento autêntico constante dos autos) não mencionado pelo tribunal a quo na fundamentação da matéria de facto.
Também se reconduz à apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal a quo a pretensão do recorrente AA ver aditada à matéria de facto provada que nenhum dos ofendidos o identificou como auto da subtração, pois tal contraria o teor do ponto 17 da matéria de facto prova e mostra-se sustentado nas declarações dos ofendidos, conjugadas “com os depoimentos dos agentes policiais e ainda com a demais prova constante dos autos”.
Por outro lado, a circunstância de não ter sido encontrado na posse do arguido AA nenhum dos objetos subtraídos é manifestamente irrelevante face ao teor do ponto 19 da matéria de facto dada como provada, do qual consta que os três arguidos levaram consigo os dois telemóveis e a carteira dos ofendidos que os arguidos AA e DD haviam retirado do interior do veículo automóvel onde aqueles se encontravam, tendo o arguido AA escondido tais objetos junto a um poste de iluminação, situado à saída do acampamento.
Por fim, o facto de os ofendidos terem sido integralmente ressarcidos dos danos sofridos consta do ponto 78 da matéria de facto dada como provada e as condições de vida do recorrente EMP02... já constam dos pontos 62 a 75 dos factos provados.
Resulta do exposto que os factos provados permitem o proferimento da decisão de direito, do que concluímos pela inexistência do invocado vício decisório.
Improcede, pois, a arguição de nulidade.
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3. Erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, al. c) do C.P.Penal
Os recorrentes AA e EE invocaram também o erro notório na apreciação da prova porquanto consideram que foram dados como provados os factos constantes dos pontos 6, 7, 9 e 10, os quais, na sua perspetiva, não se mostram sustentados na prova produzida (conclusões XXVI e XI respetivamente).
O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. pág. 341).
Este vício distingue-se, assim, do erro de julgamento da matéria de facto pois que este último apenas é percetível através da análise da prova produzida.
Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou, ou não provou, ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 9ª ed., pág. 81). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício.
Quanto a este vício – erro notório na apreciação da prova – importa referir que o tribunal decide, salvo no caso de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção.
O art. 127º do C.P.Penal dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminados de valor a atribuir à prova (salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial) e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre convicção da prova e na sua convicção pessoal.
No entanto, tal não significa apreciação arbitrária ou valoração puramente subjetiva da prova, mas antes apreciação motivada de acordo com critérios lógicos e objetivos em função da razoabilidade e das regras da experiência comum.
Por conseguinte, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria decisão, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.
No entanto, o que, na realidade, os recorrentes não aceitam é a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal, pretendendo, com esta invocação, questionar a apreciação que o tribunal fez dos elementos probatórios perante si produzidos.
O recorrente AA sustenta uma particular visão do evento que deverá prevalecer, por referência às suas declarações, aos depoimentos dos ofendidos e do Agente FF, e o recorrente EE invoca ter sido violado o princípio do in dubio pro reo.
Porém, a convicção do tribunal recorrido, para além de se mostrar congruente com a prova produzida (tal como enunciada na decisão recorrida), aferida segundo juízos de normalidade decorrentes das regras da experiência comum (e, portanto, com o princípio da livre apreciação da prova), é perfeitamente suportada pelo princípio in dubio pro reo.
No percurso de raciocínio para a fundamentação da matéria de facto, não se deparou com qualquer dúvida insanável sobre a verificação da factualidade dada como provada (nomeadamente quanto à intervenção do recorrente EE) atenta a motivação acima transcrita e as considerações expendidas sobre a consistência e plausibilidade dessa motivação, bem como, dos meios de prova que a sustentam.
O tribunal a quo explicou o processo lógico que conduziu à factualidade constante dos factos provados, apreciou concatenadamente os meios de prova, conjugou-os e estabeleceu correlações internas entre todos os meios de prova produzidos sendo certo que, na valoração conjunta dos elementos probatórios disponíveis, não encontramos qualquer erro de raciocínio, conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória, infração de regras de experiência comum ou das regras da apreciação da prova que nos imponha uma solução diferente da que consta da decisão da matéria de facto constante do acórdão recorrido.
No que respeita à fundamentação da factualidade que sustenta o preenchimento dos elementos subjetivos dos tipos de crime, o tribunal a quo fez constar da motivação que: ”os factos externos apurados, consubstanciados nas concretas atuações objetivas demonstradas, com base nos meios de prova referidos e nas regras de experiência, permitiram ao Tribunal, com consistência, presumir o facto interno e alcançar convicção positiva, sobre a evidente e direta intenção dos arguidos de atuarem das referidas formas nos moldes dados como provados. A prova do(s) elemento(s) subjetivo(s) é sempre indireta e deve ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum - o que sucedeu no caso em análise -, uma vez que a verificação de estados psíquicos não é passível, por norma, de demonstração direta. Daí que, não existindo confissão do próprio agente, apenas as regras da experiência e da lógica permitem associar determinadas ações a certos estados de espírito. No caso, os arguidos AA e DD confessaram parte dos factos em causa nestes autos, mostrando-se ambos cientes do teor das suas declarações, na parte respetiva. Ainda que assim não fosse, constata-se que a materialidade objetiva que se demonstrou não consente outra leitura senão a de que todos os arguidos, ao procederem nos termos em que o fizeram, agiram com vontade intencionalmente direcionada, de forma consciente e com pleno domínio de ciência a respeito do desvalor dos seus comportamentos. De facto, a vontade de realização dos factos queda como provada atento o manifesto e óbvio: os comportamentos levados a cabo pelos arguidos, deslocando-se conjuntamente, atuando de forma violenta sobre os ofendidos a fim de se apoderarem dos bens de valor que estes transportavam consigo na respetiva viatura - denunciam, de modo inequívoco, a intenção que os moveu - apropriação de bens/dinheiro que encontrassem na posse dos ofendidos, usando da violência para o efeito, conforme previamente acordado entre si. Naturalmente que a prova da atuação em conjunto dos arguidos resultou da envolvência e decorrência sequencial dos acontecimentos, ou seja, o papel ativo e distinto, mas concertado, que os arguidos tiveram, ponderado à luz das regras do senso comum e da normalidade das coisas. No que respeita à voluntariedade dessas condutas e à sua consciência da ilicitude, além do que se infere dos depoimentos das testemunhas acima identificadas, da postura que os arguidos tiveram em audiência de julgamento concluímos que têm capacidade de distinguir entre o bem e o mal e de se determinar de acordo com essa avaliação. A consciência da ilicitude resulta, desde logo, do facto de se tratar de uma conduta axiologicamente relevante, ou seja, qualquer pessoa sabe que não pode apropriar-se bens de terceiros e usar da força ou de violência para o fazer”.
Em conclusão, o tribunal a quo não se limitou a indicar os concretos meios de prova geradores do seu convencimento, revelou as razões pelas quais, apoiando-se nos depoimentos dos ofendidos, nos depoimentos dos agentes policiais e na “demais prova constante dos autos” (que identifica e analisa criticamente), adquiriu a convicção sobre a realidade dos factos tidos por provados (a existência de um plano previamente delineado pelo AA e pelo DD, ao qual aderiu o EE, de fazerem seus os objetos e/ou valores que os ofendidos trouxessem consigo, se necessário, com recurso à violência e a concretização desse mesmo plano através dos danos provocados no veículo em cujo interior aqueles se encontravam e da ofensa à integridade física do ofendido). Ora, tais razões mostram-se perfeitamente válidas e enquadradas em parâmetros de racionalidade decisória, não merecendo qualquer censura.
Na verdade, não se deteta na decisão recorrida uma irrazoabilidade patente a qualquer observador comum – não se podendo afirmar que o raciocínio do julgador se opõe à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum (sem análise das provas sobre as quais aquele se fundamenta e para as quais o recorrente sempre vai apelando).
Do texto da decisão recorrida não se deteta qualquer erro de raciocínio, conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória, ou sequer violadora das regras de apreciação da prova.
Resulta do alegado pelos recorrentes AA e EE que estes entendem que a prova foi mal apreciada e não concordam com o juízo probatório do tribunal a quo.Mas, tal constitui, como vimos, uma discordância face ao resultado da apreciação da prova. Nessa medida, já não nos movemos no âmbito do erro notório na apreciação da prova, que tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida (o que, no caso, como vimos, não se verifica), mas antes em contexto deimpugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do preceituado no art. 412º nº 3 e 4 do C.P.Penal.
Em suma, concluímos pela inexistência de erro notório na apreciação da prova, improcedendo, também nesta parte, o recurso em análise.
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4. Erro de julgamento quanto aos pontos 6, 7, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada
O recorrente AA defende que existe erro de julgamento quanto aos pontos 7, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada (conclusões III, IV, VIII e XII) e invoca, para o efeito, as suas declarações, as declarações dos ofendidos BB e CC e o depoimento do agente da PSP FF (conclusões XXVII a XXXI).
O recorrente EE considera que existe erro de julgamento quanto aos pontos 6, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada (conclusões II) que devem ser considerados não provados por força do princípio in dubio pro reo, pois as suas declarações em sede de inquérito, o teor do relatório social, as declarações dos ofendidos e da testemunha de defesa GG demonstram que não aderiu, de forma consciente, a qualquer plano delituoso (conclusões II e III).
O erro de julgamento (previsto no art. 412º, nº 3 do C.P.Penal) ocorre quando o tribunal recorrido considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em primeira instância e a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nº 3 e 4 do art. 412º do C.P.Penal.
Quando se pretenda a impugnação ampla da decisão de facto tem de cumprir o aludido ónus de tríplice especificação, impondo-se que o recorrente, nos termos do disposto no art. 412º, nº 3 do C.P.Penal, especifique: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.
A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados, a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida e a especificação das “provas que devem ser renovadas” implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, o que pressupõe a existência de um dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do C.P.Penal (no atual quadro legal a renovação, na Relação, da prova que foi produzida em1ª instância só é admitida se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artº 410º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo – artº 430º do C.P.Penal). “Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». Em síntese: para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens)” – cfr. Acórdão do TRL de 02.12.2020, Proc. nº 3606/15.0T9SNT.L1-5.
Se o recorrente assim proceder pode o tribunal de recurso reapreciar a prova produzida concretamente indicada e vir a modificar a decisão quanto à matéria de facto, nos termos do artº 431º, al. b) do C.P.Penal.
Como bem refere o Acórdão do TRL de 11.03.2021, Proc. nº 179/19.8JDLSB.L1-9 “embora este Tribunal da Relação tenha poderes de intromissão em aspetos fácticos (cfr. artº 428º e 431º, al. b) do C.P.Penal), não pode sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto. A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador «elementos intraduzíveis e subtis», tais como «a mímica e todo o aspecto exterior do depoente» e «as próprias reacções, por vezes quase imperceptíveis, do auditório» que vão agitando o espírito de quem julga (no mesmo sentido Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. III, pág. 211, para acrescentar depois, a págs. 271, que «existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percebidos, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores»). O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado». E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes. Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar”.
Por conseguinte, o recurso amplo da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento nem a reapreciação total dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação sobre a matéria impugnada, com base na audição ou análise das provas concretamente indicadas, sem prejuízo de o tribunal de recurso poder ouvir e visualizar outras passagens que não as indicadas (nº 6 do artº 412º do C.P.Penal), procurando indagar sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto impugnados que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Nessa medida, na reapreciação da prova há que articular os poderes de conhecimento do tribunal de recurso com os princípios relativos à produção e à valoração da prova no tribunal de 1.ª instância, especialmente com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do C.P.Penal (nos termos do qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente), e com princípio do in dubio pro reo (postulado do princípio da presunção de inocência – consagrado no art. 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa - que impõe a absolvição sempre que a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado e constitui um verdadeiro limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, regulando o procedimento do tribunal quando tenha dúvidas sobre a matéria de facto), princípios que valem também para o tribunal de recurso.
No entanto, nesse poder de fiscalização ou reapreciação o tribunal de recurso está condicionado pela ausência de imediação e de oralidade que acontece na grande maioria dos recursos em que tal questão é suscitada (pelo facto de não haver a produção direta da prova) e se realizam plenamente em 1ª instância onde o tribunal “viu e ouviu o arguido, as testemunhas e os peritos, apreciou o seu comportamento não verbal, formulou as perguntas que considerou pertinentes da forma que entendeu ser mais conveniente e confrontou essas pessoas com a prova pré-constituída indicada pelos sujeitos processuais, tudo faculdades que o tribunal da Relação, pelo menos quando não é requerida a renovação da prova, não pode não beneficiar.Por isso, e não por força do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal da 2ª instância não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes que tinha a 1ª instância, só podendo alterar o aí decidido se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida – alínea b) do n.º3 do artigo 412.º do C.P.P.” (Acórdão do TRL de 10.10.2007, Proc. nº 8428/2007-3).
Face ao exposto e tendo presentes estes princípios vejamos a impugnação de facto dos recorrentes.
O recorrente AA identificou os concretos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados: “7. Os arguidos AA e DD seguiram-no, como condutor e passageiro, respectivamente, do veículo ..-..-FO, vindo aquele a imobilizar o veículo imediatamente atrás do veículo do ofendido, e logo se apearam e dirigiram até ao mesmo. 9. Em acto contínuo, o arguido AA dirigiu-se até à porta do lugar do condutor, onde se encontrava o ofendido BB, e o arguido DD dirigiu-se até à porta dianteira direita, onde se encontrava a ofendida CC, tentando abri-las. 10. Em pânico, o ofendido BB trancou todas as portas do seu veículo automóvel, o que impossibilitou os arguidos de concretizarem a sua abertura”.
No entanto, o recorrente AA reporta-se a factualidade que não consta destes pontos de facto, pois refere que “no ponto 7, afirma-se que o arguido AA ordenou a paragem da viatura em que seguiam os ofendidos, obrigando-os a imobilizá-la e a sair … O ponto 9 da matéria de facto afirma que AA desferiu golpes com uma pedra na viatura e no corpo do ofendido BB … O ponto 10 afirma que AA retirou do interior do veículo os telemóveis e a carteira do ofendido BB” e indica as provas que impõem decisão diversa, por referência aos pontos de facto com o teor por si referido, e que, como resulta demonstrado, não corresponde ao teor de tais pontos de facto constantes do acórdão recorrido.
E, nas motivações do recurso também impugna os pontos 12 e 13 da matéria de facto dada como provada com um teor que não corresponde ao que consta dos factos dados como provados no acórdão recorrido (cfr. II 1.4 e II. 1.5).
No recurso interposto pelo recorrente EE verifica-se a mesma situação de desajustamento entre a redação dos factos indicados e aquela que efetivamente consta do acórdão recorrido.
Com efeito, o recorrente EE identificou os concretos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados: “6. Surpreendido e assustado com as movimentações dos arguidos, o ofendido pôs o veículo automóvel em funcionamento e conduziu-o por aquela mesma Rua ..., até que o imobilizou, por a dita rua não ter saída, junto à entrada do Acampamento .... 9. Em acto contínuo, o arguido AA dirigiu-se até à porta do lugar do condutor, onde se encontrava o ofendido BB, e o arguido DD dirigiu-se até à porta dianteira direita, onde se encontrava a ofendida CC, tentando abri-las. 10. Em pânico, o ofendido BB trancou todas as portas do seu veículo automóvel, o que impossibilitou os arguidos de concretizarem a sua abertura”.
Mas, afirma que os pontos 6, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada são “relativos à alegada participação activa do recorrente na agressão a BB, na existência de atuação concertada entre os três arguidos e na consciência da ilicitude da conduta por parte do EE” (conclusão II), quando nenhum deles se reporta à atuação do recorrente EE (veja-se que o ponto 6 quando menciona “arguidos” reporta-se ao AA e ao DD, atenta a sequência apresentada, pois surge após o ponto 5 no qual apenas estes estão referidos). E, os segmentos que refere nas motivações do recurso (cfr. ponto I 1.) não têm qualquer correspondência com o teor de tais pontos de facto constantes do acórdão recorrido, sendo certo que indica as provas que impõem decisão diversa, por referência aos pontos de facto com o teor por si referido, e que, como resulta demonstrado, também estes não correspondem ao teor de tais pontos de facto constantes do acórdão recorrido.
Face à forma inconsistente e indistinta como os recorrentes impugnam a matéria de facto, impõe-se concluir que não cumpriram com o ónus imposto no art. 412º, nº 3, alíneas a) e b) e nº 4 do C.P.Penal, pelo que os recursos não têm verdadeiramente por objeto a reapreciação da prova gravada e, consequentemente, não poderá este tribunal debruçar-se sobre tais questões.
A este propósito referem Simas Santos e Leal-Henriques[2] que “se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Embora o art. 417º, nº 3 do C.P.Penal disponha que “se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada”, tal prerrogativa destina-se apenas aos casos em que o recurso sofre de algumas daquelas enfermidades e não, como acontece no caso dos autos, em que a essa enfermidade atinge não só as conclusões, como também a própria motivação de ambos os recursos.
Neste sentido pronunciou-se o Tribunal Constitucional (cfr. Acórdão nº 259/2002 de 18.06.2002, in D.R., II Série, de 13.12.2002) ao referir que “quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº 3 do art. 412º do CPP, reside tanto na motivação como nas conclusões, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos”.
Ou seja, quando o vício referido resida não apenas nas conclusões, mas na própria motivação, a prolação de um despacho de aperfeiçoamento equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
A este respeito concluiu o Tribunal Constitucional (cfr. Acórdão nº 140/2004, de 10.03.2004, in D.R., II Série, de 17.04.2004) que não é inconstitucional a norma do art. 412º, nº 3, alínea b) e nº 4 quando interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne a matéria de facto, da especificação nele exigida, tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências.
Em suma, não tendo os recorrentes AA e EE, cumprido com o ónus imposto no art. 412º, nº 3 e nº 4 do C.P.Penal, atenta a forma incoerente e confusa (e não reportada aos indicados pontos da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido) como pretenderam impugnar a matéria de facto (o que se verificou tanto nas conclusões, como nas respetivas motivações), este tribunal não pode reexaminar amplamente a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido nos pontos 6, 7, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada.
No entanto, apesar de a idade do recorrente EE ter sido ponderada pelo tribunal a quo, quando equacionou a aplicação do regime especial para jovens, tal facto não consta da matéria de facto dada como provada.
Ora, face ao teor do assento de nascimento, junto aos autos em 13.08.2024 (Refª...61), do qual resulta que o recorrente EE nasceu em ../../2008, impõe-se alterar o ponto 8 da matéria de facto provada que passará a ter a seguinte redação: “8. Nesse momento e à entrada do Acampamento, encontravam-se vários indivíduos, entre os quais o arguido EE, nascido em ../../2008, que logo se abeirou do veículo do ofendido e, apercebendo-se do plano delineado pelo irmão, o arguido AA, e pelo arguido DD, àquele prontamente aderiu, aceitando-o nos seus precisos termos”.
Consigna-se que a alteração obedece ao disposto no art. 358º, nº 2 do C.P.Penal, na medida em que resulta do que foi alegado pelo recorrente EE, e é de todo irrelevante para a decisão da causa (como infra veremos, o tribunal a quo atendeu à idade do recorrente, nomeadamente em sede de ponderação do Regime Especial Aplicável a Jovens Delinquentes).
Assim sendo, com a alteração supra mencionada ao ponto 8 da matéria de facto dada como provada, foi possível formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos pontos 6, 7, 9 e 10 da matéria de facto provada, com base na conjugação da prova documental e testemunhal produzida e examinada em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos.
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5. Violação do princípio do in dubio pro reo
O recorrente AA invocou a violação do princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência (conclusão XXVI).
O recorrente EE invocou também a violação do princípio do in dubio pro reo uma vez que, na sua perspetiva, perante a incidência da prova, apenas resulta demonstrada “a sua presença no local dos factos, sem adesão consciente a qualquer plano delituoso, sem prática de actos de violência, ameaça ou subtração de bens” (conclusão III).
Desta forma, apelaram a esse princípio essencialmente como corolário da sua apreciação da prova, não tendo alegado ou demonstrado que o tribunal a quo se defrontou com dúvidas que resolveu contra eles ou demonstrou qualquer dúvida na formação da sua convicção.
Referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª edição revista, pág. 519) que “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.
Com efeito, este princípio (do in dubio pro reo) surge como resposta ao problema da incerteza da prova em processo penal e resume-se a uma regra de decisão: produzida a prova e efetuada a sua valoração, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida – razoável, insuperável, positiva, invencível – sobre a verificação ou não de determinado facto, deve o julgador decidir sempre a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
É um mecanismo de resolução dos estados de incerteza, na convicção do julgador, quanto à verificação dos factos integradores de um crime ou relevantes para a pena.
Pressupõe que a dúvida seja razoável e se mantenha insanável, mesmo depois de esgotado todo o iter probatório e feito o exame crítico de todas as provas. Resolve a dúvida, cominando-lhe como consequência a consideração dos factos como não provados e a consequente absolvição do arguido, ou, em qualquer caso, a decisão da matéria de facto, sempre, no sentido que mais favorecer o arguido.
Pelo que constitui um limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do C.P.Penal, na medida em que a dúvida que lhe subjaz, sendo insuperável, impõe-se com carácter vinculativo, impedindo o juiz de decidir uma parte do objeto do processo: precisamente, a que se refere aos factos incertos que sejam desfavoráveis ao arguido.
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido.
Tal princípio só teria sido violado se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar os arguidos com base naquela, o julgador tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor dos arguidos.
Ora, não é o caso.
Nem o tribunal a quo sentiu, na sua livre apreciação, qualquer dúvida positiva, racional, que o impedisse de formar a sua convicção, nem nós, nesta sede recursiva, ante o raciocínio lógico vertido para a decisão recorrida e sua fundamentação, divisamos uma tal dúvida inultrapassável.
O que sucede é que apenas existe prova direta:
- da movimentação das viaturas, nomeadamente da primeira abordagem dos arguidos AA e DD (cfr. auto de visionamento e declarações dos ofendidos);
-de que, encontrando-se os ofendidos no interior do veículo imobilizado à entrada do Acampamento, o arguido AA imobilizou o veículo que conduzia imediatamente atrás deste;
- o AA e o DD apearam-se e dirigiram-se ao mesmo;
- o arguido EE abeirou-se do veículo;
- os três arguidos arremessaram pedras contra o veículo em cujo interior se encontravam os ofendidos, com as portas trancadas (cfr. declarações dos arguidos AA e EE e dos ofendidos, autos de reconhecimento fotográfico e pessoal), e o arguido EE, munido com um pau, desferiu pancadas nos vidros (cfr. declarações do ofendido), partindo-os;
- os arguidos AA e DD agrediram o ofendido (cfr. declarações destes arguidos e do ofendido);
- o veículo dos ofendidos ficou danificado e com os vidros todos partidos (cfr. reportagem fotográfica);
- um dos arguidos DD ou AA ordenou ao ofendido “Dá-me tudo o que tens!” (cfr. declarações do ofendido);
- foram retirados do interior do veículo dois telemóveis e uma carteira, pertencentes aos ofendidos (cfr. declarações dos ofendidos);
- o arguido AA deixou algo junto a um poste de iluminação, onde mais tarde regressou para reaver o que tinha deixado (cfr. auto de visionamento).
No entanto, o juízo realizado quanto à adesão consciente do arguido EE ao plano delituoso previamente delineado pelos arguidos AA e DD resulta do recurso a prova indiciária ou indireta, por presunções.
Foi feita a leitura de prova circunstancial ou indireta, deduzindo um facto desconhecido a partir de um facto conhecido, através de presunções, como permitido pela conjugação do disposto no art. 125º do C.P.Penal, nos termos do qual são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, com o preceituado pelo art. 349º do C.Civil acerca da prova por presunções.
As presunções naturais, válidas também no processo penal, constituem um meio ou processo lógico de aquisição de factos, em que o juiz, valendo-se de um certo facto, e associando-o a um princípio empírico ou às regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto até então desconhecido.
No caso em apreço e nos termos expostos, o julgador justificou, racional e logicamente, a opção que fez quanto à valoração dos meios de prova e atribuiu-lhes relevo probatório de uma forma também racionalmente justificada, com observância das regras da experiência e da livre convicção, nos termos do art. 127º do C.P.Penal.
No percurso de raciocínio para a fundamentação da matéria de facto, não se deparou com qualquer dúvida insanável sobre a verificação da factualidade dada como provada (nomeadamente quanto à atuação do recorrente EMP02...), atenta a motivação acima transcrita e as considerações expendidas sobre a consistência e plausibilidade dessa motivação, bem como, dos meios de prova que a sustentam, isto sem contrariar as regras da experiência comum.
No caso concerto, o tribunal recorrido apreciou os elementos probatórios disponíveis concatenadamente, conjugou-os e estabeleceu correlações internas entre eles, fez inferências/deduções de factos conhecidos, tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência, e, da sua ponderação conjunta, retirou a ilação de que o recorrente EE aderiu ao plano delineado pelos arguidos AA e DD (quando avistaram o veículo dos ofendidos e procederam à primeira abordagem) e aceitou-o nos seus precisos termos, tendo agido, em comunhão de intentos e esforços, em execução de tal plano e com o propósito concretizado de ofenderem o corpo e a saúde do ofendido BB e de causarem estragos no veículo automóvel, que bem sabiam não lhes pertencer e que agiam contra a vontade do legítimo proprietário, conscientes de que a violência da sua ação (através da utilização das pedras e do pau por si recolhidos como meio de agressão) intimidava e atemorizava os ofendidos, a quem, no interior do veículo e impossibilitados de reagir, causavam receio pela sua integridade física e vida, para, dessa forma, conseguirem subtrair-lhes os objetos que estes trouxessem consigo, como conseguiram, fazendo-os seus, bem sabendo que tais objetos não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade dos respetivos proprietários e em prejuízo destes.
É certo que o recorrente EE optou por não prestar declarações, em sede de audiência de julgamento. Mas, diz-se na motivação da matéria de facto que assumiu a sua presença no local dos factos, pois “em sede de primeiro interrogatório judicial prestou declarações, nas quais, em síntese, referiu que estava em casa a dormir, e com o barulho acordou. Vestiu-se para ir ver o que se passava, pegou numa pedra e atirou-a para a viatura dos ofendidos. Disse que “Estava lá muita gente”, e que “Eles estavam a ter relações sexuais”. Referiu que estava no local o seu irmão AA e o DD. Negou ter visto os telemóveis ou a carteira dos ofendidos”.
E, como vimos, o tribunal a quo apenas considerou as declarações dos arguidos credíveis “na parte em que se mostraram consonantes com a matéria de facto dada como provada”.
Aqui chegados, cumpre destacar que, tal como decorre do disposto nos arts. 349º e 351º do C.Civil, a presunção é uma “prova” reconhecida pelo ordenamento jurídico, enquanto ilação a tirar de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
No entanto, no âmbito da jurisdição penal “não operam as presunções legais, pelo que falamos, naturalmente, da possibilidade de fazer operar uma presunção natural, de facto, simples, de experiência, hominis ou judicial (praesumptiones facti ou hominis), enquanto definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos no processo penal, em que se parte de um facto conhecido (o facto base, facto indiciante ou, simplesmente, indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum ou facto consequência), recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro. Naturalmente, as ditas presunções simples, naturais ou hominis, são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção, que cedem por simples contraprova, ou seja, prova que origine a dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto” (Acórdão do TRL de 10.05.2022, Proc. nº 1918/19.3TVD.L1-5).
A prova direta distingue-se da prova indireta ou indiciária na medida em que aquela refere-se imediatamente ao thema probandum, ou seja, o meio de prova tem em vista, de modo imediato, o facto a provar, enquanto a prova indireta reporta-se a factos diversos do tema da prova, que, com o auxílio das regras da experiência, nos termos do art. 127º do C.P.Penal, permitem uma ilação ou inferência relativamente a este. Por sua vez, o indício revela o facto probando com tanta mais segurança quanto menos consinta a inferência de factos diferentes.
É unanimemente reconhecida a possibilidade de recurso à prova indireta, em sede penal, para basear a convicção do tribunal que pode deduzir racionalmente a verdade dos factos a partir da prova indireta ou indiciária, devidamente valorada.
Já as regras da experiência “são critérios gerais, índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, que servem para produzir prova de primeira aparência, baseadas na experiência de vida, argumentos que ajudam a explicar o caso particular como instância daquilo que é normal acontecer, já se sabendo, porém, que o caso particular pode ficar fora do caso típico” (cfr. Paulo de Sousa Mendes, A prova penal e as Regras da experiência, Estudos em Homenagem ao prof. Figueiredo Dias, III, p.1002 e, particularmente, 1011, mencionado no Acórdão do TRL de 10.05.2022, supra referido).
As presunções devem ser “graves, precisas e concordantes”. “São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar” (cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207). A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção” (cfr. Acórdão do TRL de 10.05.2022, supra referido).
No que respeita à prova indiciária, “em primeiro lugar, há que ter, um indício, plenamente demonstrado, se possível por prova direta, que corresponde à premissa menor do silogismo; em segundo lugar, tem de haver o despoletar de uma máxima de experiência ou regra de ciência que permita passar de um estado de ignorância para o esclarecimento; e, por último, em face do indício, infere-se o facto sob julgamento. Residindo a essência da prova indiciária na conexão entre o facto-base e o facto-consequência, fundamentada no princípio da normalidade conectado a uma máxima da experiência, a força probatória de um indício será tanto maior ou menor consoante seja mais ou menos estreito o nexo lógico e prático entre ele (facto indiciante) e o facto probandum. Na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. A prova indiciária deverá obedecer, em princípio, aos seguintes requisitos: a)-Existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis (embora excepcionalmente possa admitir-se um só se o seu significado for determinante); b)-Racionalidade da inferência obtida, de maneira que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo inteiramente razoável face a critérios de discernimento humano baseados na lógica e nas regras da experiência”.
É manifesto que o tribunal a quo, imbuído da imediação, fundamentou a sua convicção, com enquadramento no art. 127º do C.P.Penal, e assumiu, de forma transparente, a demonstração do juízo da coautoria através do recurso a prova indiciária ou indireta, por presunções. Relacionou todo o resultado da prova produzida e recorreu a prova indireta, sendo as inferências produzidas as únicas que podem considerar-se consentâneas com os factos objetivos apurados de forma direta e com as regras de experiência comum e o normal acontecer das coisas.
Com efeito, conjugando a prova direta que fundamentou tais factos com a atuação violenta do recorrente EE (após os arguidos AA e DD terem tentado abrir as portas do veículo e terem constatado que não conseguiriam abri-las por o ofendido as ter trancado), tudo articulado com as regras da lógica e da experiência comum, é de concluir que aquele, perante o desenrolar da ação e por se ter percebido que o seu irmão AA e o DD pretendiam apropriar-se de bens que os ofendidos tinham na sua posse, ante a resistência destes que se mantinham trancados no interior do veículo, aderiu ao plano previamente delineado pelo AA e pelo DD, tendo atuado, em comunhão de esforços e intenções, e agido em conformidade com tal plano.
Assim sendo, temos de concordar que esta é a única explicação aceitável para o comportamento do recorrente EE que foi o único, de entre os vários indivíduos que se encontravam no local (segundo o ofendido “só estavam a olhar”), a atuar em coordenação com o AA e o DD.
Não obsta ao exposto a circunstância de apenas os recorrentes AA e DD terem agredido o ofendido, pois o recorrente EE atuou de forma conjunta e coordenada com eles, com vista a atingir o mesmo fim.
Cumpre referir, a este propósito, como bem expõe o Acórdão deste TRL de 30.06.2011, Proc. nº 189/09.3JASTB.L1-5 que: “a co-autoria não impõe que haja cada um dos agentes de praticar todos os factos integradores do crime. Basta que realizem em conjunto, de forma concertada e destinada a atingir o mesmo fim, factos contidos na previsão típica. Não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar, para a obtenção do resultado desejado e pretendido, o que determina a co-autoria é a actuação conjunta e concertada de um plano conjunto, mantendo todos os agentes o domínio de facto. Toda esta ponderação dos factos tem como pressuposto essencial a avaliação das actuações dos arguidos, na perspectiva do efeito produzido pela dinâmica dessa acção conjunta e independentemente da actuação isolada de cada um deles, já que o “ligante” que dá consistência a tais actuações é o objectivo que se propõem ainda que tal propósito conjunto tenha sido estabelecido de forma tácita e sem precedência de um plano traçado explicitamente e com divisão de tarefas individuais. Basta, por vezes, o próprio desenrolar da acção e a adesão de cada um aos actos dos demais para se entender que se está perante um projecto conjunto e de uma actuação coordenada”.
E, não constitui extrapolação inadmissível, a conclusão de que os comportamentos do recorrente EE supra expostos, estão inseridos na atuação conjunta dos outros dois arguidos, independentemente de ter sido um ou outro a executar determinada tarefa.
Na sequência do exposto, apenas a existência da adesão a um acordo no sentido da prática dos crimes de roubo é compaginável com as regras da experiência comum, sendo de concluir pela exclusão da probabilidade das hipóteses concorrentes.
Da argumentação exposta pelos recorrentes EE, AA e DD resulta que, no essencial, pretendem que as declarações que prestaram sejam valoradas em detrimento das demais provas produzidas, em desconsideração da prova indireta e em contrário das regras de experiência comum e da normalidade do acontecer.
Cumpre destacar, desde logo, o facto de que nenhum dos arguidos assumiu a intenção de apropriação de objetos e/ou valores que os ofendidos trouxessem consigo nem a efetiva apropriação dos telemóveis e da carteira.
Contudo, tal mostra-se contrariado pelo comportamento persecutório e agressivo dos arguidos AA e DD (desde a primeira abordagem), intensificado junto à entrada do Acampamento, quando os ofendidos se encontravam encurralados numa rua sem saída e na presença de várias pessoas (os arguidos e os residentes que assistiram ao sucedido), ocasião em que tiveram a colaboração do arguido EE, bem como pela expressão direta dirigida ao ofendido, proferida por um dos arguidos AA ou DD: “Dá-me tudo o que tens!”, que só se compreende num contexto de apropriação intencional e forçada.
Ora, tudo articulado com as regras da lógica e da experiência comum, não vemos como censurar o resultado a que chegou o coletivo de Juízes que procedeu ao julgamento em primeira instância, ao convencer-se, com consistência bastante para passar para além da dúvida razoável, de que o comportamento violento do recorrente EE decorreu da sua adesão ao mencionado plano previamente delineado pelo AA e pelo DD (fazer seus, em comunhão de esforços e intenções, se necessário com recurso à força física, os bens de valor e dinheiro que os ofendidos tivessem na sua posse, tendo agido em conformidade com tal plano), o qual praticou tais factos em coautoria com estes. Por outro lado, encontrando-se os arguidos AA e DD junto ao ofendido (tendo inclusive o agredido), é lógico concluir que apenas estes poderiam ter retirado tais objetos do interior do veículo, os quais foram escondidos num poste (onde mais tarde o AA os foi procurar), sendo certo que as hipóteses probatórias alternativas avançadas pelos recorrentes não apresentam igual verosimilhança e razoabilidade.
Acresce que, para além da dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.
Em suma, a prova produzida é demonstrativa da ocorrência da factualidade imputada aos recorrentes EE e AA (bem como ao recorrente DD), inexistindo a possibilidade razoável de uma solução alternativa ou de uma explicação racional e plausível diferente da que mereceu o acolhimento do tribunal recorrido[3], pelo que, inexistindo uma encruzilhada dubitativa, não há necessidade de fazer apelo ao princípio in dubio pro reo.
Pelo exposto e considerando que não se verifica qualquer falha, erro ou lapso no referido sistema de livre apreciação dos meios de prova efetuada pelo julgador, não existe qualquer violação do princípio in dubio pro reo, pelo que também improcede este segmento do recurso.
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6.Enquadramento jurídico-penal dos factos
O recorrente AA defende que “caso o Tribunal da Relação acolha a impugnação da matéria de facto nos moldes propostos na motivação, impõe-se uma alteração da qualificação jurídica dos factos porquanto não se mostram preenchido os elementos objetivos e subjetivos do crime de roubo” (conclusão XXXIV).
O recorrente EE entende que não se verificam os pressupostos legais da coautoria previsto no art. 26º do C.Penal, nomeadamente a prática conjunta de atos típicos, o domínio funcional do facto e a consciência e vontade de cooperação dolosa (conclusão V).
O recorrente DD considera que a factualidade provada deve ser subsumida à prática de um crime continuado, “por se ter tratado de um roubo a uma viatura no interior da qual se encontrava um casal (casados entre si), sendo os bens subtraídos património comum. Cremos que, no caso particular que nos ocupa, o facto de ser um mesmo ato, instantâneo à mesma viatura, no interior da qual se encontravam duas pessoas, casadas entre si, impõe a subsunção dessa factualidade à prática de um crime continuado (um só crime que afetou o casal nessa qualidade)” (conclusão 3ª).
O tribunal recorrido condenou os arguidos pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de dois crimes de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 1, al. b) do C.Penal.
O art. 210º, nº 1 e nº 2, al. b) do C.Penal dispõe que: “1- Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se: (…) b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo”.
Neste caso, por referência ao disposto no art. 204º, nº 1, al. b) do C.Penal, a pena é a de prisão de 3 a 15 anos por a coisa alheia furtada ser transportada em veículo (encontrando-se o telemóvel ... na parte central do tablier, a carteira junto à alavanca das velocidades e o telemóvel ... junto ao volante - cfr. ponto 17 da matéria de facto provada).
O crime de roubo é um crime complexo protegendo simultaneamente bens jurídicos patrimoniais (o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis) e bens jurídicos pessoais (a liberdade individual de decisão e de ação – em certos casos, a própria liberdade de movimentos – e a integridade física) – cfr. Conceição Ferreira da Cunha in “Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 160.
A violência pode ser física ou moral (esta para criar no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal suscetível de paralisar a sua reação). E quer se trate de violência física ou de violência moral, não se exige que tenha certa intensidade, bastando que seja suficiente para que o agente se apodere do bem, mesmo que a vítima não esgote a sua capacidade de reação (cfr. Maia Gonçalves in “Código Penal Português Anotado e Comentado”, 17ª edição, pág. 714).
Para que determinada conduta possa ser subsumida a este tipo de crime é necessário que, em concreto, se possa concluir pela verificação dos elementos seguintes:
a) a atuação do agente será orientada pelo propósito de apropriação de coisa móvel alheia, que constituirá o objeto do crime;
b) o sujeito passivo do crime de roubo tenderá a coincidir com o proprietário ou mero detentor da coisa móvel subtraída;
c) a conduta desenvolvida pelo agente surgirá sob a forma de subtração ou constrangimento a que lhe seja entregue a coisa móvel e alheia;
A subtração ou constrangimento têm que ser produzidos por meio de violência contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou ainda através da colocação da vítima na impossibilidade de resistir (crime de processo típico).
Atenta a natureza do crime de roubo, que é complexo e pluriofensivo, haverá tantos crimes de roubo quantas as pessoas ofendidas.
Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado terá de haver entre os vários atos uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de fatores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas.
A figura do crime continuado supõe atuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais, proximidade temporal das condutas parcelares, existindo entre os comportamentos, um fio sequencial, reiteração, repetição.
Todavia, a situação em apreço não se enquadra no crime continuado, que pressupõe repetição de condutas, o que não é o caso, pois os roubos foram praticados, em coautoria, pelos três arguidos, tendo os dois elementos do casal sido molestados em simultâneo, concomitantemente, não se estando perante um caso de sucessão de vários crimes, praticados em ocasiões distintas, mas próximos temporalmente.
Mesmo que estivéssemos perante crime continuado sempre haveria que atender ao disposto no art. 30º, nº 3 do C.Penal (“o disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima”), pois, a conduta criminosa coloca em causa não apenas valores patrimoniais mas também valores eminentemente pessoais e há pluralidade de ofendidos, pelo que haverá tantos crimes, quantos forem esses ofendidos, como tem decidido a jurisprudência de forma uniforme (cfr. Acórdão do TRP de 21.06.2017, Proc. nº 748/15.5PAESP.P1 e Acórdão do STJ de 25.05.2016, proc. nº 610/11.0GCPTM.E1.S1 – “Dirigindo-se as diferentes acções contra diversos titulares dos bens jurídicos pessoalíssimos da liberdade de acção e de decisão, como aconteceu neste caso, está excluído o crime único ou continuado por falta de identidade do bem jurídico afectado, não se podendo reconduzir à unidade”).
Por seu turno, estamos inequivocamente perante a qualificativa do art. 204º, nº 1 al. b) do C.Penal se a coisa móvel (ou animal) estiver colocada em veículo (cfr. Acórdão do TRP de 10.12.2013, Proc. nº 100/12.4GBADV.E1), o que se verifica in casu.
No que respeita aos requisitos da comparticipação criminosa, sob a forma de coautoria (questão suscitada pelo recorrente EE), é essencial a verificação de uma decisão conjunta visando a obtenção de determinado resultado (elemento subjetivo) e uma execução igualmente conjunta.
Porém, como vimos, para a verificação dos elementos objetivos do crime (aqueles que se prendem com a sua execução propriamente dita) não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os atos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a atuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado, podendo esta ser concretizada por tarefas anteriormente combinadas ou tacitamente aceites, mas convergentes quanto a um mesmo ilícito.
A imputação basta-se com a mera consciência e vontade de colaboração na atividade dos demais, aferidas à luz das regras da experiência comum, desde que tenha havido um acordo prévio para a execução integral do crime, ainda que um mero acordo tácito assente na adesão da vontade de cada um à execução do crime.
Percorrida a matéria de facto provada (que resta inalterada) dela resulta que o recorrente EE, juntamente com o AA e o DD, fizeram coisa sua os objetos descritos no ponto 17 da matéria de facto dada como provada (dois telemóveis e uma carteira no valor global de € 1.904,99), pertença dos ofendidos, como era do seu conhecimento e que, ao fazê-lo, agiam contra a vontade do seu legítimo dono, o que apenas lograram concretizar mediante o recurso à intimidação e à violência, nos termos dados por assentes (causaram estragos no veículo automóvel, fazendo uso de pedras e de um pau, e agrediram fisicamente o ofendido com murros na cara e na cabeça), tendo atuado com dolo direto (art. 14º, nº 1 do C.Penal).
E, agiram em coautoria, pois que o arguido EE, para além da adesão ao plano previamente delineado pelo AA e pelo DD (cfr. pontos 8 e 25 dos factos dados como provados), desempenhou um papel essencial na execução global do facto, porquanto rodeou o veículo, recolheu pedras e um pau, arremessou as pedras contra o veículo e desferiu pancadas com o pau nos vidros dianteiro, traseiro e laterais do veículo, partindo-os (cfr. ponto 8 dos factos dados como provados), detendo, pois, o mencionado domínio funcional.
Nesta conformidade, mostram-se preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo de crime previsto e punido pelo art. 210º, nº1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 1, al. b) do C.Penal.
Concordamos com a análise efetuada pelo tribunal a quo no sentido de que não se verifica a qualificativa prevista no art. 204º, nº 2 al. f) do C.Penal, pois que como ali se refere “o que resulta da matéria assente é que os arguidos utilizaram s pedras e o pau como forma de partir os vidros da viatura em que seguiam os ofendidos, mas não sobre a pessoa destes, sendo que o ofendido BB foi agredido pelos arguidos com murros na cara e na cabeça, mas não com aquelas pedras e pau”.
Em suma, a conduta apurada dos recorrentes EE e AA é apta a preencher os elementos constitutivos (objetivo e subjetivo) do crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art. 210º, nº1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 1, al. b) do C.Penal, em coautoria e na forma continuada.
Por conseguinte, será de julgar também improcedente este segmento de recurso.
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7. Aplicação do Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes
O recorrente EE considera que “a sentença recorrida recusou injustificadamente a aplicação do regime penal especial para jovens … sem fundamentação suficiente e contra os elementos constantes do relatório social” (conclusão VIII).
Vejamos se se justifica a aplicação ao ora recorrente do Regime Penal dos Jovens Adultos.
Este instituto corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o art. 72º, nº 1 do C.Penal e “a uma atenuação especialmente prevista na lei”, como consta do nº 3 do mencionado preceito legal.
O art. 9º do C.Penal dispõe que: “aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”, ou seja, o DL nº 401/82, de 23 de setembro que consagra o Regime Especial dos Jovens Delinquentes.
Este regime especial visa criar um maior leque de alternativas à aplicação de penas de prisão a jovens que tiverem, à data da prática do crime, completado 16 anos sem terem ainda atingido os 21 anos (art. 1º, nº 2) e prevê no art. 4.º que: “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”. “Trata-se de uma opção político-criminal que se fundamenta essencialmente no entendimento de que a delinquência juvenil (quanto a jovens imputáveis), merece um tratamento diferenciado e especial em relação ao regime penal para adultos, por envolver um ciclo de vida correspondendo a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório … tem a vantagem de permitir uma transição gradual e menos abrupta e dramática entre a inimputabilidade e a imputabilidade, entre o direito dos menores e o dos adultos, reconhecido como é que o estabelecimento de limiares perentórios de imputabilidade constitui algo de controverso” (Acórdão deste TRG de 09.04.2018, Proc. nº 1069/16.1JABRG.G1).
A aplicação deste regime traduz-se num juízo de ponderação conferido ao juiz, que, no caso concreto, deve verificar se existem razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem, sem ser afetada a exigência de prevenção geral, isto é, a garantia de proteção de bens jurídicos e, por isso, a validade das normas.
Porém, o regime em apreço não é nem de aplicação automática nem de aplicação obrigatória, mas é de conhecimento oficioso, a sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, impondo-se a sua aplicação sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa. A opção pela não aplicação deve ser fundamentada.
A generalidade da jurisprudência tem entendido que a aplicação da atenuação especial prevista no citado diploma supõe a prova de que esse regime irá propiciar melhor o afastamento do crime, especialmente por este ser uma simples decorrência da idade do agente, ou seja, perante os contornos do caso, é possível concluir que o jovem condenado beneficiará, em termos de reinserção social, com a atenuação especial da pena.
Nessa medida, pressupõe um juízo de prognose, a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado. A propósito de tal juízo de prognose deve atender-se a todas as circunstâncias atinentes à ilicitude do facto (natureza, modo de execução do crime, gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, sempre tendo em conta a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais (idade, situação familiar, educacional, vivências anteriores, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação), com relevância no que concerne ao comportamento anterior e posterior aos factos.
Tal significa que a avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem delinquente tem de ser verificada em face das circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido.
Com efeito, é através da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso que se pode concluir/ou não que se está perante um desvio transitório e ocasional, próprio do período de latência social propiciador da delinquência juvenil, caso em que se poderá mostrar justificada a formulação de um juízo de prognose favorável à atenuação especial, isto sem prejuízo da defesa do ordenamento jurídico pois, ainda assim, as exigências de prevenção geral ligadas à proteção de bens jurídicos, sendo acentuadas, poderão obstar a essa atenuação especial da pena. “No caso de absoluta incompatibilidade entre exigências de prevenção geral e especial, as exigências (mínimas) de prevenção geral funcionam como limite ao que, numa perspetiva de prevenção especial, podia ser aconselhável. De facto, nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral, nomeadamente conformando-se com a aplicação do regime de jovens, mas, quando essa aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a aplicação do regime penal especial para jovens cedem, devendo aplicar-se a pena de prisão” (Acórdão deste TRG de 09.04.2018, Proc. nº 1069/16.1JABRG.G1).
No caso em apreciação, o recorrente está em condições de beneficiar do regime em causa, pois tinha 16 anos à data da prática dos factos pelos quais será necessariamente punido em pena de prisão, pelo que se impõe averiguar se há razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a sua reinserção social.
O tribunal a quo entendeu negativamente e fundamentando-o nos seguintes termos: “(…) o arguido EE não regista quaisquer antecedentes criminais Estamos, no caso sub judice, perante o cometimento de dois crimes de roubo qualificado, cujas necessidades de prevenção geral são prementes, desde logo pela razoável frequência com que são praticados em todo o País e porque este tipo de crime que causa forte alarme e sentimentos de insegurança na comunidade. A gravidade das infrações praticadas e a dimensão da culpa e da ilicitude, evidenciadas no caso vertente, justificam a conclusão de que uma atenuação especial induzida de forma automática pela idade não se compagina com as exigências da sociedade perante infrações que contendem com valores nucleares. É certo que não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido, no entanto, sopesando a personalidade desviante revelada pelo mesmo, a censurável e perversa falta de crítica em relação aos atos praticados, as circunstâncias em que os atos foram praticados, a gravidade dos mesmos e as suas consequências para os ofendidos, concluímos que não se verifica qualquer fundamento para supor que uma atenuação especial da pena seria propulsora ou beneficiaria a reinserção social do mesmo, pelo que inexiste justificação para que aquele beneficie do dito regime. Acresce não se poder valorar a favor do arguido nem um genuíno arrependimento, nem uma confissão integral e sem reservas, porquanto tal não foi manifestado em julgamento. Para além disso, as condições sociais do arguido também não abonam a seu favor, sendo que da factualidade assente a respeito daquele decorre tratar-se de um aluno com um comportamento instável e pouco adequado no contexto de sala de aula e espaço escolar, que apresenta elevado absentismo injustificado e comportamentos de desobediência para com os professores, o que sustentou a sua sinalização à CPCJ. Na verdade, no nosso entender não é possível formular uma previsão minimamente consistente de que a atenuação especial da pena de prisão a aplicar possa contribuir para o afastamento do arguido de posteriores e idênticas práticas delituosas, tanto mais que apresenta fragilidades a nível pessoal e familiar que poderão determinar a que reincida na prática do crime. Deste modo, mostra-se justificada a ponderação dessa pena concreta de prisão à luz da moldura abstrata prevista para o crime de roubo qualificado, sem fazer operar a atenuação especial de pena decorrente do artigo 4.º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, o que se decide”.
Ora, se é certo que o arguido, à data da prática dos crimes em causa nos autos, tinha 16 anos de idade e não tinha antecedentes criminais, praticou os factos dados como provados em coautoria com o seu irmão AA (à data com 22 anos de idade) e com o arguido DD (à data com 21 anos de idade), tendo aderido ao plano delineado pelo AA e pelo DD, o qual foi por si aceite nos seus precisos termos.
Para além da gravidade dos crimes cometidos (atenta a natureza e o modo de execução), sendo reflexo disso mesmo o facto de o crime de roubo qualificado estar inserido na criminalidade especialmente violenta prevista no art. 1º, al. l) do C.P.Penal, há que realçar as necessidades de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, que se fazem sentir por ser um crime que cria forte sentimento de insegurança, repúdio e alarme na comunidade que exige dos tribunais uma aplicação efetiva de penas que se ajustem e defendam os bens jurídicos em causa, de modo a que a insegurança não aumente nem se crie o sentimento de impunidade.
Para além do mais, e atendendo às necessidades de prevenção especial, há que atender ao seguinte: o arguido EE prestou declarações em sede de primeiro interrogatório judicial; não prestou declarações em audiência de julgamento; não confessou os factos, de forma integral e sem reservas; não demonstrou arrependimento; no meio escolar, é descrito como um aluno com um comportamento marcado pelo absentismo, pela instabilidade, pela indisciplina, pela associação a comportamentos ou ações de índole pró-criminal e pelo desrespeito para com os professores, pois é pouco adequado no contexto de sala de aula e no espaço escolar, perturba o normal funcionamento das aulas, das quais se ausenta sem regras e tem comportamentos de desobediência para com os professores, o que motivou a sua sinalização à CPCJ ....
É de atender também que os ofendidos foram ressarcidos pela família do recorrente DD dos danos sofridos.
Não vislumbramos, da parte do recorrente EE, qualquer vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídico comunitários e adotar uma conduta que respeite os bens jurídicos (postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais, que objetivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da ressocialização), nem razões sérias para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção do condenado.
Em contrapartida, o quadro vivencial exposto associado à personalidade do recorrente, manifestada na prática dos crimes, e à “manifesta dificuldade em refletir e compreender a ilicitude de comportamentos similares aos descritos nos autos, legitimando os mesmos face à conduta prévia do ofendido” (cfr. ponto 73 dos factos provados), afasta a hipótese de formular um juízo acerca da interiorização da gravidade, censura e reprovação da sua conduta.
A idade não basta para a aplicação do regime em consideração, sendo sempre necessário, para tal, um juízo de prognose favorável, ou seja, o tribunal sempre tem de concluir que, por aquele regime se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Os crimes cometidos e as circunstâncias em que o foram escapam a uma tradicional categorização da delinquência juvenil.
Assim sendo, a enorme gravidade dos factos praticados (de noite, por três pessoas, empunhando pedras e um pau), num quadro de elevadas ilicitude e culpa (com dolo na forma de dolo direto), é reveladora de acentuada perigosidade e de personalidade que despreza o património alheio e a liberdade e a integridade física de terceiros e, por isso, contrária ao dever ser jurídico-penal. Como tal, não é possível formular um juízo de prognose no sentido de que a atenuação possibilita mais facilmente a reinserção social do arguido e torna incompreensível, para qualquer cidadão médio, a aplicação do regime atenuativo previsto no regime penal especial dos jovens.
Uma vez que não se vislumbram sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção do arguido, antes se considera que a sujeição do arguido a uma pena decorrente da não atenuação melhor contribuirá para os fins das penas em concreto, bem andou o tribunal recorrido ao afastar, de forma fundamentada, a aplicação do regime especial dos jovens delinquentes, o que conduz à improcedência do recurso, também, nesta parte.
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8. Aplicação da atenuação especial da pena na determinação das molduras penais das penas abstratas dos crimes face à reparação integral dos danos
O recorrente DD preconiza que, face à reparação integral dos danos, sempre seria de atenuar especialmente a pena, nos termos do disposto no art. 72º, nº 1 e 2, al. a) do CPenal (conclusão 26).
Cada um dos dois crimes praticados pelos recorrentes – crime de roubo qualificado – é punido com pena de prisão de 3 (três) a 15 (quinze) anos (art. 210º, nº 2 do C.Penal).
Nos termos do disposto no art. 72º, nº 1 do C.Penal, o tribunal atenua especialmente a pena quando existirem circunstâncias anteriores, contemporâneas ou ulteriores ao crime que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou necessidade da pena.
Dispõe o nº 2 deste preceito legal que: “2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta”.
Trata-se de uma enumeração exemplificativa (não taxativa).
Como escreve Figueiredo Dias (in “As consequências Jurídicas do Crime”, pág. 302): “Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição de facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena”.
O mencionado preceito legal consagra circunstâncias excecionais que “funcionam como “válvula de segurança” perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa mediante a previsão abstracta das medidas das penas”, não podendo o seu carater eminentemente excecional ser esquecido “sob pena das finalidades da punição se verem postergadas, pelo que não é suficiente um quadro em que as atenuantes sejam importantes, mas sim que estas sejam de molde a concluir-se que, só através da “correcção” à medida da pena, se obtém uma solução justa, sempre, contudo, sujeita à acentuada diminuição da ilicitude do facto e da culpa e das necessidades punitivas” (Acórdão do TRE de 20.10.2020, Proc. nº 241/19.7PBSTR.E1).
No caso vertente, foi ponderada, na determinação da medida concreta das penas e como circunstância favorável aos arguidos, o facto de os ofendidos se encontrarem ressarcidos dos danos causados, mas o recorrente DD pretende que tal fundamente a atenuação especial da pena.
No entanto, vista a atuação dos recorrentes (espelhada nos factos provados); o impacto da mesma nos ofendidos (que, aquando da primeira abordagem dos arguidos, ficaram assustados, e, após o início da violência, ficaram em pânico, soltaram “gritos desesperados” e “súplicas para que os deixassem”, ao que os arguidos ficaram indiferentes); as consequências decorrentes para os ofendidos, quer em termos físicos (um dos quais foi agredido) quer em termos emocionais, atentos os momentos de terror por eles vividos e a personalidade dos recorrentes manifestada na prática dos crimes, impõe-se considerar que a reparação dos danos causados, enquanto circunstância ulterior aos crimes, não é suscetível alterar a imagem global dos factos (atentas as circunstâncias envolventes), ao ponto de diminuir de forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa dos agentes ou necessidade das respetivas penas.
Uma vez que a atenuação especial só pode ter lugar em casos extraordinários ou excecionais (“pois para a generalidade dos casos, para os «casos normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios” – Acórdão do STJ de 24.03.2022, Proc. nº 134/21.8JELSB.L1.S1) não se vislumbram acentuadas circunstâncias atenuantes da responsabilidade dos recorrentes ao nível da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena que levem ao abaixamento da pena abstrata prevista no crime de roubo agravado.
Assim sendo, bem andou o tribunal recorrido ao não fazer uso da atenuação especial da pena a que aludem os arts. 72º e 73º do C.Penal, improcedendo, nesta parte, o recurso.
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9. Medida das penas de prisão (parcelares e única)
O recorrente DD pugna pela redução das penas parcelares (para 3 anos e 10 meses e 3 anos e 4 meses, respetivamente) e da pena única (para pena não superior a 5 anos, suspensa na sua execução) que considera excessivas, desproporcionais e desajustadas, pois traduzem a desvalorização do arrependimento, do ressarcimento integral dos prejuízos causados, da sua idade, da confissão dos factos, do pedido de desculpas aos ofendidos em audiência, da sua inserção pessoal, social e profissional e da problemática do álcool (conclusões 2, 22, 23, 25 e 32).
E, considera que “a pendência processual referida no acórdão e a forma como a mesma foi valorizada contra o arguido deve ser retirada, em obediência ao princípio constitucional da presunção da inocência até ao trânsito em julgado, sob pena de se estar a aplicar uma pena de prisão efetiva aqui por antecipação de eventuais futuras condenações “acolá” (conclusão 33).
Vejamos se, no caso em reapreciação, são de reduzir as penas aplicadas ao recorrente DD pela prática dos dois crimes de roubo agravado.
No que importa para a análise desta questão, é, antes de mais, verificar se cada uma das mencionadas penas em que foi condenado o recorrente DD pela prática de dois crimes de roubo agravado é proporcional e adequada à culpa do recorrente, avaliada segundo os factos provados e o direito aplicável.
Assim, podemos dizer sinteticamente que, de acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa – art. 40º, nº 1 e 2 do C.Penal) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – art. 71º, nº 1 do C.Penal), deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção.
Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os fatores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido art. 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da ação e culpa do agente.
À luz do disposto neste preceito legal, o tribunal deve ponderar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o arguido. “Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização. Como se tem sublinhado, é, pois, na determinação da presença e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na acção levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (cfr., entre outros, os acórdãos de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.)” – Acórdão do STJ de 08.06.2022, Proc. nº 430/21.4PBPDL.L1.S1.
Cumpre considerar que o crime de roubo qualificado (art. 210º, nº 2 do C.Penal) é punível com pena de prisão de 3 (três) a 15 (quinze) anos.
O recorrente foi condenado em duas penas de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão e 4 (quatro) anos de prisão pela prática de cada um dos dois crimes de roubo qualificado (na pessoa do ofendido BB e na pessoa da ofendida CC, respetivamente).
O tribunal fundamentou a aplicação dessas penas do seguinte modo: “Contra os arguidos depõem: - A intensidade do dolo dos arguidos: que reveste a forma de dolo direto, de acordo com o art. 14.º, n.º1 do Cód. Penal, constituindo o grau máximo de censura da conduta por si adotada. - As exigências de prevenção geral são muitíssimo elevadas quanto ao crime de roubo. Na verdade, em casos de criminalidade violenta como é o caso dos autos, e em face do crescente aumento do sentimento de insegurança que se vai generalizando – designadamente nesta Comarca de Braga, onde, com persistência, se vêm sucedendo atos semelhantes aos do presente feito crime - torna-se necessária a aplicação de uma pena mais elevada para, por um lado, manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumentos de tutela de bens jurídicos e, por outro lado, intimidar a generalidade das pessoas para que não cometam factos semelhantes. - Os motivos que estiveram na determinação dos crimes estão na incapacidade dos arguidos em respeitar o património alheio, não tendo receio de afetar a liberdade de ação (e decisão) e a integridade física e psíquica de pessoas para levar a cabo os seus intentos. - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime – comportamento egoístico e socialmente desajustado. - Os arguidos atuaram de forma conjunta, e no período noturno, revelando a sua atuação extrema violência, o que agrava a ilicitude da sua conduta e coloca o seu grau de culpa num patamar elevado quanto aos arguidos DD e AA, e médio quanto ao arguido EMP02.... - As consequências dos factos assumem gravidade, atendendo, por um lado, às lesões físicas sofridas pelo ofendido BB (que lhe demandaram 8 dias para a cura), por outro, ao sofrimento psicológico que as condutas como as dos arguidos provocam nas vítimas e, por fim, à natureza, caraterísticas e valor dos objetos subtraídos (no montante de € 1.904.99). Devendo ainda valorar-se que os arguidos causaram danos na viatura dos ofendidos no valor de € 2.287,46 e utilizaram pedras e um pau para causar os referidos danos. - O alarme social é elevado. - Os arguidos DD e AA estiveram em situação de prisão preventiva até Março de 2024 e, escassos meses após a sua libertação, voltaram a ter comportamentos desconformes à lei e ao Direito. - O arguido AA, desde que recluído, foi colocado a trabalhar como faxina de pavilhão, mas desistiu da atividade laboral. O arguido não mostra consciência da necessidade de alterar as suas rotinas e contexto de convivência social de risco. - O arguido DD, antes da reclusão, enveredou por um percurso de convívio de pares, frequentemente em contextos de convívio em estabelecimento comerciais noturnos, e com consumos de estupefacientes e álcool. Iniciou o consumo de estupefacientes durante a frequência do 5º ano de escolaridade, aos doze anos de idade, consumo que foi acentuando ao longo do seu processo de socialização, e adquirindo também hábitos de consumo de álcool em excesso em contextos de convívio com pares e, ultimamente, também em cafés. O arguido considera desnecessário o tratamento às suas dependências. - O arguido EE é um aluno com um comportamento instável e pouco adequado no contexto de sala de aula e espaço escolar, perturbando o normal funcionamento das aulas, das quais se ausenta sem regra. Apresenta elevado absentismo escolar injustificado e comportamentos de desobediência para com os professores, motivos que sustentaram a sinalização à CPCJ ... em Janeiro de 2025, que se encontra em fase de avaliação diagnóstica. - O arguido EE manifesta dificuldade em refletir e compreender a ilicitude de comportamentos similares aos dos autos, legitimando os mesmos face à conduta prévia do ofendido.
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A favor dos arguidos depõem: - O facto de os arguidos AA e DD terem confessado parte dos factos que lhe eram imputados e demonstrado algum arrependimento, tendo efetuado um pedido de desculpas aos ofendidos em audiência. - Os arguidos ressarciram os ofendidos dos danos causados. - O passado criminal dos arguidos, anterior e posterior aos factos em análise nos presentes autos: não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos AA e EE; o arguido DD possui uma condenação anterior, embora por crime de condução sem habilitação legal. - Em reclusão, o arguido AA apresenta uma postura educada e tem revelado atitude de acomodação ao normativo institucional. Beneficia de retaguarda da companheira, HH, e dos familiares de origem, que o visitam com regularidade. - O arguido DD terminou o 12º ano pela via profissionalizante e estava empregado até à sua reclusão. Mantinha um relacionamento afetivo, encontrando-se a namorada profissionalmente ativa. Durante a reclusão, continua a beneficiar de apoio familiar. - O arguido EE frequenta atualmente um curso de Educação e Formação Tipo 3, de Mecânico de Automóveis Ligeiros, na Escola Profissional .... Vive com os pais, em meio conotado com vulnerabilidades sociais, mas continua a dispor do apoio e suporte parental”.
É de notar que os recorrentes apropriaram-se de objetos no valor de € 1.904,99, causaram danos na viatura dos ofendidos no valor de € 2.287,46 e os ofendidos encontram-se ressarcidos dos danos sofridos.
Impõe-se destacar como a violência se concretizou, relevando, para o efeito, o modo de atuação dos recorrentes: começaram por forçar a abertura das portas do veículo, em cujo interior se encontravam os ofendidos que as trancaram, e, porque tal não foi possível, partiram todos os vidros (através do arremesso de pedras e de pancadas desferidas com um pau) e, dessa forma, conseguiram ter acesso ao interior do veículo, após o que os recorrentes AA e DD agrediram fisicamente o ofendido com murros na cara e na cabeça, tendo a ofendida logrado fugir a pé e o ofendido conseguiu libertar-se dos agressores, após estes terem retirado do interior do veículo dois telemóveis e uma carteira pertencentes aos ofendidos.
Com tal comportamento causaram medo, pânico e desespero nos ofendidos que viveram momentos de aflição por se verem cercados, numa rua sem saída.
Em virtude das agressões, o ofendido teve dores, ficou com escoriações na face e um hematoma na zona temporal, determinantes de oito dias de doença, quatro dos quais com afetação da capacidade de trabalho geral e especial.
Neste contexto, há que ponderar a intensidade do dolo, direto, e a elevadíssima ilicitude, atento o comportamento dos recorrentes e as agressões de que o ofendido BB foi vítima.
Não obstante a idade do recorrente DD (21 anos), aquando da prática dos factos, estes revelam uma personalidade violenta, uma baixa preocupação com os outros (veja-se que manifestou indiferença perante o desespero demonstrado pelos ofendidos, prosseguindo com a sua atuação – cfr. ponto 15 da matéria de facto dada como provada) e um reduzido juízo crítico, não se almejando, assim, qualquer sensibilidade e capacidade para o mesmo interiorizar a desvalia da sua conduta.
Por outro lado, o tribunal a quo valorou a confissão parcial, a demonstração de “algum” arrependimento, o pedido de desculpas aos ofendidos, o facto de os ofendidos terem sido ressarcidos dos danos causados e a inserção pessoal, social e profissional do recorrente DD, sendo certo que não vislumbramos de que forma a problemática do álcool constitui circunstância a ponderar a favor do recorrente quando nem sequer se provou que a sua atuação ocorreu sob a influência do álcool.
Todavia, apesar de decorrer dos factos provados que os arguidos AA e DD verbalizaram arrependimento, tal não corresponde à efetiva demonstração de arrependimento (nem sequer de “algum”, como menciona o tribunal recorrido) quando nem sequer assumiram a prática integral dos factos, nomeadamente a intenção apropriativa, nem a efetiva apropriação dos bens.
O tribunal recorrido qualificou as exigências de prevenção geral como “muitíssimo elevadas” e decorre da factualidade provada que (não obstante os arguidos AA e EE não terem antecedentes criminais e o arguido DD ter antecedentes pela prática de crime de condução sem habilitação legal e todos beneficiarem de suporte familiar), são prementes as exigências de prevenção especial, apoiadas:
a) no comportamento disruptivo do arguido EE (cfr. pontos 68, 69 e 75 dos factos dados como provados);
b) na falta de ocupação laboral e de hábitos de trabalho do arguido AA (inserido num grupo de pares com hábitos aditivos e comportamentos antissociais - cfr. pontos 34, 38 e 40 dos factos dados como provados);
c) no contacto do arguido DD com pares associados ao consumo de estupefacientes e álcool, na sua incapacidade de gestão do vencimento mensal e na sua instabilidade psicoemocional associada à problemática do consumo de bebidas alcoólicas (cfr. pontos 47, 51 e 55 dos factos dados como provados).
E, os factores de prevenção geral são importantes (conforme salientado pelo tribunal recorrido), tendo em conta a frequência do crime, o que significa uma maior necessidade de assegurar a protecção do bem jurídico que a norma visa proteger (que é também uma das finalidades da pena afirmadas no referido art. 40º, nº 1 do C.Penal) e de evitar uma reação penal que não seja tida socialmente como efetiva e que potencie indiretamente a repetição desses comportamentos.
Acresce que o tribunal a quo, dentre a pendência processual referida nos pontos 39, 56 e 57 dos factos dados como provados, apenas valorou, e bem, a circunstância de os arguidos AA e DD terem praticado os factos em causa neste processo cerca de três meses e meio após terem sido libertados, por terem estado em prisão preventiva até 25.03.2024, o que releva para o efeito de demonstrar que o curto contacto com o sistema prisional não os afastou da prática criminosa.
Dá-se nota de que não se justifica a pretendida eliminação da restante pendência processual na medida em que, contrariamente ao invocado pelo recorrente DD, a mesma não se mostra ponderada pelo tribunal recorrido.
Entendemos, assim, que, em face da moldura penal aplicável aos crimes de roubo qualificado, por força da ponderação das variáveis supra expostas e de acordo com os referidos critérios de determinação das penas concretas, a pena de quatro anos e quatro meses de prisão, pela prática de um crime de roubo qualificado na pessoa do ofendido BB (que também foi agredido), e de quatro anos de prisão, pela prática de um crime de roubo qualificado na pessoa da ofendida CC, mostram-se justas, proporcionais e adequadas à reposição da validade das normas infringidas e mostram-se, igualmente, plenamente suportadas pela medida da culpa do recorrente DD pelo que, nada lhes havendo a censurar, devem ser mantidas.
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O recorrente AA, tal como o recorrente DD, pugna pela fixação de pena única de prisão inferior a cinco anos (conclusão XLVI).
O recorrente EE considera a pena única de prisão “manifestamente desproporcionada” (conclusão IX).
Com efeito, o recorrente AA também foi condenado na pena de quatro anos e quatro meses de prisão, pela prática de um crime de roubo qualificado na pessoa do ofendido BB, e na pena de quatro anos de prisão, pela prática de um crime de roubo qualificado na pessoa da ofendida CC.
Em cúmulo jurídico, cada um dos recorrentes foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
O recorrente EE foi condenado na pena de quatro anos de prisão, pela prática de um crime de roubo qualificado na pessoa do ofendido BB, e na pena de três anos e seis meses de prisão, pela prática de um crime de roubo qualificado na pessoa da ofendida CC.
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
O tribunal recorrido fundamentou as penas únicas da seguinte forma: “Assim, nos termos do seu n.º 2, no caso concreto, a moldura penal a aplicar aos arguidos AA e DD passa a ter como limite mínimo 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, e como limite máximo 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão. Por sua vez, a moldura penal a aplicar ao arguido EE passa a ter como limite mínimo 4 (quatro) anos de prisão, e como limite máximo 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. (…) Assim, cabe atender à ausência de antecedentes criminais dos arguidos (com exceção do arguido DD, que regista um antecedente criminal, mas por crime de natureza diversa). Não obstante, não pode olvidar-se a gravidade e a violência dos crimes de roubo praticados pelos arguidos, em número de dois, bem como o facto de estes terem sido praticados cerca de três meses após terem sido colocados em liberdade depois de terem cumprido medida de coação de prisão preventiva (isto quanto aos arguidos DD e AA). Ainda assim, como circunstância atenuante cumpre recordar a confissão parcial dos arguidos DD e AA em audiência, e o facto de terem ressarcido os ofendidos. Pelo exposto, sopesando todos os elementos referidos, bem como os já supra mencionados, decide-se aplicar aos arguidos AA e DD uma pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão. Sopesando todos os elementos referidos bem como os já supra mencionados, decide-se aplicar ao arguido EE uma pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão”.
À vista disso, o tribunal a quo, após ter encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos supra referidos, procedeu à determinação da pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade dos agentes, nos termos do art. 77º, nº 1 e 2 do C.Penal.
Relativamente aos recorrentes AA e DD, entre o limiar mínimo da moldura de cúmulo – 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses - e o seu limiar máximo – 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses – o tribunal a quo fixou as penas únicas em 5 (cinco) anos e 4 (meses) meses de prisão, ou seja, ainda num ponto inferior ao meio da moldura e bem mais próximo do limite mínimo do que do limite máximo da moldura aplicável.
No que respeita ao recorrente EE, entre o limiar mínimo da moldura de cúmulo – 4 (quatro) anos - e o seu limiar máximo – 7 (sete) anos e 6 (seis) meses – o tribunal a quo fixou a pena única em 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, muito próximo, portanto, daquele limite mínimo.
No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos que fornecem a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude, e a personalidade do agente que revela se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade (Acórdão do STJ de 25.05.2016, Proc. nº 610/11.0GCPTM.E1.S1).
Neste caso concreto, foram cometidos dois crimes de roubo agravado, em coautoria e em simultâneo.
Concatenando todos os dados fornecidos pela factualidade provada, resulta manifesta a falta de razão dos recorrentes, não se vislumbrando qualquer fundamento para se considerar excessivas as penas únicas que o tribunal recorrido determinou, as quais se nos afiguram adequadas face à ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade dos recorrentes (artº 77º, nº 1 do C.Penal).
O tribunal a quo não mencionou expressamente a idade do recorrente EE como fator a considerar a seu favor, aquando da fundamentação da determinação da medida das penas parcelares e única aplicadas.
Contudo, é manifesto que ponderou tal circunstância, o que se depreende do elenco dos fatores que considerou deporem a seu favor e também das próprias penas aplicadas (parcelares e únicas) se situarem próximo dos limites mínimos das respetivas molduras, não obstante a gravidade dos factos praticados e a culpa acentuada.
Efetivamente, assim o compreendeu o próprio recorrente EE, quanto à medida das penas parcelares, pois não inseriu tal questão no objeto do recurso interposto, demonstrando, assim, ter-se conformado com as mesmas.
Já quanto à pena única, resulta do exposto que a idade do recorrente EE (16 anos) não constitui o fator mais relevante da sua determinação sendo de ponderar, em conjunto e sem desconsiderar a sua juventude, os factos e a sua personalidade neles evidenciada.
Todavia, situando-se a pena única fixada tão próxima do limite mínimo da moldura de cúmulo, sempre será de a manter, por só esta se mostrar proporcional e adequada à gravidade dos factos praticados e à personalidade neles demonstrada.
De todo o modo, pequenas divergências na fixação da pena concreta, absolutamente alheias a incorreções ou distorções no seu processo de aplicação legal não devem, em princípio, ser fundamento para a sua alteração pelo tribunal de recurso que, ao contrário do tribunal a quo, não beneficiou da imediação e oralidade que também são importantes nesta sede.
Em função das penas encontradas, resulta legalmente afastada a possibilidade de suspensão da execução das mesmas por serem superiores a 5 anos, atento o disposto no art. 50º do C.Penal, ficando prejudicada, nesta parte, a apreciação dos recursos do AA e do DD.
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O recorrente EE defende que a suspensão da pena, nos moldes fixados pelo tribunal a quo, “sem fundamentação expressa sobre a duração”, afasta-se da função pedagógica da pena e configura uma forma de sancionamento simbólico, excessivo e desajustado (conclusão X)
A pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão em que o recorrente EE foi condenado, foi suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado da presente decisão e ficou sujeita “a regime de prova, a definir em concreto pelos Serviços de Reinserção Social … E ainda às seguintes obrigações/regras de conduta: - Responder a convocatórias do técnico de reinserção social; - Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, devendo estar inscrito, se for caso disso e salvo justificação em contrário, em centros de emprego e formação profissional e/ ou manter a frequência escolar;”.
O tribunal a quo justificou o regime de prova aplicado, nos seguintes termos: “No essencial, visa-se, com tal decisão, que o arguido seja confrontado com os factos praticados e, de futuro, deixe de praticar factos violadores de bens jurídicos. Nestes termos, importará que o arguido EE demonstre estar ocupados no seu dia-a-dia semanal, se possível, a nível laboral ou, porventura, em outras atividades (ainda que familiares) (…) Assim, em conformidade o Tribunal imporá ao arguido EE, tendo em vista o rigoroso cumprimento do plano de readaptação social e o aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do arguido, as seguintes obrigações (e durante o período de suspensão da pena): a) Responder a convocatórias do técnico de reinserção social; b) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, devendo estar inscrito, se for caso disso e salvo justificação em contrário, em centro de emprego e formação profissional e/ ou manter a frequência escolar; Julgamos que tal regime de prova, com as imposições das obrigações e regras de conduta citadas, se mostra adequado ao comportamento do arguido nos termos referidos sancionado nestes autos e às exigências de prevenção que se fazem sentir. Entendemos estar perante deveres e obrigações cujo cumprimento é perfeitamente adequado e proporcional (art. 51.º, n.º 2, do CP). O arguido deve ter consciência de que, para além do mais, o incumprimento das obrigações, regras de conduta impostas, bem como do plano de reinserção social, é causa de revogação da suspensão da pena de prisão, o que determinará o cumprimento efetivo da referida pena (cfr. art. 56.º do CP)”.
É manifesto que o tribunal a quo, em face das circunstâncias concretas apuradas, fixou um período de suspensão com duração superior à da pena única para que o período de suspensão seja eficaz, tendo em vista a reinserção social do recorrente, afastá-lo da prática de novos crimes, dando lhe oportunidade de não cumprir a pena de prisão, com imposição de obrigações/regras de conduta, avaliadas em função das necessidades de prevenção especial.
De todo o modo, pequenas divergências na fixação do período de suspensão da execução da pena de prisão (in casu, dois meses), não devem, em princípio, ser fundamento para a sua alteração pelo tribunal de recurso que, ao contrário do tribunal a quo, não beneficiou da imediação e oralidade que também são importantes nesta sede.
O dever de o recorrente EE estar inscrito em centros de emprego e formação profissional e/ ou manter a frequência escolar, nos termos preconizados pelo tribunal a quo, traduz a função pedagógica da pena, de contenção e autorresponsabilização, e, atendendo às circunstâncias concretas apuradas, o período de suspensão da execução da pena de prisão por cinco anos, associado ao conjunto das obrigações/regras de conduta impostas, afigura-se-nos proporcional e adequado às exigências de prevenção geral e especial que se verificam neste caso.
Assim sendo, também improcedem estes fundamentos de recurso
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães, após conferência, em:
a) alterar a redação do ponto 8 da matéria de facto dada como provada, nos moldes explicitados no ponto 4. do presente acórdão, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) em virtude da irrelevância jurídica desta alteração, negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA, DD e EE, declarando-os totalmente improcedentes;
c) manter, no mais, o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 4 UCS (art. 513º, nº 1 do C.P.Penal e art. 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).
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Guimarães, 28 de outubro de 2025
Luísa Oliveira Alvoeiro (Juíza Desembargadora Relatora)
Paula Albuquerque (Juíza Desembargadora Adjunta)
Pedro Cunha Lopes (Juiz Desembargador Adjunto)
[1]“Processo Penal quando o Recurso incide sobre a Decisão da Matéria de Facto”, in Revista JULGAR Nº 10, pág. 25-27. [2] In “Recursos Penais”, 9ª Edição, pág. 113. [3] Se, após a ponderação da prova (toda a prova), o julgador se convenceu, com base numa análise objetiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova, sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica a violação de tal princípio.