DIFAMAÇÃO AGRAVADA
COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA
QUEIXA EXTEMPORÂNEA CONTRA UM DOS COMPARTICIPANTES
Sumário


I – O chamado princípio da indivisibilidade da queixa, previsto no Artº 115º, nº 3, do Código Penal, impede que ostensiva e intencionalmente o ofendido deixe fora de perseguição criminal um dos co-autores ou comparticipantes do crime.
II - Se o assistente, sabendo perfeitamente que os factos atinentes ao alegado crime de difamação agravada haviam sido perpetrados, em co-autoria, quer pelo denunciado, quer pela mulher deste, mas apenas apresentou queixa contra a segunda após o decurso do prazo de seis meses a que alude o Artº 115º, nº 1, do Código Penal, tal caducidade também aproveita ao primeiro, nos termos do disposto no citado Artº 115º, nº 3, do Código Penal, segundo o qual “O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes (…)”.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. Os presentes autos tiveram origem na participação que no dia 30/12/2022 AA, solteiro, maior, residente no lugar ..., da União de freguesias ... e ..., concelho ... [entretanto constituído assistente pelo despacho de 13/02/2023, exarado a fls. 13], dirigiu aos Serviços do Ministério Público de Monção contra BB, casado, residente na Travessa ..., da União de freguesias ... e ..., ..., imputando-lhe factos que, na sua perspectiva, “são suscetíveis de constituir um crime de difamação agravada” (cfr. fls. 3/5).

Constando-se, ainda, que no dia 04/07/2023, quando foi inquirido na qualidade de testemunha na G.N.R ..., e como resulta do respectivo auto, constante de fls. 57/58, o mesmo manifestou “(...) o desejo de procedimento criminal contra o seu irmão e contra a sua cunhada”.

*
2. Tramitado o respectivo Inquérito, sob o nº 4/23.5T9MNC, pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, Secção de ..., da Procuradoria da República da Comarca de Viana do Castelo, no dia 28/01/2024 a Exma. Procuradora da República proferiu o despacho constante de fls. 76/78, que ora se transcreve [1]:

I – DO ARQUIVAMENTO
Melhor compulsados os presentes autos de inquérito, resulta dos mesmos que o assistente AA em 30 de dezembro de 2022, manifestou vontade de procedimento criminal apenas contra o seu irmão BB pelos seguintes factos:
- Em dia não concretamente apurado de julho de 2022, o arguido BB publicou e postou, permitindo a sua divulgação, na sua página pessoal do Facebook, uma gravação áudio de uma conversa telefónica, entre este e a sua mãe do arguido e assistente, em que o arguido acusa o irmão deste ter tirado, sem o consentimento da sua mãe, dinheiro da conta bancária de que todos são titulares (o arguido, o assistente e a mãe de ambos).

A factualidade acima descrita é suscetível de, em abstrato, integrar a prática de um crime de difamação com publicidade, p. p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.
Ora, resulta da inquirição do assistente AA a fls. 57 e 58, realizada em 4-07-2023, que “tal publicação foi feita pelo perfil de Facebook de CC que é esposa do denunciado”, sendo que “manifesta neste ato o desejo de procedimento criminal contra o seu irmão e a sua cunhada”.
Vejamos, é impossível aquando a apresentação da queixa em 30 de dezembro de 2022, que o assistente AA não tivesse conhecimento em que perfil foi efetivamente publicada a gravação áudio, até porque procedeu à junção da mesma aos presentes autos de inquérito na mesma data (cfr. fls. 7). Aliás, o próprio, aquando a sua inquirição a fls. 57 a 58, informa onde é que constava tal publicação.
Contudo, foi opção do assistente apenas apresentar em 30 de dezembro de 2022 (após quase 6 meses da prática dos factos) queixa contra o seu irmão BB pela prática dos factos denunciados, sabendo, porque não podia deixar de o conhecer na altura em que apresentou, que os factos denunciados teriam sido praticados, co-autoria, pelo arguido BB e pela denunciada CC, sua cunhada (dado que a publicação daquela conversa foi efetuada efetivamente no perfil de Facebook desta, pelo que é expetável que tivesse sido efetuada esta, com conhecimento e após plano delineado com o arguido BB, seu marido). Aliás, só em 4 de julho de 2023 é que o assistente AA manifesta vontade de procedimento criminal contra a CC.
Ora, o crime em questão assume natureza particular, pois o respetivo procedimento criminal depende de acusação particular - (cfr. artigo 188.º, do Código Penal). Isto é, para o Ministério Público prossiga com o procedimento criminal, é necessário, nos termos do artigo 50.º, n.º1, do CPP, que o ofendido apresente queixa, se constitua assistente e deduza acusação particular.
Contudo, há que atender, quando à queixa, que o direito de a apresentar extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (cfr. artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal), e que, nos termos do artigo 115.º, n.º3, do Código Penal, “O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, salvo oposição destes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa.”.
Volvendo ao caso concreto, mesmo que se admita (o que não parece provável face aos depoimentos prestados pelas restantes testemunhas nos presentes autos de inquérito), que só em 30 de dezembro de 2022 o assistente AA tomou conhecimento da publicação da gravação da conversa em causa, a verdade é que, não obstante saber que os factos denunciados teriam sido praticados, em co-autoria, pelo arguido BB e pela denunciada CC (já que a gravação estava publicada no perfil de Facebook desta), o assistente em 30 de dezembro de 2022 só apresentou queixa contra o arguido BB, pelo que 4 de julho de 2023, quando apresenta queixa pelos factos denunciados também contra a denunciada CC, já tinha decorrido o prazo de 6 meses após a data em que o arguido BB tinha tomado conhecimento do facto e dos seus autores.
Ou seja, o assistente AA não exerceu tempestivamente o direito de queixa relativamente à denunciada CC, uma das comparticipantes no crime ora em causa – o seu direito de apresentar queixa caducou, na melhor das hipóteses, em 30.06.2023, pelo que não tem o Ministério Público legitimidade para promover o processo penal em relação ao crime supra referido quanto à denunciada CC.
Ora, nos termos do já referido artigo 115.º, n.º 3, do Código Penal, “O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes (…)”, pelo que, considera-se que o assistente também não apresentou atempadamente queixa contra o arguido BB.
Por conseguinte, face ao exposto, carece o Ministério Público de legitimidade para a promoção do procedimento criminal contra o arguido BB relativamente ao crime ora em causa, por não ter sido apresentada queixa atempadamente contra a denunciada CC pelos mesmos factos (neste sentido, ver Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-09-2016, Proc. n.º 90/14.9GAMGD.G1, relator Fernando Chaves), não obstante ter tido conhecimento de imediato da participação desta nos mesmos.
Note-se que o arguido BB, não se opôs a uma desistência de queixa (cfr. fls. 65-v), pelo que se considera que também não se opõe à aplicação do artigo 115.º, n.º3, do Código Penal
Pelo exposto, atento o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 115.º, n.º 1 e 3 e 188.º, ambos do Código Penal, por inadmissibilidade do procedimento criminal, determino o arquivamento dos autos, com referência ao n.º 1 do art. 277.º do Código de Processo Penal.
***
II – DAS COMUNICAÇÕES

- Notifique o presente despacho de arquivamento ao arguido BB, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.ºs 3 e 4, alínea a), do Código de Processo Penal.
- Notifique o assistente AA por via postal registada, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 3 “ex vi” do artigo 283.º, n.º 5 e 283.º, n.º 6, com comunicação do direito previsto no artigo 284.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal quanto a este crime.
- Notifique o I. Mandatário do assistente AA por via postal registada, nos termos do disposto nos artigos 113.º, n.º 11 e 277.º, n.º 3 “ex vi” do artigo 283.º, n.º 5 e 283.º, n.º 6, todos do Código de Processo Penal.
***
III- DO ESTATUTO COATIVO

Determina-se a extinção do TIR prestado pelo arguido a fls. 62, nos termos do disposto no artigo 214.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, cessando as obrigações decorrentes do mesmo.         
Notifique o arguido do mesmo.
*
IV - Da prescrição do procedimento criminal

Nos termos da Circular nº 8/2008 da PGR, consigna-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal nos presentes autos ocorrerá em 04.08.2025, sem prejuízo de eventuais causas de interrupção/suspensão da prescrição. [atendendo à moldura penal abstratamente aplicável ao ilícito em apreciação nos autos, à forma do crime e à data da constituição de arguido (04.08.2023) (artigos 118.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, e 119.º, nº 1, 121.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal)].
*
Registe e faça a necessária anotação na capa.
(…)”.
*
3. Notificado desse despacho de arquivamento, no dia 26/02/2024 o assistente  apresentou o recurso hierárquico que se mostra junto a fls. 85/88, que ora se transcreve:

O despacho de arquivamento considera que “carece o MP de legitimidade para promoção do procedimento criminal contra o arguido BB relativamente ao crime ora em causa, por não ter sido apresentada queixa atempadamente contra denunciada CC pelos mesmo factos, não obstante ter tido conhecimento de imediato da participação desta nos mesmos”.

Resulta dos autos a seguinte facticidade:
- O assistente participou contra BB, no dia 30 de Dezembro de 2022, e requereu a sua constituição como assistente.
- Por despacho de 13.02.2023 foi admitida a sua constituição como assistente;
- No dia 04.07.2023, o assistente prestou declarações, nestes autos, onde, entre outros factos, constam:
Disse que em Julho de 2022, em dia que não serecorda, recebeu várias chamadas telefónicas, de vários familiares, onde referiam que se encontrava um vídeo a circular no facebook, onde o seu irmão BB numa conversa com a mãe de ambos, dizia que o aqui depoente roubou dinheiro à mãe de ambos durante 15 anos.
Tal publicação foi feita pelo perfil do facebook de CC, que é a esposa do denunciado.”
- O assistente declarou, ainda, que pretendia procedimento criminal contra CC, em 04.07.2023, conforme auto de declarações.
- Tendo declarado expressamente esse desejo;
- Na participação o assistente denunciou e alegou os seguintes factos:

O participado tem uma página na rede social, na internet, denominada Facebook, com acessibilidade livre a qualquer utilizador no mural do seu perfil desta rede social.

O participado, nesta página do Facebook, tem o seu perfil, o seu nome, as suas fotos, entre outros dados pessoais.

No mês de Julho de 2022, o participado publicou e postou, permitindo a sua divulgação, na sua página pessoal do Facebook, uma gravação áudio de uma conversa telefónica, entre ele e a mãe de ambos, cujo som havia sido por ele recolhido e gravado aquando dessa conversa.

A gravação da conversação, entre o participado e a mãe dele e do participante, tem o seguinte teor que, aqui e agora, se transcreve:
Participado: Que dinheiro que ele quer ?
Mãe: Eu não sei. Foi ele que me disse assim, eu não sei nada. Não sei o que passa ali, o que passa acolá, porra.
Participado: O dinheiro que ele quer é o dinheiro da tua conta, sempre foi o que ele sempre utilizou. Da tua conta, quer dizer …, é dele, é tua e é minha, mas ele sempre gastou dessa conta, ele fez as obras da casa com esse dinheiro, ele, eu tenho de devolver, não, tenho de devolver, não, o dinheiro que tinha lá, pu-lo à parte, para ti. O que te roubou, durante estes 15 anos, esse dinheiro é que eu quero, que te roubou, que ele devolva. Foi, por isso, que fomos todos, foste mãe, foste connosco ao Porto, para fazer contas. Eu quero que ele devolva o dinheiro que roubou durante 15 anos. É isso, mais nada. Que levantou sem nosso consentimento.
Nem eu sabia, nem tu sabias. Sabias que ele levantava dinheiro, todo, sempre, todos os meses, todos os dias ?
Mãe: Não.
Participado: Ai tu não sabias? Eu também não sabia. Ai não ? Eu também não sabia que ele levantava dinheiro.
Mãe: Eu também não sabia. Eu não ando a espreitar nos bolsos dele.
Participado: Ai não? Ele levantava com o cartão o dinheiro das nossas contas. Estás a ver ?
- …
Participado: Pois, pois. Mas, a mim telefona-me, ainda, por cima, fui eu que te roubei. Ele rouba todos os meses e telefona-me a dizer que fui eu que te roubei, deixei-te as contas a zero. Eu simplesmente pus o teu dinheiro de lado, para ele não tirar mais, ele ou eles, agora, não sei. Só para isso, mais nada. Sá foi isso.

Estas declarações supra transcritas, postadas na rede social, pelo participado, através da publicação da gravação áudio, na sua página pessoal do Facebook, são dirigidas ao participante.

Ao publicar as declarações transcritas em 6º deste libelo, através da publicação da gravação áudio, na rede social, na sua página pessoal da plataforma do Facebook, dirigidas ao participante, o participado fê-lo com o propósito de ofender a dignidade, honra e consideração pessoal e pública devidas àquele, o que logrou conseguir, bem sabendo serem as mesmas aptas para esse efeito, designadamente com as imputações:
- “o que te roubou, durante 15 anos, esse dinheiro é que eu quero, que te roubou, que ele devolva”; - “Eu quero que ele devolva o dinheiro que roubou durante 15 anos”;
- “Ele rouba todos os meses”;
- “…para ele não tirar mais, ele ou eles”.
10º
Tal publicação era acessível a todos que acedessem à página do participado, pois, o seu acesso não estava restringido àqueles que fizessem parte ou o solicitassem a integração no grupo de “amigos”.
12º
A rede social Facebook tem milhões de utilizadores e é acessível a milhões de pessoas, podendo, no caso da página do participado, ter acesso àquela publicação e ouviu a mesma.
13º
O participado publicou e difundiu expressões contra o participante, imputou factos e insinuações inverídicas que ofendem a honra e consideração deste”.

Pelo que, com o devido e merecido respeito, não concordamos com esta decisão, porque, conforme resulta da factualidade anunciada na queixa – crime, nunca o assistente soube que a publicação foi feita no perfil de Facebook de CC.

Se soubesse que a publicação foi feita no perfil de CC não teria alegado na participação:

No mês de Julho de 2022, o participado publicou e postou, permitindo a sua divulgação, na sua página pessoal do Facebook, uma gravação áudio de uma conversa telefónica, entre ele e a mãe de ambos, cujo som havia sido por ele recolhido e gravado aquando dessa conversa.

Estas declarações supra transcritas, postadas na rede social, pelo participado, através da publicação da gravação áudio, na sua página pessoal do Facebook, são dirigidas ao participante.
12º
A rede social Facebook tem milhões de utilizadores e é acessível a milhões de pessoas, podendo, no caso da página do participado, ter acesso àquela publicação e ouviu a mesma.
13º
O participado publicou e difundiu expressões contra o participante, imputou factos e insinuações inverídicas que ofendem a honra e consideração deste.”

Resulta, pois, de forma clara e inequívoca, o desconhecimento do assistente, aquando da participação, de que a publicação foi feita no Facebook de CC, se o soubesse tê-lo-ia dito.

O assistente desconhecia que o crime de difamação tinha sido praticado em comparticipação.

Se assim não fosse, não teria alegado que “…o participado publicou e postou, permitindo a sua divulgação, na sua página pessoal do Facebook …”; “… pelo participado, através da publicação da gravação áudio, na sua página pessoal do Facebook…”; “… podendo, no caso da página do participado, ter acesso àquela publicação e ouvir a mesma…”; “O participado publicou e difundiu …”.

Em situação de comparticipação, desconhecendo o queixoso, aquando da apresentação da queixa contra determinadas pessoas pela prática de crime, existirem outro(s) comparticipantes, cuja existência e identificação se veio a apurar no inquérito, a queixa apresentada contra aqueloutros é extensiva a este(s), atento o disposto no artº 114º  do CP, não carecendo de apresentação de outra queixa expressamente contra o(s) mesmo, para que se considerem verificados os pressupostos do procedimento criminal contra todos os comparticipantes, com a subsequente dedução de acusação (…).

Resulta da prova produzida que o assistente manifestou de forma expressa, durante o inquérito, desejar procedimento criminal contra CC.
10º
Não existe qualquer prova ou indício que o assistente soubesse da comparticipação de CC, aquando da apresentação da queixa-crime.
11º
Antes, resulta, como supra se expôs, que o assistente, na data da presentação da queixa desconhecia a existência de outro (com)participante, cuja a existência se veio apurar durante o inquérito.
12º
Nos termos previstos no art. 114º do C.Penal, uma vez apresentada queixa contra um dos comparticipantes – no pressuposto de que o queixoso desconhecia a existência de outro – fica o queixoso dispensado de apresentar queixa manifestado o desejo de procedimento criminal contra o comparticipante, cuja existência e identificação veio a ser apurada no inquérito instaurado pelo Ministério Público.
13º
Na fase do inquérito está sempre salvaguardado o princípio segundo o qual se obsta à escolha, pelo titular do direito de queixa, de quem é que é perseguido, atento o preceituado no art. 262º, nº1, do CPP.
14º
O queixoso poderá não saber, no momento em que apresenta a queixa, quem é o autor do crime, assim como pode desconhecer que os factos foram praticados em comparticipação, vindo a apurar-se a sua existência e identificação no decurso do inquérito, aberto pelo MP.
15º
Essa é a obrigação do MP, depois, de o ofendido participar os factos que constituem o crime.
16º
Pois, segundo o art. 285º, nº 2, do CPP, o MP indica, na notificação prevista no número anterior, se foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus agentes, no crime particular.
17º
No caso de crime semi-público, nos termos do art. 283º, nº1, o MP tem legitimidade para exercer acção penal contra quem foi o agente do crime, independentemente, da queixa do ofendido ter identificado pessoa ou pessoas diferentes, se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente.
18º
Pelo que, salvo o devido respeito, por opinião mais avisada, a lei, quanto ao exercício do direito de queixa, faz estender os efeitos da apresentação desta contra um dos comparticipantes aos restantes ─ art. 114º do CPenal.
19º
Assim, a queixa apresentada pelo assistente contra o comparticipante BB tem de considerar-se tempestivamente apresentada contra CC.
20º
O facto de o assistente ter declarado, aquando da sua inquirição, que “a publicação foi feita pelo perfil de Facebook de CC”, não significa que tivesse conhecimento desse facto aquando da apresentação da queixa, até porque o teor da mesma contraria tal conclusão.

TERMOS EM QUE, se requer o prosseguimento do inquérito, para apurar se existem indícios do crime denunciado.”
*
4. Apreciando esse recurso hierárquico, em 18/03/2024 o Exmo. Procurador da República dirigente daquele DIAP, ao abrigo do Artº 278º, nº 1, do C.P.Penal, determinou o prosseguimento dos autos tendo em vista a “(…) realização da única diligência em falta: a constituição e o interrogatório como arguida de CC, sobre os factos denunciados.” – cfr. fls. 92/94.
*
5. E, na sequência da ulterior pertinente tramitação processual, em 21/04/2024 a Exma. Procuradora da República exarou o seguinte despacho, que consta de fls. 102 / 102 Vº (transcrição):
“Fls. 99 e 101: visto. Tomei conhecimento.
*
Consta na informação de fls. 75 datada de 04 de janeiro de 2024, que “se apurou que a denunciada se encontra em ..., não tendo vindo a Portugal na época natalícia, prevendo voltar apenas no próximo mês de Agosto.”
Acontece que realizadas pesquisas, apenas se apurou uma morada portuguesa da denunciada CC (cfr. fls. 99). Por outro lado, notificado o assistente e o seu I. Mandatário, o mesmo vem informar, sem indicar nenhuma morada, que “a morada da denunciada CC é a mesma do arguido BB.”
Assim sendo, após as pesquisas realizadas, continuamos sem saber com certeza e em concreto onde é que a denunciada efetivamente reside, havendo apenas indícios de que, caso efetivamente seja a mesma do marido, o arguido BB, a morada será aquela que este declarou aquando foi interrogado no dia 4 de agosto de 2023 na qualidade de arguido: “Rue ..., ...”.
Face à informação exposta supra teríamos que emitir uma carta rogatória dirigida às autoridades competentes francesas de ..., solicitando a constituição de arguido desta, bem como respetivo termo de identidade e residência e subsequente interrogatório nessa qualidade.
Acontece que o procedimento criminal quanto à denunciada prescreve em 01 de julho de 2024. Assim sendo, não é possível em tempo útil, face à demora inevitável do cumprimento da carta rogatória em ..., e sem termos a certeza que aquela seja efetivamente a residência daquela, a realização de tal diligência, sendo que certo, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código de Processo Penal “Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal” e que, nos termos do artigo 272.º, n.º1, in fine , do mesmo diploma legal, se não for possível notificar a denunciada (o que é o caso dado que não é possível em tempo útil), não é obrigatório interroga-lo como arguido em sede de inquérito.
Por conseguinte, face ao exposto, passamos de seguida à notificação nos termos e para os efeitos do artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Penal:
Notifique o assistente e o seu Ilustre Mandatário, nos termos e para os efeitos do artigo 285.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, para, no prazo de 10 dias, querendo, deduzir acusação particular, sendo que, nos termos do n.º 2 daquele preceito, por um lado, o Ministério Público entende que relativamente aos factos denunciados não foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e dos seus agentes, por outro lado, o Ministério Público não acompanhará a acusação particular eventualmente deduzida considerando, e salvo todo o devido respeito por opinião contrária, que mantem a sua posição já sufragada no despacho de arquivamento de fls. 76 a 78 (designadamente, porque o assistente, nada data em que apresentou queixa, não poderia deixar de conhecer em que perfil de Facebook foi publicada a conversa áudio em causa dado que, na data em que o fez, apresenta um CD com a referida conversa – ora só a pode ter retirado do perfil de Facebook em que a mesma foi publicada – sendo certo também que notificado para esclarecer, afinal, em que perfil de Facebook foi tal conversa publicada, o mesmo declarou a fls. 73, ao contrário do que consta da queixa que apresentou, que “o print da página do Facebook onde se encontrava publicada a gravação de voz é do Facebook de CC, esposa do arguido”.).
(…)”..
*
6. Regularmente notificado daquele despacho, deduziu o ofendido / assistente AA acusação particular [e pedido de indemnização civil] contra BB e CC, nos termos que constam de fls. 107/115, que a seguir se transcrevem, visando a submissão destes a julgamento, em processo comum, perante tribunal singular:
“(…)

O assistente é irmão do primeiro arguido e cunhado da segunda.

O assistente exerce a actividade de guarda prisional.

A segunda arguida tem uma página na rede social, na internet, denominada Facebook, com acessibilidade livre a qualquer utilizador no mural do seu perfil desta rede social.

A arguida, nesta página do Facebook, tem o seu perfil, o seu nome, as suas fotos, entre outros dados pessoais.

Em data que o assistente não sabe precisar, mas que se situa no mês de Julho de 2022, os arguidos publicaram e postaram, permitindo a sua divulgação, na página pessoal do Facebook da segunda, uma gravação áudio de uma conversa telefónica, entre o primeiro arguido e a sua mãe, cujo som havia sido por eles recolhido e gravado aquando dessa conversa.

A gravação da conversação, entre o primeiro arguido e a mãe dele e do assistente, tem o seguinte teor que, aqui e agora, se transcreve:
1º arguido: Que dinheiro que ele quer?
Mãe: Eu não sei. Foi ele que me disse assim, eu não sei nada. Não sei o que passa ali, o que passa acolá, porra.
1º arguido: O dinheiro que ele quer é o dinheiro da tua conta, sempre foi o que ele sempre utilizou. Da tua conte, quer dizer ..., é dele, é tua e é minha, mas ele sempre gastou dessa conta, ele fez as obras da casa com esse dinheiro, ele, eu tenho de devolver, não, tenho de devolver, não, o dinheiro que tinha lá, pu-lo só à parte, para ti, o que te roubou, durante estes 15 anos, esse dinheiro é que eu quero, que te roubou, que ele devolva. Foi, por isso, que lá fomos todos, foste mãe, foste connosco ao Porto, para fazer contas. Eu quero que ele devolva o dinheiro que roubou durante 15 anos. E só isso, mais nada. Que levantou sem nosso consentimento.
Nem eu sabia, nem tu sabias. Sabias que ele levantava dinheiro, todo, sempre, todos os meses, todos os dias?
Mãe: Não.
1º arguido: Ai tu não sabias? Eu também não sabia. Ai não? Eu também não sabia que ele levantava dinheiro.
Mãe: Eu também não sabia. Eu não ando a espreitar nos bolsos dele.
1º arguido: Ai não? Ele levantava com o cartão o dinheiro das nossas contas. Estás a ver?
-...
1º arguido: Pois, pois. Mas, a mim telefona-me, ainda, por cima, fui eu que te roubei. Ele rouba todos os meses e telefona-me a dizer que fui eu que te roubei, deixei-te as contas a zero. Eu simplesmente pus o teu dinheiro de lado, para ele não tirar mais, ele ou eles, agora, não sei. Só para isso, mais nada. Só foi isso.

Estas declarações supra transcritas, postadas na rede social, pelos arguidos, através da publicação da gravação áudio, na página pessoal do Facebook da segunda, são dirigidas ao assistente.

O assistente, o primeiro arguido e a mãe deles são co-titulares de uma conta bancária, sediada na Banco 1... de Monção, cujos valores aí depositados pertencem àquela.

Ao publicarem as declarações transcritas em 6º deste libelo, através da publicação da gravação áudio, na rede social, na página pessoal da plataforma do Facebook da segunda arguida, dirigidas ao assistente, os arguidos fizeram-no com o propósito de ofender a dignidade, honra e consideração pessoal e pública devidas àquele, o que lograram conseguir, bem sabendo serem as mesmas aptas para esse efeito, designadamente, com as imputações:
- “o que te roubou, durante estes 15 anos, esse dinheiro é que eu quero, que te roubou, que ele devolva”;
- “Eu quero que ele devolva o dinheiro que roubou durante 15 anos”;
- “...para ele não tirar mais, ele ou eles”.
10º
Tal publicação era acessível a todos que acedessem à página da segunda arguida, pois, o seu acesso não estava restringido àqueles que fizessem parte ou o solicitassem a integração no grupo de “amigos".
11º
As imputações gravadas via áudio e publicadas pelo mesmo meio, no Facebook, pelos arguidos, afectam a pessoa do assistente, enquanto tal, extravasam uma crítica ao exercício ou actuação do mesmo enquanto co-titular de uma conta bancária, mas à sua honorabilidade e consideração, que, além de falsas, constituem um ataque aviltante, degradante, humilhante e rebaixante da pessoa do assistente.
12º
A rede social Facebook tem milhões de utilizadores e é acessível a milhões de pessoas, podendo, no caso da página da segunda arguida, ter acesso àquela publicação e ouvir a mesma.
13º
Agiram em comunhão de esforços e de intentos e de acordo com plano previamente delineado, idealizando e publicando a gravação de som que ambos fizeram e quiseram.
14º
Os arguidos publicaram e difundiram expressões contra o assistente, por meio de som, imputaram factos e insinuações inverídicas que ofendem a honra e consideração deste.
15º
Actuaram com o propósito de vexar, humilhar e rebaixar o assistente, fazendo crer a terceiros que o assistente era pessoa desonesta, leviana, de mau porte, sem vergonha, e fazendo chacota dele.
16º
Os arguidos quiseram ofender a honra e reputação do ofendido, o que conseguiram.
17º
Os arguidos, ao publicar a gravação áudio, no perfil do Facebook da segunda arguida, quiseram denegrir e prejudicar a imagem pessoal e profissional do assistente, o que realmente conseguiram.
18º
Mais sabiam os arguidos que o meio utilizado - a internet e a rede social Facebook - facilitava, como facilitou, a sua divulgação a um indiscriminado número de pessoas.
19º
Os arguidos agiram de forma deliberada, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta e que ofenderiam a honra e consideração do assistente e que ao gravar ou recolher o som da conversação com a sua mãe e publicá-la, na página do Facebook da segunda arguida, estavam a ofender a honra e consideração deste através de meios que facilitavam, como facilitaram a divulgação das suas imputações.
20º
Pelo exposto, cometeram os arguidos, em co-autoria material, sob a forma consumada, um crime de difamação, agravado pela publicidade, p. e p., em conjugação, nos termos dos arts. 26º, 180º, nº 1, 182º, 183º, nº 1, als. a) e b), todos do C.Penal.

PROVA:
A – FICHEIRO COM A GRAVAÇÃO ÁUDIO PUBLICADO NO “FACEBOOK”.
E transcrição do mesmo.

B – DECLARAÇÕES DO ASSISTENTE, identificado a fls. 57.

C – TESTEMUNHAL:
1. DD, identificado a fls 48;
2. EE, identificada a fls. 47;
3. FF, identificada a fls. 51.
(...)”.
*
7. Em face dessa peça processual apresentada pelo assistente, em 09/05/2024 a Exma. Procuradora da República pronunciou-se a fls. 116 / 117 Vº, nos seguintes termos (transcrição):

Face à acusação particular deduzida de fls. 107 a 115, declaro encerrado o presente inquérito.
I – Da constituição de arguida

Como já referido no nosso despacho datado de 21 de abril de 2024, consta na informação de fls. 75 datada de 04 de janeiro de 2024, que “se apurou que a denunciada se encontra em ..., não tendo vindo a Portugal na época natalícia, prevendo voltar apenas no próximo mês de Agosto.” Acontece que realizadas pesquisas, apenas se apurou uma morada portuguesa da denunciada CC (cfr. fls. 99). Por outro lado, notificado o assistente e o seu I. Mandatário, o mesmo vem informar, sem indicar nenhuma morada, que “a morada da denunciada CC é a mesma do arguido BB.” Assim sendo, após as pesquisas realizadas, continuamos sem saber com certeza e em concreto onde é que a denunciada efetivamente reside, havendo apenas indícios de que, caso efetivamente seja a mesma do marido, o arguido BB, a morada será aquela que este declarou aquando foi interrogado no dia 4 de agosto de 2023 na qualidade de arguido: “Rue ..., ...”. Face à informação exposta supra teríamos que emitir uma carta rogatória dirigida às autoridades competentes francesas de ..., solicitando a constituição de arguida desta, bem como respetivo termo de identidade e residência e subsequente interrogatório nessa qualidade. Acontece que o procedimento criminal quanto à denunciada prescreve em 01 de julho de 2024. Assim sendo, não é possível em tempo útil, face à demora inevitável do cumprimento da carta rogatória em ..., e sem termos a certeza que aquela seja efetivamente a residência daquela, a realização de tal diligência.

Posto isto, a denunciada CC assumiu a qualidade de arguida a partir do momento em que foi deduzida acusação contra esta no presente inquérito, nos termos do artigo 57.º, n.º1, do Código de Processo Penal.
      
Por conseguinte, aquando a sua notificação da acusação deduzida com recurso a uma carta rogatória, deverão ser-lhe dado conhecimento que, nessa qualidade, goza dos direitos e deveres elencados no artigo 61.º do Código de Processo Penal, bem como deverá a mesma prestar Termo de identidade e residência.
Mais consigno que, por impossibilidade de notificação pelos motivos acima referidos (incerteza da sua localização atual e impossibilidade de emissão de carta rogatória para o efeito em tempo útil), não se procedeu em sede de inquérito ao interrogatório como arguido de CC, nos termos do artigo 272.º, n.º1, in fine do Código de Processo Penal.

II– Nomeação de defensores:

Via SINOA, solicite a nomeação de Defensor Oficioso aos arguidos BB e CC, que desde já se nomeia, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 64.º do Código de Processo Penal e artigo 2.º, da Portaria 10/2008, de 03/01.
Notifique os arguidos, nos termos do artigo 66.º, n.º 1, do  de Processo Penal, via carta rogatória, com a menção expressa ao disposto no artigo 64.º, n.º 4, do Código de Processo Penal – os arguidos ficam obrigados caso sejam condenados, a pagar os honorários do Defensor Oficioso, salvo se lhe for concedido apoio judiciário, podendo proceder á substituição desse defensor mediante a constituição de advogado.

III – Acusação particular de fls. 107 a 115 e ss.:

O Ministério Público não acompanha a acusação particular deduzida pelo assistente, AA, contra BB e CC, a fls. 107 e 115 ss., pelas razões expostas no despacho proferido a fls. 107 a 115, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas.
**
IV - Medidas de coação:

Promovo que o arguido BB aguarde os ulteriores termos processuais sujeito às obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência, já prestado a fls. 62 dos autos de inquérito, medida de coação que se nos afigura, por ora, adequada, suficiente e proporcional para assegurar a realização do julgamento – cfr. artigos 193.º, 196.º e 204º, a contrario, todos do Código de Processo Penal.
O Ministério Público promove que a arguida CC fique a aguardar os ulteriores trâmites processuais e julgamento sujeita a termo de identidade e residência, nos termos do disposto no artigo 196.º do Código de Processo Penal, ainda não prestado, medida de coação que se reputa adequada, proporcional e suficiente, uma vez que, pese embora não se conhecer o paradeiro da mesma, não se pode concluir que esta se encontre em fuga, não se verificando, deste modo, nenhum dos pressupostos previstos no artigo 204º do Código de Processo Penal.
*
V – Comunicações:

- Notifique o arguido BB da acusação particular deduzida e do presente despacho através de carta rogatória, dirigida às autoridades francesas competentes (tendo em conta a morada apurada em ... do arguido BB a fls. 62) solicitando-se a notificação pessoal do mesmo (cf. art.º 5.º. n.º 2, al. d), da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal celebrada entre os Estados Membros da União Europeia de 29-05-2000.
- Notifique Il. Defensor ora nomeado deste, da acusação particular e do presente despacho.
- Notifique a arguida CC da sua constituição como arguida, dos seus direitos e deveres previstos no artigo 61.º do Código Processo Penal por ter assumido tal qualidade, para prestar termo de identidade e residência, da acusação particular deduzida e do presente despacho através de carta rogatória, dirigida às autoridades francesas competentes (tendo em conta a morada apurada em ... do arguido BB) solicitando-se a notificação pessoal da mesma (cf. art.º 5.º. n.º 2, al. d), da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal celebrada entre os Estados Membros da União Europeia de 29-05-2000. Neste caso, tendo em conta o risco iminente de prescrição, solicite de imediato ajuda, através do e-mail ..........@....., ao departamento de cooperação judiciária e relações internacionais para que a carta rogatória a ser emitida à autoridades francesas competentes tenha cumprimento célere;
- Notifique o Il. Defensor ora nomeado da arguida CC da acusação particular e do presente despacho
- Notifique o Assistente e o seu Il. Mandatário, da posição assumida pelo Ministério Público.
(…)”.
*
8. Notificados daquela acusação particular, em 24/08/2024 requereram os arguidos a abertura de instrução, nos termos do disposto no Artº 287º, nº 1, al. a), do C.P.Penal, conforme peça processual dirigida aos autos em 29/08/2024, junta a fls. 192/193, que se transcreve, na parte que ora interessa considerar:
“(…)
1. A presente instrução é requerida tão só para apreciação de questões eminentemente jurídicas,
2. Entendemos/ salvo o devido respeito por opinião contrária, que as questões jurídicas em causa não oferecem quaisquer dúvidas de interpretação e que deverão levar à prolação de despacho de não pronúncia.
Vejamos com brevidade:
3. O assistente apresentou queixa contra a arguida CC em 4 de Julho de 2023.
4. Tal como se referiu no despacho de arquivamento do inquérito mesmo que se admita (o que não parece provável face aos depoimentos prestados pelas restantes testemunhas nos presentes autos de inquérito), que só em 30 de dezembro de 2022 o assistente AA tomou conhecimento da publicação da gravação da conversa em causa/ a verdade é que, não obstante saber que os factos denunciados teriam sido praticados, em co-autoria, pelo arguido BB e pela denunciada CC (já que a gravação estava publicada no perfil de Facebook desta), o assistente em 30 de dezembro de 2022 só apresentou queixa contra o arguido BB, pelo que 4 de julho de 2023, quando apresenta queixa pelos factos denunciados também contra a denunciada CC, já tinha decorrido o prazo de 6 meses após a data em que tinha tomado conhecimento do facto e dos seus autores, mesmo que se considerasse ser 30 de Dezembro 2023 a data relevante.
5. Ou seja, o assistente AA não exerceu tempestivamente o direito de queixa relativamente à denunciada CC, uma das comparticipantes no crime ora em causa - o seu direito de apresentar queixa caducou, na melhor das hipóteses, em 30.06.2023, em relação à denunciada CC,
6. Ora, nos termos do artigo 115º, nº 3, do Código Penal, "O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes (...)”.
7. Assim, terá de considerar-se que o assistente também não apresentou atempadamente queixa contra o arguido BB.
8. Por isso, extinguiu-se o direito do assistente apresentar queixa pelos factos em questão contra os arguidos, nos termos do artigo 115º, nº 3 do Código Penal, o que aqui, expressamente se invoca.
Sem prescindir,
9. Conforme se refere na queixa apresentada, os factos terão sido alegadamente praticados em Julho de 2022.
10. Ao crime em questão é aplicada uma moldura penal cujo limite máximo é de 4 meses de prisão ou 320 dias de multa – artigo181º e 183º, nº 1, do Código Penal.
11. Ora, nesse caso, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 2 (dois anos) - artigo 115º, nº 1, al. d) do Código Penal.
12. A denunciada CC foi constituída arguida no dia 9 de Agosto de 2024 às 11h30m
13. Mais de dois anos após a ocorrência dos factos.
14. E até aí não ocorreu qualquer facto susceptível de interromper o procedimento criminal.
15. Assim, prescreveu o procedimento criminal em relação à arguida CC, o que aqui expressamente se invoca.

Termos em que,
Requer a v. Exa. que declarada aberta a instrução e realizado debate
instrutório, profira despacho de não pronúncia.
(…)”.
*
9. Distribuídos os autos, como instrução, ao Juízo de Instrução Criminal de Viana do Castelo, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, na sequência da ulterior pertinente tramitação processual, no dia 20/01/2025 realizou-se o debate instrutório, conforme acta de fls. 220/221 e, subsequentemente, no dia 21/01/2025, foi proferida a decisão instrutória que consta de fls. 222 / 224 Vº, com o teor que a seguir se transcreve, na parte que ora interessa considerar:
“(...)
DECISÃO INSTRUTÓRIA
*
Da acusação particular:
Com relevância para a presente fase de Instrução Criminal, importa ponderar que o assistente AA deduziu acusação particular contra os arguidos BB e CC, imputando-lhes a prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal.
Cfr. fls. 107 a 112.
*
Do não acompanhamento da acusação particular por parte do Ministério Público:
O Ministério Público não acompanhou esta acusação particular, por entender não haver elementos que permitam concluir pela responsabilização criminal dos arguidos.
Cfr. fls. 102 verso e 116 verso.
*
Do requerimento de abertura de Instrução:
Inconformados com a acusação particular contra si deduzida, ambos os arguidos vieram requerer a abertura de Instrução, sustentando a inexistência de responsabilidade criminal da sua parte.
Para o efeito vieram invocar caducidade do exercício do direito de queixa e, relativamente à arguida, prescrição do procedimento criminal.
Conclui pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.
Cfr. fls. 239 e 240.
*
Da tramitação:
Foi proferido despacho liminar de abertura da Instrução (cfr. fls. 197), não tendo havido lugar à realização de diligências instrutórias; realizou-se audiência de debate instrutório, em conformidade com o processualismo legal, conforme consta da respetiva ata (cfr. fls. 220 e 221).
*
Do saneamento:
Mantém-se a validade e regularidade da instância criminal que estiveram subjacentes à prolação do despacho de abertura de instrução.
Ao abrigo do artigo 308.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, cumpre apreciar as questões prévias suscitadas.
A.
Da prescrição do procedimento criminal invocada pela arguida CC:
Estando esta arguida acusada da prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal, verifica-se que a moldura penal aplicável é de 8 (oito) meses de prisão.
Nos termos do artigo 118.º, n.º 1, al.ª d), do Código Penal, o prazo de prescrição é de dois anos; ora, datando os factos de Julho de 2022, o termo do referido prazo ocorre em Julho de 2024, sendo que neste período não se verificou rigorosa e absolutamente nenhuma causa de suspensão e/ou de interrupção da prescrição; na verdade, a arguida apenas assumiu tal qualidade formal para efeito de contagem do prazo de prescrição no dia 09-08-2024 (cfr. fls. 177), pelo que é inequívoco que o referido prazo já decorreu, uma vez que a constituição como arguida como causa de interrupção do referido prazo verificou-se já posteriormente (cfr. o artigo 121.º, n.º 1, al.ª a), do Código Penal); é certo que o artigo 57.º, n.º 1, do Código de Processo Penal estabelece que: “Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação (…)”, todavia, esta assunção da qualidade de arguido não comporta qualquer efeito interruptivo no respeita à prescrição, pois não se está perante uma constituição formal como arguido, conforme jurisprudência diversa:
- Veja-se, no respetivo sítio, o Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 02-10-2002:
“I – A prescrição do procedimento criminal tem natureza predominantemente substantiva. II – A aquisição da qualidade de arguido está dependente da comunicação ao visado dos correspondentes deveres. III – A mera dedução da acusação não se equipara à constituição de arguido, para efeito de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal;
- A Decisão Sumária do TRC de 19-09-2012, CJ, 2012, T4, pág.35: “A referência expressa do artº121º, nº1, al.ª a) do CP, à «constituição como arguido» só pode ser entendida no sentido rigoroso definido nos artºs 58º e 59º do CPP” - aqui não se incluindo, por conseguinte, o estabelecido no artigo 57.º, n.º 1, do Código de Processo Penal;
- Consultável no respetivo sítio, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-06-2022:
“I – A dedução da acusação não conduz à constituição de arguido exigida pelo artigo 121.º, n.º 1, al.ª a), do Código Penal. Nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal. Não existe neste caso uma constituição formal de arguido, nos termos mencionados no artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. II – temos, pois, duas situações distintas: uma constituição de arguido e uma assunção da qualidade de arguido. III – A constituição de arguido a que se refere o artigo 121.º, n.º 1, al.ª a), do Código Penal só pode significar a identificada no artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sob pena de quebra, grave, da unidade do sistema jurídico”.
Em conformidade com o exposto, julgo extinto o procedimento criminal em curso relativamente à arguida CC, identificada a fls. 178, com fundamento em prescrição.
B.
Da invocada caducidade do direito de queixa, abrangendo ambos os arguidos:
Os arguidos vieram invocar que os factos datam de Julho de 2022, que a queixa foi apresentada em 30 de Dezembro de 2022 apenas contra o arguido BB e não já contra a arguida, coautora, CC, sendo que a queixa contra esta apenas foi apresentada no dia 04 de Julho de 2023, aquando da prestação de declarações do assistente (cfr. fls. 57 e 58), sendo inverosímil que o assistente não tivesse conhecimento prévio da coautoria e verificando-se, por conseguinte, nos termos do artigo 115.º, n.º 3, do Código Penal, caducidade do direito de queixa.

Dos autos resulta o seguinte:
1. Os factos ofensivos da honra do assistente referem-se a uma publicação na página do Facebook da arguida CC – cfr. as declarações prestadas pela testemunha FF a fls. 51, pelo assistente AA a fls. 57 e 58 e o próprio teor da acusação particular no artigo 5.º, a fls. 108;
2. O assistente procedeu à junção da gravação contendo a conversa ofensiva da sua honra, por requerimento datado de 30-12-2022, sendo que acedendo à gravação, consta essa mesma data como a da última modificação efetuada, mas constando do ficheiro a data inicial de 15-11-2022 (cfr. fls. 07 e 08 e o acesso efetuado);
3. O assistente deduziu acusação contra ambos os arguidos, imputando-lhes a prática dos factos e correspondente crime em coautoria – cfr. a acusação particular deduzida a fls. 107 a 112, com especial destaque para o artigo 21.º a fls. 111;
4. Os factos imputados como sendo ofensivos foram constatados por familiares do assistente, designadamente pela sua filha, a testemunha FF, em Julho de 2022, que alertou – tal como outros familiares alertaram - o assistente para o ocorrido – cfr. novamente, os depoimentos, para além do mais, do assistente e da testemunha sua filha;
5. O assistente apresentou queixa no dia 30-12-2022 apenas contra o arguido BB – cfr. fls. 02 a 05;
6. Aquando da sua inquirição no dia 04-07-2023, apresentou também queixa contra a arguida CC – cfr. fls. 57 e 58;
Ora, ponderando o exposto, resulta dos depoimentos recolhidos a forte convicção de que logo em Julho de 2022, o assistente tomou conhecimento dos factos (publicados no Facebook da arguida CC), pelo que, ao apresentar em 30-12-2022 apenas queixa contra o arguido BB e só em 04-07-2023 contra a arguida, constatava-se a extemporaneidade respetiva, por caducidade em relação à coautora CC, que aproveita ao coautor BB, nos termos do citado artigo 115.º, n.º 3, do Código Penal.
Mas mesmo que assim não fosse e não houvesse que contar o prazo de seis meses para apresentação de queixa desde Julho de 2022 (e ainda mesmo abstraindo da data supra mencionada de 15-11-2022, no n.º 2 do relatório supra), a verdade é que o assistente apresentou a queixa inicial (apenas contra o arguido) no dia 30-12-2022, pelas 19.01 (cfr. fls. 02) e poucos minutos depois, pelas 19:04 (cfr. fls. 07), procede à junção do suporte de gravação onde consta a publicação que imputa na acusação a ambos os arguidos na página de facebook da arguida! Ou seja, na data da queixa inicial (30-12-2022, queixa apresentada apenas contra o arguido), o assistente já tinha conhecimento da coautoria por parte da arguida, pelo que o prazo de seis meses para apresentação de queixa contra esta arguida teria de contar-se, nesta perspetiva mais lata e mais favorável ao próprio assistente, a partir daquela data de 30-12-2022, o que relega o respetivo termo de seis meses para o dia 30-06-2023, tendo a queixa contra a arguida CC sido apresentada somente no dia 04-07-2023, ou seja, sendo extemporânea.

Ora, nos termos do artigo 115.º, do Código Penal:
“1 - O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz, exceto no caso do direito de queixa previsto no n.º 1 do artigo 178.º, que se extingue no prazo de um ano.
(…)
3 - O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa.”
Concluindo-se pela extemporaneidade da queixa apresentada contra a coautora CC, a mesma aproveita ao coarguido BB, importando, pois, com este fundamento, declarar extinto o procedimento criminal em curso contra ambos os arguidos.
*
DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, ao abrigo dos normativos legais supra citados e ainda do artigo 308.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, O TRIBUNAL DECIDE:

A.
JULGAR EXTINTO POR PRESCRIÇÃO O PROCEDIMENTO CRIMINAL EM CURSO RELATIVAMENTE À ARGUIDA CC E, EM CONSEQUÊNCIA DETERMINAR O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS RELATIVAMENTE À MESMA.
II.
JULGAR EXTINTO O PROCEDIMENTO CRIMINAL EM CURSO TAMBÉM CONTRA A ARGUIDA CC NA EXTEMPORANEIDADE DA QUEIXA APRESENTADA CONTRA A MESMA, O QUE APROVEITA AO COAUTOR BB, CUJO PROCEDIMENTO CRIMINAL EM CURSO ASSIM TAMBÉM SE DECLARA EXTINTO, PROFERINDO-SE DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA DE AMBOS.
*
Taxa de justiça devida pelo desenlace dos autos:
Fixa-se a taxa de justiça em 02 (duas) UC a cargo do assistente AA - cfr. o artigo 515.º, n.º 1, al.ª a), do Código de Processo Penal.
*
Em cumprimento da Circular n.º 4/2016 do CSM, após trânsito em julgado da presente decisão instrutória, comunique a prescrição ao Sr. Juiz Presidente da Comarca, remetendo certidão da presente decisão instrutória, com menção de trânsito; consigno que os autos foram remetidos à distribuição pela primeira vez para a prática de ato jurisdicional em ... no dia 06-02-2023, conclusos no dia 09-02-2023, despachados no dia 13-02-2023 e cumprido no dia seguinte pela secção, tendo sido devolvidos ao Ministério Público no dia 14-02-2023 e remetidos à distribuição como Instrução no dia 16-09-2024, sendo que a prescrição declarada verificou-se em Julho de 2024.
*
Oportunamente arquivem-se os autos.
Notifique.
(...).
*
10. Inconformado com essa decisão judicial, dela veio o assistente AA interpor o presente recurso, nos termos da peça processual junta a fls. 226/229, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição):

“1. O arguido apresentou queixa – crime contra um dos comparticipantes, imputando os factos, apenas, àquele contra quem apresentou a queixa;
2. Do teor da participação do assistente resulta que desconhecia outro comparticipante na prática dos factos, ou seja, o assistente desconhecia que a gravação tivesse sido publicada na página pessoal do Facebook da mulher do arguido;
3. O que ressuma apodíctico é que o assistente/recorrente, quando apresenta a queixa – crime contra o arguido BB, desconhece a existência de um comparticipante dos factos participados, pois, segundo aquela, é, apenas, este que “postou”, “publicou”, “difundiu”, “imputou” “na sua página do facebook”, onde “tem o seu perfil”, a gravação áudio;
4. Temos, assim, que a queixa inicial apresentada contra um dos comparticipantes torna o procedimento extensivo aos demais, nos termos do art. 114º do C.Penal;
5. Se o participante/assistente soubesse, quando apresentou a queixa, que a publicação foi efectuada na página pessoal da mulher do arguido e participasse, apenas, contra este, então, estaria a escolher quem é que queria perseguir criminalmente e quem queria descriminar;
6. Porém, no caso presente não se alcança, nem do teor da participação, nem do teor das declarações prestadas, em fase de inquérito, que o participante/assistente haja querido descriminar um dos autores do crime em causa;
7. Pelo que, não é de configurar a situação prevista no nº 3, do art. 115º do C.Penal, afastada que resulta, no contexto, a razão de ser da norma em referência, isto é, a escolha dos comparticipantes contra os quais haverá de ter lugar o processo penal;
8. O assistente deduz a acusação contra o outro comparticipante CC, pois, nessa data já sabe que a gravação poi publicada no Facebook dela;
9. Assim, deveria o arguido BB ser pronunciado, bem como, a arguida, pela prática do crime de difamação, em co-autoria material.

TERMOS EM QUE, deve o despacho de não pronúncia ser revogado e proferido Acórdão de acordo com as conclusões supra transcritas, no entanto, Vªs Exªs ao decidirem e como decidirem farão
JUSTIÇA!”.
11. Nessa sequência, em 11/03/2025 o Mmº Juiz a quo proferiu o despacho que consta de fls. 230 / 230 Vº, com o seguinte teor (transcrição):

Recurso interposto nos autos pelo assistente AA relativo à decisão instrutória de não pronúncia:
Questão prévia:
O assistente recorre, concluindo, sob o n.º 9: “Assim, deveria o arguido BB ser pronunciado, bem como, a arguida, pela prática do crime de difamação, em co-autoria material” (o sublinhado é da nossa lavra); sucede, porém, que logo no início do seu requerimento de interposição de recurso, o assistente delimita o objeto do mesmo da seguinte forma: “O presente recurso vai interposto do douto despacho que não pronunciou o arguido BB, por extemporaneidade da queixa apresentada contra a comparticipante no crime CC, nos termos do disposto no art. 115º, nº 3, do C.Penal.”; neste seguimento – e ponderando, ainda, que a decisão instrutória recorrida, no seu primeiro segmento, declarou extinto o procedimento criminal em curso contra a arguida CC com fundamento em prescrição, desse segmento não tendo havido recurso, afigura-se-nos que o recurso interposto pretende somente a revogação da decisão instrutória na parte em que foi proferido despacho de não pronúncia do arguido BB e tão só, o que aqui consigno, não sendo, por conseguinte, recorrida, também, a arguida CC.

Posto isto:
- Porque tempestivo (cfr. o art.º 411.º, n.º 1, al.ª a), do Código de Processo Penal, a data da notificação efetuada ao assistente da decisão instrutória de não pronúncia);
- Interposto por quem tem legitimidade (cfr. o art.º 401.º, n.º 1, al.ª b), do Código de Processo Penal e o despacho que admitiu o recorrente a intervir nos autos na qualidade de assistente);
- E com observância dos demais requisitos processuais (cfr. os art.os 399.º e 411.º, n.º 3, 1.ª parte e 412.º, todos do Código de Processo Penal;
Nos termos do art.º 414.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, admito o recurso interposto pelo assistente AA, o qual sobe imediatamente (cfr. o art.º 407.º, n.º 2, al.ª a) e i), do Código de Processo Penal), nos próprios autos (cfr. o art.º 406.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e com efeito meramente devolutivo (cfr. o art.º 408.º, a contrario do Código de Processo Penal).
Notifique (cfr. o art.º 414.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
*
Materialização do processado:
Tendo em vista uma mais fácil e célere aferição dos termos processuais seguidos e a seguir, determino se imprima e junte em suporte de papel aos autos cópia do requerimento e motivações de recurso, dos despachos ora proferidos e ainda das respostas que forem juntas – cfr. o artigo 28.º, n.º 1, 1.ª parte, da portaria n.º 2066/2024 de 15-10.
D.N..
(…)”.
*
12. Na 1ª instância apresentaram-se a responder o Ministério Público [a fls. 231 / 233 Vº], bem como o arguido BB [a fls. 234/235], pugnando ambos pela improcedência do recurso, e pela manutenção da decisão recorrida.
*
13. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal da Relação emitiu o douto parecer que consta de fls. 238/239, defendendo, em síntese, que deverá ser dado provimento ao recurso, pois que, na sua perspectiva, não é possível “(…) concluir-se que o assistente, aquando da aprestação da queixa, conhecia a intervenção da arguida nos factos e, consequentemente a sua co-responsabilização, como co-autora”.
*
14. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, não foi [validamente] apresentada qualquer resposta.
*
15. Entretanto, pelo requerimento que dirigiu aos autos no dia 02/09/2025, veio o arguido e recorrente BB solicitar se declare a prescrição do procedimento criminal [que aduz ter ocorrido no dia 31/07/2025], nos termos das disposições conjugadas dos Artºs. 181º, 183º, nº 1, 115º, nº 1, al. d) e 121º, nº 3, do Código Penal, o que mereceu a anuência [implícita] da Exma. PGA [cfr. fls. 243/244)] e a oposição do assistente [cfr. fls. 245 / 246 Vº].
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16. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
           
II. FUNDAMENTAÇÃO

É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal  [2].

Ora, no caso vertente, como se extrai da respectiva motivação, alega o assistente que “O presente recurso vai interposto do douto despacho que não pronunciou o arguido BB, por extemporaneidade da queixa apresentada contra a comparticipante no crime CC, nos termos do disposto no art. 115º, nº 3, do C.Penal.”.

Sucede que, não obstante ter delimitado o recurso nesses termos, o assistente conclui a sua peça recursória pugnando pela pronúncia de ambos os arguidos.
Porém, como resulta do despacho de 11/03/2025, supra transcrito em I.11., o Mmº Juiz a quo, em face dessa aparente contradição, concluiu no sentido de que “(...) recurso interposto pretende somente a revogação da decisão instrutória na parte em que foi proferido despacho de não pronúncia do arguido BB e tão só, o que aqui consigno, não sendo, por conseguinte, recorrida, também, a arguida CC.”.
Neste conspecto, não tendo tal despacho sido objecto de reclamação (em consonância com o disposto no Artº 405º do C.P.Penal), o recurso interposto cinge-se unicamente à não pronúncia do arguido BB.
Estando basicamente em causa, pois, a bondade, ou não, da aplicação, pelo Mmº Juiz a quo, da norma ínsita no Artº 115º, nº 3, do Código Penal, segundo a qual “O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa.”, norma essa que, em face dos elementos constantes dos autos, o levou a concluir pela extemporaneidade da queixa apresentada contra a co-autora CC, extemporaneidade essa que aproveita ao co-arguido BB, e que importa a declaração do procedimento criminal contra ambos os arguidos.
O que o recorrente refuta.
Com efeito, alega o recorrente, em síntese, que apresentou queixa-crime apenas contra o arguido, e que do teor da sua participação resulta que desconhecia outro comparticipante na prática dos factos, ou seja, desconhecia que a gravação tivesse sido publicada na página pessoal do Facebook da mulher do arguido.
Alega ainda que, se (ele, participante/assistente) soubesse, quando apresentou a queixa, que a publicação tinha sido efectuada na página pessoal da mulher do arguido e participasse, apenas, contra este, então, estaria a escolher quem é que queria perseguir criminalmente, e quem queria discriminar, o que não foi o caso.
Concluindo, assim, que não é de configurar a situação prevista no nº 3, do Artº 115º do Código Penal, afastada que resulta, no contexto, a razão de ser da norma em referência, isto é, a escolha dos comparticipantes contra os quais haverá de ter lugar o processo penal, sendo certo que, quando deduziu a acusação contra o outro comparticipante, CC, nessa data já sabia que a gravação poi publicada no Facebook dela.
Vejamos.
Como é pacífico, discute-se nos autos a eventual prática de um crime de difamação com publicidade, p. p. pelos Artºs. 180º, nº 1, e 183º, nº 1, al. a), do Código Penal.
Dúvidas não havendo que tal ilícito criminal assume natureza particular, pois que, como expressamente prescreve o Artº 188º do Código Penal, o respectivo procedimento criminal depende de acusação particular.
Devendo também ter-se em conta o que a propósito prescreve o Artº 50º, nº 1, do mesmo diploma legal, segundo o qual, “Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.”.
Como expendeu este TRG no acórdão de 26/09/2016, proferido no âmbito do Proc. nº 90/14.9GAMGD.G1, in www.dgsi.pt, [3] “A queixa traduz-se na manifestação de uma vontade de instauração de um processo para a averiguação da notícia e do respectivo procedimento contra os agentes responsáveis( - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, pág. 59.), constituindo um direito que deve ser exercido, sob pena de extinção, no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal).
Em caso de comparticipação no crime, a apresentação da queixa contra um dos comparticipantes torna o procedimento criminal extensivo aos restantes, assim como a desistência da queixa e o seu não exercício tempestivo em relação a um dos comparticipantes no crime aproveitam aos restantes, nos casos em que estes também não possam ser perseguidos sem queixa – artigos 114.º, 115.º, n.º 3 e 116º, n.º 3 todos do citado diploma.
A justificação destas normas (aplicáveis aos casos em que o procedimento criminal depender de acusação particular – artigo 117.º do Código Penal) é pretender obstar a que o titular do direito de queixa escolha apenas um dos participantes, perdoando aos demais, caso em que a perseguição teria então mais natureza pessoal do que em razão do crime praticado ( - Germano Marques da Silva, obra citada, volume I, pág. 265.).
Estas normas são a concretização do princípio da indivisibilidade, o qual significa que em matéria criminal não se pode escolher quem deve ser perseguido no caso de comparticipação; o que está em causa é o crime ( - Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, anotação ao artigo 115º.).
Sendo inquestionável que, nos termos do artigo 114.º do Código Penal, a apresentação da queixa contra um dos comparticipantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes, esta norma pressupõe que o titular do direito de queixa desconheça os restantes agentes do crime.
Ao deduzir uma queixa contra uma ou mais pessoas, o respectivo titular, ou anuncia logo que existiam outras pessoas envolvidas de que desconhece a sua identidade, ou nada refere sobre esta matéria.
No âmbito do inquérito então instaurado, a autoridade policial, ou consegue identificar os demais envolvidos nos factos criminosos, ou descobre que, afinal, o autor do crime não agiu isoladamente, referenciando os outros comparticipantes.
Nestas situações, deve o titular do direito de queixa ser informado, para, querendo, usar da faculdade de estender a queixa contra os indivíduos que só então foram identificados, não sendo necessária a apresentação de nova queixa contra os arguidos então descobertos.
A norma do artigo 114.º do Código Penal permite ao titular do direito de queixa alargar a mesma aos demais comparticipantes, cuja identificação ou existência desconhecia, independentemente de já ter decorrido o prazo de seis meses previsto no n.º 1 do 115.º.
Porém, já não tem aplicação quando o queixoso sabia quem eram os autores dos factos de que foi vítima e tinha possibilidade de os identificar, na totalidade ou por mera indicação ao processo, mas para os quais, em qualquer caso, sempre poderia manifestar, desde logo, a intenção de procedimento criminal.
Nesses casos, o queixoso já não pode beneficiar da possibilidade de extensão do direito de queixa posto que a mesma radica no seu desconhecimento em relação à existência ou identificação dos outros comparticipantes.
Se o titular do direito de queixa tem pleno conhecimento que outras pessoas intervieram nos factos e tem a possibilidade de os identificar, então tem o dever de, desse modo, os referenciar no processo, cabendo-lhe, no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 115.º do Código Penal, contra eles deduzir a respectiva queixa, sob pena de extinção desse direito.”.
Ora, na situação em apreço, e como resulta de fls. 2/5, no dia 30/12/2022 o ofendido AA manifestou vontade de procedimento criminal apenas contra o seu irmão, o arguido BB.
Para tanto alegando, em síntese, que em dia não concretamente apurado do mês de Julho de 2022, aquele publicou e postou, permitindo a sua divulgação, na sua página pessoal do Facebook, uma gravação áudio de uma conversa telefónica, entre ele e a mãe de ambos, em cujo âmbito o arguido acusa o ofendido de ter tirado, sem o consentimento da sua mãe, dinheiro da conta bancária de que todos são titulares (o arguido, o assistente e a mãe de ambos).
Sucede que, mau grado o teor da aludida participação, a publicação da dita gravação, a qual o ofendido juntou aos autos através do requerimento de 30/12/2022, e que consta de fls. 7/8 [4], foi efectuada na página do Facebook da arguida CC.
É o que claramente se extrai do depoimento prestado no dia 30/05/2023 por FF, filha do ofendido AA, e sobrinha do arguido BB, cujo auto consta de fls. 51 / 51 Vº, do depoimento prestado no dia 04/07/2023 pelo mesmo ofendido AA, cujo auto consta de fls. 57/58, e do teor da acusação particular por ele deduzida contra ambos os arguidos, junta a fls. 107/115, supra transcrita, mais concretamente do seu Artº 5º.
Ora, a conjugação e concatenação de todos esses elementos, e ao contrário da tese esgrimida pelo recorrente, leva-nos a concluir, tal como concluiu o Mmº Juiz a quo, que quando apresentou queixa no dia 30/12/2022, fazendo-o apenas contra o seu irmão, o arguido BB, o ofendido e assistente AA já sabia perfeitamente que os factos em causa tinham sido perpetrados, em co-autoria, pelo mesmo arguido e pela mulher, a arguida CC.

Sendo deveras elucidativo e relevante a esse propósito o depoimento da filha do arguido, a testemunha FF, prestado no dia 30/05/2023, constante do auto de fls. 51 / 51 Vº, supra mencionado, do qual respigamos os seguintes excertos (transcrição):
“(...)
4. Sobre os factos em investigação, disse que no mês de Julho do ano de 2022, na rede social FACEBOOK, no perfil da sua tia CC, esposa do denunciado, deparou-se com a publicação de um vídeo onde se ouvia uma conversa entre o denunciado e a avó paterna da aqui testemunha.---
5. Que em tal vídeo o seu pai/ofendido era acusado pelo seu tio/denunciado, de ter roubado dinheiro à mãe durante 15 anos.---
6. Que perante o conhecimento de tais factos, alertou o seu pai / ofendido para tal publicação, o qual moveu o presente processo criminal.---
7. Contudo refere, que o seu pai / ofendido foi avisado também por outras pessoas da família que se depararam com tal publicação.---
(...)”.
Pelo que, quando o ofendido e assistente apresentou queixa contra a arguida CC, o que ocorreu apenas no dia 04/07/22023, já tinha decorrido o prazo de 6 meses após a data em que havia tomado conhecimento dos factos, e dos seus autores.
O que significa que o ofendido e assistente AA não exerceu tempestivamente o direito de queixa relativamente à denunciada CC, comparticipante ou co-autora no ilícito criminal em causa, caducidade essa que inelutavelmente aproveita ao co-autor BB, nos termos do disposto no Artº 115º, nº 3, do Código Penal, segundo o qual “O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes (…)”.
Assim sendo, encontrando-se liminarmente afastada a responsabilidade exclusiva do arguido BB nos factos em causa, e não tendo a queixa sido tempestivamente apresentada também contra a co-autora de tais factos, a arguida CC, considerando o chamado princípio da indivisibilidade da queixa, previsto nos Artºs. 114º a 116º do Código Penal, falece o pressuposto positivo da punição, ou de condição legal de procedibilidade, previsto no citado Artº 115º, nº 3, do Código Penal, o que conduz à extinção do procedimento criminal contra o arguido BB, como correctamente decidiu o tribunal a quo.
Por conseguinte, e sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, entendemos não merecer qualquer censura o douto despacho recorrido de não pronúncia do arguido BB, que se confirma, soçobrando o recurso, ficando obviamente prejudicada a apreciação da questão entretanto suscitada nos autos, atinente à invocada prescrição do procedimento criminal.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente AA, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida de não pronúncia do arguido BB.

Custas pelo assistente/recorrente, fixando-se em 3 (três) UC a taxa de justiça (Artºs. 515º, nº 1, al. b), do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).
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Guimarães, 28 de Outubro de 2025

Os Juízes Desembargadores:
António Teixeira (Relator)
Paulo Correia Serafim (1º Adjunto)
Paula Albuquerque (2ª Adjunta)


[1] Todas as transcrições ora efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
[2] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
[3] Considerações que se subscrevem.
[4]  Fazemos notar que também acedemos a essa gravação, dúvidas não havendo que nela aparece essa mesma data como a da última modificação efectuada, figurando, porém, do ficheiro, a data inicial de 15/11/2022.