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ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA PENSÃO
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1.5 (IDADE)
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA (DO STJ Nº 16/2004
DE 22-05-2024)
TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADE ANTIGA (DL 341/93
DE 30-09)
Sumário
I - Nunca foi cerne da anterior revisão de incapacidade a avaliação do factor 1.5 pela idade de 50 anos, quer se aplicado de forma automática, quer se acompanhado de agravamento das lesões, motivo pelo qual não há caso julgado. II - Tendo o acidente dos autos ocorrido em 2004 é aplicável a TNI aprovada pelo DL 341/93, de 30-09, que exige o requisito adicional de “perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente” a cumular com os 50 anos de idade para fins de bonificação. Por esse motivo, não se pode, sem mais, invocar o acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) do STJ nº 16/2004, de 22-05-2024 (DR 244/2024, Série I, de 17-12-2024) proferido no quadro da diferente TNI de 2007. III - Contudo, verificado que estejam ambos os requisitos, nada impede que se aproveite o prescrito no referido AUJ, sendo legítimo recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade (50 anos) devendo a bonificação ser concedida mesmo que nessa altura não haja agravamento da incapacidade em razão de outro motivo. IV - Assim se alcançando maior unidade do sistema jurídico e de igualdade de critérios. É destituído de fundamento a invocação de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da justa reparação por acidentes de trabalho (13º e 51º,1, f, CRP), pelo contrário a aplicação do referido factor de bonificação 1.5 dá cumprimento a esses princípios ao corrigir desvantagens decorrentes da idade e agravadoras da incapacidade por acidente de trabalho. V - Se a aplicação do factor de bonificação 1.5 leva a uma incapacidade superior à unidade (IPP de 70%*1.5=105%), tal só pode significar que o sinistrado não tem capacidade residual, ou seja, está afectado de uma incapacidade geral absoluta (IPA).
Texto Integral
Acordam na secção social da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO
O recurso respeita a um processo especial de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA, nascido em ../../1958, e seguradora “EMP01..., S.A.”
O acidente ocorreu 07-04-2004.
Por decisão proferida em 30-05-2007 reconheceu-se ao sinistrado uma incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPATH) e uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 70%, com necessidade de auxílio de terceira pessoa, tendo a seguradora sido condenada a pagar-lhe pensão anual e vitalícia, no valor de €6.012,81, devida desde 08-10-2005 (pensão esta que foi parcialmente remida a requerimento do sinistrado), e ainda uma prestação suplementar por necessidade de assistência de terceira pessoa, bem como subsídio de elevada incapacidade.
À data do acidente o Sinistrado auferia a retribuição anual de € 9.365,02.
Em 14-06-2011 o sinistrado requereu a revisão da incapacidade para o trabalho invocando agravamento e necessidade de readaptação da habitação. O relatório médico efectuado no âmbito do incidente remete para o anterior quanto ao estado actual do sinistrado e aponta a necessidade de reavaliar obras de readaptação na residência. O pedido de revisão veio a ser indeferido, por decisão transitada em julgado proferida em 08-11-2011, mantendo-se a pensão anteriormente fixada e determinando-se a realização de diligência com vista a aferir a referida necessidade de readaptação.
Em 2-08-2023, alegando agravamento das lesões sofridas, o sinistrado deu início a incidente de revisão da pensão. Foi realizado exame singular de revisão e, bem assim, exame por junta médica.
Após, a senhora juiz proferiu despacho a fim de ouvir as partes sobre a eventual aplicação do factor de bonificação de 1.5% em decorrência do acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) do STJ nº 16/2004, de 22-05-2024.
Em resposta a seguradora alegou, entre o mais, a caducidade do direito de requerer a revisão da pensão por terem decorrido mais de 10 anos, além da “preclusão da possibilidade de aplicação do fator de bonificação, por violação de caso julgado”.
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Seguidamente, foi proferido o despacho ora recorrido com o seguinte dispositivo:
“...Face ao exposto, somos do entendimento que o direito do sinistrado a requerer a revisão da sua incapacidade não se encontra caducado.
E, reconhecendo-se que o sinistrado não apresenta agravamento de lesões, mas que será de lhe aplicar o factor de bonificação de 1.5% em razão da idade nos termos do AUJ do STJ do nº 16/2024 de 22-05-2024, publicado no Diário da República nº 244/2024, Série I, de 17-12-2024, foi proferido despacho sobre o pedido de revisão nos seguintes termos:
“Face ao exposto, julgo procedente o pedido de revisão de pensão, condenando-se a seguradora “EMP01..., S.A.”, a pagar ao sinistrado AA, desde 02.08.2023, a pensão anual e vitalícia revista de € 7.477,45, entretanto actualizada a partir de 01.01.2024 para o valor de € 7.926,10 e a partir de 01.01.2024 para o valor de € 8.132,18, bem como dos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento e desde a data do respectivo vencimento de cada duodécimo. Custas pela entidade responsável, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal. Valor do incidente: € 74.243,60.”
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Não se conformando com o decidido, a seguradora recorreu. Das conclusões extrai-se o seguinte:
Atendendo à data do acidente em causa nestes autos, não é aplicável a TNI aprovada pelo DL 352/2007, mas sim a TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de setembro.
Não se aplica, no caso, a jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024, de 17 de dezembro, publicado no Diário da República n.º 244/2024, Série I, de 17.12.2024.
Ademais, as instruções gerais da TNI aprovada pelo DL 341/93, de 30/09 não preveem a aplicação “automática” da bonificação da incapacidade pela idade, dependendo de outros fatores (nomeadamente da verificação de “perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente”), os quais não se têm por provados no caso.
Atendendo ao disposto no artigo 25º, 1, da Lei 100/97, de 13/09 e não tendo ocorrido qualquer modificação da incapacidade permanente do Autor, nem da sua situação sequelar, não podem ser alteradas as prestações, não sendo aplicável a jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024, de 17 de dezembro
A recorrente apresentou uma exposição, datada de 16/06/2025, na qual invocou, além do mais, a questão da “Preclusão da possibilidade de aplicação do fator de bonificação, por violação de caso julgado“, atendendo ao facto de, aquando da prolação do douto despacho final do incidente de revisão proferido em 08/11/2011, já contar mais de 50 anos, sem que lhe tenha sido aplicado o fator de bonificação de 1,5 previsto na instrução 5 da TN
Não se vê que o Tribunal a quo se tenha pronunciado sobre tal a questão.
Em 14/06/2011 o sinistrado requereu a revisão da incapacidade permanente, com decisão final proferida em 08/11/2011, sendo mantida a prestação, por inexistência de modificação da incapacidade. Na data da prolação da decisão final já contava mais de 50 anos. Mesmo que o sinistrado preenchesse os requisitos para agora beneficiar do fator de bonificação 1,5, não lhe tendo sido reconhecido o direito à aplicação dessa bonificação na decisão da anterior revisão, não pode agora beneficiar por inexistência de agravamento das sequelas, sob pena de violação do caso julgado.
Nos termos do disposto no nº 1 do artº 25º da Lei 100/97, a revisão pode ser pedida “Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada”
O regime especial definido na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais das TNIs aprovadas pelos DL 352/007 e 341/93, não afasta, antes pressupõe a convocação da disciplina geral contida no artigo 25º, nº 1 da LAT, não podendo deixar de se considerar que a TNI reveste uma natureza meramente instrumental em relação ao regime substantivo de reparação dos danos decorrentes de acidentes de trabalho, que se encontra previsto na citada norma do artigo 25º, nº 1 da Lei 100/97. Assim sendo, estando comprovado que a situação clínica do sinistrado não se alterou, não poderia ser julgado procedente o presente incidente.
A decisão em causa, do modo como interpreta o disposto na al. a) do artigo 5º das instruções gerais da TNI (quer a aprovada pelo DL nº 352/2007, quer a do DL 341/93), ao permitir uma aplicação automática do fator de bonificação 1,5 pela idade, sem se verificar qualquer agravamento, é violadora dos Princípios Constitucionais da igualdade e da justa reparação, respetivamente previstos nos artigos 13º e 59º, nº 1, al. f) da CRP;
Ainda que se bonifique a incapacidade, do ponto de vista matemático, a capacidade residual do sinistrado (que era de 30% antes da prolação da decisão da qual se recorre) não ficou reduzida a zero, tal apenas acontece por força da aplicação do indicado fator de bonificação de 1,5. Ademais, nenhuma disposição da LAT faz equivaler a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA) à IPP de 100% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), muito menos quando este grau de incapacidade é resultado da aplicação de um fator de bonificação.
Assim, a alterar-se a pensão do Autor esta deve ser fixada com base nas regras do artigo 17º, n.º 1, alínea b) da Lei 100/97, ou seja, deve corresponder a “pensão anual e vitalícia compreendida entre 50 % e 70 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;”
Se assim não se entender, deve ser retificado o erro de cálculo e sempre se imporia a revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que condene a recorrente “a pagar ao sinistrado AA, desde 02.08.2023, a pensão anual e vitalícia revista de € 7 450,56 €, entretanto actualizada a partir de 01.01.2024 para o valor de € 7 897,59 e a partir de 01.01. 2025 para o valor de € 8 102,93, bem como dos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento e desde a data do respectivo vencimento de cada duodécimo”
Se assim não se entender, deve ser retificado o erro de escrita constante da decisão que repete duas vezes a menção ao ano de 2024.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão sob censura - (fim).
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Sem contra-alegações.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.
QUESTÕES A DECIDIR[1] : nulidade da decisão; apreciação de eventual caso julgado por efeito da anterior decisão de revisão de incapacidade proferida em 2011 quanto ao factor de bonificação de 1.5%; saber se é de aplicar o dito factor de bonificação por o sinistrado ter 50 anos, quer seja de forma automática, quer não, e eventuais inconstitucionalidades na interpretação da norma; correção, ou não, do valor da pensão.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Factualidade- a exarada no relatório e ainda:
1- O acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado ocorreu no dia 07.04.2004. 2- Por decisão transitada em julgado, proferida em 30.05.2007, foi fixada ao sinistrado uma IPATH, com uma IPP de 70%. 3- Em 14.06.2011 o sinistrado requereu a revisão da sua incapacidade para o trabalho, que veio a ser indeferida, por decisão transitada em julgado proferida em 08.11.2011, não tendo sido alterada a pensão fixada. 4- Em 02.08.2023 o sinistrado requereu novamente a revisão da sua incapacidade para o trabalho. 5- A seguradora presta assistência clinica ao sinistrado, a última das quais em 12.09.2023 (cfr. informação clinica junto a 13.09.2023).
B) Nulidade da decisão por omissão de pronúncia relativamente à arguição de caso julgado em requerimento que antecedeu a decisão recorrida (615º, 1, d), CPC)
Segundo o disposto no artigo 615º, 1, d), CPC, a sentença é nula quando, entre o mais, o juiz deixe de pronunciar-se sobre “questões” que devesse apreciar. É pacífico que “as questões” englobam tanto os pedidos e causas de pedir invocadas pelo autor, como as excepções arguidas pelo réu sendo o caso julgado disso exemplo - ac. STJ, acórdãos de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.
Tendo as partes sido ouvidas ao abrigo do princípio do contraditório face à eventualidade de aplicação do acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) do STJ nº 16/2024 de 22-05, a seguradora, entre o mais, veio defender a tese de caso julgado, por existir uma anterior apreciação de revisão de incapacidade, a qual não reconheceu um grau de incapacidade superior ao sinistrado, não obstante na altura já ter perfeito 50 anos de idade. No seu entender, tal impediria que novamente se abordasse a questão.
A senhora juiz não se pronunciou sobre a questão. Nos termos referidos há nulidade da decisão, o que apenas tem por consequência que o tribunal da Relação dela tenha de conhecer - 665º, 1, CPC.
Conhecendo então da questão do caso julgado:
Recordando as normas que sobre a matéria regem:
Do artigo 613º, 1, CPC colhe-se a primeira regra básica ao afirmar-se que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. O que parece decorrer da evidência de que o juiz não poderá apreciar a “mesma questão” por mais do que uma vez, sob pena de absoluta insegurança jurídica e violação da paz social se a julgar de maneira diferente, gerando contradição, ou de absoluta inutilidade se a julgar da mesma maneira, gerando repetição - 580º, 2, CPC.
Do artigo 619º, 1, CPC colhe-se que, transitada que esteja em julgado uma sentença ou despacho que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, posto que estejamos perante uma repetição da causa (mesmos sujeitos, causa de pedir e pedido)[2].
Do artigo 619º, 2, CPC colhe-se o alerta de que, não obstante o caso julgado, a sentença poderá ser alterada desde que se modifiquem certas circunstâncias muito específicas, mormente no caso de o réu ser condenado a satisfazer alimentos ou prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração e conquanto estas se modifiquem.
Ora a revisão das pensões por incapacidade em contexto de acidentes de trabalho é um dos campos onde, por excelência, isso pode acontecer, porquanto com o decurso do tempo poder-se-á verificar uma alteração da lesão ou doença que se repercute na capacidade de trabalho/ganho do sinistrado.
A possibilidade de revisão está expressamente acolhida na lei processual laboral e substantiva - 145º CPT, e 26º da antiga lei de acidentes de trabalho, Lei nº 100/97, de 13-09 (aplicável aos autos, doravante LAT/1997) e 70º da lei actual de acidentes de trabalho, Lei nº 98/2009, de 4-09 (doravante NLAT/2009).
Tendo em devida conta esta ressalva, os contornos do caso não apontam para que tenha sido violado o caso julgado. Compulsado o anterior incidente de revisão ocorrido em 2011, constata-se que o mesmo teve por base a alegação de agravamento do estado de saúde do sinistrado e, sobretudo, da necessidade de readaptação da habitação, concentrando-se neste aspeto.
Se é verdade que o sinistrado na altura da anterior revisão já tinha atingido 50 anos de idade, a aplicação deste factor de bonificação de 1.5º não se colocou, não foi discutido, nem de algum modo apreciado, seja para o aplicar, seja para o denegar. A decisão, muitíssimo sucinta, é completamente omissa no ponto, que nem sequer foi equacionado. Não podemos, portanto, afirmar que a sua apreciação posterior verse sobre “idêntica questão” alvo de um anterior julgamento, com todos os perigos que isso acarrete, de contradição, ou de repetição.
Como referimos, o que subjaz ao incidente de revisão em acidente de trabalho leva a um certo afrouxamento do principio civilístico de caso julgado que não pode aqui ser aplicado de modo absoluto e rígido. A passagem do tempo pode fazer alterar os quadros fácticos anteriores, quer fragilizando a saúde tout court (modificando a lesão, doença, sequela), quer dificultando a execução das tarefas pelo facto de “se estar mais velho”, de se ter “mais idade” e de essa circunstância se aliar a uma lesão laboral anterior.
Nunca foi cerne da anterior revisão de incapacidade a questão da avaliação do factor 1.5% pela idade de 50 anos, quer se aplicado de forma automática, quer se acompanhado de agravamento, motivo pelo qual não há caso julgado.
Termos em que se indefere a arguição da dita excepção.
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C) Apreciação do factor de bonificação de 1.5% em razão de o sinistrado ter 50 anos de idade (TNI-5º, a) e inconstitucionalidades da norma em caso da sua aplicação
Na decisão recorrida aplicou-se o factor de bonificação de 1.5% fundamentando-se que o mesmo se aplica automaticamente, isto é, mesmo que não se comprove a existência de agravamento de lesões, seguindo-se a jurisprudência expressa no acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ nº 16/2024, de 22-05, publicado no DR 244/2024, Série I, de 17-12-2024, doravante AUJ do STJ nº 16/2024.
O referido AUJ fixou a seguinte jurisprudência: “I - A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; II- O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.”
Insurge-se a recorrente, nesta parte com razão, aduzindo que o acórdão foi proferido no âmbito de legislação não aplicável aos autos, a saber uma tabela nacional de incapacidades diferente aprovada pelo DL 352/2007 de 23-10, doravante TNI/2007, bem como uma diferente lei de reparação de acidentes de trabalho, Lei 98/2009, de 4-09, doravante LAT/2009.
Na verdade, tendo o acidente dos autos ocorrido em 2004, é aplicável a TNI antiga aprovada pelo DL 341/93, de 30 de Setembro[3], doravante TNI/1993, bem como a anterior lei de reparação de acidentes de trabalho, Lei 100/97, de 13-09, doravante LAT/1997.
O que faz uma diferença substancial. É verdade que na sucessão de regimes e no que se refere aos requisitos substantivos de revisão, não se verificam alterações essenciais que ao caso importem: a NLAT/2009, tal como a anterior LAT/1997, literalmente continua a conexionar a alteração da pensão com a modificação na capacidade de trabalho/ganho proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença - 70º NLAT/2009 e 25º LAT/1997.
O mesmo não se pode dizer quanto ao regime de bonificações instituído nas Instruções Gerais das TNI´s, que se aplicam sobre os coeficientes de incapacidade atribuídos em função do tipo de sequela que afecta o sinistrado.
A “ não reconvertibilidade ao posto de trabalho” que exige acréscimo de esforço na adaptação a outro posto, bem como a “idade de 50 anos ou mais” que tolhe acrescidamente a capacidade de trabalho do sinistrado vítima de acidente e portador de uma sequela, são exemplos de opções do legislador destinadas a corrigir e compensar situações de maior penosidade devidamente comprovadas pela ciência médica. Ambos constam da TNI/1993 e da TNI/2007, mas em moldes diferentes.
A TNI/1993 antiga, aplicável aos autos, referia o seguinte quanto à possibilidade de aplicar o factor de correcção em razão de o sinistrado atingir 50 anos: “5. a) Sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais;”
A nova TNI passou a referir: “5.a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula:IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;”
Do confronto entre as duas redacções resulta que a nova TNI/2007 evoluiu no sentido de prescindir de outros requisitos que não sejam o atingir dos 50 anos, no que se refere ao factor idade. Isso mesmo é mencionado no próprio AUJ nº 16/2024: “Tratou-se neste ponto de uma evolução sensível quanto ao que dispunha a anterior Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93 de 30 de setembro” .
A antiga TNI/1993 exige o requisito adicional de “perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente” que terá de cumular com os 50 anos de idade.
Mas, ainda que assim seja, e que a jurisprudência do AUJ não possa sem mais ser convocada, no caso os dois requisitos mostram-se preenchidos. Na verdade, há muito que o primeiro se tem por verificado, pois está provado que a diminuição da capacidade do sinistrado é de ordem total, impossibilitando-o de desempenhar a sua função. O autor era tecelão, ficou com IATH. Consta do exame médico singular e do exame por junta médica que sofreu hérnia discal com síndroma da causa equina, com sequelas de paraplexia, disfunções intestinais, incontinência, além de outras sequelas, constando quanto aos actos da vida diária “necessidade de terceira pessoa para os seguintes actos de vida diária - lavar-se e vestir-se, bem como para mudar a fralda e cumprir a respectiva higiene”). O que se verificou logo após a alta médica aquando da fixação inicial da incapacidade do sinistrado. A quem apenas faltava, portanto, somar o outro requisito, a idade de 50 anos que, entretanto, alcançou.
A recorrente insista ainda no ponto de que a lei substantiva, a LAT/1997, é mais exigente dos que as TNI´s que são meramente instrumentais, fazendo depender a procedência do pedido de revisão não só do facto de se atingir a idade de 50 anos, mas também, cumulativamente, do agravamento das sequelas do sinistrado. Como vimos, no caso dos autos este não ocorre na data da revisão.
Nesta específica questão não vemos razão para não aproveitar a jurisprudência uniformizadora do AUJ 16/2024 porque, pese embora, como referimos, os diplomas dos acidentes de trabalho sejam diferentes (LAT/1997 e NLAT/2009) neste ponto o regime substantivo é igual, continuando a, do ponto de vista literal, a indexar-se a revisão da pensão à verificação da modificação na capacidade de trabalho/ganho proveniente de agravamento, recaída, recidiva, etc.
Ora, o AUJ 16/2024, acabando-se com antigas divergências jurisprudenciais, optou pela corrente que defendia que o sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade (50 anos) e que a bonificação deverá ser concedida mesmo que nessa altura não haja agravamento da incapacidade em razão de outro motivo. Refere-se que a interpretação teleológica do artigo 70º da LAT/2009 (e, por conseguinte, do equivalente artigo 25º da LAT/1997, acrescentamos nós) consente na ideia de que a idade do sinistrado – ter este 50 ou mais anos – “representa, ela própria, um fator que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento da situação do trabalhador”. Mais se refere que ao factor idade subjaz a constatação de que a partir dos 50 naos as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural, como que se ficcionando, em resultado dos avanços da ciência e medicina, que a partir daquele marco temporal as lesões tendem a agravar-se com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho do sinistrado/trabalhador.
Se é certo que nesta Relação de Guimarães se vinha defendendo a tese da não aplicação automática do factor idade, não deixamos de reconhecer complexidade à questão, bem como a valência de argumentos contrários, mormente a perspectiva de que a aplicação do factor 1.5 em incidente de revisão não é acto inútil ou enviesado “sendo conveniente que a bonificação seja aplicada a uma avaliação e a uma prestação atualizadas.” conforme consta do AUJ nº 16/2024.
Mas, acima de tudo, por uma questão de unidade do sistema jurídico, de uniformidade de critérios e de igualdade e justiça social, não vemos razões, muito menos novas, que justifiquem que, neste ponto particular, nos afastemos da doutrina do AUJ.
Note-se que os acórdãos uniformizadores de jurisprudência são decisões provindas do Supremo Tribunal de Justiça cujo objectivo é pôr termo a divergência e/ou contradição jurisprudencial no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, em nome da uniformidade e segurança jurídica. Visam, além da certeza do direito, também a igualdade de tratamento, pois contribuem para que sobre determinada questão importante e controvertida sejam dadas respostas, tanto quanto possível, uniformes que não divirjam consoante as diferentes interpretações a que as partes, de outro modo, ficariam expostas. Pese embora não tenham efeito fora do processo em que são proferidos, são-lhe reconhecidas qualidade orientativas e persuasivas, provindo do pleno da secção do mais alto tribunal, o STJ - 686º e 688º e ss CPC
Assim sendo, são destituídas de razão as alegadas inconstitucionalidades de violação do princípio da igualdade e da justa reparação por acidentes de trabalho (13º e 51º,1, f, CRP), pelo contrário a aplicação do referido factor de bonificação 1.5% dá cumprimento a esses princípios. Trata-se de modo igual todos os sinistrados que padeçam desses factores desvantajosos separando-os daqueles outros que, por serem mais novos, não vêm agravadas as consequências negativas da perda da capacidade de trabalho em decorrência de acidente de trabalho, obedecendo tal opção a critérios racionais e objectivos e não discriminatórios. Com tal bonificação aumenta-se, também, o valor da pensão, atenua-se e compensa-se monetariamente a desvantagem da capacidade de trabalho e de ganho de que o sinistrado está afectado. Razão pela qual se afigura desadequada a invocação de violação da Constituição quando a opção legislativa reforça os valores ali vertidos.
É assim de aplicar o factor de bonificação de 1.5% ainda que ao abrigo da anterior legislação com os fundamentos expostos.
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D) Fixação do montante da pensão
O sinistrado estava afectado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) com uma IPP de 70%. Por força da aplicação do coeficiente de 1.5%, na sentença recorrida, após o cálculo matemático de 70%*1,5 (=105%), alcançou-se uma situação de incapacidade permanente absoluta (IPA).
A recorrente questiona a equiparação “da IPP global de 100%” (com IPATH) a incapacidade permanente absoluta - IPA.
Fá-lo sem razão.
A capacidade restante - para função compatível- tem por limite lógico e matemático 100%, por ser o máximo de capacidade de trabalho que qualquer um de nós pode ter. Se por força das regras matemáticas de aplicação de factores de bonificação a incapacidade atinge 100% (ou mais), obrigatoriamente ter-se-á de concluir que a capacidade residual é zero.
A reparação por acidente de trabalho é regulada pela LAT e demais legislação regulamentar -1º da LAT/1997.
Segundo o diploma que regulamenta a LAT/1997, o DL 143/99 de 30-04 a “determinação das incapacidades é efectuada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, elaborada e actualizada por uma comissão permanente, cuja composição, competência e modo de funcionamento são fixados em diploma próprio” - 10º.
Também o art. 41º deste diploma remete para os coeficientes determinados em função do disposto na tabela nacional de incapacidades em vigor à data do acidente.
Segundo a TNI/1993, Instruções Gerais, pontos 2 e 3, as sequelas de que resultem incapacidades permanentes são catalogadas na TNI (em números, alíneas, etc.). A cada uma corresponde um coeficiente expresso em percentagem (ex- 5%, 10%, 45%, etc)), que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho. A disfunção total, com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, é expressa pela unidade.
Nos termos das Instruções Gerais, ponto 5, a, da TNI/1993 de que vimos falando, caso se apliquem alguns dos factores de bonificação ali referidos, os coeficientes de incapacidade atribuídos são multiplicados pelo factor 1,5. Trata-se de uma pura operação matemática, por força de lei. No caso dos autos, aplicando-se o factor 1.5 sobre 70%, a unidade fica completa e até ultrapassada, pelo que a incapacidade terá de se cingir aos 100%. Ou seja, no caso, o sinistrado fica com uma disfunção total, uma IPA, porque destituído de capacidade restante ou residual (o%).
Como se refere no ac. RG de 13-07-2022, proc. 3654/18.8T8PNF.G1, www.dgsi.pt é da “aplicação das regras da TNI, no seu todo, incluindo as normas das respetivas instruções, que se fixa o grau, até à unidade, que corresponde à disfunção total.“.
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Refere, ainda, a recorrente, subsidiariamente, erros de cálculo, conforme quadro de cálculo onde se elenca desde 2005 até 2025 as taxas correctas de actualização das pensões.
Solicita que fique a constar a condenação da ré ” “a pagar ao sinistrado AA, desde 02.08.2023, a pensão anual e vitalícia revista de € 7450,56 €, entretanto actualizada a partir de 01.01.2024 para o valor de € 7 897,59 e a partir de 01.01. 2025 para o valor de € 8 102,93, bem como dos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento e desde a data do respectivo vencimento de cada duodécimo”.
Aqui chegados temos como pacífico entre as partes que: a retribuição anual do sinistrado à data da cura clínica (7-10-2005) era de € 9.395,02; a pensão de 80% a que teria direito pela IPA a incidir sobre a retribuição anual (17º, 1, a, LAT/1997) era de €7.516,02; a este valor terá seguidamente de se descontar o valor da anterior remição de €2.080,90, chegando-se a pensão de €5 435,12 reportada a 2005; esta pensão, embora devida somente a partir da data do pedido de revisão em 2023, terá de ser previamente actualizada ao longo dos anos de acordo com as taxas publicadas.
Ora, vistas as taxas de actualização aplicáveis (conforme o quadro constante das alegações de recuso) e feitos os devidos cálculos, concluímos pela existência do lapso matemático assinalado pela recorrente, deferindo-se nesta o requerido.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com excepção do erro de cálculo assinalado, passando a constar do dispositivo:
“Face ao exposto, julgo procedente o pedido de revisão de pensão, condenando-se a seguradora “EMP01..., S.A.”, a pagar a pagar ao sinistrado AA, desde 02.08.2023, a pensão anual e vitalícia revista de € 7450,56 €, entretanto actualizada a partir de 01.01.2024 para o valor de € 7 897,59 e a partir de 01.01. 2025 para o valor de € 8 102,93, bem como dos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento e desde a data do respectivo vencimento de cada duodécimo”.
Custas a cargo da recorrente na proporção de 98% a seu cargo
Notifique.
4-11-2025
Maria Leonor Barroso (relatora) Francisco Sousa Pereira Vera Sottomayor
[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do recorrente, salvo as questões de natureza oficiosa. [2] Sem prejuízo do mecanismo excepcional de revisão de sentença que aqui não está em causa - 696.º a 702.º CPC. [3] Segundo o art. 6º, 1, a) e 7º TNI/2007, a nova TNI seria apenas aplicável a acidentes ocorridos a partir de 21-01-2008.