ACIDENTE DE TRABALHO MORTAL
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
QUEDA NO POÇO DO ELEVADOR
Sumário


I - Para ocorra uma situação de descaracterização do acidente por violação de regras de segurança impõe-se a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: - existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; - violação, por ação ou omissão, dessas condições, por parte da vítima; - que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa; - que o acidente seja consequência necessária dessa atuação, isto é que exista nexo de causalidade entre a referida violação e o evento.
II - Estamos perante a descaracterização do acidente prevista na alínea b) do nº1 do artigo 14º, quando se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: - a existência de uma situação de culpa grave e indesculpável da vítima e; - a exclusividade dessa culpa na eclosão do acidente, ou seja, o acidente fica a dever-se exclusivamente, ao comportamento grosseiramente negligente do sinistrado.
III - Não se tendo apurado as concretas circunstâncias que rodearam a queda do sinistrado no poço do elevador, ainda que se tivesse apurado e identificado as normas de segurança que o sinistrado estava obrigado a observar, na realização de trabalhos em altura, não poderíamos imputar ao sinistrado a violação de tais normas, bem como estabelecer o nexo de causalidade entre aquela suposta violação e a ocorrência do acidente.
IV - Não se tendo logrado apurar/provar as concretas circunstâncias e/ou razões que rodearam a ocorrência do acidente e não sendo conhecidas tais circunstâncias não é possível afirmar que a conduta do sinistrado foi grave, temerária e altamente reprovável, o que só por si afasta a alegada descaracterização do acidente com fundamento na citada al. b) do n.º 1 do artigo 14º da NLAT.
V - O ónus da prova dos requisitos legais, dos quais dependeria a desoneração da entidade responsável impendia sobre o Recorrente, por terem natureza impeditiva do direito à reparação, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
           
Frustrada a tentativa de conciliação AA, viúva do sinistrado BB, intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra EMP01... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. com sede no Largo ..., ... ...; “EMP02..., LDA.” (contratada pelo dono da obra ara instalar o elevador); EMP03..., S.A. (dono da obra/entidade executante); CC e DD (coordenadores da segurança em obra, nomeados pelo dono da obra), pedindo a condenação das Rés a pagar-lhe:

- a pensão anual e vitalícia de €4.164,00. (quatro mil, cento e sessenta e quatro euros), com início a 16.02.2021, até à sua morte;
- a quantia de 5.792,29, Eur. (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos), a título de subsídio por morte;
- a quantia de 1.646,00 Eur. (mil, seiscentos e quarenta e seis euros), a título de despesas de funeral;
- a quantia de 15,00 Eur (quinze euros)., a título de despesas de transporte, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva desde o dia da tentativa de conciliação;
- a pensão provisória de 10.410,00 Eur. (dez mil quatrocentos e dez euros), nos termos do art. 121.º do Cód. do Trabalho.

Regularmente citados, os Réus vieram contestar.
A Ré Seguradora contestou, declinando a sua responsabilidade pela reparação do acidente, por acidente se mostrar descaracterizado, uma vez que decorreu da violação, sem causa justificativa, das condições de segurança definidas para a obra por banda do sinistrado.
Por seu turno, a Ré “EMP02...”, contestou alegando, em suma, que deveria ter sido demandada a “EMP04... Unipessoal, Lda.”, empresa para a qual o sinistrado trabalhava, a qual deverá ser responsabilizada pela violação das regras de segurança. Mais alega ter sido contratada pelo empreiteiro geral, “EMP03..., S.A”, para fornecimento e instalação de dois elevadores, sendo que para realizar parte desses trabalhos (fase inicial) subcontratou a “EMP04... Unipessoal, Lda.”, da qual a vítima era único sócio e gerente, mormente para realizar a montagem das guias e portas, bem como fazer a pré-instalação da casa das máquinas, com vista à posterior instalação pela própria dos elevadores, inexistindo trabalhos a realizar em conjunto. Por fim, alega que o sinistrado e a sua empresa tinha conhecimento de todas as regras e normas de segurança a cumprir na execução dos trabalhos, as quais lhe foram comunicadas, por escrito, pela aqui contestante, pelo dono da obra e pelos responsáveis da segurança.  Sendo que, nos dias anteriores ao acidente, o sinistrado usava cinto arnês de segurança, na realização de trabalhos em altura, mormente na instalação das guias, o que no dia do acidente não fez.
A Ré “EMP03..., S.A”, e os Réus CC e DD também vieram contestar, alegando, suma, que são parte ilegítima, pois fundamentando a beneficiária a causa, na violação por todos os réus –  cada  uma  na  sua esfera  de  acção/omissão – das regras de segurança estabelecidas e  aprovadas no Plano de Segurança e Saúde, concebido para a obra onde ocorreu o acidente, sita na Rua ..., Lote ..., freguesia ..., ..., deveria ter ainda demandado a “EMP04..., Unipessoal, Lda.”, de que o sinistrado era simultaneamente gerente e trabalhador. Por fim, dizem os 4.º e 5.º Réus que cumpriram integralmente os seus deveres de promover e controlar a observância do respetivo plano de segurança e de salvaguardar a sua execução.
A beneficiária legal apresentou resposta, pronunciando-se sobre a exceção de ilegitimidade, mais dizendo que a sociedade “EMP04... Unipessoal” foi dissolvida e encerrada a 16.06.2021, pois que o sinistrado era o seu único sócio e gerente.
A seguradora suscitou a intervenção do FAT.
A beneficiária legal veio requerer a fixação, a seu favor, de uma pensão provisória e em 11.07.2023 veio a ser proferida decisão a fixar, provisoriamente, a favor da beneficiária legal/viúva a pensão mensal definida a fls. 312 a 316, retificada a 2.09.2023, ordenando-se então que fosse suportada pelo FAT, e ainda a 30.10.2023 foi corrigido o valor definido a fls. 350 e 351. 
Foi proferido o despacho saneador, no âmbito do qual foram absolvidos da instância os 2.º a 5.º réus, por terem sido considerados partes ilegítimas na causa, tendo sido definido o objeto do litígio, com a indicação dos factos assentes e a seleção dos temas da prova, admitindo-se ainda os meios de prova
Os autos prosseguiram os seus ulteriores termos, tendo por fim sido proferida sentença, a qual terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a acção procedente por provada e, consequentemente, decido condenar a “EMP01... Companhia de Seguros, S.A”, a pagar à beneficiária legal, AA:
- a quantia de 15,00 Eur. (quinze euros), por deslocações obrigatórias feitas nos autos, a acrescer de juros de mora desde 8.03.2022;
- a quantia de 5.850,24 Eur. (cinco mil, oitocentos e cinquenta euros e vinte e quatro cêntimos), a título de subsídio por morte, a acrescer de juros de mora, a contar de 17.02.2021;
- a quantia de 1.646,00 Eur. (mil, seiscentos e quarenta e seis euros), a título de despesas de funeral, a acrescer de juros de mora, a contar de 24.02.2021 (recibo);
- a pensão anual com o valor de 3.123,00 Eur. (três mil, cento e vinte e três euros), que corresponde a 30 % da retribuição do sinistrado, até perfazer a idade de reforma por velhice, devida desde 17.02.2021, e ainda atendendo às actualizações feitas a 01.01.2022 (3.154,23 Eur.), a 01.01.2023 (3.406,57 Eur), a 01.01.2024 (3.610,96 Eur.) e a 1.01.2025 (3.704,84 Eur.), a acrescer de juros de mora desde 17.02.2021;
- a pensão anual com o valor de 4.164,00 Eur. (quatro mil, cento e sessenta e quatro euros), que corresponde a 40 % da retribuição do sinistrado, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.

*
Valor da causa: 50.096,46 Eur. (cinquenta mil, noventa e seis euros e quarenta e seis cêntimos). cfr. art. 120.º do C.P.Trabalho. ---
Custas pela ré seguradora.---
Notifique e registe.---“

A sentença viria a ser reparada pelo Tribunal a quo dela passando a constar no seu dispositivo o seguinte:
«Condeno ainda a “EMP01... Companhia de Seguros, S.A”, a reembolsar ao Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de 5.946,66 Eur. (cinco mil, novecentos e quarenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a título de pensões provisórias, liquidadas entre 24.03.2023 e 28.02.2025, que fica desobrigada de entregar à sinistrada até que seja atingido tal montante, sob pena de enriquecimento desta última.
eliminar-se o § 4.º e passar o § 5.º a constar com a redacção que segue:
a pensão anual com o valor de 4.164,00 Eur. (quatro mil, cento e sessenta e quatro euros), que corresponde a 40 % da retribuição do sinistrado, devida desde 17.02.2021, e ainda atendendo às actualizações feitas a 01.01.2022 – 1%- (4.205,64 Eur.), a 01.01.2023 – 8,4% - (4.558,91 Eur), a 01.01.2024 – 6% - (4.832,45 Eur.) e a 1.01.2025 – 2,60% - (4.958,09 Eur.), a acrescer de juros de mora desde 17.02.2021.»

Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré Seguradora interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1 – Existiu grave erro na decisão da matéria de facto.
2 – Devem passar a dar-se como provados os seguintes factos os pontos, 1, 2, 3 e 4 do elenco dos factos não provados.
3 - Todos estes factos deveriam ter sido dados como PROVADOS, pela consideração dos documentos e dos depoimentos testemunhais (ou seus excertos) invocados no corpo das presentes alegações.
4 – De facto, a prova documental existente – em especial o relatório ACT junto a fls. dos autos, concatenada com tais testemunhos impõe que, para além da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo seja ainda a matéria supra referida dada como provada.
5 – O que torna ainda mais insustentável a decisão de mérito proferida por demonstrar o elevadíssimo grau de responsabilidade, de culpa e de censurabilidade do comportamento do sinistrado, violador não só da regra de segurança que o obrigava a usar o cinto e arnês presos à linha de vida – tudo disponibilizado na obra - como o Art. 17º da Lei 102/99
6 – Violação ostensiva e grosseira de tal regra de segurança implementada na obra em curso precisamente para evitar acidentes como o dos autos.
7 – Regra esta cujo cumprimento teria efetivamente impedido que o acidente acontecesse e, ainda mais seguramente, se possível, que tivesse as consequências que a queda livre por cerca de 18 metros acarretou ao sinistrado.
8 – Ao violar tal regra, trabalhando sem qualquer equipamento de segurança a cerca de 18 metros de altura, sua culpa é ainda mais gritante quando atentamos que era experiente e patrão de si próprio – sócio gerente da sua sociedade unipessoal, EMP04....
9 – Assim sendo, e passando esta a ser a matéria dada como PROVADA – para além de toda aquela que a sentença já reconheceu como tal, tem que se concluir que o acidente dos autos é, ao contrário do decidido, totalmente imputável ao sinistrado, encontrando-se por isso descaracterizado enquanto acidente de trabalho, não conferindo direito a reparação, nos termos e ao abrigo do disposto no Art. 14.º nº 1 al. a) da Lei 98/2009.
10 - O seu comportamento constituiu ainda um acto de absoluta temeridade, em alto e relevante grau, a qual não pode ser imputada a habitualidade ao perigo de qualquer trabalho, a confiança na experiência profissional ou a usos e costumes de qualquer profissão.
11 - Comportamento do A., que lhe é exclusivamente imputável, não pode deixar de ser tido como absolutamente temerário, inútil e indesculpável, e como tal merecedor de juízo de forte censura – violou sem qualquer justificação e grosseiramente os mais elementares juízos de prudência, as regras de segurança que bem conhecia e percebia, que a sua patronal implementara e que, se cumpridas, impediriam a ocorrência deste acidente.
12 – Pelo que também pela aplicação da alínea b) do nº 1 do Art, 14º da Lei 98/2009 está o acidente dos autos descaracterizado enquanto acidente de trabalho, não conferindo direito a reparação.
13 - Ainda que se entendesse não ser de alterar qualquer das decisões de facto supra referidas, ainda assim dizia-se, crê-se ser patente que a decisão de mérito deveria ser outra, descaracterizando o acidente dos autos como acidente de trabalho.
14 – É que, ou se dá como provado que o sinistrado estava a trabalhar em altura e caiu por não usar o cinto e arnês de segurança presos à linha de vida ou, caso se leve a dúvida ao extremo do tribunal a quo, nem sequer teremos como provado um acidente de trabalho – ninguém viu o que estava a fazer o sinistrado, podia ter ido ao local apenas para se isolar e pensar na vida, para tirar fotos com o seu telefone, para ir buscar uma ferramenta ou uma peça de roupa que queria usar, etc, etc.
15 - Razão pela qual, mesmo com a matéria apurada pela 1ª instancia, sempre a decisão de mérito a proferir deve ser no sentido de não conferir reparação ao acidente dos autos, por força das alíneas a) e b) do nº 1 do Art. 14º Lei 98/2009, absolvendo a Apelante de todos os pedidos.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., deve a Douta Sentença ser substituída por outra que altere a decisão sobre a matéria de facto nos moldes propostos e absolva a Apelante dos pedidos contra si formulados com o que se fará sã e serena JUSTIÇA.
Conclui assim a Recorrente/Apelante pela revogação da sentença recorrida.
*
Em contra-alegação a beneficiária do sinistrado pugna pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido o douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificadas as partes para se pronunciarem, veio a apelada manifestar a sua concordância com o parecer.
Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), as questões que se colocam no à apreciação deste Tribunal da Relação são as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto
2. Descaracterização do acidente nos termos do artigo 14º n.º 1 als. a) e b) da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (doravante NLAT).

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A - FACTOS PROVADOS:
1. BB, nascido a ../../1967, veio a falecer a ../../2021, no estado de casado com AA, no regime da comunhão de bens adquiridos.
2. Por escritura lavrada a 2.03.2021 no Cartório Notarial de EE, foram habilitados como únicos e universais herdeiros de BB, a viúva, AA, e os filhos do casal, FF e GG, maiores de idade.
3. Correu termos inquérito sob o n.º 269/21.7JABRG, na 3.ª secção do DIAP de Braga, o qual foi arquivado, por despacho proferido a 7.06.2021, “por não terem sido reunidos indícios suficientes de que a morte … teve origem em acção humana criminosa, dolosa ou negligente …”, nos termos do art. 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
4. Realizada a autópsia ao cadáver de BB a 19.02.2021, no Serviço de Clínica e Patologia Forense, concluiu-se que:
«1.ª … a morte … foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e dos membros;
2.ª – Estas, bem como as restantes lesões traumáticas descritas, podem ter resultado de traumatismo de natureza contundente ou como tal atuando, tal como pode ter sido devido a precipitação do 5.º andar em fosso de elevador, em contexto de acidente de trabalho …;
3.ª A informação circunstancial atrás descrita aponta, deste modo, para uma morte de etiologia médico-legal acidental (sem intervenção de terceiros) (…)».
5. No dia e local da morte – 16.02.2021, na Rua ..., Lote ..., em ..., ..., o BB exercia actividade profissional como sócio-gerente da “EMP04... Unipessoal, Lda.”, sociedade com o NIPC ...85, com sede na Rua ..., em ..., ....
6. Nessa ocasião o aludido BB auferia a retribuição anual ilíquida de 10.410,00 Eur. (dez mil, quatrocentos e dez euros), sendo 665,00 Eur. x 14 meses de salário base e 100,00 Eur. x 11 meses de subsídio de alimentação.
7. Nessa ocasião estava em vigor um contrato de seguro do ramo “acidentes de trabalho”, titulado pela apólice n.º ...65, celebrado entre a ré seguradora e a “EMP04... Unipessoal, Lda.”, com prémio fixo, que se rege pelas suas condições gerais, especiais e particulares.
8. A retribuição anual do autor transferida no âmbito da apólice é a referida em 6.
9. No dia 17.02.2021 a ACT, após deslocação ao local da obra, determinou a suspensão imediata dos trabalhos, nos termos do art. 10.º, n.º 1, al. d) do D.L n.º 102/2000, de 2.06, sendo autorizado o reinício a 1.03.2021, após o dono da obra, a sociedade “EMP03..., Lda.” ter apresentado um plano específico com medidas de prevenção contra risco de quedas em altura datado de 25.02.2021.
10. Na Tentativa de Conciliação realizada a 8.03.2022, a viúva declarou que o sinistrado foi vitima de acidente de trabalho a 16.02.2021, “quando estava a montar um elevador, caiu no fosso de 8 andares”, a seguradora aceitou a existência do acidente como de trabalho e o nexo de causalidade entre o evento e a morte, bem como aceitou a existência de um apólice válida com base nas remunerações referidas, que a retribuição transferida correspondia ao valor integral auferido pelo falecido, porém, não aceitou ser responsável pela reparação, entendendo que existe causa para descaracterização do acidente, por ter incumprimento pelo sinistrado das condições de segurança estabelecidas.
11. A “EMP04... Unipessoal, Lda.”, sociedade com o NIPC ...85, foi objecto de dissolução e liquidação, cujo encerramento que foi levado a registo a 16.06.2021, com cancelamento da matrícula.
12. A “EMP05..., Lda.” foi contratada pela sociedade “EMP03..., Lda.”, dono da obra, para proceder ao fornecimento, montagem e instalação dos elevadores na obra sita na Rua ..., Lote ..., ..., em ..., sendo CC e DD os técnicos responsáveis pela coordenação de segurança em obra.
13. A “EMP04... Unipessoal, Lda.” foi subcontratada pela “EMP05..., Lda.” para executar parte dos trabalhos adjudicados pelo dono da obra.
(alíneas A) a M) dos factos assentes no despacho saneador)
14. No dia 16.02.2021 BB deslocou-se sozinho para obra.
15. Já na obra, subiu ao nível do 4.º e 5.º andar, onde se mostrava instalada a sua plataforma de trabalho (por entalamento).
16. Do 4.º ou do 5.º piso, por motivo não apurado, e por dinâmica que se desconhece, o sinistrado veio a cair para o poço do elevador, onde foi encontrado sem vida, no piso -2 (subcave).
17. A beneficiária gastou 1.646,00 Eur. (mil seiscentos e quarenta e seis euros) com o funeral.
18. E despendeu 15,00 Eur. (quinze euros) com deslocações obrigatórias no âmbito do processo.
19. A “EMP04... Unipessoal, Lda.” foi subcontratada para executar a pré-instalação dos elevadores, a montagem das calhas e as portas de patamar.
20. O sinistrado andava há dias antes do acidente a montar as guias em altura para a subsequente instalação dos elevadores, no interior da caixa em betão.
21. Usava para tal uma plataforma de trabalho, propriedade da “EMP04... Unipessoal, Lda.”.
22. A plataforma referida funcionava por entalamento - enquanto uma das extremidades estava encaixada na bordadura da laje, na zona destinada à porta do elevador, a outra estava entalada contra a parede posterior dessa caixa.
23. No dia 16.02.2021, o estaleiro da obra estava encerrado.
24. O sinistrado usou as chaves facultadas, no final do dia anterior, por um funcionário da “EMP03..., Lda.”, responsável pela sua guarda.
25. Tal funcionário deu as chaves ao sinistrado porque este lhe disse, no dia 15 de Fevereiro, pelas 18h00, e aquando se preparava para fechar a obra, que estava atrasado, pelo que sairia um pouco mais tarde mas deixaria a obra fechada.
26. Mais se tendo comprometido a comparecer na obra com a chave, no dia 17.02.2021, antes da chegada dos restantes trabalhadores.
27. Estava proibida a manutenção de um qualquer trabalhador quando findava o horário de trabalho e a obra era encerrada.
28. Na obra, mormente no poço do elevador, estava instalada uma linha de vida.
29. Existiam ainda cinto arnês de segurança, próprio para ser preso à linha de vida.     
30. À data de 16.02.2021 a caixa do elevador tinha, na abertura de cada piso, onde iriam ser colocadas as portas dos elevadores, com excepção do 4.º e 5.º pisos, duas traves presas às paredes de betão, que assim delimitavam essa caixa e as bordaduras das lajes.
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B - FACTOS NÃO PROVADOS
1. A 16.02.2021 o sinistrado estava na obra a adiantar o serviço atribuído à “EMP04... Unipessoal, Lda.”, mormente a continuar a instalar as guias/calhas dentro do poço do elevador.
2. O facto de o sinistrado não ter usado os equipamentos referidos em 28. e 29., foi a causa única e exclusiva do acidente e das suas consequências.
3. Ainda que ocorresse na mesma a queda, caso tivessem sido usados aqueles equipamentos, o sinistrado ficaria pendurado pelo cinto arnês na linha de vida, evitando a sua morte.
4. À data de 16.02.2021 a caixa do elevador estava vedada, de piso para piso, e nas aberturas de casa piso, onde iriam ser colocadas as portas dos elevadores, existiam guarda corpos e guarda cabeças que delimitavam a caixa e as bordaduras das lajes.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da impugnação da matéria de facto
A Recorrente nas suas conclusões, defende que a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada, sustentando que os pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados deviam ser dados como provados, com base nos documentos e depoimentos que indica, de modo a concluir-se pela violação grosseira de regras de segurança
Indica como meios de prova para fundamentar a sua pretensão na participação do acidente, relatório da ACT e depoimentos de HH (inspetor da ACT), II, CC e DD, pretendendo assim com referência à decisão sobre a matéria de facto, a sua alteração, com reapreciação da prova gravada, designadamente dos depoimentos testemunhais.

Vejamos:
Os Tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, resulta do artigo 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial.
Por fim, temos de ter em atenção, que o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.
Cabe assim ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento, que possa vir a impor decisão diversa.
Ora, passemos à apreciação da impugnação da matéria de facto, uma vez que se mostram cumpridos os ónus de impugnação previstos no citado art.º 640.º do CPC.
Pretende a Recorrente que se proceda à eliminação do ponto 3 dos pontos de facto provados, por ser totalmente irrelevante a razão pela qual o inquérito criminal foi arquivado, caso assim não se entenda então deverá passar a constar dos factos provados, o que consta do relatório do processo crime junto aos autos, no qual se conclui “que a ter havido violação das regras de segurança impostas para a realização daquelas concretas tarefas, apenas poderão ser imputadas ao falecido, por facto próprio.”
Do ponto 3 dos pontos de facto provados consta o seguinte:
“Correu termos inquérito sob o n.º 269/21.7JABRG, na 3.ª secção do DIAP de Braga, o qual foi arquivado, por despacho proferido a 7.06.2021, “por não terem sido reunidos indícios suficientes de que a morte … teve origem em acção humana criminosa, dolosa ou negligente …”, nos termos do art. 277.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.”
Importa desde já esclarecer que esta factualidade foi dada como assente em sede de despacho saneador, resulta do teor da certidão junta aos autos a fls. 73 e 74, sem que tivesse sido objeto de qualquer reclamação.
Por outro lado, assiste alguma razão à recorrente quando afirma que tal factualidade dada como assente é totalmente irrelevante para a boa decisão da causa, contudo é de realçar, que nesta sede, apenas se deve proceder à alteração da matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que não sucede no caso.
Assim, porque da eliminação de tal factualidade dos pontos de facto provados não advém qualquer consequência com relevo para a boa decisão da causa, improcede nesta parte a impugnação.
Por outro lado, acresce dizer que a factualidade conclusiva que se pretendia que fosse acrescentada ao ponto 3 dos pontos de facto provados, por ter cariz meramente hipotético, opinativo e conclusivo, não pode nem deve constar da factualidade provada.
Pretende a Recorrente que os pontos de facto não provados sob os n.ºs 1 a 4 passem a constar dos factos provados

Tais pontos de facto tem a seguinte redação:
1. A 16.02.2021 o sinistrado estava na obra a adiantar o serviço atribuído à “EMP04... Unipessoal, Lda.”, mormente a continuar a instalar as guias/calhas dentro do poço do elevador.
2. O facto de o sinistrado não ter usado os equipamentos referidos em 28. e 29., foi a causa única e exclusiva do acidente e das suas consequências.
3. Ainda que ocorresse na mesma a queda, caso tivessem sido usados aqueles equipamentos, o sinistrado ficaria pendurado pelo cinto arnês na linha de vida, evitando a sua morte.
4. À data de 16.02.2021 a caixa do elevador estava vedada, de piso para piso, e nas aberturas de cada piso, onde iriam ser colocadas as portas dos elevadores, existiam guarda corpos e guarda cabeças que delimitavam a caixa e as bordaduras das lajes.
Após audição da audição da prova testemunhal e analisada toda a documentação junta aos autos, tendo presente as regras da experiência comum e da normalidade teremos de concluir que a análise efetuada pelo tribunal a quo não enferma de qualquer erro notório na apreciação da prova, tendo presente que este ocorre quando é ostensivo, evidente que não escapa a um qualquer observador comum que análise a prova.
Voltamos a realçar que o Tribunal da Relação só deverá alterar a decisão recorrida quando relativamente ao facto impugnado exista uma prova impositiva que torne imperioso o afastamento do facto.
No que respeita à factualidade não provada o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção de forma clara, precisa e exaustiva consignando o seguinte:
“Da conjugação de toda a prova não foi possível apurar a concreta causa do acidente, pois se é certo que a morte do BB decorreu de lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e dos membros, em face do teor das conclusões exaradas no próprio relatório da autópsia e do exame do hábito externo do cadáver de fls. 654 a 656, em resultado de traumatismo de natureza contundente ou como tal actuando, e como tal pode afirmar-se que foi devida à sua queda em altura (do 5.º ou do 4.º andar do edifício) no poço do elevador, foi, porém, impossível apurar o porquê e a forma/circunstâncias concretas que determinaram a queda no poço de elevador.
Desconhece-se na verdade, porque ninguém assistiu ao momento em que se desenrolou o acidente, qual a respectiva dinâmica.
Veja-se que não se apurou sequer o que o sinistrado ia ou pretendia fazer neste dia 16.02.2021 – dia feriado da construção civil, desconhece-se se ia continuar os trabalhos, apenas arrumar e recolher os seus equipamentos e instrumentos de trabalho e materiais que usava ou se ia preparar o material para os dias seguintes (cortar as guias a instalar no fosso), desconhece-se também porque caiu, mormente se tal foi determinado por um desequilíbrio, mormente por ter sofrido uma vertigem, uma tontura, uma quebra de tensão ou ter sentido indisposição súbita.
Por outro lado, e admitindo-se que retirou as traves de protecção das aberturas do 4.º e 5.º andar, no dia 16.02.2021 ou no dia 15.02.2021, desconhece-se se ainda assim tropeçou ou escorregou nalgum objecto colocado junto do fosso quando ia recolher materiais ou preparar os necessários aos dias seguintes, o que lhe determinou a queda. Tudo hipóteses que não se podem afastar, por possíveis de suceder.
Assim como se desconhece se, admitindo-se que fosse continuar a montar os perfis, o que o obrigaria a entrar no poço do elevador, se o sinistrado, visando subir à plataforma – que foi encontrada montada no poço do elevador, mas que assim já podia ter ficado no dia anterior -, e antes de ter tempo de colocar cinto arnês e acoplar-se à linha de vida, se tenha nesse momento desequilibrado por ter sofrido uma vertigem, uma tontura, uma quebra de tensão ou sentido indisposição súbita que o levasse a aproximar-se do fosso e a cair ainda antes de colocar os equipamentos de protecção.
No entanto, sempre se dirá que ainda que assim não fosse, a prova produzida também não foi de molde a demonstrar a versão sustentada nos autos pela seguradora, porque nenhum meio de prova permite concluir, de forma peremptória, que o sinistrado sequer usou a plataforma nesse dia 16.02.2021, que entrou na caixa do elevador voluntariamente sem usar meio de protecção que acautelasse o risco de queda.
A mera circunstância de aquela plataforma estar enviesada/obliquada, não demonstra que o sinistrado para ali subiu ou tentou subir, sem estar acoplado à linha de vida, pois que, também surge possível, no plano das hipóteses, que com a sua queda acidental, ao tentar agarrar-se possa o sinistrado tê-la tocado, desviado a mesma com o peso do seu corpo ou puxado a mesma, determinando a sua movimentação.
Não se pode, pois, afirmar que o acidente proveio de acto ou omissão do sinistrado que tenha violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.
Se é certo que o mesmo se dirigiu sozinho para a obra, em dia feriado da construção civil, estando a mesma encerrada, por lhe terem sido facultadas as chaves no final do anterior dia de trabalho, por um funcionário da entidade executante, na verdade desconhecendo-se o que aquele pretendia ali fazer – se ia só arrumar ou recolher equipamentos e ferramentas de trabalhou ou até preparar materiais para dias seguintes (como seja corte dos perfis, que sempre faria fora do fosso), não pode dizer-se que por aí violou a ordem de não permanência no estaleiro.
Por outro lado, é certo que o corpo do sinistrado foi encontrado sem cinto arnês e que ele não estava acoplado à linha de vida, mas o uso de tal equipamento só se impunha se aquele fosse executar trabalhos em altura, no poço do elevador, sendo que a colocação dos meios de proteção individual cabe ao trabalhador, e o seu fornecimento cabe ao empregador.
(…).
Pelo que, à partida, o facto de o sinistrado não ter diligenciado pela utilização do arnês para executar o referido trabalho, evitando assim queda em altura, consubstanciaria uma violação das condições de segurança previstas na lei, sem causa justificativa. Porém, no caso, como já sublinhamos, não sabemos se o sinistrado ia executar trabalhos no poço do elevador, ou apenas preparar materiais para os dias seguintes, ou até apenas arrumar o seu espaço de trabalho e as suas ferramentas, nem sabemos se o mesmo caiu por força da sua aproximação ao fosso, por se ter desequilibrado ou tropeçado, em face das causas já hipoteticamente apontadas supra, ainda antes de estar obrigado a colocar o equipamento de protecção.
(…)
E, como já sublinhamos, não resulta da matéria de facto provada quais foram as concretas causas da queda, tendo resultado não provada a matéria alegada a este propósito pela seguradora – cfr. pontos 1 a 3 dos não provados.”
Mas vejamos:
No que respeita ao ponto 1 dos pontos de facto não provados passar a constar dos pontos de facto provados, sustenta a recorrente a sua pretensão no relatório da ACT, no qual se afirma que o sinistrado estaria a realizar trabalhos na caixa do elevador do nível 4.º/5.º piso, bem como nos depoimentos do inspetor da ACT Amaro Lobo e CC.
Ora, salvo o devido respeito, por opinião em contrário, nem dos referidos depoimentos, nem do relatório ACT resulta, que no dia 16.02.2021 o sinistrado estava na obra a adiantar trabalho, designadamente a continuar a instalar as guias dentro do poço do elevador.
Com efeito, ninguém presenciou o acidente e as diversas suposições e hipóteses do que terá sucedido, não passam de meras conjeturas, com pouco ou nenhum suporte factual, como aliás bem acentua na sua extensa motivação a juiz a quo. Apenas se apurou que no dia 15 o sinistrado ficou na obra ainda a prestar o seu trabalho ficando com a chave da obra. No dia seguinte, era feriado, mas decidiu ir à obra, sem que se saiba o que lá foi fazer, sendo certo, que já na obra, por motivo não apurado e por dinâmica que se desconhece, subiu a 4.º ou 5.º piso e veio a cair para o poço do elevador.
Quer os documentos juntos aos autos, quer o depoimento das testemunhas não nos permitem afirmar que nesse dia o sinistrado estava na obra a adiantar o seu serviço designadamente a instalar as guias e as calhas dentro do poço do elevador, quer pelo facto de nesse dia ser feriado na construção civil e por isso não havia ninguém na obra, quer pelo facto dos vestígios encontrados, também não permitirem o apuramento de tal factualidade. Quer ainda pelo facto de todas as testemunhas que depuseram sobre esta matéria apenas levantaram hipóteses plausíveis sobre a suposta dinâmica do acidente, sem qualquer sustento factual. Voltamos a referir, que não era sequer expetável atenta a factualidade provada relativamente ao comportamento que o sinistrado havia tido no dia anterior ao do acidente, que o mesmo fosse trabalhar na obra no dia de carnaval.
Acresce dizer que os inspetores do ACT apenas se deslocaram à obra no dia seguinte ao do acidente, não se sabendo assim se os vestígios que encontraram foram ou não todos deixados pelo sinistrado na decorrência do sinistro.
Não temos dúvidas em afirmar que o trabalho que o sinistrado tinha de executar era o de colocar as guias dos elevadores, mas não sabemos, nem podemos saber, nem tal foi afirmado pela testemunha CC, se concretamente era esse o trabalho que estava a desenvolver quando se deu o sinistro.
Em suma, nem os documentos juntos aos autos, nem os depoimentos prestados pelas testemunhas, nem os materiais (guias) que se encontravam no fundo da caixa do elevador junto do corpo do sinistrado, nem os materiais/ferramentas que se encontravam, junto ao corpo do sinistrado se revelam de minimamente suficientes para dar como provado a factualidade que consta do ponto 1 dos factos dados como não provados, ou seja que no dia 16.02.21 o sinistrado estava na obra a continuar a instalar as guias/calhas dentro do poço do elevador.
Relativamente à causa única e exclusiva do acidente que consta dos pontos 2 e 3 dos pontos de facto não provados, que a recorrente pretende que passem a constar dos pontos de facto provados, teremos de dizer, mais uma vez que, que não tendo sido apurada a concreta dinâmica do acidente, nada podemos extrair relativamente à causa do acidente.
Acresce dizer que a factualidade que consta dos pontos de facto 2 e 3 dos pontos de facto não provados é meramente conclusiva e hipotética, que por isso deveria de resultar da prova de factos materiais e concretos que caso e tivessem provado nos permitiriam retirar essa conclusão. Mas tal, não sucedeu, e sem se saber e ter apurado as circunstâncias em que ocorreu a queda, tudo o que gira à volta da utilização da proteção individual que existia na obra e que o sinistrado tinha disponível para utilizar, não passam de considerações teóricas e hipotéticas, sem qualquer sustento factual.
Na verdade, como alega a Recorrente todos os inspetores, técnicos e responsáveis de segurança em obra e engenheiros que foram inquiridos em sede de audiência de julgamento foram perentórios ao afirmarem que o linha de vida estava instalada, a utilização do arnês e do cinto era obrigatória e que o sinistrado não a estava a utilizar, pois teoricamente se a tivesse utilizado não teria caído. Contudo, para podermos concluir que a queda se ficou a dever à falta de utilização do equipamento de proteção individual que o sinistrado tinha disponível teria que ter apurado da dinâmica do acidente, as suas circunstâncias e a sua causa, o que no caso não sucedeu. É o próprio técnico de segurança II depois de fazer diversas considerações e explicar o funcionamento da ancoragem, ao pronunciar-se sobre o que teria sucedido se o sinistrado tivesse a utilizar o EPI que acaba por dizer, “que não sabe o que o sinistrado estava ou não a fazer quando se deu a queda”.
Desconhecendo-se as concretas circunstâncias que estiveram na origem do acidente, designadamente qual a tarefa que o sinistrado estava a fazer, quando o mesmo ocorreu, qual o concreto piso de onde caiu, e sendo certo que uma das testemunhas, o CC afirmou que as poucas vezes que viu o sinistrado a trabalhar “ele estava sempre com a linha (…), com o arnês”, o que impõe que se questione, sem possibilidade de resposta, sobre o que estava então o sinistrado a fazer na altura em que se deu a queda, para não estar a utilizar o EPI.
Em suma, sem se ter apurado as circunstâncias em que se deu a queda, não podemos concluir que se o sinistrado estivesse a usar o cinto, o arnês preso à linha de vida não teria sofrido a queda livre de cerca de 18 metros de altura que sofreu do 4.º ou 5.º piso acima da soleira até ao fundo da caixa do elevador.
Improcede nesta parte a impugnação, sendo de manter os pontos 2 e 3 dos pontos de facto não provados.
Por fim, pretende a recorrente que se dê como provada a factualidade que consta do ponto 4 dos pontos de facto não provados, sustentando a sua pretensão no relatório da ACT e documentos que o acompanham e na prova testemunhal, designadamente os testemunhos do inspetor da ..., HH, II, CC e JJ.
Salvo o devido respeito por opinião, em contrário não subscrevemos a análise subjetiva efetuada pela Recorrente.
Na verdade, resulta quer dos documentos, quer dos testemunhos prestados pelas testemunhas referidos pela recorrente, que a caixa do elevador teria estado vedada de piso para piso e nas aberturas de cada piso, onde iriam ser colocadas as portas dos elevadores, existiam traves presas às paredes de betão, contudo nenhum das testemunhas referiu que no dia do acidente, ou nos dias imediatamente anteriores aquele, tal se verificava. Ao invés, a seguir ao acidente foi por todos constatado, designadamente pelo inspetor da ACT, que disso faz menção no seu relatório, ilustrando com fotografia, que ao nível do 4.º e 5.º piso de acesso à caixa do elevador não se encontrava protegidas contra o risco de queda em altura, ou seja, não se encontravam instalados os guarda corpos.
Perante este cenário e não se tendo apurado a altura em que foram retirados os guarda corpos, bem andou o tribunal a quo ao dar como não provado que no dia do acidente a caixa do elevador. estava vedada.
A prova afigura-se-nos de insuficiente e muito menos impõe que se dê tal factualidade provada nos termos pretendidos pela recorrente, pois ainda que a caixa do elevador tivesse estado vedada de piso para piso, o certo é que no dia do acidente não sabemos se tal se verificava, uma vez que após o mesmo, ao nível do 4.º e 5.º piso a caixa do elevador estava desprovida de guarda corpos e guarda cabeças.
Acresce dizer que esta factualidade que se pretendia agora dar como provada é contraditada pela factualidade dada como provada no art.º 30.º dos pontos de facto provados, que não foi posta em causa pela recorrente e que efetivamente traduz, o que resulta da prova produzida.
Por último, não podemos deixar de dizer que o percurso e encadeamento do raciocínio efectuado pela Mmª Juiz a quo que conduziu ao apuramento dos factos provados e não provados e que consta da respetiva motivação a não deixa quaisquer dúvidas quanto à formação da sua convicção e não nos permite concluir de outra forma.
Voltamos a referir que alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando se possa concluir com segurança, que os depoimentos prestados em julgamento, conjugados com a restante prova produzida apontam em direcção diversa da apurada pelo tribunal a quo.
Como defende com asserto a Conselheira Ana Luísa Geraldes, in “Impugnação e Reapreciação da Decisão sobre a Matéria de Facto”, Estudos em Homenagem ao Prof.º Dr. Lebre de Freitas, vol. I, pág. 609 «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
Em suma, no caso não foi cometido qualquer erro de julgamento, que se traduza na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, que impusesse decisão diferente, designadamente na apreciação dos pontos de facto que agora se pretendia que fossem dados como provados, já que Mma. Juiz a quo procedeu à correcta fixação da matéria de facto, que motivou de forma a não deixar quaisquer dúvidas quanto à formação da sua convicção.
É de manter inalterada a matéria de facto que consta dos factos não provados, improcedendo na totalidade a impugnação da matéria de facto.

2. Da impugnação da decisão de direito
Como resulta quer das alegações, quer das conclusões de recurso, a Recorrente vem por em crise a subsunção jurídica que foi efectuada na sentença recorrida dos factos dados como provados.
Contudo a impugnação suscitada está alicerçada e tem como pressuposto principal a procedência da impugnação da matéria de facto com a alteração substancial e nuclear do quadro factual apurado pelo tribunal recorrido.
Ora, revelando-se de inalterada e intocada a factualidade fixada pelo tribunal a quo importa agora reapreciar a decisão recorrida e apurar se o comportamento do sinistrado integra alguma das situações previstas no artigo 14.º da NLAT designadamente aquelas a que aludem as alíneas a) e b) do seu n.º 1, deixando desde já consignado que não encontramos razões para divergir do sentido da decisão recorrida, ao ter concluído que não ocorre descaraterização do acidente como de trabalho.

Sob a epígrafe de “Descaracterização do acidente” estabelece o artigo 14º da NLAT, o seguinte:
“1. O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou se o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2. Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente dificilmente entendê-la.
3. Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.”
Podemos assim afirmar que para ocorra uma situação de descaracterização do acidente por violação de regras de segurança impõe-se a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei;
- violação, por ação ou omissão, dessas condições, por parte da vítima;
- que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa;
- que o acidente seja consequência necessária dessa atuação, isto é que exista nexo de causalidade entre a referida violação e o evento.[1]
O primeiro dos requisitos está relacionado com o disposto no art.º 17.º, n.º 1 al. a) da Lei 102/2009, de 10.09, o qual prescreve que constituem obrigações do trabalhador “cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador”.
Ora, no que se refere às instruções de segurança estabelecidas pelo empregador, não basta a sua existência, sendo necessário também que elas sejam transmitidas ao trabalhador.
Quanto à al. b) do n.º 1 do citado normativo, apraz dizer que se entende por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão. Como se refere no Acórdão do STJ de 16/6/2016[2], “são considerados pressupostos jusnormativos da descaracterização com fundamento na negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau por parte do sinistrado e o exclusivo nexo causal entre o comportamento do trabalhador e a ocorrência do acidente.”
Assim, estamos perante a descaracterização do acidente prevista na alínea b) do nº1 do artigo 14º, quando se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:
- a existência de uma situação de culpa grave e indesculpável da vítima e;
- a exclusividade dessa culpa na eclosão do acidente, ou seja, o acidente fica a dever-se exclusivamente, ao comportamento grosseiramente negligente do sinistrado.
Por fim, importa referir que para que se verifique uma situação de culpa grave e indesculpável da vítima necessário se torna a existência de um comportamento temerário, inútil, indesculpável da vítima, reprovado por um elementar sentido de prudência[3]. A negligência grosseira corresponde a uma negligência particularmente grave, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo, configurando uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares. Ao exigir a negligência grosseira, ou culpa grave, «o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras. (…). A negligência lata ou grave confina com o dolo e parece ser, sem dúvida, a esta espécie de negligência que se refere o legislador ao mencionar a negligência grosseira: é grosseira, porque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bonus pater-familias.»[4].
No que concerne à culpa é pacífico que a mesma não deve apreciar-se em abstrato, mas, sim, caso por caso, ponderando-se as circunstâncias do caso concreto.
Por outro lado, a negligência grosseira que a lei exige para descaracterizar o acidente de trabalho corresponde a culpa grave, pressupondo, para a sua verificação, que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum, devendo ser apreciada em concreto, com referência às condições do próprio sinistrado.
Por fim, quanto ao ónus da prova dos factos que conduzem à descaracterização, o mesmo incumbe à entidade responsável pela reparação, porque impeditivo do direito do sinistrado/beneficiário – artigo 342º, nº 2, do Código Civil.
Ora, a Recorrente insurge-se contra o facto de na sentença recorrida se ter afastado a descaracterização do acidente, fazendo-se assim uma errada interpretação dos factos provados, já que da factualidade provada decorre a violação, pelo sinistrado, das normas de segurança que impunham para a realização da tarefa de instalação das guias dos elevadores que na altura realizava, em clara violação da regra de segurança que o obrigava a usar o cinto e arnês presos à linha de vida, implementada na ora em curso para evitar as quedas em altura.
Por outro lado, defende ainda a recorrente que o comportamento do sinistrado constituiu um ato de absoluta temeridade, em alto e relevante grau, o qual não pode ser imputado a habitualidade ao perigo de qualquer trabalho, à confiança na experiência profissional ou a usos e costumes de qualquer profissão. Mais defende que o acidente é exclusivamente imputável ao sinistrado, sendo merecedor de um juízo de forte censura, por ter violado de forma grosseira as mais elementares normas de segurança, que bem conhecia e se cumpridas teriam evitado a ocorrência do acidente.
Revertendo ao caso dos autos, analisada a matéria de facto apurada, forçoso é concluir que a Ré/Recorrente não logrou provar, tal como lhe incumbia –  artigo 342º, n.º 2 do Código Civil –, a factualidade que permitiria concluir pela descaracterização do acidente dos autos por referência a qualquer uma das situações previstas no citado artigo 14.º da NLAT.
Mas vejamos:
Com relevo para apreciação desta questão resultaram provados os seguintes factos:
- No dia 16.02.2021 BB deslocou-se sozinho para obra.
- Já na obra, subiu ao nível do 4.º e 5.º andar, onde se mostrava instalada a sua plataforma de trabalho (por entalamento).
- Do 4.º ou do 5.º piso, por motivo não apurado, e por dinâmica que se desconhece, o sinistrado veio a cair para o poço do elevador, onde foi encontrado sem vida, no piso -2 (subcave).
- O sinistrado andava há dias antes do acidente a montar as guias em altura para a subsequente instalação dos elevadores, no interior da caixa em betão.
- Usava para tal uma plataforma de trabalho, propriedade da “EMP04... Unipessoal, Lda.”.
- A plataforma referida funcionava por entalamento - enquanto uma das extremidades estava encaixada na bordadura da laje, na zona destinada à porta do elevador, a outra estava entalada contra a parede posterior dessa caixa.
- No dia 16.02.2021, o estaleiro da obra estava encerrado.
- O sinistrado usou as chaves facultadas, no final do dia anterior, por um funcionário da “EMP03..., Lda.”, responsável pela sua guarda.
- Tal funcionário deu as chaves ao sinistrado porque este lhe disse, no dia 15 de Fevereiro, pelas 18h00, e aquando se preparava para fechar a obra, que estava atrasado, pelo que sairia um pouco mais tarde mas deixaria a obra fechada.
- Na obra, mormente no poço do elevador, estava instalada uma linha de vida.
- Existiam ainda cinto arnês de segurança, próprio para ser preso à linha de vida.         
- À data de 16.02.2021 a caixa do elevador tinha, na abertura de cada piso, onde iriam ser colocadas as portas dos elevadores, com excepção do 4.º e 5.º pisos, duas traves presas às paredes de betão, que assim delimitavam essa caixa e as bordaduras das lajes.
Atenta a factualidade provada podemos afirmar, que dela não resulta que, na altura da queda, o sinistrado estivesse a montar as guias em altura para a subsequente instalação dos elevadores, no interior da caixa em betão, pois o facto de ser essa a tarefa que nos dias anteriores ao acidente desenvolvia, não nos permite de forma alguma, concluir como pretende a recorrente, que essa era a tarefa que desempenhava na altura em que se deu a queda.
Na verdade, nem sequer resulta da factualidade provada o que é que o sinistrado foi fazer à obra em dia de feriado na construção civil, como bem refere a juiz a quo “não sabemos se o sinistrado ia executar trabalhos no poço do elevador, ou apenas preparar materiais para os dias seguintes, ou até apenas arrumar o seu espaço de trabalho e as suas ferramentas, nem sabemos se o mesmo caiu por força da sua aproximação ao fosso, por se ter desequilibrado ou tropeçado, em face das causas já hipoteticamente apontadas supra, ainda antes de estar obrigado a colocar o equipamento de protecção”
Apenas se apurou que no fatídico dia o sinistrado deslocou-se sozinho para obra, subiu ao nível do 4.º e 5.º andar, onde se mostrava instalada a sua plataforma de trabalho (por entalamento) e por motivo não apurado, e por dinâmica que se desconhece, o sinistrado veio a cair para o poço do elevador, onde foi encontrado sem vida, no piso -2 (subcave). Tal é manifestamente insuficiente para se poder concluir quer pela violação grosseira da regra de segurança, que impunha que, quaisquer trabalhos a realizar em altura, deviam (como constava do plano de segurança e saúde), ser efetuados sempre usando o arnês e cinto de segurança, presos à linha de vida.
No caso, o uso do equipamento de proteção individual (EPI) só se impunha se o sinistrado estivesse a executar trabalhos em altura, no poço do elevador e na verdade, a factualidade provada não permitir concluir que o sinistrado se encontrava a executar uma tarefa a cerca de 18 a 20 metros de altura do chão, quando se deu a queda.
Acresce dizer que atenta a escassa factualidade apurada quanto à dinâmica do acidente, já que não se provou quais as concretas circunstâncias que rodearam o evento, apenas se sabendo que se tratou de uma queda em altura, também não podemos concluir, pela violação de normas de segurança, nem pela existência de nexo de causalidade entre essa violação e a ocorrência do acidente, nem podemos concluir que o acidente não teria tido lugar, caso o sinistrado estivesse a utilizar o arnês o cinto de segurança preso à linha de vida.
Estando em causa a violação pelo sinistrado, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador, em face dos factos provados teremos de dizer que a Ré/Recorrente, não logrou provar as concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente, bem como a sua concreta dinâmica, razão pela qual não é possível concluir, pela violação de norma de segurança perpetrada pelo sinistrado.
Em suma, não se tendo apurado as concretas circunstâncias que rodearam a queda do sinistrado no poço do elevador, ainda que se tivesse apurado e identificado as normas de segurança que o sinistrado estava obrigado a observar, na realização de trabalhos em altura, não poderíamos imputar ao sinistrado a violação de tais normas, bem como estabelecer o nexo de causalidade entre aquela suposta violação e a ocorrência do acidente.
Por outro lado, também a factualidade provada se revela de manifestamente insuficiente para se concluir que caso o sinistrado tivesse cumprido com as regras de segurança o acidente não teria ocorrido, já que não se apurou de que forma é que o mesmo se desenrolou, para se poder concluir que caso o sinistrado estivesse a utilizar o equipamento de proteção individual teria evitado a queda em altura.
Por fim, no que respeita à negligência grosseira e refletindo sobre o factualizado contexto em que ocorreu o evento, não podemos deixar de dizer que os factos apurados, não nos permitem sequer concluir que o sinistrado tenha agido de forma descuidada, temerária, gratuita, infundada, indesculpável, assumindo um comportamento reprovado por o mais elementar sentido de prudência, pois concretamente não foi possível apurar o circunstancialismo que esteve na génese e rodeou o acidente.
Dos factos apurados apenas podemos concluir que o sinistrado sofreu uma queda em altura e foi encontrado no fundo o poço do elevador. A única certeza que existe é que o sinistrado sofreu uma queda em altura, em circunstâncias que não foram apuradas, sendo tal facto manifestamente insuficiente para se poder concluir pela atuação negligente do sinistrado
Em resumo, não se logrou apurar/provar as concretas circunstâncias e/ou razões que rodearam a ocorrência do acidente e não sendo conhecidas tais circunstâncias não é possível afirmar que a conduta do sinistrado foi grave, temerária e altamente reprovável, o que só por si afasta a alegada descaracterização do acidente com fundamento na citada al. b) do n.º 1 do artigo 14º da NLAT.
Acresce dizer que o ónus da prova dos requisitos legais, dos quais dependeria a desoneração da entidade responsável impendia sobre o Recorrente, por terem natureza impeditiva do direito à reparação, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Consequentemente por falta de prova dos requisitos legais não se verifica a descaracterização do acidente, razão pela qual improcede a apelação.
DECISÃO
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por EMP01... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Guimarães, 4 de Novembro de 2025

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso


[1]   Neste sentido, Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 2ª edição, Almedina, pág. 833; e Carlos Alegre, “Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais” – Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, Almedina, pág. 61
[2] relatora Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Acórdãos. S.T.J. 29/10/2003, C.J./STJ, t. 3º, pág. 272 e 04/03/2004, C.J./STJ., t. 2º, pág. 52.
[4] cfr. Carlos Alegre loc cit, pág. 63.