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"USOS LABORAIS"
REMISSÃO PARA CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO (CCT)
REVOGAÇÃO DA CCT
Sumário
(i) A atribuição de um benefício concreto (como um subsídio de refeição, de turno, ou outro) advindo de uma prática reiterada da empregadora que aplica parte de uma convenção colectiva de trabalho pode integrar um “uso laboral”, fonte de direito, que o trabalhador adquire e que não poderá ser unilateralmente retirado. (ii) Porém, no caso concreto, o “uso” consistiu na aplicação parcial de um bloco normativo (progressões por antiguidade e escalões salariais) de uma convenção coletiva, remetendo, portanto, para um quadro normativo que se pressupõe vigente, mas que, entretanto, foi revogado, pelo que o trabalhador terá apenas direito à progressão salarial que já adquiriu e não à que poderia ter adquirida. (iii) Os usos capazes de atribuir um direito reportam-se a um benefício concreto já alcançado e não ao “direito aplicável”. (iv) A ré está obrigada ao pagamento de adicional por funções de “direcção técnica” ao abrigo de cláusula prevista em ACT outorgado entre a SCM de ... e outras e a FNE e outros de 2001, 2010, estendido À relação laboral por portaria governamental, a qual à data dos factos estava vigente.
Texto Integral
I - RELATÓRIO
AA propôs acção declarativa sob a forma de processo comum contra SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ....
Formula os seguintes pedidos: “(…) reconhecido que a autora se encontra integrada, desde 1 de Junho de 2005, na categoria profissional de Educadora de Infância; (…) reconhecido que, ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da respectiva progressão salarial em função da antiguidade, são aplicáveis à autora, desde 1 de Junho de 2005, as tabelas salariais que integram os Contratos Colectivos de Trabalho outorgados entre a AEEP (…) e a FNE (..) (…) actualizada a retribuição base mensal ilíquida da autora, para o montante de € 1.750,00 (…), com efeitos desde 1 de Junho de 2020; (…) reconhecido que, a partir de 1 de Junho de 2025, a retribuição base mensal ilíquida da autora se cifrará no montante de € 1.950,00 (…); (…) reconhecido que, desde 1 de Setembro de 2007 até 31 de Agosto de 2014, bem como entre 1 de Setembro de 2016 e 31 de Agosto de 2017, a autora exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré; (…) a ré condenada a pagar à autora a quantia global de € 86.614,91 (…), a título de diferenças salariais atinentes às retribuições base mensais ilíquidas, bem como aos subsídios de Natal e de férias (…) acrescida de juros de mora (…); (…) a ré condenada a pagar à autora as diferenças salariais correspondentes às retribuições base mensais ilíquidas, bem como aos subsídios de Natal e de férias, que se vencerem a partir de 1 de Julho de 2023, acrescidas de juros de mora (…)”.
CAUSA DE PEDIR
Em 01/06/2005 celebrou com a ré um contrato de trabalho, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Educadora de Infância.
Ao contrato de trabalho celebrado entre a Autora e Ré aplicam-se diversos IRCT, a saber:
o ACT celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e outras e a FNE - Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, BTE 47, 1.ª Série, de 22/12/2001, e as respectivas alterações, publicadas no BTE n.º 3, de 22/01/2010 (doravante, ACT SCM de .../FNE 2001 e 2020), estendido por Portaria de Extensão, BTE nº 20, de 29/05/2010 (doravante PE 2010).
Estando a ré integrada na União das Misericórdias Portuguesas, é igualmente aplicáveis o AE celebrado entre a UMP e a FNE, BTE nº 47, 1.ª Série, de 22/12/2001, e as respectivas alterações salariais publicadas no BTE n. 43, de 22/11/2003, 12, de 29/03/2006, e 1, de 08/01/2010 (doravante AE UMP/FNE, 2001, 2006, 2010), bem como o CCT entre a UMP e a FNE, BTE nº 14, de 15/04/2023, por força da respectiva Portaria de Extensão, publicada no BTE nº 21, de 08/06/2023.
Não obstante, desde 1 de Junho de 2005 até à presente data, unicamente no que se refere ao pagamento da retribuição base mensal ilíquida e respectiva progressão salarial em função da antiguidade, a Autora tem sido sempre retribuída em função das tabelas salariais dos CCT outorgados entre a AEEP — Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicados nos BTE n.os 30, de 15/08/2004, 46, de 15/12/2005, 11, de 22/03/2007, 10, de 15/03/2008, 5, de 08/02/2009, 30, de 15/08/2011, 30, de 15/08/2014, e 29, de 08/08/2015 (doravante CCT AEEP/FNE 2004 e alterações).
Tais pagamentos (retribuição base mensal ilíquida e progressão salarial) resultam do uso laboral vigente na Ré desde 1998 até à presente data, aplicando-se a todas as trabalhadoras com a categoria profissional de Educadora de Infância. Efectivamente, em reunião ocorrida em 1998 na qual a ré e outras Santas Casas da Misericórdia estiveram presentes, a ré determinou que as educadoras de infâncias passassem a ser retribuídas, e a progredir, com base na tabela salarial do referido do CCT AEEP-FNE, o qual é aplicável apenas quanto a estes aspectos, o que se mantém até à data.
Atendendo à sua antiguidade, reclama diferenças salariais entre os valores a que tem direito de acordo com as tabelas e o que lhe foi pago.
Refere, ainda, que exerceu, em cumulação com as funções de educadora de Infância até 31-08-2017, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica. Por isso, tem direito a acréscimo remuneratório (indexado à retribuição da trabalhadora que dela depende hierarquicamente + 10%) que não lhe foi pago e que reclama, porque previsto na clª 49 dos IRC acima mencionados, ou seja, quer no AE UMP/FNE 2001/2006/2010, quer no ACT SCM de .../FNE 2001 e 2010.
CONTESTAÇÃO
A ré impugnou e alegou abuso de direito. Refere que ao longo dos anos a autora nunca apresentou reclamação do que quer que seja.
Aceita que foi acordado entre as AA e a R que em matéria remuneratória (toda) seria aplicado, como foi ao longo dos anos, o contrato coletivo outorgado entre a AEEP e a FNE, o qual abrangia todas as cláusulas remuneratórias sem exceção. Este IRCT não prevê qualquer remuneração adicional para o exercício do cargo de diretor técnico/diretor pedagógico, pelo que não lhe foi pago.
As quantias reclamadas a este titulo de direcção técnica só seriam devidas caso fosse aplicável à relação laboral o CCT celebrado entre a SCM .../FNE referido pela A. Contudo, a A tem sempre recebido vencimentos base muito superiores ao abrigo do CCT AEEP/FNE que prevê para as mesmas categorias remunerações bem mais altas do que os outros IRCT, pelo que tal representaria um ludibriar do acordo feito com a ré, agindo em abuso de direito. A A. pretende auferir remunerações por duas convenções coletivas diferentes e conforme lhe for mais conveniente.
OS IRCT invocados pelas AA só poderiam ser aplicados caso exista portaria de extensão. Ora, o CCT celebrado entre a SCM de ... e a FNE, BTE nº 47, 2001, e alteração BTE 2, de 2010, apenas seria aplicável à relação laboral a partir de 29-05-2010, por força da PE nº 278/2010, de 24 de maio, pelo que apenas a partir de então os créditos teriam suporte legal.
O contrato coletivo AEEP/FNE que, por acordo, vinha sendo aplicável à relação laboral foi, entretanto, revogado. Na verdade, no BTE n.º 31, de 22/08/2017 foi publicado o acordo de revogação– AEEP e a FNE – Federação Nacional da Educação e outros (cuja revisão global fora publicada no BTE, n.º 29 de 08/08/2015), pelo que o IRCT não se pode aplicar. A não ser aceite o entendimento explanado ter-se-á o absurdo de ser aplicado à A. ad eternum uma convenção coletiva de 2015 (já revogada pelos seus subscritores) e que muito provavelmente daqui a alguns anos será inferior ao salário mínimo nacional, sendo que já o é em relação à tabela salarial atual da UMP.
Atualmente a relação laboral entre as partes é regida pelo CCT celebrado entre a União das Misericórdias Portuguesas e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, publicado no BTE n.º 14, de 15/04/2023, estendido pela PE publicada no BTE n.º 21, de 08/06/2023 (a A. não é sindicalizada). A autora está a ser remunerada de acordo com este IRCT.
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RESPOSTA DA AUTORA
A convite da senhora juiz (exercício do contraditório), a A respondeu nos termos que constam dos autos, terminando do seguinte modo:” Nestes termos e nos melhores de Direito, na procedência da argumentação supra expendida, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, serem reconhecidos todos os pedidos formulados pela Autora em sede de petição inicial.”
Mais refere que se encontra filiada no Sindicato dos Professores da Zona Norte (SPZN,) desde Outubro de 2005, o qual se integra na FNE. Donde, o AE entre a UMP e a FNE, BTE 47 2001 e sucessivas alterações é aplicável à relação laboral.
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A ré, após despacho nesse sentido, veio esclarecer e alegar que a A. sempre omitiu que era sindicalizada, portanto não pode agora pretender que esta realidade tenha efeitos retroativos.
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No processo nº 98/24.6T8VRL, BB instaurou acção declarativa comum contra SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ....
Formula os seguintes pedidos: “(…) reconhecido que a autora se encontra integrada, desde 16 de Novembro de 1993, na categoria profissional de Educadora de Infância; (…) reconhecido que, ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da respectiva progressão salarial em função da antiguidade, são aplicáveis à autora, desde 1 de Setembro de 1998, as tabelas salariais que integram os Contratos Colectivos de Trabalho outorgados entre a AEEP (…) e a FNE; (…) reconhecido que, a partir de 16 de Novembro de 2025, a retribuição base mensal ilíquida da autora, pelo exercício das funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, se cifrará no montante de €2.405,00 (…); (…) reconhecido que, desde 1 de Setembro de 2014 até 31 de Agosto de 2016, bem como entre 1 de Setembro de 2018 e 31 de Agosto de 2019, a autora exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré; (…) a ré condenada a pagar à autora a quantia global de €17.570,45 (…), a título de diferenças salariais atinentes às retribuições base mensais ilíquidas, bem como aos subsídios de Natal e de férias (…) acrescida de juros de mora (…)”.
CAUSA DE PDEDIR
Alegou, em súmula, que em 16/11/1993 celebrou com a ré um contrato de trabalho, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Educadora de Infância, e que em virtude dessa relação, é credora das quantias peticionadas. Tirando diferenças de pormenor que ao recurso não interessam, a causa de pedir é semelhante (aplicação de IRCT por via de uso quanto a retribuições base e progressão, aplicação de outros IRCT´s quanto à remuneração adicional de funções de directora técnica)
CONTESTAÇÃO
A ré impugnou e invocou abuso de direito. No mais, reproduz na essência o que acima consta quanto à outra autora.
RESPOSTA
A convite da senhora juiz (exercício do contraditório), a A respondeu nos termos que constam dos autos, terminando do seguinte modo:” Nestes termos e nos melhores de Direito, na procedência da argumentação supra expendida, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, serem reconhecidos todos os pedidos formulados pela Autora em sede de petição inicial.” No mais refere também que é sindicalizada, tal como consta na resposta da outra autora.
A ré, após despacho nesse sentido, responde nos moldes acima referidos, mormente que a A. nunca deu a conhecer que fosse sindicalizada.
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Foi determinada a apensação do processo n.º 98/24.6T8VRL a estes autos.
Realizou-se a audiência.
Proferiu-se sentença com o seguinte dispositivo: Em face do exposto, nos presentes autos de acção declarativa comum, decide-se: a) Reconhecer que a autora AA se encontra integrada, desde 01/06/2005, na categoria profissional de Educadora de Infância; b) Reconhecer que ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da respectiva progressão salarial em função da antiguidade, é aplicável à autora AA o C.C.T. outorgado entre a AEEP (Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e a FNE (Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros) entre 01/06/2005 e 27/08/2017; c) Reconhecer que a autora AA, desde 01/09/2017 até 31/08/2014 e entre 01/09/2016 e 31/08/2017, exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré; d) Condenar a ré SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ..., a pagar à autora AA, as seguintes quantias: 1. € 2.776,78 (dois mil, setecentos e setenta e seis euros e setenta e oito cêntimos), a título de diferenças remuneratórias, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, actualmente de 4 % e contados nos sobreditos termos e até efectivo e integral pagamento; 2. a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., quanto ao acréscimo remuneratório previsto na cláusula 49.º, n.º 1, do Acordo Colectivo outorgado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e a FNE, sendo tal quantia acrescida de juros de mora – cfr. artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C. e) Julgar improcedentes os demais pedidos formulados pela autora AA contra a ré SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ..., a qual se absolve em conformidade de tais pretensões; f) Reconhecer que a autora BB se encontra integrada, desde 16/11/1993, na categoria profissional de Educadora de Infância; g) Reconhecer que ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da respectiva progressão salarial em função da antiguidade, é aplicável à autora BB o C.C.T. outorgado entre a AEEP (Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e a FNE (Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros) entre 01/06/2005 e 27/08/2017; h) Reconhecer que a autora BB, desde 01/09/2014 até 31/08/2016, e entre 01/09/2018 e 31/08/2019, exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré; i) Condenar a ré SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ..., a pagar à autora BB, as seguintes quantias: 1. a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., quanto ao acréscimo remuneratório previsto na cláusula 49.º, n.º 1, do Acordo Colectivo outorgado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e a FNE, sendo tal quantia acrescida de juros de mora – cfr. artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C. j) Julgar improcedentes os demais pedidos formulados pela autora BB contra a ré SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ..., a qual se absolve em conformidade de tais pretensões; k) Absolver ré SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ... do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pelas autoras AA e BB; l) Condenar a autora AA e a ré SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ... no pagamento das custas da acção principal, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/5 e 3/5 – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. m) Condenar a autora BB e a ré SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ... no pagamento das custas da acção principal, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/5 e 3/5 – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. n) Condenar as autoras AA e BB, nas custas do incidente de litigância de má fé que desencadearam, fixando-se a taxa de justiça de cada um dos incidentes em 1 (uma) U.C. – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e 7.º, n.º 4, do R.C.P.
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SEGUIDAMENTE O SENHOR JUIZ RECTIFICOU A SENTENÇA NOS SEGUINTES TERMOS:
“Verifico, agora, que incorri em dois lapsos de escrita na sentença, como decorre da fundamentação dessa decisão, nos seguintes segmentos: “13. Entre 01/09/2014 e 31/08/2016, a autora BB exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré; c) Reconhecer que a autora AA, desde 01/09/2017 até 31/08/2014 e entre 01/09/2016 e 31/08/2017, exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré; m) Condenar a autora BB e a ré SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ... no pagamento das custas da acção principal, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/5 e 3/5 – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.”
Porquanto, se pretendia escrever que: “13. Entre 01/09/2014 e 31/08/2016 e entre 01/09/2018 e 31/08/2019, a autora BB exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré; c) Reconhecer que a autora AA, desde 01/09/2007 até 31/08/2014 e entre 01/09/2016 e 31/08/2017, exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré; m) Condenar a autora BB e a ré SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ... no pagamento das custas da acção apensa, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/5 e 3/5 – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.”
Determina-se, pois, a rectificação da sentença em conformidade – cfr. artigos 613.º, n.ºs 1 e 2 e 614.º, n.º 1, do C.P.C.”
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FOI INTERPOSTO RECURSO PELAS AUTORAS. CONCLUSÕES (segmentos): I. O presente recurso, incidente sobre a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, exclusivamente no segmento que considerou inaplicável, a partir de 27 de Agosto de 2017, o uso laboral vigente desde 1998 - uso laboral esse que foi superiormente reconhecido, tendo por base a matéria de facto dada como provada sob os pontos 19 e 20 -, bem como no segmento que determinou a condenação das Autoras no pagamento das custas de um alegado (mas inexistente) incidente de litigância de má fé, versa apenas sobre matéria de direito. II. ..o Meritíssimo Juiz a quo reconheceu.. que... vigorou, desde o ano de 1998 até 27 de Agosto de 2017, o uso laboral que consistia em aplicar, às trabalhadoras da Ré que exercessem as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância - entre as quais figuram as Autoras -, ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da progressão salarial em função da antiguidade, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho outorgados entre a AEEP e a FNE, maxime as tabelas salariais em vigor para o ensino particular e cooperativo. III. Todavia, a subsunção jurídica posteriormente efectuada na sentença recorrida, a propósito da cessação da vigência do antedito uso laboral a partir de 27 de Agosto de 2017, mostra-se totalmente errada e destituída de fundamento legal, ignorando os elementos basilares/estruturantes do conceito de uso laboral e desconsiderando as legítimas expectativas que, ao longo dos anos, foram sendo adquiridas pelas Autoras, no sentido da aplicação de tabelas salariais mais vantajosas .... IV. Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo, nesse segmento da decisão recorrida, que o uso laboral em apreço remetia para um contrato colectivo de trabalho que, a partir de 27 de Agosto de 2017, deixou de produzir efeitos, por força do acordo de revogação publicado no B.T.E. n.º 31, de 22/08/2017; e, consequentemente, tal uso ficou desprovido de objecto mediato. ...VI. Desde logo..Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/06/2024, relatora Maria Leonor Barroso, que quaisquer direitos, regalias e obrigações previstas numa convenção colectiva de trabalho supervenientemente "acolhida" pelo empregador, não correspondente àquela que, originariamente, se aplica à relação jurídico-laboral, se incorporam ipso jure no contrato de trabalho, sendo a fonte de tal vinculação o uso - e não a convenção colectiva de trabalho - en- quanto prática generalizada, que cria no trabalhador legítimas expectativas de aquisição. VII. No caso concretamente decidendo, tendo ficado provado que vigorou, desde o ano de 1998, o uso laboral que consistia em aplicar, às trabalhadoras da Ré que exercessem as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância - entre as quais figuram as Autoras -, ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da progressão salarial em função da antiguidade, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho outorgados entre a AEEP e a FNE, maxime as tabelas salariais em vigor para o ensino particular e cooperativo, imediatamente se impõe a conclusão que tais tabelas salariais - que, ao longo dos anos, se foram sucedendo - passaram a incorporar, ipso jure, os contratos de trabalho das Autoras. VIII. E, em virtude de tal incorporação, afigura-se despicienda e irrelevante qualquer circunstância superveniente que conduza à extinção da vigência dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que preconizam essas tabelas salariais, uma vez que a fonte de vinculação da Ré/Recorrida não se reconduz à vigência dessas convenções colectivas de trabalho, mas antes ao uso laboral stricto sensu. .......XI. Passando a existir essa obrigação contratual de pagamento, às Autoras, dos montantes previstos na tabela salarial em apreço (publicada no B.T.E. n.º 29, de 08/08/2015), tal obrigação apenas poderá ser suprimida havendo acordo das partes nesse sentido... ... Sem prescindir, XIII. ... as Autoras/Recorrentes BB, desde 1998, e AA, desde 2005, adquiriram legitimamente a convicção de que, no futuro e definitivamente, as tabelas salariais publicadas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho outorgados entre a AEEP e a FNE continuariam a ser ininterruptamente aplicadas aos contratos das mesmas, por se mostrarem, in casu, mais vantajosas do que aquelas que se que se encontravam plasmadas no acordo colectivo outorgado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e a FNE - publicado no B.T.E. n.º 47, de 22/12/2001, com as alterações publicadas no B.T.E. n.º 3, de 22/01/2010 (por via da Portaria de Extensão publicada no B.T.E. n.º 20, de 29/05/2010) - e do que aquelas que se encontram actualmente previstas no contrato colectivo outorgado entre a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e a FNE, publicado no B.T.E. n.º 41, de 08/11/2024. XIV. Essa legítima expectativa das Autoras advém: - do facto de a progressão salarial prevista nas convenções colectivas outorgadas com as Santas Casas da Misericórdia e/ou com a UMP ser inexistente a partir dos 26 anos de serviço - quedando-se, actualmente, pelo montante máximo de €2.198,00 (dois mil, cento e noventa e oito euros) -, ao passo que a progressão salarial prevista nos contratos colectivos outorgados entre a AEEP e a FNE, na (última) tabela salarial em vigor a partir de 2015, se verifica a partir dos 32 anos de serviço - com uma retribuição base mensal ilíquida de €2.405,00 (dois mil, quatrocentos e cinco euros) - e a partir dos 37 anos de serviço - com uma retribuição base mensal ilíquida de €3.050,00 (três mil e cinquenta euros); ...XV. Com a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo - no sentido da cessação da vigência do antedito uso laboral a partir de 27 de Agosto de 2017 -, foi global e injustificadamente frustrada tal expectativa, prejudicando as Autoras ao nível do seu direito fundamental à retribuição, ínsito no antedito artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP. XVI. Contrariamente ao entendimento expendido pelo Meritíssimo Juiz a quo na sentença recorrida, não existe qualquer norma legal ou prevista em convenção colectiva de trabalho que obrigue as partes (trabalhador e empregador) a fazer cessar a vigência de um uso laboral pelo simples facto de ter sido revogado o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que continha a tabela salarial concretamente aplicável, sobretudo porque a tabela salarial revogada contempla, ao nível do exercício das funções de Educador de Infância, retribuições base mensais ilíquidas manifestamente superiores àquelas que estão actualmente previstas no contrato colectivo celebrado entre a UMP e a FNE, publicado no BTE n.º 14, de 15/04/2023, e respectiva alteração, publicada no BTE n.º 41, de 08/11/2024. XVII. Resulta dos pontos 21 e 27 da matéria de facto dada como provada pelo Meritíssimo Juiz a quo que a própria Ré, mesmo após a revogação dos contratos colectivos de trabalho mencionados no artigo 14.º da petição inicial (nos termos do BTE n.º 31, de 22/08/2017):- actualizou a retribuição base mensal ilíquida da Autora BB, promovendo o aumento de €1.950,00 (mil, novecentos e cinquenta euros) para €2.100,00 (dois mil e cem euros), com efeitos a partir de Maio de 2020, nos termos exactamente previstos na tabela salarial do aludido instrumento de regulamentação colectiva de trabalho outorgado entre a AEEP e a FNE em 2015; - contratou CC para exercer as funções correspondentes à categoria de Educadora de Infância, fazendo constar dos respectivos contratos de trabalho, entre os anos de 2015 e 2018, que, apenas para efeitos de remuneração, seria aplicável a tabela salarial prevista no contrato colectivo outorgado entre a AEEP e a FNE, e que, em tudo o que não estivesse regulado nos contratos, se aplicaria o acordo de empresa celebrado entre a UMP e a FNE. XVIII. Ou seja, daí resulta, clara e inequivocamente, que o uso laboral em apreço não foi afastado pela Ré e continuou a ser aplicado às relações jurídicos-laborais das Autoras mesmo após a revogação dos contratos colectivos outorgados entre a AEEP e a FNE, nomeadamente até Maio de 2020, em cumprimento das legítimas expectativas adquiridas sendo completamente incompreensível a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo quanto à cessação da vigência desse uso laboral a partir de 27 de Agosto de 2017. ...XX. Por conseguinte, em relação à Autora AA, sem prejuízo da assertividade e adequação dos segmentos correspondentes às alíneas a), c) e d) da decisão propriamente dita, deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que: (pedido igual ao formulado na p.i) ...XXII. Refere o Meritíssimo Juiz a quo, na página 29 da sentença recorrida, que "foi peticionada a condenação da ré, a título de litigância de má fé... XXIII. Compulsadas as petições iniciais e as demais peças processuais subscritas pelas Autoras, imediatamente se constata que estas não deduziram quaisquer incidentes/pedidos de condenação da Ré como litigante de má fé, tendo-se limitado a alegar que esta agiu de má fé. XXIV. Se as Autoras não apresentaram quaisquer pedidos de condenação da Ré como litigante de má fé, mostram-se destituídos de fundamento, quer a absolvição da Ré do pedido de condenação como litigante de má fé, quer a condenação das Autoras no pagamento das custas do incidente de litigância de má fé. XXV. No que às alíneas k) e n) do dispositivo da sentença concerne, a sentença recorri- da padece de nulidade, por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por ter ocorrido um excesso de pronúncia, bem como de condenação, em matéria de litigância de má fé. ...Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, nos termos constantes das Conclusões supra, porque apenas assim se fará justiça.”
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CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ E RECURSO SUBORDINADO:
Sustenta-se o recurso não merece provimento e apresentam-se as seguintes CONLUSÕES: 1. A factualidade provada, e articulada, não permite a condenação da Apelante nos termos em que o foi no que respeita à aplicabilidade dos IRCT celebrados entre a AEEP e a FNE; 2. O acordo verbal existente entre Apelante e Apeladas para aplicação do IRCT AEEP / FNE aplicava-se a todas as remunerações e não apenas à remuneração base; 3. Tal resulta de toda a documentação junta aos autos onde sempre é referido remuneração e nunca remuneração base; 4. O complemento de Direção Técnica e ou Cordenação Pedagógica é uma remuneração paga como contrapartida do trabalho (artigo 258.º do CT e cláusula 49.º, n.º 1 do Acordo Coletivo celebrado entre a SCM ... e a FNE. 5. A matéria de facto dada como provada no ponto 19, 20 e 21 deve ser alterada de forma a que conste apenas a referência a remuneração e não a remuneração base. 6. O ACT entre SCM ... e a FNE é aplicado à relação laboral desde a publicação da Portaria de Extensão em 24/05/2010 (Portaria n.º 278/2010, de 24 de maio), tendo entrado em vigor a 29/05/2010 – artigo 2.º, n.º 1 da referida Portaria. 7. Em 20/10/2016 com a publicação do novo acordo coletivo da Santa Casa da Misericórdia ... (BTE n.º 38, de 15/10/2016) cessou a aplicação do ACT da Santa Casa da Misericórdia ... de 2001 e 2010, em virtude da cláusula 2.ª deste dispor que “A presente convenção tem o seu início de vigência na data da sua publicação e manter-se-á em vigor até ser substituída por novo instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”. 8. O ACT da Santa Casa da Misericórdia ... de 2001 e 2010 (em virtude da Portaria de Extensão apenas foi aplicável à relação laboral de Apelante e Apeladas entre 29/05/2010 e 19/10/2016. 9. Antes de 29/05/2010 eram aplicáveis as remunerações previstas no IRCT da AEEP, por acordo da Apelante e Apeladas. 10. Após 20/10/2016 não foram aplicáveis quaisquer IRCT até à Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 21, de 08/06/2023 que obriga que à relação laboral entre A. e R. seja aplicado o Contrato Coletivo celebrado entre a União das Misericórdias Portuguesas e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, publicado no BTE n.º 14, de 15/04/2023. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso absolvendo-se a ora Recorrente dos pedidos formulados pelas Recorridas no que respeita ao pagamento de complementos de direção técnica ao abrigo da cláusula 49.º, n.º 1 do ACT ... e, em consequência, deve ser revogada a douta sentença recorrida na parte em que condenou a R. ao pagamento daqueles complementos salariais em montante a liquidar em execução de sentença.”
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Foi proferido despacho pelo tribunal a quo sobre a nulidade arguida, considerando-se que a mesma inexiste.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta-se que nenhum dos recursos merece provimento.
RESPOSTAS AO PARECER: a AA reiterou a posição anterior quanto aos “usos laborais”.
Os recursos foram apreciados em conferência –659º, do CPC.
Recurso das autoras: nulidades de sentença no que respeita à condenação das AA em litigância de má-fé; saber se após 27-08-2017 poderia continuar a aplicar-se à relação laboral em causa o “uso laboral” de pagamento da retribuição base e da progressão salarial em função da antiguidade plasmados no CCT AEEP/FNE, BTE n. 30, de 15/08/2004, e sucessivas alterações, que entretanto cessou a sua vigência, por revogação(em 2017). Recurso subordinado da ré- impugnação da matéria de facto pontos 19º, 20º E 21º); saber se são devidos os acréscimos remuneratórios pela acumulação do cargo de direcção técnica previstos na cláusula 49º nº 1 do ACT da Santa Casa da Misericórdia .../FNE, em que a ré foi condenada a pagar em montante a liquidar em execução de sentença.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A.NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sustentam as AA nulidade da sentença por excesso de pronúncia - 615º, 1, d), CPC. Referem que da decisão recorrida consta como improcedente um suposto incidente de má-fé que as autoras nunca deduziram, pelo que é destituído de fundamento a absolvição da ré e a condenação das apelantes nas custas do incidente.
Segundo o artigo 615º, 1, CPC, é nula sentença quando: d)O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
As “questões” englobam os pedidos e causa de pedir, bem como as excepções formuladas pelas partes, mas não os seus argumentos, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência (STJ, acórdãos de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.) As “questões” não são, portanto, as razões, a retórica, ou os motivos invocados pelas partes para alicerçarem a sua pretensão ou a sua impugnação[2]. O pedido de condenação em litigância de má-fé (542º, 1, CPC) pode ser formulado por qualquer das partes, mormente peticionando a condenação da parte contrária em indemnização, logo, do ponto de vista teórico é uma “questão”.
No caso, verifica-se que, no seguimento de despacho nesse sentido, vieram as AA a exercer o contraditório quanto ao alegado a título de excepção na contestação e à nulidade de prova documental.
Mas, lida a resposta das AA à contestação da ré em lado algum se verifica que estas tivessem formulado um pedido de litigância de má fé. Não o fizeram nem ao longo da sua resposta, nem no final da peça, limitando-se a, en passant, referir que a ré litiga de má-fé sem daí retirar consequências. Ora, não é por simplesmente se utilizar a palavra “má-fé” que se deduz um pedido de condenação enquanto tal. Estamos no simples campo da argumentação, da exposição de razões, que, nos termos acima assinalados, não é uma “questão” que tenha de ser apreciada.
Se é certo que, como refere o senhor juiz, este pode conhecer da questão oficiosamente (e nesse sentido não haveria excesso de pronúncia), a verdade é que decorre clara e nitidamente da fundamentação do despacho que a questão não foi tratada como tal, mas sim como se tivesse sido arguida (e não foi). Tanto assim é que, a final, absolveu-se uma parte e condenou-se a outra por suposto decaimento no pedido de condenação em litigância de má fé. Portanto, a apreciação de má-fé não o foi a título oficioso, mas antes porque o senhor juiz a quo partiu de um pressuposto errado. Diga-se que, a entender-se diversamente, sempre haveria erro de julgamento na condenação em custas das AA por, supostamente, desencadearem um incidente inexistente, que a parte não suscitou e em que, portanto, não pode ter decaído- 527º CPC
Assim sendo, nesta parte ocorre nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, pelo que se revoga o que a este propósito foi decidido, determinando-se a eliminação das alíneas k) e n) do dispositivo referentes à absolvição da ré e condenação das AA em custas referentes à questão da litigância de má-fé.
B. FACTOS
FACTOS PROVADOS:
1- A ré é uma instituição particular de solidariedade social que abrange:
· o Lar e Centro de Dia ...;
· o Lar e Centro de Dia ...;
· o Lar e Centro de Dia ...;
· a Creche e Jardim de Infância ...;
· a Unidade de Cuidados Continuados ....
2- A ré é associada da União das Misericórdias Portuguesas.
3- A autora AA e a ré outorgaram um documento (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), datado de 01/06/2005, com a epígrafe “Contrato de Trabalho”, de acordo com o qual, no que ora releva:
· a autora AA foi admitida ao serviço da ré, para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer a categoria profissional de Educadora de Infância;
· o contrato inicia os seus efeitos em 01/06/2005;
· a retribuição base mensal ilíquida ascendia ao montante de € 1.139,00, acrescida da quantia de € 3,83, a título de subsídio de alimentação;
· o período normal de trabalho será de 35 h/semana e 7 h/dia, distribuídas de segunda a sexta-feira;
· o horário de trabalho será entre as 9h e as 17h30m, com intervalo para almoço entre as 12h30m e as 14h;
· o descanso semanal será ao Domingo e o descanso complementar ao Sábado;
4 - A ré emitiu os recibos de vencimento relativos à autora AA, constantes das ref. n.ºs ...54, ...59, ...60, ...61, ...62, ...88 e ...63 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), tendo-lhe pago os valores aí discriminados.
5 - Nos dias 01/06/2008, 01/06/2015 e 01/06/2020 a autora AA completou 5, 10 e 15 anos de serviço, respectivamente.
6 - Em 16/11/1993, a ré admitiu ao seu serviço a autora BB, para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Educadora de Infância.
7 - (…) sendo o seu período normal de trabalho de 35 h/semana e 7 h/dia, distribuídas de segunda a sexta-feira e o seu horário de trabalho entre as 9h e as 17h30m, com intervalo para almoço entre as 12h30m e as 14h, dispondo de descanso semanal ao Domingo e de descanso complementar ao Sábado.
8 - A ré emitiu os recibos de vencimento relativos à autora BB, constantes das ref. n.ºs ...90, ...06, ...11 e ...56 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), tendo-lhe pago os valores aí discriminados.
9 - No dia 16/11/2019, a autora BB completou 26 anos de serviço.
10 - Desde 01/06/2005 e 16/11/1993, respectivamente, as autoras AA e BB têm exercido funções na Creche e Jardim de Infância da ré.
11- As funções de Educadora de Infância desempenhadas pelas autoras consistem em:
·promover o desenvolvimento global de crianças na Creche e Jardim de Infância, organizando diversas actividades que, simultaneamente, as ocupam e incentivam o seu desenvolvimento físico, psíquico e social;
· orientar diversas actividades a fim de que a criança execute exercícios de coordenação, atenção, memória, imaginação e raciocínio para incentivar o seu desenvolvimento psicomotor;
· despertar a criança para o meio em que está inserida;
· estruturar e promover as expressões plástica, musical, corporal da criança e outras;
· estimular o desenvolvimento sócio-afectivo, promovendo a segurança, autoconfiança, autonomia e respeito pelo outro;
· acompanhar a evolução da criança e estabelecer contactos com os pais, com o fim de se obter uma acção pedagógica coordenada.
12 - Entre 01/09/2007 e 31/08/2014 e entre 01/09/2016 e 31/08/2017, a autora AA exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré.
(13 - Entre 01/09/2014 e 31/08/2016, a autora BB exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré.-retificado)
Ponto rectificado por despacho do juiz a quo para: “13. Entre 01/09/2014 e 31/08/2016 e entre 01/09/2018 e 31/08/2019, a autora BB exerceu, em cumulação com as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância da ré;
14 - As funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância desempenhadas pelas autoras consistem em:
· exercer funções de direcção técnica e ser responsável pela Creche e Jardim de Infância da ré;
· promover a melhoria contínua dos cuidados e serviços prestados, coordenando o planeamento e a avaliação de processos, resultados e satisfação quanto à actividade da Creche e Jardim de Infância da ré;
· gerir o processo de prestação de cuidados na Creche e Jardim de Infância da ré;
· estabelecer o modelo de gestão técnica adequado ao bom funcionamento da Creche e Jardim de Infância;
· proceder à avaliação anual do desempenho do pessoal sob a sua direcção;
· coordenar e prestar supervisão aos profissionais da Creche e Jardim de Infância da ré, designadamente através da realização de reuniões técnicas;
· definir as funções e responsabilidades de cada profissional, bem como as respectivas substituições em caso de ausência;
· implementar um programa de formação adequado à Creche e Jardim de Infância da ré e facultar o acesso de todos os profissionais à frequência de acções de formação, inicial e contínua;
· acompanhar e avaliar sistematicamente o exercício da actividade dos profissionais;
· assegurar a implementação do projecto educativo definido pela equipa multidisciplinar;
· garantir a efectivação do registo de todas as ocorrências relacionadas com as crianças e outra informação relevante;
· tomar conhecimento de toda a correspondência e proceder à sua catalogação, seleccionar a correspondência recebida e emitida, despachar a de natureza corrente e submeter à Provedoria ou à Mesa Administrativa da ré a restante;
· gerir a informação, seleccionando-a e preparando-a para despachos de natureza corrente e de decisão à Provedoria ou à Mesa Administrativa da ré;
· propor o texto de ordens de serviço, avisos e instruções que entendia publicar;
· providenciar pela organização dos arquivos e sua manutenção;
· anotar os despachos do Provedor, bem como as deliberações da Mesa Administrativa da ré e providenciar pelo seu cumprimento;
· apresentar à Provedoria e/ou à Mesa Administrativa da ré as carências detectadas na Creche e Jardim de Infância da ré e sugerir hipóteses de solução;
· propor o recrutamento do pessoal necessário para cumprimento dos requisitos legais em vigor para as Creches e Jardins de Infância;
· controlar a assiduidade da equipa e coordenar as informações de serviço que regularmente são apresentadas pelo pessoal;
· proceder à elaboração dos horários de toda a equipa em todas as suas categorias profissionais, bem como de planos de trabalho e do mapa anual de férias;
· garantir os artigos necessários a manter em stock para uma eficiente resposta a todas as necessidades da Creche e Jardim de Infância da ré, desde artigos de higiene até equipamentos de protecção individual e mobiliário (v.g., batas, cadeiras);
· comunicar as necessidades de novas aquisições de materiais de reparação e manutenção;
· elaborar planos anuais e orçamentos a apresentar à Mesa Administrativa ou à Assembleia Geral;
· representar a Creche e Jardim de Infância da ré junto de quaisquer entidades públicas ou privadas, no âmbito de assuntos institucionais;
· supervisionar o planeamento, programação e avaliação do trabalho da respectiva equipa da Creche e Jardim de Infância da ré;
· planear e incrementar acções e métodos de trabalho que visem a qualidade dos serviços prestados na Creche e Jardim de Infância da ré;
· assegurar o cumprimento das orientações relativas à higiene e segurança no trabalho, desenvolvendo acções para a prevenção de acidentes de trabalho, em articulação com a ré;
· dinamizar a formação em serviço, promovendo a investigação, tendo em vista a alteração de procedimentos, circuitos ou métodos de trabalho para melhoria da eficiência e eficácia dos serviços prestados;
· promover a concretização dos compromissos assumidos pela ré com outras instituições, nomeadamente garantir e supervisionar estágios curriculares e profissionais;
· instruir processos internos de averiguações para apuramento de factos praticados na Creche e Jardim de Infância da ré.
15 - DD é a Educadora de Infância com maior antiguidade na ré, tendo sido foi admitida ao seu serviço em 01/04/1990.
16 - A ré emitiu os recibos de vencimento relativos a DD, constantes das ref. n.ºs ...63 e ...97 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), tendo-lhe pago os valores aí discriminados.
17- Durante o exercício pelas autoras das funções de direcção/coordenação técnica, DD dependeu hierarquicamente daquelas.
18 - Durante o ano de 1998 representantes da ré estiveram presentes numa reunião realizada em ..., com a presença de outras Santas Casas da Misericórdia, na qual foi debatida a questão de estarem a ser pagas retribuições mensais reduzidas às Educadoras de Infância.
19 - (…) na sequência dessa reunião, a ré determinou que passasse a ser aplicado, a todas as Educadoras de Infância, ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da progressão salarial em função da antiguidade, o disposto nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho outorgados entre a AEEP e a FNE e que as diferenças salariais existentes ao nível da retribuição base mensal ilíquida, decorrentes da aplicação retroactiva das tabelas salariais em vigor para o ensino privado e cooperativo, seriam liquidadas às Educadoras de Infância em três tranches.
20 - (…) a partir de 1998 as trabalhadoras da ré que exerciam as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da progressão salarial em função da antiguidade, estiveram abrangidas pelos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho outorgados entre a AEEP e a FNE.
21 - Quando a ré contratou CC, entre 2015 e 2018, para exercer as funções correspondentes à categoria de Educadora de Infância, fez constar dos respectivos contratos de trabalho, que, apenas para efeitos de remuneração, seria aplicável a tabela salarial prevista no C.C.T. outorgado entre a AEEP e a FNE, e que, em tudo o que não estivesse regulado nos contratos, se aplicaria o acordo de empresa celebrado entre a UMP e a FNE.
22 - A ré difundiu um aviso, datado de 15/09/2017, contendo o seguinte teor, no que ora releva:
23 - No ano lectivo 2018/2019, a autora BB auferiu, pelo exercício das funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância, uma remuneração adicional de € 210,00 por mês.
24 - (…) nos anos lectivos subsequentes, a ré pagou à autora BB e a DD, pelo exercício de funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica da Creche e Jardim de Infância, o acréscimo remuneratório previsto na cláusula 63.º do AE outorgado entre a UMP e a FNE.
24 - As autoras AA e BB encontram-se filiadas no SPZN desde Outubro de 2005 e Março de 1999, respectivamente.
25 - O SPZN encontra-se integrado no FNE.
26 - Em Maio de 2020 a remuneração base ilíquida da autora BB passou para o montante de € 2.100,00.
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FACTOS NÃO PROVADOS: 1. Durante a relação contratual a ré nunca foi confrontada pelas autoras com a exigências das quantias peticionadas, as quais deram a entender que nada tinham a reclamar, confiando a ré que essas quantias não seriam reclamadas. 2. (…) somente reagindo as autoras quando estas foram confrontadas com a decisão da ré de cessar o pagamento das retribuições previstas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho outorgados entre a AEEP e a FNE. 3. As autoras entenderam que não pretendiam que lhes fosse aplicado o Acordo colectivo entre a Santa Casa da Misericórdia ... e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, após a divulgação do aviso de 15/09/2017. 4. As autoras acordaram com a ré que à relação laboral era aplicada o C.C.T. outorgado entre a AEEP e a FNE apenas para efeitos remuneratórios. 5. No ano de 2016 ou de 2017, as autoras realizaram, com o Vice-Provedor da ré, EE, e DD, uma reunião, da qual resultou que iria ser efectuado um aditamento ao contrato de trabalho de todas as Educadoras de Infância, no sentido de consignar que unicamente ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da respectiva progressão salarial em função da antiguidade, seria aplicável a tabela salarial prevista nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho outorgados entre a AEEP e a FNE. 6. Foi acordado pelas autoras e pela ré que, ao longo da execução contratual, unicamente ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da respectiva progressão salarial em função da antiguidade, seria aplicável a tabela salarial prevista nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho outorgados entre a AEEP e a FNE, mas quanto aos demais aspectos e vicissitudes da relação laboral vigoravam o acordo colectivo entre a Santa Casa da Misericórdia ... e outras e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais e o AE outorgado entre a União das Misericórdias Portuguesas e a Federação Nacional dos Sindicatos da Educação. 7. A autora BB reuniu, em meados de Dezembro de 2023, com a ré, para reclamar a aplicação da tabela salarial da AEEP, tendo esta comunicado que não seria tomada qualquer decisão relativamente à situação das Educadoras de Infância antes de ser proferida a sentença no processo relativo à autora AA. 8. (…) tendo a autora BB respondido que não pretendia qualquer complemento de direcção técnica relativamente ao passado e que bem sabia que o acordo de aplicar a tabela salarial da AEEP incluía todas as remunerações, propondo a celebração de um documento em que reconheceria tal. 9. As autoras não deram conhecimento à ré da sua filiação sindical antes da sua citação para os termos das acções respectivas. 10. Se a ré soubesse que a autora BB estava filiada num sindicato não a teria nomeado para exercer as funções de Direcção Técnica, por tal ter um custo mensal acrescido.
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C - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO- RECURSO DA RÉ:
Segundo o disposto no artigo 662º do CPC, o tribunal de recurso deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou documento superveniente impuserem decisão diferente – 662º, 1, CPC.
O verbo “impor” é distinto do verbo “admitir ou “possibilitar”. A utilização de tal vocábulo confere à segunda instância um especial grau de exigência, a qual apenas deve modificar a matéria fáctica caso se evidencie uma inquestionável errada valoração ou mal julgado. Pese embora a sindicância não deva ser minimalista ou formal, e abstractamente o tribunal e recurso tenha os mesmos poderes de análise de prova que os conferidos à primeira instância, uma simples dúvida não justifica a alteração da matéria de facto.
Para que o tribunal superior se possa ocupar do recurso sobre a matéria de facto e sob pena da sua rejeição, o recorrente deverá ter observado o ónus de impugnação especificada. Cingindo-nos aos aspetos essenciais, a parte tem de indicar os pontos de facto concretos que contesta, qual a resposta alternativa que propõe que seja dada e qual o meio de prova concreto que impõe a alteração pretendida à resposta à matéria de facto - 640º, 1, CPC.
Ora, no caso a ré pretende a alteração dos pontos 19, 20 a 21 para que conste apenas a referência a remuneração e não a remuneração base. Esta questão entronca na tese da contestação de que existiria um acordo verbal entre a ré e as autoras para aplicação do IRCT AEEP/FNE em relação a todas as remunerações e não apenas à remuneração base. O que excluiria a possibilidade de as AA receberem um complemento de direcção técnica ao abrigo doutro IRCT.
Contudo, a prova não impõe decisão diversa.
Desde logo, a recorrente é lacónica quanto ao meio de prova concreto que justifica uma decisão diversa. Nas alegações, depois de se limitar o elencar o que consta na sentença, apresenta expressões difusas como “Verifica-se que todos os documentos escritos entre as partes ou emanados unilateralmente pelas partes indicam sempre remuneração e não remuneração base.” Ou, nas conclusões refere “3. Tal resulta de toda a documentação junta aos autos onde sempre é referido remuneração e nunca remuneração base”.
Ou seja, não são, sequer, identificados os documentos concretos que fariam prova do alegado, mal estando cumprido o referido ónus. Mas, sobretudo não se vislumbra que da documentação, mormente a acta ...35, resulte o alegado pela ré, sendo ali mencionadas apenas progressões salarias e níveis e vencimentos bases mensais. De resto, resulta da fundamentação da sentença que o tribunal se ateve, ainda, aos depoimentos das trabalhadoras DD e FF relativamente ao acordado nas reuniões.
É assim de manter o decidido.
*
D- RECURSO DE DIREITO DAS AA:
Utilizando as palavras das apelantes:
“O presente recurso, incidente sobre a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, exclusivamente no segmento que considerou inaplicável, a partir de 27 de agosto de 2017, o uso laboral vigente desde 1998 - uso laboral esse que foi superiormente reconhecido, tendo por base a matéria de facto dada como provada sob os pontos 19 e 20 -...” (bem como sobre o suposto incidente de litigância de má fé, que acima já foi decidido).
Muito em síntese: atendendo à sua antiguidade, as autoras reclamaram na ação diferenças salariais entre os valores pagos e os previstos em tabelas salariais conexionadas a cláusulas de progressões previsto no ACT AEEP/FNE[3], o qual tem vindo a ser aplicado à relação laboral, criando-se um “uso laboral” que não poderia ser unilateralmente modificado.
O senhor juiz reconheceu os direitos das AA até 27-07-2017 com base nos “usos laborais” (questão que não vem questionada). Denegou-os a partir de então, por considerar que não poderiam continuar a ser aplicáveis as tabelas salariais e as regras de progressão das carreiras do ACT AEEP/FNE que, entretanto, cessou a sua vigência, por revogação e, portanto, os “usos” deixaram de ter objecto mediato.
Na sentença fundamentou-se esta questão do seguinte modo: “Extrai-se dos articulados que foi equacionada pelas autoras AA e BB a aplicabilidade deste C.C.T. com fundamento nos usos laborais. O artigo 1.º do C.T./2009, na esteira do artigo 1.º do C.T./2003, prevê que “o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé”. (...) Trata-se do que ocorre precisamente no caso concreto, pois apurou-se que a partir de 1998 as trabalhadoras da ré que exerciam as funções inerentes à categoria profissional de Educadora de Infância, ao nível do pagamento da retribuição base mensal ilíquida e da progressão salarial em função da antiguidade, estiveram abrangidas pelos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho outorgados entre a AEEP e a FNE, o que consubstancia uma prática/aplicação continuada pela ré de um C.C.T., ainda que apenas para determinadas finalidades. Contudo, no B.T.E. n.º 31, de 22/08/2017, foi publicitado o acordo de revogação do C.C.T. outorgado entre a AEEP e a FNE, com efeitos reportados em 27/08/2017. Cessando a convenção colectiva mediante revogação por acordo (cfr. artigo 502.º, n.º 1, al. a), do C.T.), deixa a mesma de produzir efeitos para as partes que se encontravam abrangidas pelo C.C.T., e, nessa medida, por identidade de razão, não pode deixar de se considerar inaplicável o C.C.T. às trabalhadoras da ré, não obstante os usos, pois estes remetiam para um IRCT, que cessou os seus efeitos, e, por essa razão, os usos ficaram desprovidos de objecto mediato. Por conseguinte, não poderão ser reconhecidos os créditos invocados pela autora AA, alicerçados neste C.C.T., quanto ao período subsequente à cessação da vigência desse C.C.T., no montante global de € 6.096,03. Do mesmo modo, não poderão ser atendidos o terceiro, o quarto e sétimos pedidos que a autora AA formulou contra a ré, assim como o terceiro pedido que a autora BB aduziu contra a ré, pois estes assentam no pressuposto lógico de que o C.C.T. se mantinha aplicável. “
*
Analisando:
Em suma provou-se que, por decisão da Ré, esta passou a aplicar à relação laboral de todas as educadoras de infâncias, entre elas as AA, o disposto na convenção colectiva de trabalho outorgada entre a AEEP e a FNE quanto a níveis de retribuição base mensal ilíquida e progressão salarial em função da antiguidade. Sucede, contudo, que este IRCT cessou a sua vigência, por revogação (o que é pacífico entre as partes)
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O direito laboral tem fontes de direito muito próprias, entre elas os “usos” e os instrumentos de regulamentação colectiva (IRCT). Cada um deles tem uma disciplina própria. Por vezes deparamo-nos com realidades que chocam entre si, isto é, os respectivos regimes jurídicos apontam para soluções diferentes, quiçá opostas. Não se pode, por isso, ter, não uma visão apartada de cada fonte que ao caso possa ser convocada, mas antes uma perspectiva teleológica e global, sem esquecer a supremacia que alguns fontes têm sobre outras.
O contrato de trabalho sujeita-se à lei (em sentido amplo), aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, preferencialmente negociais dado o primado da autorregulamentação das partes (CCT, acordo de adesão, decisão arbitral) e não negociais (PE e PCT) por necessidade de suprir vazio de regulamentação colectiva e, ainda, aos usos laborais - 1º, 2º e 3º do CT 2009. O contrato de trabalho, conquanto discipline a relação laboral (1º CT), não é fonte de direito em sentido estrito, ao regular o caso concreto e não uma generalidade e abstração de situações.
Há hierarquia legal entre as diversas fontes, não podendo o contrato de trabalho, nem os usos que estão no sopé das fontes de direito, violar as normas legais, nem os IRCT - 2º e 3º CT.
O uso é uma prática social reiterada não acompanhada da convicção generalizada de obrigatoriedade (senão seria um “costume”), sendo fonte de direito laboral desde que não contrarie o principio da boa fé - 3ºCC e 1º CT e Maria do Rosário Palma, Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho Parte I, Almedina, 4ª ed., p. 250 e ss. Uma prática que seja generalizada na empresa, pelas suas características de reiteração, constância e tempo considerável pela qual se prolongue, pode criar no trabalhador legítima expectativas de continuidade - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 19ª ed., p 122 e ss.
São exemplos discutidos na jurisprudência o pagamento do subsidio de refeição no mês de férias, a atribuição da terça-feira de Carnaval, ou o pagamento habitual anual de uma percentagem do resultado liquido da empresa. A jurisprudência vem salientando que tais práticas têm de ser de ser mantidas por um período de tempo considerável “de forma a permitir que se possa concluir no sentido da existência de uma regra que leve os trabalhadores a adquirir legitimamente a convicção de que, no futuro e definitivamente, a mesma será aplicada” e “merecedora de tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade- “ ac.s STJ de 23-03-2019, p. 26175/16.9T8LSB.L1.S1 e 27-11-2018, p. 12766/17.4T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt
Já os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho subdividem-se em duas grandes categorias consoante a sua origem. A um lado agrupam-se os instrumentos negociais em que a regulamentação das relações laborais é da autoria dos próprios interessados, empregadores e/ou associação de empregadores e trabalhadores representados em associações sindicais. A outro lado agrupam-se os instrumentos colectivos não negociais em que a regulamentação é da autoria do Estado, feita por via administrativa, direcionada ao conteúdo das relação laborais em certo sector de actividade e universo profissional, mediante portarias de extensão (PE) ou de portarias de condições de trabalho - 1º, 2º, 573º a 580º CT 2003, 1º e 2º, 514º a 518º CT 2009. Os instrumentos de regulamentação negociais prevalecem sobre os não negociais. Apenas na falta dos primeiros, serão os segundos subsidiariamente emitidos e aplicados - 575º e 578º CT 2003, 515º e 517º CT 2009. Privilegia-se que os próprios interessados regulem os seus direitos e obrigações laborais, empregadores e trabalhadores, estes últimos obrigatoriamente através de sistemas de representação ou mandato (sindicatos). O princípio orientador desta matéria é assim o do primado da autonomia colectivo, em detrimento da regulamentação colectiva de origem não negocial - Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho, Parte III-Situações Laborais Colectivas, 3ª ed., Almedina, p. 191-2. Na concorrência entre os vários instrumentos de regulamentação colectiva, a entrada em vigor de um instrumento regulatório de origem negocial afaste a aplicação do instrumento de origem não negocial - 538º CT 2003, 484º CT 2009.
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Dito isto, será que no caso dos autos os “usos laborais” tutelam o direito das AA a diferenças salariais e de progressão por antiguidade que vinham sendo pagas enquanto indexadas a uma CCT que, por revogação dos outorgantes, cessou a sua vigência?
Supostamente em abono de uma resposta afirmativa, citam as recorrentes acórdão desta Relação de Guimarães, da mesma Relatora, ac. de 12-06-2024, proc. 315-20. 1T8VNF.G1, www.dgsi.pt.
Os pressupostos fácticos ali analisados em nada têm a ver com os dos autos. As citações descontextualizadas nunca ajudam, muito menos no esclarecimento de questões complexas. Algo afirmado em tese geral (que um “uso” pode resultar da prática da empresa aplicar benefícios previstos numa CCT[4], o que aliás reafirmamos) pode, contudo, não caber no caso concreto. Tudo depende do circunstancialismo. Ali simplesmente se referiu que um IRCT, não directamente aplicável por não ocorrer a dupla filiação, poderia, no todo ou em parte, ser aplicado pelo empregador em resultado de regulamento interno, acordo das partes, ou “usos laborais”, o que muitas vezes acontece nas empresas por uma questão de uniformização e pacificação social. No mais, não se problematizou a questão de os “usos” remeterem para IRCT que cessa a sua vigência. Ao invés, até se afirmou que “O que acontece é que os AA, não sindicalizados, pretendem que determinadas CCT´s lhes sejam aplicáveis através de um suposto “uso” consistente na aplicação do IRCT pela ré. O que, além de não provado, se afigura estranho, pois usos e regulamentação colectiva são fontes de direito autónomas que obedecem a regras distintas.”
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Como referimos a jurisprudência vem protegendo as situações em que, ao abrigo da aplicação continuada de uma CCT (não directamente aplicável por faltar a dupla filiação), o trabalhador venha recebendo ao longo de anos um beneficio definido, como um subsidio de turno, um subsidio de refeição, etc. Dependendo das situações concretas, tem-se entendido que por via dos usos se poderá ter criado uma legitima expectativa que mereça protecção, porque o empregador adotou um comportamento que autonomizou um beneficio, de tal forma que o trabalhador com ele passou a contar, e que, subitamente, lhe foi subtraído por decisão unilateral do empregador.
Não é disso que se trata aqui. No caso, os “usos” remetem também para um quadro normativo que se pressupõe vigente (regras de progressões na carreiras e tabelas salariais) e não se reconduzem somente aos referidos benefícios concretos.
Ora, uma coisa é, por via de um uso laboral, ser atribuído um complemento previsto num IRCT que vem sendo aplicado ás relações laborais, outra coisa é invocar os “usos laborais” para manter em vigor um quadro normativo de progressões e/ou tabelas salariais resultante de um IRCT que os respectivos outorgantes revogaram e que, por isso, cessou a sua vigência. Os IRCT têm regras próprios quanto a sua vigência e forma de cessação, mormente por revogação ou caducidade - 502º CT.
Dito de outra forma, não existem "usos sobre o direito aplicável". Se é aceitável a prática de aplicação de uma convenção colectiva, ou de parte delas por questões de uniformização normativa e pacificação no seio da empresa, não se pode, sem mais, entender que isso cria um uso laboral que garanta a sua eterna aplicação, de modo cego, sem atentar a que o IRC possa cessar a sua vigência segundo as suas normas próprias, como bem refere a ré. O que até criaria situações bizarras em que os trabalhadores anteriormente abrangidos pela CCT (ao abrigo do principio da dupla filiação) deixassem de o estar, em razão da cessação da sua vigência, ao passo que os não filiados continuariam a ser abrangidos.
A tese das recorrentes, além de poder levar a aplicação infinita de uma convenção colectiva subvertendo o seu regime, no limite levaria a aplicação de progressões e tabelas, agora altas e por isso reclamadas, mas daqui a alguns anos baixas e desactualizadas.
Nem tampouco, em nosso entender se pode afirmar a “legitima expectativa” requerida pelos “usos” laborais de que no futuro um bloco normativo de um IRCT se continuaria a aplicar, não obstante revogado segundo regras próprias.
O conceito de “legítima expectativa” terá de ser aferido, não pelo interesse subjectivo de quem é parte num conflito, mas pelo padrão do chamado “homem médio”, isto é, por recurso ao pensamento de qualquer pessoa de diligência mediana, sem ser excessiva, mas moderadamente equilibrada, sensata e prudente, colocada nas circunstâncias concretas.
Não nos parece que uma pessoa com tais características pensaria que tal “benefício” seria sempre mantido. Insista-se no paralelismo de que aos destinatários dos IRCT negociais que caem no seu âmbito subjectivo de aplicação (filiados nas associações outorgantes) não lhes é legalmente permitido almejar à cristalização para futuro dos direitos plasmados na CCT que cesse a sua vigência, sem prejuízo dos direitos já produzidos pela convenção nos contratos de trabalho no que respeita à retribuição do trabalhador, categoria, etc - 501º, 8, CT. Na verdade, os filiados, em caso de cessação da vigência da CCT, preservam aquilo que já adquiriram, mas já não o que poderiam vir a adquirir. O que aliás também acontece hoje relativamente aos trabalhadores não sindicalizados que usufruam dos benefícios de uma CCT por abrangência de portaria de extensão - 515º-A, CT.
Pensamos que o tal “homem médio” não pode aspirar legitimamente e de boa fé que os efeitos de uma CCT outorgada por entidade que não o representa, que lhe é aplicada indirectamente por “usos”, que legitimamente vem a ser revogada, quanto a ele, um terceiro, possa continuar a vigorar.
Como vimos evidenciando desta problemática não se pode dissociar as relações tecidas entre as várias fontes de direito laborais, sendo que os usos estão no seu sopé, os quais não poderão contrariar e subverter regras imperativas relacionados com o âmbito subjectivo e temporal de aplicação dos IRCT submetidos aos principio da dupla filiação e primado da autonomia colectiva.
Repare-se que, no caso, não se trata de manter o nível/progressão salarial que já adquiriram (até 2017) ao abrigo das tabelas da CCT AEEP/FNE, isso naturalmente não lhes pode ser retirado, ao abrigo, também, do princípio da irredutibilidade da prestação- 129º, 1, d), CT
Assim, no circunstancialismo do caso há que dizer que um IRC que seja aplicado por remissão e por prática, caso veja cessada sua vigência, não poderá ver “perpetuado” o seu quadro normativo através dos “usos laborais”.
Um apontamento final para rebater a afirmação das apelantes no sentido de que a ré continuou a aplicar a CCT AEEP/FNE após a cessação da sua vigência (2017). A matéria de facto provada não o comprova, nem tal se retira do ponto 21, donde apenas se colhe que tal aplicação foi reconhecida pela ré relativamente à trabalhadora GG aquando da sua contratação em 2015 data em que o IRCT ainda não se encontrava revogado.
Termos em que concorda com a decisão recorrida e se denega razão às AA, remetendo-se no mais para aquela.
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E - RECURSO DE DIREITO DA RÉ:
Tem por objecto a condenação da ré no pagamento do adicional por funções de “direcção técnica”.
A este propósito ficou provado que a autora AA, desde 01/09/2007 e até 31/08/2014, e entre 01/09/2016 e 31/08/2017, exerceu, em cumulação, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica, e que a autora BB desde 01/09/2014 até 31/08/2016 exerceu, também, em cumulação, as funções de Directora/Coordenadora Técnica e Pedagógica (entre 01/09/2018 e 31/08/2019 também, mas neste período já foi remunerada -ponto 23).
A ré sustenta que deve ser revogada a decisão no segmento em que foi condenada a pagar no que se venha a liquidar quanto ao adicional por funções de “direcção técnica” previsto na cláusula 49ª do ACT outorgado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e a FNE- Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, BTE 47, de 22/12/2001, e alterações, BTE 3 de 22/01/2010, ACT estendido à relação laboral em causa pela portaria de extensão nº 278/2010, de 24 de maio (BTE 20, de 29/05/2010).
Apresenta dois argumentos:
Primeiro: que havia sido acordado entre as partes que o ACT AEEP/FNE seria aplicável a todos os aspectos remuneratórios, e não só à retribuição base, e aquele ACT não prevê o pagamento deste complemento.
Liminarmente o argumento improcede porque partia do pressuposto, não verificado, de alteração da matéria de facto, a qual improcedeu. Ou seja, não se provou a existência de acordo no sentido de o referido ACT englobar a remuneração global das AA.
Segundo argumento:
Refere a ré que o ACT Santa Casa da Misericórdia ... e a FNE- 2001, 2010, cessou a sua aplicação em 19/10/2016, porque em 20/10/2016 foi publicado o novo acordo coletivo da Santa Casa da Misericórdia ..., BTE n.º 38, de 15/10/2016), pelo que a portaria nº 278/2010 deixou de ter objecto de extensão.
A objecção também não tem fundamento.
O ACT SCM de .../FNE de 2001/2010 e o Contrato Colectivo SCM de ... e outros de 2016 tem diferentes entidades outorgantes do lado das associações sindicais. O primeiro obriga a FNE- Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros e a segunda CCT obriga a FNSTFP- Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais e outros.
As associações empregadoras, nestes caso as SCM´s podem celebrar convenções colectivas com diversas associações sindicais, cada uma delas mantendo a sua autonomia, independência e vigência, aplicando-se a um universo diferente de trabalhadores consoante a respectiva filiação sindical. O mesmo é dizer que na mesma empresa podem conviver diversos IRCT.
As convenções colectivas cessam mediante revogação por acordo das partes ou por caducidade - 501º, 1, CC
Ora, o ACT ao abrigo do qual (por força de portaria de extensão) a ré foi condenada a pagar adicional por funções de “direcção técnica”, no que às partes signatárias respeita, só foi revogado pelo CCT celebrado entre a União das Misericórdias Portuguesas (em que aliás a ré se encontra associada) e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, publicado no BTE n.º 14, de 15/04/2023.
Veja-se a cláusula 1ª deste último CCT (“âmbito de aplicação) “...3- A presente convenção coletiva revoga, no que às partes outorgantes respeita, o acordo coletivo de trabalho publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 47, de 22 de dezembro de 2001, cujas atualizações salariais posteriores foram publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 3, de 22 de janeiro de 2010.”
Portanto, só a partir desta altura podemos afirmar que o ACT deixou de regular as relações laborais em causa, porque, tendo cessado a sua vigência, a portaria nº 278/2010, de 24-05, deixou de ter objecto a estender.
Considerando que os valores em que a ré foi condenada respeitam a período anterior improcede o recurso subordinado.
I.I.I. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em: A) RECURSO DA AA:
Declarar a nulidade parcial da decisão por excesso de pronúncia, determinando-se a eliminação das alíneas k) e n) do dispositivo referentes à absolvição da ré e condenação das AA em custas referentes à questão da litigância de má-fé.
No mais, negar provimento ao recurso mantendo-se sentença proferida.
B) RECURSO DA RÉ Negar provimento ao recurso mantendo-se sentença proferida.
Custas do recurso das AA a seu cargo.
Custas do recurso da Ré a seu cargo.
Notifique.
4-11-2025
Maria Leonor Barroso (relatora) Francisco Sousa Pereira Vera Sottomayor
[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa. [2] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437. [3] Que recordamos ser o CCT outorgado entre a AEEP — Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicados nos BTE n.os 30, de 15/08/2004, 46, de 15/12/2005, 11, de 22/03/2007, 10, de 15/03/2008, 5, de 08/02/2009, 30, de 15/08/2011, 30, de 15/08/2014, e 29, de 08/08/2015. [4] Doutro modo não aplicável, por não se verificar o princípio da dupla filiação.