PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
MOTIVO JUSTIFICADO
Sumário


I - O julgador apenas está constituído no dever de observar o contraditório quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha sido perspetivada pelos litigantes de acordo com um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão.
II - O motivo justificativo, e o seu nexo de causalidade com o termo de vigência aposto no contrato de trabalho a termo certo, devem estar suficientemente concretizados no texto da respectiva cláusula, sob pena de nulidade da mesma.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, instaurou a acção declarativa comum contra EMP01..., S.A., também nos autos melhor identificada, peticionando, a final:

“(…) 1. Ser declarado por sentença que o contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré em 25.05.2023 se considera como contrato de trabalho sem termo, nos termos do disposto no art. 147.º, n.º 1, al. c), do C. do Trabalho;
2. Ser o despedimento da autora ocorrido em 24.11.2023 declarado ilícito, por violação do disposto nos artigos 351.º e seguintes do C. do Trabalho, com as consequências previstas nos arts. 389.º a 393.º daquele diploma;
3. Ser a ré condenada a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, com efeitos reportados a 25.05.2023;
4. Ser também a ré condenada a pagar à autora as retribuições que esta deixou de auferir até ao transito em julgado da decisão que vier a ser proferida e que, neste momento, se computam em € 8.800,00 (oito mil e oitocentos euros), acrescido dos juros de mora legais sobre tal quantias, calculados desde a data do vencimento das respectivas obrigações, até integral pagamento, às taxas legais sucessivamente em vigor;
e. Em qualquer dos casos deve a Ré ser condenada a pagar as retribuições desde trinta dias antes de ter sido proposta a acção, até ao trânsito em julgado da decisão final (…)”

Alegou, para o efeito e na síntese que respigamos da decisão recorrida, que em 25/05/2023 celebrou com a ré um contrato a termo certo resolutivo, pelo prazo de 6 meses, com início em 25/05/2023, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Técnica de Negócios e Gestão, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de € 800,00, para um período normal de trabalho de 39 horas semanais e que a ré veio fazer findar a relação laboral invocando a caducidade do contrato de trabalho em 24/11/2023.
Contudo, o termo aposto no contrato de trabalho de 25/05/2023 deve ser qualificado de nulo, por não conter a indicação do motivo justificativo da contratação a termo, devendo-se considerar as partes vinculadas por um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Na contestação, a ré refutou que o contrato de trabalho padeça do vício invocado pela autora, para além de se opor à reintegração da trabalhadora, pelo que pugna pela improcedência das pretensões contra si aduzidas.

A autora veio apresentar requerimento para, diz, exercer o contraditório, pronunciando-se sobre a oposição deduzida pela ré à sua reintegração.

Prosseguindo os autos, e após despacho a dispensar a realização de audiência prévia, veio a proferir-se saneador - sentença com o seguinte diapositivo:
Em face do exposto, nos presentes autos de acção declarativa comum, decide-se:
a) Declarar que o contrato de trabalho de 25/05/2023 se considera celebrado por tempo indeterminado – cfr. artigo 147.º, n.º 1, al. c), do C.T.;
b) Declarar que a comunicação de caducidade do contrato de trabalho, contida nesse negócio jurídico, constitui um despedimento ilícito - cfr. artigo 381.º, al. c), do C.T.
c) Condenar a ré EMP01..., S.A. a reintegrar a autora AA sem prejuízo da sua categoria e antiguidade – cfr. artigo 389.º, n.º 1, al. b), do C.T.
d) Condenar a ré EMP01..., S.A. a pagar à autora AA a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., quanto às remunerações previstas no artigo 390.º, n.º 1, do C.T., deduzidas das importâncias estabelecidas no artigo 390.º, n.º 2, al. a), b) e c), do C.T., sendo tal quantia acrescida de juros de mora, calculados nos termos supra referidos – cfr. artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C.
e) Condenar a ré EMP01..., S.A., no pagamento das custas da acção – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição da parte que se considera relevante):
“1. Foi a Recorrente notificada de sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu...
2. Não pode a R. aceitar in tottum a condenação que lhe é imputada, porquanto entende ser a mesma nula e, sem prescindir, padecer a mesma de manifesto erro na apreciação da prova e na aplicação do direito aos factos, bem como na interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis (artigos 140.º, n.º 1 e n.º 2, al. g), 141.º e 147.º, n.º 1, al. c) todos do CT) – tal como na omissão no cumprimento de outros normativos que se impunha aplicar (artigos 3.º, n.º 3; 6.º, n.º 1 e 411.º, todos do CPC).
3. DA NULIDADE DA SENTENÇA NOS TERMOS DO ARTIGO 615.º, N.º 1, AL. D) DO CPC: Na douta sentença, considera o Tribunal a quo que os presentes autos são de “mediana complexidade”, dispensando, mesmo assim, a realização da audiência prévia.
4. Antes de proferida a decisão, deve ser assegurada a ampla discussão da matéria de facto e de direito pelas partes, tendo, de igual modo, que se assegurar que os autos se encontram devidamente instruídos de todos os elementos necessários a tal fim.
5. In casu entende a Recorrente que a instância não se encontrava estabilizada, nem a matéria controvertida amplamente discutida que permitisse fosse proferida tão precoce decisão.
6. No artigo 50.º da sua contestação, a Recorrente protestou juntar elementos relevantes e cruciais à demonstração da bondade dos seus argumentos, nomeadamente quanto à manifesta volatilidade do tráfego, os quais, atenta a dimensão e compartimentação da sua estrutura interna, não foi possível juntar aquando da apresentação do seu articulado.
7. Contudo, encontrava-se a Recorrente a reunir tais elementos, a fim de instruir os presentes autos.
8. Impor-se-ia, assim, que, em momento prévio à decisão a proferir, fosse a Recorrente notificada para, querendo, promover à junção dos documentos que identificou na sua contestação, por forma a permitir, posteriormente, que a A. se pronunciasse quanto aos mesmos, só assim se cumprindo e acautelando o propósito e fito da discussão.
9. Tal garantia deveria ainda ter sido acautelada e até redobrada, atenta a dispensa da audiência prévia.
10. Tendo sido proferida decisão em momento precoce, sem que as partes pudessem previamente se pronunciar e sem que a Recorrente pudesse promover à junção dos elementos que protestou e identificou em sede de contestação, só podemos considerar estar perante uma decisão surpresa, proferida em manifesta violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC16 (vide, a este propósito, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/13/2020, disponível em www.dgsi.pt)
11. Face ao exposto, só podemos ter como nula a sentença proferida, o que se requer seja reconhecido e declarado, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, com as inerentes consequências legais.
12. DO ERRO E AUSÊNCIA DA APRECIAÇÃO DA PROVA – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: Entende a Recorrente que o elenco factual considerado como provado peca por não incluir factos que resultaram alegados e demonstrados pela R., pelo que se pugna pelo seu aditamento.
13. Do aditamento à matéria de facto provada: facto 4): Conforme resulta da cláusula 4.ª do contrato de trabalho junto p.i. (doc. 1), o termo aposto encontra-se devidamente factualizado: i) Execução de Projeto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística, e das Lojas; ii) criado para dar resposta a exigências urgentes e extraordinárias (em virtude da atual conjuntura social, económica e geopolítica mundial); iii) Prioridade da antecipação da transformação da Empresa, modificações na organização, estrutura e negócio, e integração funcional e departamental e distribuição geográfica; iv) Manifesta volatilidade do tráfego de correio em geral, e inconstância do mercado do setor postal – cuja causa se destaca a guerra e a pandemia;  v) Diminuição do volume de tráfego postal; vi) Transformação tecnológica do setor postal e a exigência de investimento forte num mercado cada vez mais competitivo21.
14. Da alegação e prova carreada para os autos, resulta que a motivação do contrato de trabalho da Recorrida foi sustentada na execução de um Projeto de Reestruturação e volatilidade do tráfego22, tendo a R. se proposto ainda a demonstrar tais factos através da prova testemunhal a produzir e através dos elementos que protestou juntar.
15. Note-se, ainda, que a existência de um Projeto de Reestruturação não terá sido colocado em causa pela Recorrida, pelo que tal facto/ motivo existe, foi devidamente invocado e circunstanciado no termo sob análise, sendo certo que, caso dúvidas persistisse, sempre cumpriria promover à produção de prova, o que o Tribunal a quo obstou através da precoce decisão que agora se sindica.
16. Assim, atenta a invocação do Projeto de Reestruturação, os factos descritos no termo aposto na cláusula 4.ª do CT junto à p.i. como doc. 1 e a prova que quanto à mesma se propôs a Ré a produzir e juntar23, só poderá resultar demonstrado que: “Conforme decorre da cláusula 4.ª do contrato de trabalho sob análise, a contratação da A. teve como fundamento, em suma, o Projeto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística, e das Lojas, e a manifesta volatilidade do tráfego postal”.
17. Requer-se seja aditada à matéria considerada como provada o facto supra, em cumprimento do disposto no artigo 640.º do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, a) do C.P.T., com as inerentes consequências legais.
18. Do aditamento à matéria de facto provada: facto 5): Tratou ainda a sentença em crise de fazer tábua rasa ao recibo de vencimento que a Recorrente junta em sede de contestação24, através do qual demonstra e comprova o pagamento da compensação devida à Autora (no valor de € 322,66), em virtude da cessação do seu contrato.
19. Tem-se por relevante e crucial que conste da seleção da matéria de facto considerada como provada o pagamento do valor a título de compensação por caducidade para efeitos de dedução de tal valor em caso de condenação – o que não se concede.
20. Aliás, também por maioria de razão se deverá aditar tal facto - veja-se o facto 3. considerado como provado que alude a recibo junto pelo A.
21. Assim, considerando o documento n.º 1 junto à contestação apresentada pela Recorrente (não impugnado), requer-se a V/ Exas. se dignem determinar o aditamento à matéria considerada como provada, em cumprimento do disposto no artigo 640.º do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, a) do C.P.T., do seguinte facto: “A Ré pagou à Autora, a título de compensação, o valor de € 322,66, conforme resulta do recibo de vencimento junto aos autos – vide doc. 1 junto à contestação”
22. DO ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS E SUA ERRADA INTERPRETAÇÃO E
ENQUADRAMENTO – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO : DA OMISSÃO DO CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 3.º, N.º 3 DO CPC: Começa a douta sentença por invocar a mediana complexidade dos autos e a dispensar a realização da audiência prévia, proferindo, posteriormente, decisão surpresa sem permitir às partes partilharem o que tivessem por conveniente quanto aos factos e fundamentos aduzidos nestes autos.
23. A dispensa da audiência prévia, impõe especial cuidado pelo órgão decisor, por forma a que as partes possam esgotar a discussão da matéria de facto e de direito em momento prévio à decisão da causa.
24. No caso em concreto, a Recorrente invocou a junção aos autos de elementos demonstrativos da instabilidade e volatilidade do tráfego das Lojas de ... e ... (artigo 50.º da contestação apresentada), sendo certo que se encontrava a lograr reunir tais documentos, o que ainda não tinha sido possível, atenta a complexidade da dimensão e compartimentação da sua estrutura.
25. Sempre importaria que o Tribunal, antes de proferir decisão de mérito da causa, notificasse as partes para dizerem o que tivessem por conveniente quanto à matéria de facto e direito em discussão.
26. Sem prescindir, notificar a R. para juntar aos autos os elementos que mencionou na sua contestação, por forma a que os mesmos pudessem demonstrar a bondade dos seus argumentos e sobre os quais se pudesse a A., querendo, pronunciar, tudo nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
27. Tal não sucedeu in casu, pelo que só podemos estar perante uma decisão surpresa25, proferida em clara violação pelo disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos, com as inerentes consequências legais.
28. DA OMISSÃO DO CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 6.º, N.º 1 E 411.º, AMBOS DO CPC: Tratou o Tribunal a quo de proferir sentença logo após a fase dos articulados, obstando à realização da fase da instrução da causa e consequente produção de prova.
29. Ao fazê-lo, entende a Recorrente que o Tribunal a quo violou o Princípio do Inquisitório, no âmbito do qual tem o poder-dever de promover à produção de prova atinente à descoberta da verdade material, assim o determinando, de forma imperativa, o artigo 411.º do CPC26, o que vem reforçado no disposto no artigo 6.º, n.º 1 do supra citado dispositivo legal27.
30. No caso subjudice, estando o termo sob análise factualizado – o que resulta da sua simples leitura – e tendo a Recorrente se proposto a demonstrar a veracidade de tais factos através da prova indicada, impunha-se se promovesse à produção da prova indicada pelas partes.
31. Não tendo tal sucedido, o Tribunal recorrido decidiu em clara violação pelo disposto nos artigos 411.º e 6.º, n.º 1, ambos do CPC, motivo pelo qual se requer a esse Venerando Tribunal se digne revogar a sentença proferida, substituindo-a por outra que determine o prosseguimento dos autos, nomeadamente dando lugar à fase da instrução da causa e consequente produção de prova. Sem prescindir,
32. DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS NORMATIVOS LEGAIS CONSTANTES NOS ARTIGOS 140.º, N.º 1 E N.º 2, AL. G), 141.º E 147.º, N.º 1, AL. C) TODOS DO CT: Decidiu o Tribunal a quo estar perante um contrato celebrado por tempo indeterminado, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, al. c) do C.T., o que apenas só se poderá concluir através de uma errónea interpretação dos artigos 140.º, n.º 1 e n.º 2, al. g), 141.º e 147.º, n.º 1, al. c), todos do CT.
33. Resulta do facto 2. considerado como provado que o termo do contrato de trabalho da Autora tem como referência a execução de um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, nos termos do artigo 140.º, n.º 1 e n.º 2, al. g) do CT.
34. Quanto ao mesmo, só podemos concluir que se encontram cumpridos o citado artigo 140.º e, ainda, o artigo 141.º n.º, 1, al. e) e n.º 3, todos do CT, porquanto, no termo em referência: i) Encontra-se identificado o termo estipulado, o motivo justificativo e a respetiva duração; ii) É feita a menção expressa aos factos que integram o termo e a relação entre a justificação e o termo (duração da execução do Projeto).
35. A motivação do termo resulta, pois, à evidência: o Projeto de Reestruturação já identificado, executado em virtude da manifesta volatilidade do tráfego postal e das demais circunstâncias que exaustivamente são partilhadas pela empregadora junto da trabalhadora, operando-se uma alteração profunda (estrutural, organizacional e produtiva) das Lojas, aqui se incluindo de ... e ....
36. Não pode ser exigido à Empregadora, ir para além da ampla justificação partilhada com os trabalhadores, sob pena de promover a partilha ilegítima de informação interna do seu seio organizacional, em violação do sigilo do próprio negócio.
37. Só podemos concluir que a Empregadora identificou o termo aposto, a sua motivação e a respetiva duração, restando, caso dúvidas persistissem, promover à respetiva prova quanto à execução do Projeto de Reestruturação, ao que se propôs e que só não logrou atenta a precoce decisão proferida pelo Tribunal a quo.
38. Também não pode a Recorrente deixar de evidenciar a clareza dos factos que determinaram a implementação do Projeto de Reestruturação (e que constam identificados no termo aposto): i) manifesta volatilidade do tráfego de correio em geral; ii) prioridade de antecipação da transformação da Empresa; iii) a diminuição do volume de tráfego postal; iv) a transformação tecnológica no setor postal; v) a exigência de investimento forte num mercado cada vez mais competitivo; vi) a imprevisibilidade dos efeitos das alterações da legislação laboral no mercado de trabalho; entre outros constantes na motivação do contrato.
39. Distinta questão é se tais factos e fundamentos justificam a contratação e se são verdadeiros (cuja resposta só poderá ser afirmativa), o que apenas se poderá sindicar através da produção de prova indicada pelas partes.
40. Ainda de relevar que a decisão sob análise não cuidou de analisar, enquadrar e relevar a estrutura e dimensão da Recorrente, cujos factos e circunstâncias resultaram oportuna e amplamente partilhados nestes autos. 28
41. Só podemos, assim, concluir pela verificação e cumprimento, por parte da Recorrente, dos requisitos legais previstos nos artigos 140.º, n.º 1 e n.º 2, al. g), 141.º e 147.º, n.º 1, al. c) todos do CPT.
42. Ao concluir diversamente, promoveu o Tribunal a quo a uma errónea interpretação e aplicação de tais normativos legais ao caso em concreto e, bem assim, a um errado enquadramento dos mesmos aos factos considerados como provados (independentemente da alteração factual que supra se requer).
43. Atento tudo quanto resulta supra exposto, e nos termos do artigo 639.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, julgamos de cristalina conclusão que o Tribunal a quo ao preconizar pelo entendimento vertido na sentença em crise e concluindo pela verificação de um contrato sem termo, com as respetivas consequências jurídicas (que, igualmente, se impugnam), violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 3; 6.º, n.º 1 e 411.º, todos do CPC, não tendo dado cumprimento a tais normativos, como in casu se impunha, promovendo, ainda, a uma errada interpretação, aplicação e enquadramento dos artigos 140.º, n.º 1 e n.º 2, al. g), 141.º e 147.º, n.º 1, al. c) todos do CT.
44. Entende e pugna a Recorrente que, uma correta análise, enquadramento e aplicação dos supra citados normativos legais, só poderiam determinar a validade e licitude do termo aposto no contrato de trabalho sob sindicância.
45. Em suma, em conformidade com a impugnação da matéria de facto e de direito vertida no presente recurso, deverá o Venerando Tribunal a final revogar a sentença proferida e, em consequência:
- Determinar o prosseguimento dos autos, com a consequente instrução da causa e produção de prova; Sem prescindir, caso assim não se entenda,
- Concluir pela regularidade e licitude do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre A. e R..

Termos em que se requer V/ Exas. se dignem ordenar a imediata revogação da sentença proferida, sendo esta substituída por decisão nos termos supra expostos, com as demais consequências legais, assim se fazendo inteira e sã
JUSTIÇA!”
A autora respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

A título de questão prévia, a autora na resposta ao recurso suscita a questão de não ser admissível no presente caso – em que a 1.ª instância condenou, além do mais, a ré a reintegrar a autora – a requerida atribuição (como ficou a constar do respectivo despacho de admissão), de efeito suspensivo ao recurso.
Vejamos.
Não vem indicado, nem se descortina, norma legal que, numa acção deste jaez – em que que houve condenação da recorrente a reintegrar a recorrida -, afaste a aplicação da regra (geral) prevista no art. 83.º n.º 2 do CPT - “O recorrente pode obter o efeito suspensivo se no requerimento de interposição de recurso requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado” – menos exigente do que a correspondentemente prevista no n.º 4 do art. 647.º do CPC, em que se exige ainda que a execução da decisão cause prejuízo considerável ao recorrente.
 Aliás, o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2006, de 24 de Outubro, debruçou-se sobre o recurso de uma sentença que havia condenado a empregadora/recorrente em (além do mais - pagar-lhe valores pecuniários) dar ocupação efectiva ao trabalhador/recorrido, atribuindo-lhe funções compatíveis com a sua categoria profissional (situação que, para este efeito, se afigura comparável à condenação na reintegração), sendo que não foi aí questionada a admissibilidade do efeito suspensivo ao recurso, sim o âmbito da caução a prestar para a obtenção de tal efeito.
Assim, nada a alterar neste particular.

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
- Nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, nº 1, al d) do CPC;
- Impugnação da matéria de facto;
- Erro na aplicação do direito/saber se é válida a cláusula feita constar do contrato de trabalho em causa nos autos para justificar a aposição do termo que do mesmo consta.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Transcrevem-se os factos considerados provados pelo Tribunal recorrido:
“1. A ré possui como objecto social:
“a) Assegurar o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e do serviço público de correios; b) A prestação de serviços de logística, de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, de actividades relacionadas com sistemas de segurança, de consultoria informática, de processamento de dados, domiciliação de informação, e outras actividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática, bem como o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas na alínea anterior, bem como de comercialização de bens ou de prestação de serviços por conta própria ou de terceiros, desde que convenientes ou compatíveis com a normal exploração da rede pública de correios, designadamente a prestação de serviços da sociedade de informação, redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo recursos e serviços conexos; c) A prestação de serviços financeiros, os quais incluirão a transferência de fundos através de contas correntes e que podem também vir a ser exploradas por um operador financeiro ou entidade parabancária a constituir na dependência desta sociedade, bem como a actividade de mediação de seguros na venda de apólices de seguros e resseguros”.
2. A autora e a ré subscreveram um documento, datado de 25/05/2023, denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), do qual resulta, no que ora releva:
3. A ré pagou à autora os quantitativos apostos no recibo da ref. n.º ...49 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), os quais perfazem o valor global de € 1.332,53.
[Aditado conforme decisão infra:
4. A Ré pagou à Autora, a título de compensação, o valor de € 322,66, conforme resulta do recibo de vencimento junto aos autos – vide doc. 1 junto à contestação]

*
Com relevo para a boa decisão da causa inexistem factos não provados.”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da nulidade da sentença:

Pretende a recorrente que a sentença é nula, nos termos do artigo 615º, nº 1, al d) do CPC, tendo o Tribunal a quo proferido uma decisão surpresa, sem respeitar o princípio do contraditório, violando assim o disposto no art. 3.º/3 do CPC – tudo isto em razão, em suma,  de ter dispensado a realização de audiência prévia, olvidando a ampla discussão da matéria de facto e de direito, tanto mais que na contestação a ré protestou juntar documentos referentes à volatilidade do tráfego postal (os quais atenta a sua dimensão não lhe foi possível juntar na contestação), os quais à data da, prematura, decisão ainda não tinham sido junto aos autos.

Efectivamente, prescreve a norma invocada que a sentença é nula quando o juiz se pronuncie sobre questões de que não podia tomar conhecimento.

Comecemos, no entanto, por dizer que nos termos do art. 62.º/1 do CPT, só deve realizar-se audiência prévia “quando a complexidade da causa o justifique”.
E no caso concorda-se que a causa não encerra uma complexidade elevada, não se justificando a marcação de audiência prévia.
Com efeito, nem a extensão nem a densidade da causa de pedir ou da defesa que lhe foi oposta são de molde a dificultar a apreensão das questões de facto e de direito a analisar e sobre as quais o julgador tem de tomar posição pelo que, conquanto se tenha seguido o conhecimento de mérito, não se impunha a realização de audiência prévia.

Acresce que não foi proferida uma decisão surpresa nem se mostra violado o princípio do contraditório, efectivamente previsto no art. 3.º do CPC.
Como se escreveu no sumário de acórdão da RP de 11.4.2018, “(…) o julgador apenas está constituído no dever de observar a contraditoriedade quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha, de todo, sido perspetivada pelos litigantes de acordo com um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão.[1]

No caso, estamos perante problemática que, tal como a propósito se refere em Ac. RP de 08.3.2019, “tem sido objecto de inúmeras decisões dos tribunais superiores[2], não se afastando a decisão recorrida do entendimento que, senão unanimemente, pelo menos na maioria desses arestos tem sido acolhido.

Em comentário ao acórdão por último referido, em que expressa o entendimento de que a Relação decidiu “inequivocamente bem”, afirma Miguel Teixeira de Sousa que “(…)   a decisão-surpresa é apenas aquela em que o tribunal decide algo com que a parte, de forma previsível, não podia contar.” - Blogue do IPPC (https://blogippc.blogspot.com/), Publicação do dia 11.9.2019.  (por manifesto lapso no comentário diz-se RL, quando é RP)

Por outro lado, só se mostraria relevante (e assim imprescindível a sua realização, como pretende a recorrente) a produção de prova dos factos que justificaram a celebração do contrato a termo e constantes do seu clausulado e do alegado na contestação, para a apreciação da validade do termo, caso se congeminasse como viável, plausível, que atenta a justificação para a aposição do termo constante do contrato fosse, a provar-se, (materialmente) idónea ao preenchimento desse requisito (justificação da aposição do termo).
É que nos termos do art. 141.º/1 al. e) do CT, “O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter: e) Indicação do termo estipulado, ou da duração previsível do contrato, e do respetivo motivo justificativo, consoante se trate, respetivamente, de contrato a termo certo ou incerto;” e, conforme resulta do seu n.º 3, “3 - Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.”, sendo ademais pacífico que a indicação dos motivos justificativos da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, donde, a operação de controlo da validade formal dos termos apostos nos contratos e renovações afere-se com base nos documentos escritos, o contrato de trabalho cuja autenticidade não foi posta em causa.[3]          

Ora, o que o Tribunal recorrido entendeu – sem que, até pelo que infra irá adiantar-se, a nosso ver mereça censura – é que (independentemente da sua veracidade) a justificação aposta no contrato de trabalho não é idónea ao pretendido desiderato, de justificar a aposição do termo.
Daí que não ocorreu a aventada violação dos artigos 6.º, n.º 1 e 411.º do CPC e, nos termos do art. 595.º/1 al. b) do CPC (ex vi do art. 1.º/2 al. a) do CPT) podia o Tribunal recorrido avançar, como fez, para a prolação de saneador sentença e conhecer do mérito da causa.[4]

Destarte, e concordando com o parecer da Exm.ª PGA quando expende que “não foi violado o contraditório, nem a decisão conheceu de questões de que não pudesse desde já tomar conhecimento”, resta-nos concluir pela não verificação da arguida nulidade.

- Da impugnação da matéria de facto:

Pretende a recorrente o aditamento à matéria de facto provada:
Sob facto n.º 4:
“…nomeadamente:
- Execução de Projeto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística, e das Lojas;
- O aludido projeto foi criado para dar resposta a exigências urgentes e extraordinárias (em virtude da atual conjuntura social, económica e geopolítica mundial);
- Prioridade da antecipação da transformação da Empresa, modificações na organização, estrutura e negócio, e integração funcional e departamental e distribuição geográfica; 4
- Manifesta volatilidade do tráfego de correio em geral, e inconstância do mercado do setor postal – cuja causa se destaca a guerra e a pandemia; 5
- Diminuição do volume de tráfego postal; 6
- Transformação tecnológica do setor postal e a exigência de investimento forte
num mercado cada vez mais competitivo, 7”

Não se percebe, com rigor, que factos pretende a recorrente que, referentes a esta matéria, sejam aditados, até porque, quer na fundamentação do recurso quer, de modo particular, na Conc. 13.ª, sugere uma redacção que em diversos pontos é manifestamente conclusiva.

De todo modo, e como resulta do que infra melhor se exporá, trata-se de matéria que (atenta a invalidade formal da justificação do termo aposta no contrato) não é relevante para a boa decisão da causa.
Pelo que se mostra desnecessário prosseguir na análise deste ponto da questão.[5]

Pretende também a recorrente que se adite à matéria de facto provada, sob o n.º 5:
“A Ré pagou à Autora, a título de compensação, o valor de € 322,66, conforme resulta do recibo de vencimento junto aos autos – vide doc. 1 junto à contestação”.
No art. 75.º da contestação a ré efectivamente alegou:
Caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, e caso considere o Tribunal ter ocorrido o alegado despedimento ilícito – o que, de todo, não se concede – sempre deverão ser deduzidos os eventuais valores que a A. auferiu com a cessação do contrato sob análise (subsídio de desemprego; retribuições;…) e, bem assim, a compensação paga pela R. à A. no valor de € 322,66 (cf. recibo de vencimento que se junta como documento n.º 1).”
O autor (tendo apresentado o acima mencionado requerimento a fim de, notificado que foi da contestação apresentada pela ré, exercer o contraditório) nada opôs ao alegado pagamento, e nada disse quanto ao documento junto com a contestação, designadamente não pôs de alguma forma em causa a veracidade do seu conteúdo.

Sob o n.º 3 dos factos provados já consta, é certo, que “3. A ré pagou à autora os quantitativos apostos no recibo da ref. n.º ...49 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), os quais perfazem o valor global de € 1.332,53.”.
Mas este valor global (constante do recibo junto, como doc. 1, com a PI – recibo de Nov./2023) reporta-se a rubricas que não incluem o valor alegado pela recorrente, incluído sim no recibo junto com a contestação, referente ao mês de Dez./2023.

Assim e concluindo, tem razão neste ponto a recorrente, pelo que em conformidade se adita aos factos provados:
4. A Ré pagou à Autora, a título de compensação, o valor de € 322,66, conforme resulta do recibo de vencimento junto aos autos – vide doc. 1 junto à contestação

- Do erro na aplicação do direito -
Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
O contrato de trabalho sujeito a um termo certo resolutivo deve observar a forma escrita (cfr. artigo 141.º, n.º 1, do C.T.), mas tais exigências de forma abrangem a necessidade de o negócio conter a duração previsível do contrato e do respectivo motivo justificativo (cfr. artigo 141.º, n.º 1, e), do C.T.), com menção expressa dos factos que o integram e estabelecendo-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (cfr. artigo 141.º, n.º 3, do C.T.), o que se compreende, pois o artigo 140.º, n.º 1, do C.T., impõe que o contrato de trabalho a termo resolutivo só possa ser celebrado “para a satisfação de necessidades temporárias, objectivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”.
Da conjugação dos artigos 140.º, n.ºs 1 e 2 e 141.º, n.ºs 1, al. e) e 3, do C.T., extrai-se que “(…) tem que constar expressamente no contrato escrito, não só o motivo justificativo com a menção expressa dos factos que o integram, como também a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (…) para além de se impor que sejam verdadeiros os concretos factos invocados como motivo justificativo, apenas esses podem ser atendidos na aferição da validade do termo e da efemeridade da situação (…)”, como se propugna no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/2019, relator Ribeiro Cardoso3, sendo ainda de relevar que “(…) o nexo de causalidade entre o motivo justificativo e o termo aposto no contrato de trabalho deve transparecer dos factos inseridos no texto do acordo, sob pena de nulidade da cláusula contratual (…) o motivo não pode ser vago ou obscuro, nem pode limitar-se à transcrição das fórmulas legais, nem ao uso de expressões abstractas e não sindicáveis. Em suma, do texto tem de transparecer com suficiente clareza porque motivo foi o trabalhador contratado só por um determinado período de tempo e não segundo o regime geral de contrato indeterminado (…)”, conforme se conclui no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/02/2023, relatora Maria Leonor Barroso4.
“In casu”, resulta do contrato de trabalho outorgado em 18/05/2023 que a ré apresentou uma extensa contextualização das circunstâncias em que recorria aos préstimos da autora:
pretendia-se a satisfação das necessidades temporárias da empresa resultantes da execução de um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que não se encontra integrado nos programas normais de exploração ou conservação da empresa;
esse serviço determinado consiste no Projecto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística e das Lojas;
o Projecto de Reestruturação foi criado em resposta às exigências urgentes e extraordinárias da actual conjuntura social, económica e geopolítica mundial e dos inerentes reflexos destas na dinâmica do comércio postal nacional e internacional, que se estima durar até, pelo menos, 31/01/2024;
as necessidades de recurso à contratação temporária pela empresa resultam da instabilidade da actual conjuntura social, económica e geopolítica mundial, e da consequente inconstância do mercado do sector postal, que se reflectem na manifesta volatilidade do tráfego de correio em geral, dependente e moldado aa sabor das ocorrências excepcionais que condicionam o comércio de hoje conhecidas de todos, mas absolutamente exteriores alheias e não manipuláveis por qualquer entidade privada;
a instabilidade acusa uma elevada intensidade e uma acentuada frequência nas movimentações dos valores, do sentido e das características do fluxo de objectos postais e inviabiliza qualquer previsão da quantidade, da qualidade e da duração dos postos de trabalho que devem ser mantidos, terminados ou modificados, após uma estabilização consolidada, que se estima ocorrer num futuro não próximo;
a empresa não consegue prever o respectivo impacto sobre a economia portuguesa, sobre o mercado postal global e sobre o negócio em concreto, de modo a aferir as necessidades do tipo, das modalidades, do número e da duração dos vínculos que precisa manter, alterar ou outorgar — quadro que demonstra a existência de uma fase organizacional de contingência, o que, por sua vez justifica o confinamento das opções de contratação às variantes temporárias, porquanto nenhuma necessidade surge como duradoura e todas as necessidades assumem natureza precária;
as circunstâncias descritas adivinham a prioridade de antecipação da transformação da empresa e anunciam modificações na organização, na estrutura e no negócio, com impacto significativo nos recursos humanos e fortes implicações no recrutamento, envolvendo aspectos relativos à integração funcional e departamental e à distribuição geográfica, que se revelam mudanças incertas perante tantas variáveis;
a volatilidade do tráfego postal foi provocada e contínua a ser mantida pela actual conjuntura mundial, caracterizada por ocorrências de força maior de carácter económico e geopolítico, destacando-se, conforme relatado por autoridades competentes, a pandemia e a guerra na Ucrânia, a que se soma o específico contexto nacional;
o conflito bélico na Ucrânia, ainda sem prevista resolução, tem provocado alterações na dinâmica do comércio internacional e no quadro macroeconómico causando grande incerteza sobre a evolução económica futura mundial: das taxas de crescimento comerciais; redução da criação de emprego e aumento do desemprego; agravamento da volatilidade do mercado financeiro e dos custos financeiros; reforço da ruptura das cadeias de abastecimento e das interrupções do transporte marítimo; aumento da inflação já observado nos preços dos produtos básicos dependentes da energia; aumentos nas taxas de juros dos países desenvolvidos, e oneração da capacidade de financiamentos;
permanecem como factores interruptores nas cadeias de abastecimento e desaceleradores do comércio internacional, não apenas o contexto da pandemia Covid-19, que continua a constituir uma preocupação de saúde pública, atingindo pontos críticos, e os vários cenários de crise que se sucedem em diferentes geografias;
em Portugal, a esta situação soma-se o crescendo da incerteza em relação à economia, atenta a vulnerabilidade ao ambiente internacional. a elevada dependência energética externa e o aumento dos preços internos; a diminuição do volume de tráfego postal; o crescimento do salário mínimo acima da inflação; a transformação tecnológica no sector postal e a exigência de investimento forte num mercado cada vez mais competitivo; e a imprevisibilidade dos efeitos das alterações da legislação laborai no mercado de trabalho;
a presente contratação é precária e não visa perdurar (para além da data em que o referido projeto atingir os seus objectivos); tem como finalidade satisfazer as necessidades de contratação temporárias e transitórias (delimitadas pela duração do projecto delineado pela conjuntura excepcional acima descrita); objectivamente definidas pela Empresa (no contexto particular do negócio postal atenta a conjuntura actual); pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades (até ao termo do Projecto que dependerá da estabilização da conjuntura actual);
Contudo, apesar de enunciar todas estas razões, não se divisa uma efectiva menção expressa dos factos que integram o motivo justificativo de a ré contratar a autora por um prazo inicial de 6 meses, para exercer as funções de Técnica de Negócios e Gestão nos vários estabelecimentos indicados na cláusula 1.ª do contrato.
Com efeito, nesta descrição do contrato de trabalho não se divisa uma caracterização em concreto do Projecto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística e das Lojas (v.g. quais as intervenções preconizadas no âmbito do projecto, as fases de implementação e as áreas intervencionadas) e, em concreto, não se esclarece em que termos os estabelecimentos indicados na cláusula 1.ª do contrato seriam abrangidos por tal projecto de reestruturação (v.g. quais os segmentos intervencionados, os objectivos visados e os prazos de implementação no C.D.P. em concreto), para se poder compreender se o recurso à contratação da autora, por seis meses, para exercer as funções de Técnica de Negócios e Gestão nesses estabelecimentos, se revela justificado (v.g. por exemplo, não são sequer afloradas as circunstâncias aventadas na contestação, ora veiculadas para melhor compreensão da dinâmica do projecto de reestruturação, o que retira relevo à discussão encetada pela ré nesse articulado acerca do pretenso cumprimento do projecto de reestruturação e à harmonia dessa implementação com a vigência do contrato de trabalho celebrado com a autora).
Pelo contrário, indica-se de forma genérica que existe um Projecto de Reestruturação e que este se justifica pela grande incerteza da actividade económica prosseguida pela ré (elencando os conflitos bélicos, a pandemia, a crise do serviço postal e quase todos os outros possíveis focos de incerteza para o negócio da distribuição postal), procurando-se explicar a contratação da autora por razões tão vagas e difusas que no limite permitem enquadrar toda e qualquer contratação (seja um trabalhador em ..., ..., ..., ..., ou noutra localidade onde a ré exerce a sua actividade).
Ademais, não se logra estabelecer qualquer relação entre o prazo de seis meses e os motivos invocados para a celebração do contrato, ou seja, não se explica, perante aquela fundamentação qual o motivo para se contratar pelo prazo escolhido e não por um prazo mais curto ou um prazo mais extenso.
(…)
Adicionalmente, cumpre salientar que a justificação apresentada pela ré para a contratação a termo da autora desconsidera que:
a contratação a termo não pode ser justificada como forma de evitar o normal risco associado à prossecução da actividade desenvolvida pelo empregador fora dos casos legalmente previstos (v.g. as hipóteses previstas nas alíneas e), f), g) e h) do n.º 2 e na alínea a) do n.º 4 do artigo 140.º do C.T., não convocáveis no caso concreto), mas parece ser essa a intenção da ré ao apelar a todas as contingências em que desenvolve a sua actividade para justificar o recurso ao contrato a termo certo;
“(…) a execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, enquanto motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo refere-se à execução de tarefa que não corresponde à normal actividade da empresa ou, em alternativa, a situações que podendo ou não ser estranhas a tal actividade, têm, no entanto, uma duração transitória pré-determinada, um serviço de duração limitada (…), pressuposto que não se verifica com o serviço invocado pela ré, pois este prende-se com a reestruturação da sua actividade principal, o seu “core business” (v.g. distribuição do serviço postal);
Em suma, conclui-se que no contrato de 25/05/2023, outorgado pela autora, não consta uma efectiva menção ao motivo justificativo para a ré recorrer ao contrato a termo, ao contrário do que se impunha.
Como a indicação do motivo justificativo deve constar de documento escrito, a falta ou insuficiência de tal indicação implica a invalidade do termo (cfr. artigos 147.º, n.º 1, al. c), do C.T. e 220.º do Código Civil) sendo essa nulidade absoluta susceptível de conhecimento oficioso (cfr. artigos 286.º do Código Civil e 579.º do C.P.C.), conforme se conclui no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/05/2016, relator José Eduardo Sapateiro5.” (sublinhado nosso)

A fundamentação é exaustiva e tem-se por inteiramente correcta, não suscitando a alegação da recorrente a necessidade de novas abordagens ou sequer a necessidade de quaisquer complementos.
Resta-nos, pois, confirmar o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido, adiantando algo mais a propósito apenas para sublinhar o acerto da posição, na linha da orientação sufragada no acórdão desta Relação, com o mesmo colectivo, proferido no âmbito do Proc. 1600/24.9T8VRL.G1.

Assim, o artigo 140.º do CT estabelece:
Admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo
1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.
2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:
a) Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar;
b) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento;
c) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição;
d) Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado;
e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;
f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;
g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;
h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, só pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação referida em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h) do número anterior.
4 - Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para:
a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos;
b) Contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração.
5 - Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto em qualquer dos n.os 1 a 4.” (realce nosso)

Resulta claro da lei – em cumprimento, aliás, de um princípio constitucional, inscrito no art. 53.º da CRP -, pois, que a contratação a termo constitui uma excepção ao carácter tendencialmente duradouro do contrato de trabalho.
Como em acórdão da RG desta mesma data em que o ora relator intervém como adjunto (e é relatora a ora 2.ª adjunta) se diz:
Relembramos o carácter excepcional da contratação a termo e a imperatividade do seu regime que, de todo, não pode ser afastado por vontade das partes e que apenas em aspectos restritos o pode ser por instrumento de regulamentação colectiva  -139º CT.  A opção do legislador visa a estabilidade e segurança no emprego, princípios que gozam de protecção constitucional e internacional. A contratação a termo significa precaridade laboral que, por atentar contra tais valores, só se justificará em estritos casos de necessidades temporárias - 53º CRP, Convenção nº 156 da OIT e Directiva 1999/70/CE do Conselho de 28/60/1999. Numa outra vertente, a contratação a termo, fora do circunstancialismo que a justifica, ao permitir o fim do contrato sem invocação [6]de causa, colide com a proibição do despedimento que requer um motivo válido para a cessação do contrato.”

Ora, não obstante a validade da motivação não dever ser apreciada em termos rigoristas mas com “razoabilidade e sensatez”, no caso em apreço a justificação apresentada é, apesar de prolixa, tão vaga e genérica que não permite identificar qualquer actividade temporária, concretizada num “serviço precisamente definido e não duradouro” - como pretende a recorrente - que eventualmente permitisse justificar a contratação da autora a termo certo, mais parecendo, atento a justificação consignada, que toda a actividade da recorrente entrou numa fase de precaridade e contingência temporal, sem fim à vista, o que resulta, aliás, expressamente de tal justificação quando aí se fez constar “(…) o que, por sua vez justifica o confinamento das opções de contratação às variantes temporárias, porquanto nenhuma necessidade surge como duradoura e todas as necessidades assumem natureza precária”.

Com efeito, é impossível determinar, face à vaguidade da fundamentação que consta do contrato, em que consiste o aludido Projecto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística e das Lojas, desde logo se abrange todos os Centros e Lojas detidos pela recorrente ou quais em concreto abrange, e do que estamos mesmo a falar quando se usa o termo «projecto de reestruturação», o que é em concreto reestruturado, se é que alguma coisa o é efectivamente, e (se o fôr) atento o projectado fazer, qual o tempo previsível para a sua conclusão.
Se assim é, como claramente é o caso, onde descortinar, então, o serviço determinado a que a recorrente alude?
Que factos pode o julgador averiguar e sopesar para sindicar, quanto ao fundo, a justificação do termo aposto no contrato?[7]
É manifesto que nada de relevante para tal consta do contrato de trabalho a termo certo ora em análise, e não pode agora a ré/recorrente suprir esse vício.

Reafirma-se assim a razão do Tribunal recorrido quando defende que, não obstante a sua extensão, a cláusula aposta no vínculo celebrado entre as partes não permite apreender a que projecto se refere a apelante, nem qual é a associação entre ele e as concretas funções que a apelada foi contratada para exercer, e nem, tão-pouco, o estabelecimento de qualquer nexo entre a contratação a termo e a realidade temporária a cuja satisfação se destina.[8]

Também se diga que não pode proceder o argumento da recorrente de que “Não pode ser exigido à Empregadora, ir para além da ampla justificação partilhada com os trabalhadores, sob pena de promover a partilha ilegítima de informação interna do seu seio organizacional, em violação do sigilo do próprio negócio.”, pois que se torna evidente que a justificação partilhada – que o deve ser no próprio contrato de trabalho, insiste-se – não pode ser tão ampla que simplesmente não cumpra as exigências legais, e ademais não passando a alusão à “partilha ilegítima de informação”, nos termos em que é feita, a uma mera petição de princípio.

Concordamos assim com o parecer do M.º P.º quando nele se expende “Não se concretizam os motivos e não resulta do contrato que estivesse em causa uma situação transitória que, mesmo que não fosse estranha à normal atividade da recorrida, tivesse duração pré-determinada.

Contudo, e finalmente, impõe-se percutir a supra determinada alteração da matéria de facto no enquadramento jurídico dos factos.
Donde, às importâncias mandadas deduzir ao valor corresponde às remunerações previstas no artigo 390.º, n.º 1, do C.T. temos de acrescentar o valor de € 322,66, que a ré pagou à autora a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho (e sendo que a ré foi condenada a reintegrar a autora).

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, altera-se a redacção da al. d) do dispositivo nos seguintes termos:
 d) Condenar a ré EMP01..., S.A. a pagar à autora AA a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., quanto às remunerações previstas no artigo 390.º, n.º 1, do C.T., deduzidas das importâncias estabelecidas no artigo 390.º, n.º 2, al. a), b) e c), do C.T. e da importância de € 322,66 (trezentos e vinte e dois euros e sessenta e seis cêntimos), que a ré pagou à autora a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, sendo tal quantia acrescida de juros de mora, calculados nos termos supra referidos – cfr. artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C.
Quanto ao mais, confirma-se a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção de 19/20 e 1/20, respectivamente.
Notifique.
Guimarães, 04 de Novembro de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Vera Maria Sottomayor


[1] Proc. 10888/14.2T8PRT-A.P1, MIGUEL BALDAIA DE MORAIS, www.dgsi.pt
[2] 14727/17.4T8PRT-A.P1, CARLOS PORTELA, www.dgsi.pt
[3] Incidindo sobre uma situação de facto semelhante, Ac. RL de 10-09-2025, Proc. 9495/24.6T8LSB.L1-4, SUSANA SILVEIRA, www.dgsi.pt, em que, conforme o respectivo sumário, se dicidiu: “…III. A indicação dos factos concretos e circunstâncias integradoras do motivo justificativo da celebração de um contrato a termo constitui formalidade ad substantiam insusceptível de suprimento por qualquer outro meio de prova que não seja a do próprio documento onde foi exarado o contrato de trabalho….”
[4] cf. Alcides Martins, CPT e Legislação Complementar Anotados, Almedina, pags. 75/76.
[5] Cf. art. 130.º do CPC e, a título de ex., Ac. STJ de 14-07-2021, Proc. 65/18.9T8EPS.G1.S1, FERNANDO BAPTISTA, www.dgsi.pt
[6] Proc. 5478/24.1T8VNF.G1
[7] Como se sintetizou (cf. ponto II do respectivo sumário) em Ac. da RC de 02.5.2013, Proc. 273/12.6T4AVR.C1, AZEVEDO MENDES, www.dgsi.pt , “A necessidade legal de justificação surge em função da possibilidade de certeza no controlo judicial da realidade do fundamento, isto é importa que a formulação da justificação contenha uma “chave de leitura” precisa e concreta (sem possibilidade de (re)invenção do caso) que permita o controlo judicial”, justificação que, pelo anteriormente dito, não se alcança neste caso tenha – em tais termos – sido feita constar do contrato.”
[8] Incidindo sobre uma situação de facto semelhante, Ac. RL de 10-09-2025, Proc. 9495/24.6T8LSB.L1-4, SUSANA SILVEIRA, www.dgsi.pt, em que, conforme o respectivo sumário, se dicidiu:
III. A indicação dos factos concretos e circunstâncias integradoras do motivo justificativo da celebração de um contrato a termo constitui formalidade ad substantiam insusceptível de suprimento por qualquer outro meio de prova que não seja a do próprio documento onde foi exarado o contrato de trabalho.
IV. Tendo a entidade empregadora, com vista a legitimar a contratação a termo do trabalhador, recorrido a fundamentação que não contém a indicação dos factos concretos e das circunstâncias integradoras do motivo que a justifica e cuja densificação, pela sua generalidade, não permite alcançar a correspondência entre os fundamentos invocados e o termo estipulado, é de concluir que entre as partes vigora um contrato sem termo desde a data da sua celebração.