PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA EXECUÇÃO
REGIME DE PROVA
INCUMPRIMENTO DE DEVERES
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Sumário

I. O condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, tem, entre outros assinalados na lei ou fixados no próprio regime de prova, o dever de estar contactável, comunicar a mudança de residência e informar o lugar onde pode ser encontrado, quando se ausenta por mais de 5 dias (decorrentes estes do Termo de Identidade e Residência prestado - artigo 196.º, § 3.º als. b) e c) CPP).
II. Tais deveres mantêm-se até à extinção da pena (artigo 214.º, § 1.º, al. e) CPP).
III. O incumprimento grosseiro a que se reporta o artigo 56.º, § 1.º, al. a) CP, que leva à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, é o que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido, ou leviandade, aqui se incluindo, obviamente, a colocação intencional em situação de não cumprir quaisquer deveres ou regras de conduta inerentes ao regime de prova decorrente da pena aplicada, designadamente por ausência para local desconhecido.
IV. Verificando-se a violação grosseira desses deveres quando o condenado assume atuação indesculpável, em termos de o cidadão comum nela não incorrer; e que a comunidade não tolera nem desculpa.
V. Não exigindo nem pressupondo a lei que o comportamento desviado do dever seja necessariamente doloso, nele se incluindo até o «esquecimento» de deveres elementares.

Texto Integral

ACÓRDÃO
I - Relatório

a. Por sentença transitada a 9/11/2022, foi AA, nascido a …/…/1953, com os demais sinais dos autos, condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.º, § 1.º do Código Penal (CP), numa pena de 11 meses de prisão suspensa na sua execução por 12 meses, com regime de prova, neste se incluindo o pagamento de 600€ ao Centro de Medicina de Reabilitação do …; e a frequentar o programa «…» da DGRSP.

Na sequência de informações da DGRSP no sentido de não terem sido cumpridas as obrigações constantes do regime de prova, foram realizadas diligências visando a audição do condenado1. Mas goradas estas, a Mm.a Juíza do Juízo Local Criminal de … proferiu o seguinte despacho:

«O arguido AA foi condenado nos presentes autos de processo abreviado, por sentença proferida em 10.10.2022, transitada em julgado em 09.11.2022, na pena de 11 (onze) meses de prisão, suspensa na sua execução por 12 (doze) meses, sujeita à obrigação de entrega da quantia de 6()0,00€ (Seiscentos euros) ao Centro de Medicina e Reabilitação de …, a comprovar nos autos durante o período de suspensão e à obrigação de frequentar o programa "…", administrado pela D.G.R.S.P.

Sucede que, de acordo com os relatórios da DGRSP, pese embora aquela entidade por diversas vezes e por diversas formas — quer através do envio de comunicação postal, quer através de notificação por contacto pessoal através de OPC — tenha tentado contactar o arguido, nunca foi possível chegar ao contacto com o mesmo, apesar de este ter recebido as convocatórias para comparência naquele organismo na morada por si indicada aquando da prestação do TIR.

No que concerne à obrigação de pagar a quantia acima mencionada ao Centro de Medicina e Reabilitação de …, não existe nos autos qualquer elemento comprovativo que demonstre a realização do pagamento a que o condenado estava obrigado.

Acresce que, tendo sido determinada a audição do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 495º, nº 2 do Código de Processo Penal, este não compareceu nem justificou a sua ausência.

Verificou-se então que o arguido deixou de estar contactável c se ausentou da morada indicada nos autos, desconhecendo-se o seu atual paradeiro.

O Ministério Publico promoveu a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido.

Foi o arguido notificado da douta promoção na pessoa do seu Ilustre Defensor que se pronunciou nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento sob a ref. …, pugnando pela realização de pesquisas nas bases de dados disponíveis, com vista ao apuramento de morada atualizada do arguido.

Cumpre apreciar.

Dispõe o art. 56.ºº n.º 1, al. a) do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado «Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de condutas impostos ou o plano de reinserção social.»

Atendendo a que o arguido inviabilizou o acompanhamento da medida aplicada, revelando total desinteresse pelo cumprimento do regime de prova imposto aquando da suspensão da pena de prisão, não comparecendo às entrevistas agendadas, colocando-se Incontactável e abandonando a residência conhecida nos autos sem indicar nova morada, julgamos que as finalidades que motivaram a suspensão já não podem ser alcançadas por tal meio, devendo-se, em consequência, determinar o cumprimento da pena de prisão aplicada (art. 56º nº 1, a) e nº. 2 do CP). , em conformidade com a promoção que antecede.

Com efeito, tendo em conta o lapso de tempo decorrido e a conduta processual do arguido que inicialmente até entregou a sua carta de condução para cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir que lhe foi aplicada, mas depois não mais contactou o tribunal, não informou qualquer alteração de morada nem compareceu na DGRSP quando convocado, forçoso é concluir que se quis eximir à condição da suspensão de execução da pena de prisão, revelando manifesto desrespeito pelas suas obrigações e, como tal, estamos perante uma violação grosseira dos deveres Impostos na sentença.

O Ilustre Defensor do arguido vem requerer que sejam realizadas pesquisas nas bases de dados disponíveis na tentativa de trazer o arguido a tribunal para a sua audição.

Ora, para além de ser uma obrigação decorrente do TIR prestado pelo arguido a informação ao tribunal de qualquer alteração de residência ou afastamento do território, a qual foi explicada ao arguido, é ainda de considerar que entre o momento em que o arguido se dirigiu ao tribunal para entregar a sua carta de condução e a primeira notificação realizada pela DGRSP apenas decorreram 7 meses o que reforça a convicção do tribunal de que o arguido quis, efetivamente, eximir-se ao cumprimento das obrigações e do regime de prova impostos na sentença condenatória. O arguido não respondeu às convocatórias da DGRSP nem do tribunal, e considera-se regularmente notificado das mesmas porquanto foram remetidas para a morada que o próprio, uns meses antes, indicou no TIR, pelo que as pesquisas solicitadas consubstanciam um ato inútil e desnecessário na medida em que, ainda que se viesse a encontrar nova morada e o arguido ali fosse notificado nos mesmos moldes, tudo indicia que o arguido não compareceria em juízo e, mesmo que comparecesse, não deixaria de estar verificada, por parte daquele. uma violação grosseira dos deveres impostos na sentença.

Pelo exposto, declara-se revogada a suspensão da execucão da pena de prisão de 11 (onze) meses aplicada nestes autos e, em consequência, determina-se o seu cumprimento pelo arguido AA.

Notifique.

Oportunamente emitam-se os competentes mandados de detenção e condução do arguido ao EP.»

b. Não se conformando com esta decisão, dela veio recorre o condenado, formulando deste modo as conclusões da sua motivação (transcrição):

«(…)

2. Durante o período da suspensão, não foi liquidada a importância de 600€ ao Centro de Medicina e Reabilitação de … e desconhece-se se foi notificado para frequentar o programa "…".

3. Dado que alterou a residência e não comunicou ao tribunal como era seu dever, foi notificado apenas uma vez, para a diligência a que se refere o n. 2 do artigo 495.º do CPP.

4. Apesar de ter sido requerido ao tribunal que se efetuassem diligências através de pesquisa de bases de dados que permitissem apurar o seu atual paradeiro e a sua apresentação em tribunal, reunindo as condições necessárias e indispensáveis para um cabal esclarecimento do incumprimento por parte do arguido (previamente à decisão de revogação), o tribunal "a quo" considerou que seria um ato inútil.

5. Acresce que ainda formulou juízos de valor conclusivos e completamente inaceitáveis, quando refere " tudo indicia que o arguido não compareceria em Juízo e, mesmo que comparecesse, (sem conhecer qual a razão ou razões que o arguido invocasse), não deixaria de estar verificada, por parte daquele, uma violação grosseira dos deveres impostos na sentença

6. Por outro lado, o incumprimento tem de ser aferido e demonstrado em concreto, não bastante a constatação que decorreu um período de tempo alargado, sem que a condição se mostre cumprida, como faz o tribunal "a quo" ao afirmar tendo em conta o lapso de tempo decorrido

7. Constata-se também que a notificação efetuada ao arguido, em 22 de abril de 2024, com a referência … não consta qualquer advertência que a diligência podia ser efetuada na sua ausência.

8. A referida notificação também não se encontra traduzida na língua do seu país e o arguido não compreende a língua portuguesa.

9. O facto da audiência se ter realizado na ausência do arguido, acrescida da circunstância de a notificação para a realização da audiência não conter a advertência de que esta se realizaria mesmo que o condenado se encontrasse ausente, não se encontrar traduzida para a língua do seu país e ainda o fato do tribunal a quo não ter encetado qualquer esforço no sentido de garantir a presença do arguido na mesma (nomeadamente através do 116.º, n.º 2 do C.P.P. despoletou a nulidade insanável prevista no artigo 119.º. al. c). a qual se aqui para todos os efeitos legais.

10. Acresce que nos casos de penas de prisão até 2 anos (no caso concreto dos autos a pena de prisão é de 11 meses), a privação de liberdade só pode ter lugar como "ultima ratio, isto é. quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas nos artigos 550.º e 430.º do Código Penal "

11. Dada a revogação da pena suspensa (efetuada na ausência do arguido), com juízos de valor conclusivos, completamente inaceitáveis e à margem do direito, não tendo sido efetuado qualquer esforço por parte do tribunal no sentido de garantir a sua presença (antes da revogação) invoca-se nulidade insanável nos termos do artigo 119.º al. c) do C.P.P.

12. No caso concreto dos autos deve determinar-se a revogação objeto da presente impugnação, devendo ser substituído por outro que pondere alguma das soluções previstas no art.º 55.º do Código Penal.

13. Ou se assim não for entendido deve facultar-se ao arguido a possibilidade de cumprir a pena de prisão de 9 meses, no regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43.º do Código Penal, verificada a nulidade do douto despacho, existindo omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º n.º 1 alínea c) do C.P.P.

14. Normas jurídicas violadas

- Constituição da República Portuguesa: 32.º/2 e 7

- Código Penal : arts. 43.º e 55.º

- CPP: 61.º/1-b, 116.º/2, 119.º/al. c), 379.º/1 al. c), 495.º/2

- Convenção Europeia dos Direitos do Homem: 6.º»

c. Na sua resposta o Ministério Público concluiu desta forma:

«1 - Adiantando-nos desde já à parte final da presente resposta, afigura-se-nos que assiste salvo o devido respeito por opinião contrária, alguma margem de razão ao Recorrente, em relação ao ponto sobre que incidiu o recurso por si apresentado, afigurando-se-nos por isso justa a eventual substituição do d. despacho recorrido por outro que designe data para audição do arguido e das testemunhas que possam por ele ser indicadas.

2 - Ora, estabelece o art.º 56, n.º 1, do C. Penal, que “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado:

c) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.

d) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”

3 - Face ao alegado pelo arguido não terá sido esvaziado salvo melhor opinião o conteúdo educativo e pedagógico que se pretendia obter com a suspensão daquela pena.

4 - Assim, não será de ao abrigo do art.º 56, n.º 1, al. a), do C. Penal, se proceder à revogação da decretada suspensão da execução da pena, não tendo assim, por ora, o arguido, em consequência de tal revogação, de cumprir a pena de 11 meses de prisão efetiva.

5 - Assim sendo, não se pugna não obstante o d. despacho judicial recorrido que se revogue desde já a suspensão da execução da pena de 11 meses de prisão, antes se aceitando o proposto no recurso apresentado, considerando-se também o largo período de tempo decorrido desde a prática dos factos pelos quais foi condenado, nestes autos.

Nestes termos e nos demais de direito que os Venerandos Desembargadores se dignarão suprir, concedendo provimento ao recurso e, em consequência revogando o d. despacho judicial recorrido, V. Excelências, agora, como sempre, farão JUSTIÇA.»

d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público pronunciou-se, no essencial, nos seguintes termos:

«(…) temos solidificado o entendimento que cabe ao arguido / condenado a obrigação de manter contato com o Tribunal respeitando as obrigações decorrentes da prestação do TIR (artº 196 CPP).

Igualmente, é nosso entendimento, que o arguido / condenado deve manter contacto com a DGRSP evidenciando uma postura proactiva e dando cumprimento à solene advertência que lhe foi feita na leitura da sentença1.

O que se evidencia nestes autos (e noutros de igual índole) é uma postura por parte do arguido / condenado de alheamento e “deixa andar” que coloca, desde logo, em crise o bem fundado da suspensão da execução da pena.

O arguido / condenado têm uma panóplia de obrigações que deve cumprir uma vez que beneficia de uma oportunidade que lhe foi concedida pelo tribunal.

Essas obrigações impendem sobre o arguido, pelo que não cabe ao Tribunal fazer sucessivos esforços no sentido de localizar o arguido.

No nosso modesto entendimento, tal procedimento “subverte” o sistema colocando o ónus sobre o Tribunal e não sobre o arguido.

Sobre esta matéria, com subsídios, temos o Ac. Relação de Coimbra de 24.04.2018, procº 208/14.1GCCLD.C1, onde se refere (sumário - síntese):”…

IV – Mas também a jurisprudência se pronuncia no sentido de que não será tal audição do condenado presencial, apenas, se inequivocamente dada essa possibilidade ao arguido só por culpa dele a mesma não foi levada a cabo, ou porque faltou à diligência, ou porque se ausentou sem rasto da morada constante do TIR, etc.

V – A inviabilização da audição presencial - por comportamento imputável ao próprio arguido - não contagia nem compromete o exercício do contraditório na vertente de direito de audiência.

VI – Tendo o Tribunal a quo encetado os esforços exigíveis e possíveis no sentido de ouvir o arguido sobre o incumprimento do plano de reinserção fixado e das demais obrigações a que estava obrigado, a não audição do arguido apenas se deve a culpa sua.

VII – Tendo o arguido incorrido em sucessivos incumprimentos das obrigações que condicionavam a suspensão da execução da pena, quer a sujeição ao plano de reinserção, que o Tribunal flexibilizou até ao limite do admissível e que mesmo assim o recorrente inviabilizou, nunca contactando a equipa da DGRSP nas diversas vezes que se deslocou a Portugal, quer quanto ao pagamento da quantia à APAV cuja entrega lhe incumbia comprovar no processo no prazo de um ano e que também não fez, verifica-se infracção grosseira e repetida dos deveres ou regras de conduta imposto e que o plano individual de reinserção do arguido revelou também que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. …”.

Nessa conformidade e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido / recorrente AA e manter o douto despacho ora posto em crise.»

e. O recorrente não respondeu.

f. Efetuado exame preliminar e nada obstando ao prosseguimento do recurso foram os autos aos vistos e depois à conferência.

II - Fundamentação

1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do(s) recorrente(s), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP)2.

O recurso suscita as seguintes questões:

i. Nulidade da decisão recorrida;

ii. Pressupostos da revogação da suspensão da pena de prisão.

1. Das nulidades apontadas à decisão recorrida

Cabe de introito deixar claro que o regime das nulidades está sujeito aos princípios da legalidade e da tipicidade.

O recorrente alega ter sido cometida a nulidade prevista na al. c) do artigo 119.º CPP.

Tal normativo dispõe que constitui nulidade: «a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.»

Tal norma deverá naturalmente conjugar-se o que preceituam os artigos 113.º, § 1.º, al. c) e 196.º, § 3.º do CPP, segundo os quais o arguido/condenado deve ser notificado para comparecer através de via postal simples, com prova de depósito, mediante carta enviada para a residência constante do Termo de Identidade e Residência prestado, exceto se comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento.

Mostram os autos que quando o condenado era ainda arguido, prestou Termo de Identidade e Residência, assumindo então os deveres que neste se integram, tendo ademais tomado conhecimento das regras nele consignadas, designadamente as constantes do seu § 2.º e das als. c) e e) do § 3.º do artigo 196.º CPP. Isto é, que até à extinção da pena em que pudesse vir a ser condenado, as posteriores notificações ser-lhe-iam feitas por via postal simples para a morada indicada no § 2.º, exceto se comunicasse uma outra.

Tal preceito reporta-se naturalmente não apenas ao arguido, mas também ao condenado («até à extinção da pena»), em estrita articulação com a al. e) do § 1.º do artigo 214.º CPP.

Nesta matéria cabe fazer referência à interpretação fixada pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça3 relativamente ao § 9.º do artigo 113.º CPP:

«I. Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.

II. O condenado em pena de prisão suspensa continua afeto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coação de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’).

III. A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).

E é esse o sentido que vem seguindo a jurisprudência dos Tribunais da Relação.4

Temos, pois, por seguro que a audição do condenado anterior à decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão é um verdadeiro corolário das garantias de defesa, consagrada no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Porém, nas circunstâncias do presente caso - como abundantemente evidenciam os autos - a presença do condenado na diligência prevista no artigo 495.º CPP, foi inviabilizada pelo próprio, que incumpriu os deveres que assumira no Termo de Identidade e Residência. E só por essa razão a diligência se não realizou segundo o melhor figurino, que é aquele que permite a imediação com contraditório.

A ideia que transparece da norma contida no artigo 495.º CPP é efetivamente a de presencialidade e contraditório (ou de um contraditório em imediação5).

Mas inviabilizada a presença do condenado, nos termos referidos, procedeu-se às diligências impostas pelas circunstâncias, nos termos possíveis. Sendo essa a singela e razoável razão pela qual o contraditório se realizou apenas relativamente ao defensor e por escrito.

Isto é, não ocorreu a imediação com o condenado por razões só imputáveis ao próprio. Daí que o contraditório se tenha realizado apenas na medida circunstancialmente possível. Tanto que nele vieram a ser requeridas diligências, as quais, após a devida ponderação, vieram a ser indeferidas.

Irreleva naturalmente, neste contexto, o facto de a nota de notificação ao condenado, de 22 de abril de 2024, com a referência …, não se conter qualquer advertência de que a diligência prevista no artigo 495.º CPP se efetuaria na sua ausência se não comparecesse. Porquanto, conforme já referido, o condenado sabe quais são os seus deveres – dentre eles o de comparecer quando para isso convocado pelo Tribunal, sendo ele quem se colocou na situação de não ser notificado (admitindo que o não foi efetivamente).

O mesmo se dirá relativamente à nota de notificação não ter sido traduzida na sua língua (bem se sabendo que ele dela careceria – visto que na audiência de julgamento esteve presente intérprete). Tal omissão, noutras circunstâncias (com a efetiva notificação do condenado), poderia vir até a constituir uma incontornável nulidade absoluta.6

Mas o curto-circuito ex ante operado pela inviabilidade de notificação – em decorrência da circunstância de o condenado voluntariamente se ter ausentado para parte incerta – tudo condiciona. Até essa putativa nulidade.

As demais invalidades assinaladas como pretensas nulidades, como a afirmação de não ter sido liquidada a importância de 600€; e se desconhecer se foi notificado para o programa «…», não o são efetivamente.

No concernente à «liquidação» do valor a entregar à Associação referida na sentença, a mesma corresponde ao valor ali fixado, não carecendo da realização de qualquer outra!

E a afirmação de o condenado não ter sido notificado para frequentar o programa «…»; ou que deveriam ter-se realizado diligências no sentido de notificar o condenado, não vêm previstas nos artigos 119.º ou 120.º CPP nem em qualquer outro normativo.

Todavia, sempre anotaremos que a DGRSP preparou no âmbito do regime de prova a frequência desse Programa pelo condenado. E de acordo com os relatórios dessa entidade (nos autos), foi tentada, por diversas vezes, seja através de comunicação postal, seja através de OPC dar a conhecer ao condenado os termos do cumprimento desse dever, o que se não logrou… em razão da ausência do condenado para parte incerta, sem comunicação de novo paradeiro.

Por fim, a haver alguma invalidade (que deveras se nos não apresenta nem se cogita – como se deixou dito), sempre se trataria de irregularidade (artigo 123.º CPP), impugnável no prazo previsto no § 1.º daquele retábulo normativo. Sendo seguro que o recorrente não reclamou no prazo legal, porquanto só no recurso suscitou as tais questões, tendo este sido interposto depois da notificação da decisão recorrida.

2. Dos pressupostos da revogação da suspensão da pena

O recorrente alega que não obstante as circunstâncias descritas no despacho recorrido, a suspensão da execução da pena de prisão não deveria ter sido revogada, porque a mesma assenta «em juízos de valor conclusivos, completamente inaceitáveis e à margem do direito»!

Mas isso dito, não se indica que juízos conclusivos sejam esses! Nem que normas de direito foram vulneradas e como!

Por seu turno o Ministério Público, na douta posição adotada junto desta instância de recurso, considera que: os «sucessivos incumprimentos das obrigações que condicionavam a suspensão da execução da pena, quer a sujeição ao plano de reinserção, que o Tribunal flexibilizou até ao limite do admissível e que mesmo assim o recorrente inviabilizou, nunca contactando a equipa da DGRSP nas diversas vezes que se deslocou a Portugal, quer quanto ao pagamento da quantia à APAV cuja entrega lhe incumbia comprovar no processo no prazo de um ano e que também não fez, verifica-se infração grosseira e repetida dos deveres ou regras de conduta imposto e que o plano individual de reinserção do arguido revelou também que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.»

Em boa verdade, neste conspecto, o recorrente limitou-se a «atirar», conclusivamente, com um rol de normas («Constituição da República Portuguesa 32.º/2 e 7; Código Penal arts. 43.º e 55.º; CPP: 61.º/1-b, 116.º/2, 119.º/al. c), 379.º/1 al. c), 495.º/2; Convenção Europeia dos Direitos do Homem: 6.º»), sem indicar de que modo a decisão recorrida as teria vulnerado!

Sintetizemos o quadro fáctico que se nos depara.

O recorrente foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova. Tendo, entre outros assinalados na lei (nos termos que se deixaram referidos), o estrito dever de estar contactável, comunicar a mudança de residência e de informar o lugar onde pode ser encontrado e o mesmo relativamente à simples ausência por mais de 5 dias (artigo 196.º, § 3.º als. b) e c) CPP), deveres estes que se mantêm até à extinção da pena (artigo 214.º, § 1.º, al. e) CPP).

Mas como visto, o condenado/recorrente desrespeitou todas essas normas, com isso inviabilizando o cumprimento das condições de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada. E com isso deu um evidente sinal de indisponibilidade para cumprir a pena que (e nos termos em que) lhe foi aplicada.

O incumprimento grosseiro a que se reporta o artigo 56.º, § 1.º CP, é o que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido, ou leviandade, aqui se incluindo, obviamente, a colocação intencional em situação de não cumprir quaisquer deveres ou regras de conduta inerentes ao regime de prova correspondente à pena aplicada.

Verificando-se a violação grosseira desses deveres quando o condenado assume atuação indesculpável, em termos de o cidadão comum nela não incorrer; e que a comunidade não tolera nem desculpa.

Não exige nem pressupõe a lei, necessariamente, que o comportamento desviado do dever seja doloso, nela se incluindo até o «esquecimento» de deveres elementares, como parece notório no caso concreto.

Nas circunstâncias apuradas, com referência ao presente caso, a falta de cumprimento dos deveres referidos, inviabilizaram a finalidade gizada pela pena aplicada. De tal maneira que mais de 2 anos depois do trânsito em julgado da decisão condenatória; e depois de muitas diligências realizadas para localizar quem tinha o dever de estar contactável; ainda não foi possível encetar o plano de reinserção social.

As tentativas de comunicação da DGRS e do Tribunal com o condenado não lograram resposta. E tudo isso porque este quis tornar desconhecido o seu paradeiro. Ora, tal comportamento, nessas circunstâncias é, no mínimo, culposo e grosseiro, estando por isso verificados os pressupostos de revogação da suspensão da execução da pena de prisão (artigo 56.º, § 1.º, al. a) CP).

Como assim, com os dados disponíveis o Tribunal decidiu o que nas concretas circunstâncias podia e lhe competia: revogou a suspensão da execução da pena de prisão.

3. Da mobilização do regime de permanência na habitação

De modo temerário (uma vez que sem nenhuma espécie de sustentação argumentativa), requer o recorrente que se lhe faculte «a possibilidade de cumprir a pena de prisão de 9 meses, no regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43.º do Código Penal»!

Temos verdadeira dificuldade em compreender esta dimensão do recurso!

Vejamos brevemente porquê.

O regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica (RPH-VE) encontra-se previsto no artigo 43.º do CP - na redação que lhe foi dado pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto -, a qual para isso não alterou apenas o Código Penal, mas também o Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), a Lei da Vigilância Eletrónica (LVE) e a Lei da Organização do Sistema Judiciário, introduzindo alterações significativas ao RPH-VE, no sentido da ampliação das suas possibilidades, de molde a evitar o cumprimento carcerário-institucional de penas curtas de prisão (não superiores a 2 anos).

A opção político-criminal adotada na sequência de avaliação da eficácia das penas de curta duração, em termos de prevenção da reincidência e da reintegração social dos condenados, foi clara: sempre que o Tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução de pena de prisão e o condenado nisso consentir, deverá optar-se por este modo de execução.

Esta modalidade de execução da pena de prisão, que é desde logo muito exigente para o próprio condenado, na medida em que se lhe comete uma grande responsabilidade no cumprimento de regras, designadamente do plano de reinserção social previsto no artigo 222.º-A do CEPMPL (o que logo por si tem efeitos reintegradores), integra-se logicamente no princípio consagrado no artigo 70.º do Código Penal, da preferência que deve dar-se às reações criminais não detentivas, é aplicável - por igualdade de razão – também ao modo de execução da pena de prisão. É o que decorre da circunstância de naquela norma se encerrar um princípio7 com vocação otimizadora do objetivo reintegrador das penas, conforme preconizado no artigo 40.º do mesmo código.

Por mero exercício retórico caberá questionar: no caso de um condenado em pena de prisão suspensa na sua execução com regime de prova, que fugiu à justiça para se furtar ao cumprimento de tal pena (de prisão suspensa na sua execução), poderá o Tribunal, razoavelmente, concluir que por esse meio (cumprimento da pena de prisão na habitação) se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução de pena de prisão?

E se assim fora, em que habitação o cumprimento de tal pena se realizaria?

Temos por evidente não ser para casos deste jaez que a lei previu a possibilidade de cumprimento da pena de prisão fora dos muros desta.

Sendo por demais patente a falta de fundamento deste segmento do recurso. Por isso não carecendo de maior esforço argumentativo/motivador.

Termos em que consideramos não ser o recurso merecedor de provimento.

III - Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em:

a) Confirmar integralmente a decisão recorrida.

b) Custas pelo condenado, as quais se fixam em 6 unidades de conta (artigo 513.º, § 1.º e 3.º do CPP e artigo 8.º Reg. Custas Processuais e sua Tabela III).

Évora, 28 de outubro de 2025

Francisco Moreira das Neves (relator)

Carla Francisco

Beatriz Marques Borges

1 «Condenado» e não «arguido», pois (não por acaso) é desse modo que a lei, após o trânsito em julgado da decisão condenatória passa a designar aquele que foi arguido (cf. Artigos 470.º/2, , º/3, 478.º, 490.º/1, 490.º/3, 491.º/2, 491.º-A/1 e 2, 492.º/1 e 2, 493.º/2 e 3, 494.º/3, 495.º/1 e 2, 496.º/3, 498.º/5, 499.º/1, 2, 4 e 5, 500.º/2 e 3 e 504.º/3 CPP; artigos 61.º a 63.º do CP; e [quase todo] Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade). O condenado tem, evidentemente, direitos, mas não seguramente todos os previstos no artigo 61.º CPP para o arguido, desde logo porque já não beneficia da presunção de inocência, sendo esta garantia fundamental que justifica o estatuto de arguido.

2 Cf. acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 (Fixação de Jurisprudência), publicado no DR, I-A, de 28/12/1995.

3 Acórdão n.º 6/2010, publicado no Diário da República, I-A, de 21mai2010.

4 Cf. por todos, TRLisboa, 23mar2025, proc. 320/11.9GAVFC.L1-5, rel. Ester Santos.

5 Conforme refere Pedro Soares de Albergaria, no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo V, 2024, p. 899.

6 Fazendo uma interpretação conforme à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, fixada no Acórdão do TJUE, Proc. C-242/22 PPU, de 1ago22, com referência às diretivas que consagram o direito à interpretação e tradução e o direito à informação em processo penal (prevista no artigo 120.º, § 2.º, al. c) CPP, com referência ao artigo 92.º, § 2.º CPP e artigos 2.º, § 1.º e 3.º, § 1.º da Diretiva 64/2010/EU e do artigo 3.º, § 1.º, al. d) da Diretiva 2012/13).

7 Sobre a distinção dogmática entre princípios e regras cf. Manuel Atienza y Juan Ruiz Manero, Sobre Principios y Reglas, DOXA, Cuadernos de Filosofia del Derecho, n.º 19, 1991, pp. 101 ss., maxime pp. 108 – Biblioteca Virtual Miguel Cervantes.