CONCURSO DE CRIMES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CARREIRA CRIMINOSA
Sumário

I. Ocorre concurso de crimes determinativo de cúmulo das respetivas penas quando as diversas infrações que estão na sua base foram cometidas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, conforme decorre do disposto nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal.
II. A pena única de 4 anos e 6 meses de prisão só poderá ser suspensa na sua execução se o tribunal se convencer, face à personalidade do arguido, ao seu modo de vida, ao seu comportamento global, à natureza do crime cometido e à adequação da sua personalidade, a ameaça da prisão terá reflexos sobre o seu comportamento futuro; e se em concreto a comunidade suporta essa suspensão da pena, em termo de ter razões para manter a confiança na ordem jurídica e na plena vigência da norma penal violada.
III. Mas havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente para não repetir crimes se for deixado em liberdade, como sucede se o arguido tiver uma longa carreira na prática de factos ilícitos da mesma espécie ou natureza, o juízo de prognose é claramente desfavorável e por isso não poderá mobilizar-se aquela pena de substituição. A qual, pela mesma razão, se mostraria insuportável para a manutenção da confiança da comunidade na efetiva vigência das normas penais em referência.

Texto Integral

ACÓRDÃO
I – Relatório

1. No Juízo Central Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, realizou-se a audiência tendo em vista a realização do cúmulo jurídico de penas aplicadas neste processo ao condenado1 AA, nascido a … de 1981, com os demais sinais dos autos, com as que lhe foram aplicadas nos processos 2794/22.3GBABF (sentença de 4 de julho de 2023); no processo 360/22.2T9LAG (sentença de 6 de novembro de 2023); no processo 97/23.5GBABF (sentença de 18 de maio de 2023), por todas essas condenações, transitadas em julgado, respeitarem a um concurso relevante de crimes.

a. Efetivamente, neste processo 319/22.0PTPTM, por sentença de 14 de junho de 2024, foi aplicada a AA uma pena de 10 meses de prisão e uma pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 2 anos, pela prática, no dia 26 de junho de 2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.º, § 1.º CP, com referência ao artigo 69.º, § 1.º, al. b) do mesmo código.

b. E neste mesmo processo, pela mesma sentença, foi também condenado numa pena de 1 ano de prisão e numa pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 2 anos e 4 meses, pela prática, no dia 28 de novembro de 2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.º, § 1.º CP, com referência ao artigo 69.º, § 1.º, al. b) do mesmo código.

A pena única correspondente ao concurso dos dois referidos crimes (artigo 77.º CP) foi então fixada em 18 meses de prisão e 3 anos e 4 meses de pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados.

c. No processo n.º 2794/22.3GBABF, por sentença proferida a 4 de julho de 2023, pela prática em 15 de novembro de 2022, de um crime de desobediência, previsto no artigo 348.º, § 1.º, al. a) CP, foi condenado numa pena de 6 meses de prisão e uma pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 1 ano e 6 meses;

d. No processo n.º 360/22.2T9LAG, por sentença proferida a 6 de novembro de 2023, pela prática no dia 6 de novembro de 2022, de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º CP, foi condenado numa pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 3 anos;

e. No processo n.º 97/23.5GBABF, por sentença proferida a 18 de maio de 2023, pela prática em 15 de janeiro de 2023, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292.º, § 1.º CP, com referência ao artigo 69.º, § 1.º, al. b) do mesmo código, foi condenado numa pena de 1 ano de prisão e uma pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 2 anos.

Em razão dos dados que se deixaram extratados, o tribunal coletivo considerou – e bem – estarem os crimes cometidos numa relação de concurso superveniente, nos termos previstos no artigo 78.º CP.

Nessa sequência, operando o respetivo cúmulo jurídico, respeitando a regra prevista no artigo 77.º, § 2.º CP, perante a moldura abstrata do concurso de crimes: de 2 anos e 9 meses de prisão (a mais alta das penas parcelares) até 6 anos e 1 mês (a soma de todas a penas de prisão correspondentes aos crimes em concurso); e sendo a moldura abstrata da pena acessória de proibição2 de conduzir veículos com motor, de 3 anos a 11 anos; fixou-se a pena única de prisão em 4 anos de prisão e a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor em 6 anos.

2. Inconformado com esta decisão dela recorre o condenado, sintetizando deste modo a motivação do seu recurso:

«a) O Acórdão recorrido determinou uma pena final de 4 anos e 6 seis de prisão efetiva que na perspetiva do recorrente é excessiva, desequilibrada e pesada, logo injusta e ilegal e que colide com ratio processual penal que presidiu à criação do instituto da pena única de prisão em casos de concurso;

b. A pena única resultante do cúmulo jurídico, deverá ser consequentemente reformada e substancialmente reduzida.

(…)

«tendo em conta a moldura penal cabível e ponderados todos os elementos carreados para o processo, é entendimento do recorrente, que justifica-se uma “intervenção correctiva”, pelo Tribunal Superior, por forma a fixar uma pena única que seja equilibrada e adequada - seguramente não tão pesada como a pena única fixada pelo Tribunal a Quo -, respeitando os critérios legais e que esteja em conformidade com a tutela dos bens jurídicos violados no âmbito dos vários processos em que o recorrente foi condenado, e que se mostre ajustada à culpa do recorrente pelos factos globais praticados e que possa responder às necessidades de prevenção especial, não afrontando os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas, conforme dispõe o artigo 18.º n.º 3 da Constituição de Republica Portuguesa.»

3. Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, dizendo em suma que:

«Nada nos autos permite, com o devido respeito, afirmar que este arguido, sujeito a uma medida suspensiva da pena aplicada, não voltaria a cometer novos crimes.

Bem pelo contrário, o histórico deste arguido demonstra de forma ostensiva que, em liberdade, o mesmo iria, muito provavelmente voltar a praticar novos crimes de semelhante natureza e sempre com um sentimento de total impunidade que, por muitos crimes que cometa, “nada lhe acontece”.

Na verdade, a prática destes novos crimes, denunciam um comportamento preocupante por parte deste arguido, demonstrando que de nada valeram as condenações anteriormente proferidas.

Todas as condenações de que foi alvo evidenciam que o arguido AA atuou com manifesta desconsideração e indiferença não só pelas solenes advertências que lhe foram dirigidas em todos os processos onde foi condenado (alguns deles em penas de prisão efetivas), revelando, pois, o ostensivo insucesso da suspensão da pena de prisão como forma de prevenção geral e especial contra a prática de novos crimes, sendo que a circunstância de, neste momento, se mostrar aparentemente integrado social, familiar e profissionalmente não colhem, nem constituem, com o devido respeito, fundamento bastante para convencer que, com a suspensão da pena de prisão ora aplicada, se lograria, nesta fase, alcançar as finalidades subjacentes à aplicação das penas de prisão efetivas, porquanto aquilo que o arguido demonstrou de forma muito impressiva é que não só não demonstrou verdadeiro arrependimento pelos factos praticados, como tão pouco a circunstância de ter sido condenado em muitos outros processos em nada o demoveram de persistir no mesmo tipo de condutas.

Daí que não se consiga, em consonância com o douto acórdão recorrido, fundadamente, e com o devido respeito por opinião contrária, formular um novo juízo de prognose favorável quanto a este arguido, mormente que, com uma nova suspensão da pena de prisão, não volte a incorrer na prática de outros ilícitos criminais.

E muito embora não se ignore a posição autorizada de FIGUEIREDO DIAS - segundo o qual a pena privativa de liberdade deve apenas ser usada como ultima ratio -, a realidade é que, em face das especificidades que o presente caso apresenta, especialmente no que toca à não adequação das penas anteriormente aplicadas, somos pois a concordar integralmente com a posição vertida pelo Coletivo de Juízes no douto acórdão recorrido que as finalidades que estiveram na base da suspensão de algumas das penas de prisão aplicadas não puderam, por meio delas, ser alcançadas.

Nesta parte, ousamos relembrar as conclusões exaradas no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de março de 2009, ao registar que “se é certo que a sociedade tolera uma certa “perda” de efeito preventivo geral, isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia” – sublinhado e negrito nosso.

De modo que, cotejando todos os referidos elementos, é entendimento do Ministério Público que a pena única aplicada ao arguido AA, além de fundamentada, mostra-se, com o devido respeito, proporcional, adequada e absolutamente necessária, entendendo-se, nessa medida, inexistir qualquer fundamento para modificar a decisão sob recurso.»

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, na intervenção prevista no artigo 416.° do CPP, o Ministério Público secundou no essencial a posição já assumida pelo representante daquele órgão do Estado junto do órgão jurisdicional de primeira instância.

5. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

a. O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Neste caso o condenado cingiu o seu recurso à seguinte questão:

i. proporcionalidade da pena única aplicada pelo tribunal recorrido.

b. Apreciando

b.1 Do concurso de crimes em geral

Ocorre concurso de crimes determinativo de cúmulo das respetivas penas quando as diversas infrações que estão na sua base foram cometidas antes do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer delas, conforme decorre do disposto nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal.

Resulta dos dois citados preceitos normativos que para a verificação de uma situação de concurso de crimes, a punir por uma única pena, se exige que as várias infrações tenham sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas.

Isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infração obsta a que, com esse ilícito ou com outros cometidos até esse trânsito, se cumulem infrações que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito.

O trânsito em julgado de uma condenação penal é, pois, um limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois.3

As regras para a punição de concurso de crimes têm como finalidade permitir que, num certo momento, se possa conhecer, um conjunto de factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido avaliados em conjunto se fossem e tivesse havido contemporaneidade processual.

«Há, assim, para a determinação da pena única, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso, deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projeta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser trazido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime»4.

Mostra-se indubitável - e por isso não vem sequer questionada - a existência de concurso relevante de crimes, determinativo da acumulação das respetivas penas (artigos 77.º e 78.º CP).

b2) Análise das condenações integradoras do concurso de crimes

Enunciam-se graficamente as condenações do recorrente AA:

Processo Data factos Data condenação Trânsito Crime e Penas

319/22.0PTPTM 24jun2022 14jun2024 transitada 292.º/1 CP

10 meses de prisão e 2 anos proibição de conduzir

319/22.0PTPTM 18nov2022 14jun2024 transitada 292.º/1 CP

18 meses prisão e 2 anos e 4 meses de proibição de conduzir

2794/22.3GBABF 15nov2022 4jul2023 transitada 348.º/1 CP

6 meses de prisão e 1 ano e 6 meses proibição de conduzir

360/22.2T9LAG 6nov2013 6nov2023 transitada 152.º/1 CP

2 anos de prisão suspensa por 3 anos

97/23.5GBABF 15jan2023 18mai2023 transitada 1 ano de prisão e 2 anos de proibição de conduzir

O condenado não se conforma é com a pena única alcançada pelo Tribunal recorrido, que considera excessiva e desproporcional.

Vejamos as razões que nessa matéria foram alinhavadas pelo tribunal recorrido:

«C - O arguido sofreu outras condenações registadas a saber:

Por sentença proferida em 07.03.2013, no âmbito do Proc. 170/13.8PEAMD, foi o arguido condenado, pela prática em 24.03.2013, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 40 dias de multa e na pena acessória de 3 meses e 15 dias de proibição de conduzir.

Por sentença proferida em 18.11.2013, no âmbito do Proc. 136/13.8GBLGS, foi o arguido condenado, pela prática em 17.11.2013, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa e na pena acessória de 3 meses de proibição de conduzir.

Por sentença proferida em 02.12.2013, no âmbito do Proc. 146/13.5GALGS, foi o arguido condenado, pela prática em 07.04.2013, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa e na pena acessória de 4 meses proibição de conduzir.

Por sentença proferida em 04.03.2015, no âmbito do Proc. 98/15.7PALGS, foi o arguido condenado, pela prática em 02.03.2015, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 340 dias de prisão, substituída por multa e na pena acessória de 8 meses de proibição de conduzir.

Por sentença proferida em 25.06.2015, no âmbito do Proc. 185/14.9PALGS, foi o arguido condenado, pela prática em 22.04.2014, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 300 dias de prisão, substituída por multa e em pena acessória.

Por sentença proferida em 02.02.2016, no âmbito do Proc. 693/14.1PALGS, foi o arguido condenado, pela prática em 28.10.2014, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e em pena acessória.

Por sentença proferida em 25.05.2016, no âmbito do Proc. 628/14.PALGS, foi o arguido condenado, pela prática em 28.09.2014, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 9 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação e na pena acessória de 9 meses de proibição de conduzir.

Por sentença proferida em 06.09.2016, no âmbito do Proc. 927/16.8PAPTM, foi o arguido condenado, pela prática em 02.07.2016, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 6 meses de prisão, a cumprir em regime de dias livres, por 36 períodos – que cumpriu até 28.03.2019 – e na pena acessória de 1 ano de proibição de conduzir.

Por sentença proferida em 08.11.2016, no âmbito do Proc. 2169/14.3T3AMD, foi o arguido condenado, pela prática em 29.04.2014, de um crime de desobediência, na pena de 6 meses de prisão a cumprir em 36 períodos de prisão por dias livres – que cumpriu até 04.02.2020 – e na pena acessória de 9 meses de proibição de conduzir.

Por sentença proferida em 09.01.2019, no âmbito do Proc. 405/16.5GCSTB, foi o arguido condenado, pela prática em 26.11.2016, de um crime de condução em estado de embriaguez e um crime de tráfico de estupefacientes, na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão efectiva – que cumpriu até 13.04.2020 – e na pena acessória de 1 ano e 6 meses de proibição de conduzir.

2- São os seguintes os factos considerados provados nas sentenças que integram o primeiro cúmulo jurídico:

Nos presentes autos (319/22.0PTPTM).

No dia 24.06.2022, cerca das 23:00, o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, na R. do … em ….

Fiscalizado pela PSP, foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, por ar expirado, vindo a acusar uma taxa de 1,31 grama de álcool por litro no sangue, a que efectuado o desconto do erro máximo admissível corresponde a uma taxa de 1,205 grama de álcool por litro no sangue.

No dia 28.11.2022, cerca das 02:10, o arguido AA conduzia o supra identificado veículo automóvel, no cruzamento entre a R. … e a R. …, nesta cidade.

Fiscalizado, novamente por elementos da PSP, foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, por ar expirado, vindo a acusar uma taxa de 1,49 grama de álcool por litro no sangue, a que efectuado o desconto do erro máximo admissível corresponde a uma taxa de 1,415 grama de álcool por litro no sangue

Nestas circunstâncias de tempo e lugar, foi interveniente num acidente de viação, após violação da obrigação de cedência de passagem, do qual resultaram danos materiais no identificado veículo e no veículo de matrícula ….

O arguido quis conduzir o veículo com a matrícula …, nas duas supra descritas ocasiões, depois de, em ambas, ter ingerido bebidas alcoólicas, bem sabendo que a condução de veículos possuindo uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l lhe era proibida e punida por lei criminal, situação com a qual se conformou.

Agiu, sempre, de forma livre, voluntária e consciente, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.

No âmbito do processo n.º 2794/22.3GBABF.

1. No dia 15 de Novembro de 2022, pelas 3h e 25m, o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula … na Rua …, em …, quando foi fiscalizado por militares da GNR.

2. Nessa sequência o arguido foi submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool através do ar expirado o qual acusou uma taxa de álcool de 2,31 g/l.

3. Atendendo ao resultado do teste qualitativo foi solicitado ao arguido que realizasse teste quantitativo de pesquisa de álcool através de ar expirado.

4. O arguido deixou de seguir as recomendações dos militares quanto ao modo como deveria realizar o sopro no aparelho de testes, colocando os lábios em frente à boquilha do aparelho de modo a impedir o sopro, tendo o resultado do mesmo sido “sopro incorrecto”.

5. De seguida, o arguido recusou-se a realizar o teste de pesquisa de álcool através de ar expirado ou qualquer outro teste que visasse a detecção de álcool no seu organismo.

6. Os militares da GNR informaram o arguido de que ao se recusar a realizar o teste para detecção de álcool incorreria na prática do crime de desobediência.

7. Todavia, o arguido continuou a recusar a realização de qualquer teste.

8. O arguido bem sabia que se encontrava obrigado a realizar o teste de pesquisa de álcool conforme lhe havia sido determinado pelo agente de autoridade, e que não o fazendo incorria na prática de um crime de desobediência, no entanto, ainda assim, recusou-se a realizar qualquer teste com o intuito de se furtar à acção fiscalizadora das autoridades.

9. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

No âmbito do processo n.º 360/22.2T9LAG.

1.BB nasceu a … de 2005 e é filha do arguido.

2. BB viveu com o arguido desde que tinha 4 anos e até Julho de 2022, data em que viviam na Rua da … - …, em ….

3. A 28 de Julho de 2022, pelas 3 horas, o arguido dirigiu-se ao quarto onde BB se encontrava a dormir, vestindo apenas um body, e, com as suas mãos, agarrou no seu corpo e levantou-a da cama.

4. De imediato, o arguido começou a desferir pancadas em BB com as mãos e com cabos de electricidade, atingindo-a várias vezes em todo o corpo, principalmente nas pernas e nas mãos (uma vez que BB as colocava à frente do corpo para se proteger), tudo enquanto lhe dizia «o que eu tinha dito», referindo-se ao facto de, nessa noite, BB ter frequentado um bar em … na companhia das primas, CC e DD.

5. Em virtude de as primas e EE, tia de BB, terem pedido ao arguido que parasse de bater-lhe, este arrastou BB para a sala, enquanto lhe batia e lhe dizia «depois de tudo o que eu fiz por ela, é uma ingrata».

6. Involuntariamente, BB urinou e caiu no chão.

7. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, BB sofreu dores, escoriações e lesões lineares nos membros superiores (ombros, braços, antebraços e mão esquerda, que se apresentava edemaciada e com limitação funcional) e nos membros inferiores (coxas e pernas, sobretudo coxa e perna esquerdas), designadamente, no membro inferior esquerdo:

a) na transição do terço superior para o terço médio da face anterior da coxa, vestígio cicatricial, de coloração mais escura que o tom da pele, curvilíneo, de concavidade interna, medindo 8cm x 5mm;

b) na transição do terço médio para o terço inferior da face antero-interna da coxa, vestígio cicatricial, de coloração mais escura que o tom da pele, oblíquo para baixo e para fora, medindo 2cm x 5mm.

8. Estas lesões determinaram-lhe um período de doença de 15 dias, com igual período de afectação da capacidade de trabalho geral.

9. BB esteve internada no Centro Hospitalar …, em …, entre 28 de Julho de 2022 e 2 de Agosto de 2022, quando foi acolhida na Casa …, em ….

10. O arguido sabia que tinha para com a sua filha especiais deveres de assistência e cuidado, respeito e consideração, não se tendo coibido, ainda assim, de actuar da forma descrita.

11. O arguido quis atingir a sua filha na integridade e saúde física, psíquica e moral e na sua dignidade pessoal, causando-lhe inquietação e insegurança, como conseguiu.

12. O arguido sabia que agia contra a vontade daquela e que assim lhe causava sofrimento físico e psíquico, como causou.

13. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei, e, ainda assim, não se coibiu de a praticar.

No âmbito do processo n.º 97/23.5GBABF.

a) No dia 15 de Janeiro de 2023, pelas 05h00, o arguido conduzia o veículo ligeiro, com a matrícula …, na Rua …, no …, em … e submetido ao teste de pesquisa de álcool sangue apurou-se uma T.A.S. igual a 1,84 g/l, que deduzido o E.M.A. corresponde a uma taxa não inferior a 1,693 g/l.

b) O arguido bem sabia que tinha ingerido uma quantidade de álcool que não lhe permitia conduzir o sobredito veículo na via pública, e que apresentava uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, e ainda assim quis conduzir o veículo, sabendo que o fazia na via pública.

c) Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a condução de veículo na via pública com a taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l se traduz num facto proibido e punido pela lei penal como crime e ainda assim, o arguido não se inibiu de realizar a conduta.

Dados relevantes do processo de socialização:

AA encontra-se privado de liberdade desde 26/12/2023, tendo entrado no EP de … para cumprir 6 meses de pena de prisão efectiva à ordem do pº nº 2794/22.3GBABF.

A partir de 26/6/2024, passou a cumprir 1 ano de pena à ordem do pº nº 97/23.5GBABF.

Em meio livre, a referência familiar do arguido é junto da companheira FF, de … anos e dos três filhos desta, GG, HH e II, de …, … e … anos.

Esta relação marital foi iniciada em 2021, tendo-se o arguido mudado para a casa da companheira. A morada corresponde a um apartamento de renda apoiada, inserido num bairro camarário, representando um encargo de 86€ mensais. O sustento é assegurado por FF, que trabalha regularmente como cozinheira. Já no contexto desta relação, AA constituiu a empresa de construção civil “…”, na qual mantinha actividade com rendimentos variáveis, que interrompeu com a reclusão.

AA é imigrante … em Portugal desde 2007. Assinala um percurso laboral basicamente activo, ainda que pautado pela instabilidade, dividindo-se entre o trabalho na restauração e na construção civil. Observou-se alguma confusão nos vínculos, gestão dos recursos e estilo de vida.

Fruto de relacionamentos diferentes foi pai de quatro filhos, actualmente com …, …, … e … anos, a quem, embora intermitente, vai dando apoio e se mostra afectivamente ligado.

Mostra-se um indivíduo apreciador de diversão e convívio interpares, contextos em que assume consumo excessivo de bebidas alcoólicas, hábito que agora valoriza com alguma crítica e reconhece a na origem de vários problemas, como os inúmeros processos judiciais envolvendo a condução de veículo em estado de embriaguez e desobediência e bem assim de conflitos familiares.

AA é multi reincidente em crimes rodoviários. Teve várias condenações em penas não privativas de liberdade, entre multas e penas suspensas, bem como penas de prisão efectiva, algumas cumpridas em regime de obrigação de permanência na habitação. Do acompanhamento efectuado destas medidas pela DGRSP, foi regra geral difícil a adesão, dada a atitude de leviandade do arguido face ás obrigações, dando azo a vários incumprimentos relevantes, designadamente na situação de pena de prisão na habitação.

Concomitantemente ao cumprimento da pena de prisão efectiva em que se encontra, decorre o cumprimento de uma pena suspensa de 3 anos, à ordem do processo nº 360/22.2T9LAG, transitado em julgado em 07/12/2023, por crime de violência doméstica, envolvendo episódio de agressão física à filha mais velha, à data com … anos.

Em contexto prisional não apresenta registos disciplinares e encontra-se a trabalhar afecto ao sector das obras de manutenção do edifício. Por inerência das obrigações do pº nº 360/22.2T9LAG é acompanhado no âmbito da promoção de competências parentais. Tem também aderido ao acompanhamento disponibilizado pelo Instituto para os Comportamentos Aditivos e Dependências (ICAD), expressando o propósito em alterar hábitos de consumo abusivo de bebidas alcoólicas que associa à situação em que se encontra. Beneficia de apoio familiar, traduzido em visitas regulares da actual companheira e contactos principalmente com o filho mais novo.

(…)

A moldura penal do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo, em qualquer caso, ser ultrapassado o limite máximo de 25 anos tratando-se de pena de prisão e de 900 dias tratando-se de pena de multa e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art.º 77.º, n.º 2 do Cód. Penal).

Atento o que dispõe a citada norma legal a moldura penal abstrata do cúmulo situa-se entre o limite mínimo de dois anos e nove meses de prisão e o limite máximo de seis anos e um mês.

Aqui chegados, atendendo à prática dos crimes reiterados e de igual natureza, ao período temporal que mediou, o tipo de crimes ao valor dos mesmos e, acima de tudo ao percurso de vida do arguido, plasmado no relatório social, julga-se adequada a pena única de quatro anos e seis meses de prisão.

Já no que se reporta à pena acessória de inibição de conduzir, julga-se adequada a pena acessória única que se cifra nos seis anos.

Consagra o disposto no artigo 50º do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior o crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma suficiente as finalidades da punição”.

Para aplicação da pena de substituição é, pois, necessário que se possa concluir que o arguido presumivelmente não voltará a cometer novo crime. Trata-se, no dizer de Anabela Rodrigues, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.

Tal conclusão tem de se extrair de um juízo de prognose antecipado, que seja favorável aos arguidos, o qual assenta essencialmente na prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização dos arguidos, tendo-se ainda em conta as necessidades de prevenção geral, não tanto na dependência do seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais no seu efeito positivo, de integração, de reforço da norma e da orientação sócio-cultural que nela se contém.

Ou seja, em relação ao próprio condenado tem de se fazer o juízo de prognose positiva da sua “auto-adesão (…) à indispensabilidade social dos valores essenciais (bens jurídico-penais)

para a possibilitação da realização pessoal de todos e de cada um dos membros da sociedade”.

E ainda de que, com elevado grau de probabilidade não voltará a reincidir.

No que à prevenção geral diz respeito, importa afirmar que ela desdobra-se e desenvolve-se “num duplo sentido: prevenção geral positiva ou de integração e prevenção geral negativa ou de dissuasão.

Prevenção geral positiva ou de integração significa que a pena é um meio de interpelar a sociedade e cada um dos seus membros, para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente; por outras palavras, a pena serve a função positiva de interiorização ou aprofundamento dessa interiorização dos bens jurídico-penais. Ora, esta função da pena começa por se realizar com a criação da lei criminal-penal (interpelação legal) e consuma-se com a aplicação judicial da pena e sua execução (interpelação judicial e fáctica).

Naturalmente que quanto mais importante for o bem jurídico, mais intensa deve ser a interpelação. E, por isto, necessariamente que quanto mais grave for o crime (mais valioso o bem jurídico a proteger) mais grave terá de ser a pena legal, e, no geral, também maior a pena judicial. (…)

Mas a prevenção geral positiva tem, ainda, a dimensão ou objectivo da pacificação social ou, por outras palavras, do restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual.

Esta mensagem de confiança e de pacificação social é dada, especialmente, através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da importância do bem jurídico lesado”.

Importa considerar como intervêm e como se relacionam a prevenção especial (positiva e negativa) e a prevenção geral (positiva e negativa) na determinação, legal e judicial, da pena, e na escolha da espécie de pena.

Afirma Taipa de Carvalho que “a resposta a esta questão parece-me dever ser a seguinte: o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). É este o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal. E, assim, quanto ao legislador, ele deve apresentar e, efectivamente, apresenta quer molduras penais suficientemente amplas, quer uma relativamente ampla gama de espécies de penas. E, quanto ao juiz, deve este seguir o critério estabelecido no art. 40° - l, 2ª parte. Por conseguinte, a determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o «fim» é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes.

Porém, este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral.

Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à «medida» da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais. Isto é: mesmo que a perigosidade criminal do delinquente exigisse uma pena maior do que a gravidade da culpa, em ordem a uma adequada recuperação social do delinquente e/ou a uma socialmente necessária dissuasão do mesmo delinquente, nunca a pena pode ser superior à culpa. Numa palavra, a culpa constitui o limite máximo da pena determinada pelo critério da prevenção especial.

Condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima. Em síntese: a prevenção geral constitui o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial. (…).

Como diz Figueiredo Dias: “a pena alternativa só não será aplicada se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.

Assim, face à factualidade assente, o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, os arguidos não voltarão a cometer novos crimes; e ainda que as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, não saem defraudadas.

Extraindo-se esta conclusão, deve decretar-se a suspensão da execução da pena.

Concluindo-se em sentido contrário, deve negar-se a suspensão.

É esta também a posição do Supremo Tribunal de Justiça.

“O instituto de suspensão da pena de prisão assenta na confiabilidade em como o delinquente enquanto cidadão, face à dimensão do delito cometido satisfará o projecto da sua ressocialização. Este projecto é realizável em termos abstractos, mas o agente de um crime enquanto tal, não é uma abstracção, nem pode ser tido como cobaia para ver como é que as coisas poderão correr. Neste projecto o juiz tem de considerar forçosamente os índices de que dispõe e particularmente com a seriedade e vontade do arguido no sentido da sua reintegração e reencontro com os valores da sociedade com que esbarrou.

Deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos (cfr. preâmbulo do Código Penal de 1982).

Mas esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida protecção aos bens jurídicos postos em causa.

A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.

«O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art. 50.º).

Os n.ºs 1 e 2 do art. 50.º indicam-nos os elementos a atender nesse juízo de prognose: (i) - a personalidade do réu; (ii) - as suas condições de vida; (iii) - a conduta anterior e posterior ao facto punível; e (iv) - as circunstâncias do facto punível.

Isto é, todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões da prevenção especial.

In casu, já havia sido efetuado um juízo de prognose desfavorável no âmbito dos processos que integram o cúmulo jurídico, à excepção do processo 360/22.2T9LAG, estando o arguido a cumprir tais penas. Nenhum circunstancialismo foi modificado desde a reclusão do arguido, pelo que o tribunal baseando-se igualmente nos fundamentos explanados naquelas decisões não consegue formular qualquer juízo de prognose favorável em relação ao arguido, sendo que segundo o relatório social, o mesmo incumpriu igualmente as suspensões da execução da penas de prisão que já lhe haviam sido aplicadas, pelo que não suspende a execução da pena de quatro anos e seis meses de prisão agora aplicada.»

Verificamos em primeiro lugar que o julgamento que vem questionado, de cumulação das penas aplicadas nos processos em referência no quadro supra, aplicou corretamente a lei.

Sucede que a base de que se partiu é constituída pelas condenações que integram o concurso de crimes relevante para a fixação da pena única. Sendo que aquelas foram condicionadas pelo passado criminal que o condenado já registava à data da prática dos respetivos crimes (já havia sido condenado anteriormente por dez vezes) – conforme se indica no acórdão sob recurso.

A relação de concurso dos crimes impõe a realização do cúmulo e obtenção de uma pena única quanto a todos eles. Ditando as regras previstas no artigo 77.º, § 2.º CP para o julgamento que foi efetuado pelo tribunal coletivo, uma moldura abstrata muito ampla: a da pena de prisão é de 2 anos e 9 meses de prisão (a mais alta das penas parcelares) até 6 anos e 1 mês (a soma de todas a penas de prisão correspondentes aos crimes em concurso); e a da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é de 3 a 11 anos.

Com estas molduras abstratas e o passado criminal já registado pelo condenado/recorrente, a pena única fixada pelo tribunal coletivo quer para a pena de prisão quer para a pena acessória mostra-se ajustada aos princípios e as regras reguladoras desta matéria (às quais já nos referimos supra).

A pena concreta única a que se chegou em resultado do concurso de crimes a que nos vimos referindo, permitia, em abstrato, equacionar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, tal como previsto no artigo 50.º CP, no qual se dispõe que:

«1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

«2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.»

Sucede que o recorrente nem sequer aventou esta possibilidade no recurso. Mas debalde obteria sucesso se o houvera feito, porquanto a pena de prisão suspensa na sua execução, sujeita ou não a certas condições ou obrigações. Porém a sua mobilização está sujeita a prescrições normativas que o não permitiriam, uma vez que na base da decisão de suspensão da execução da pena de prisão tem de estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial,5 que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido.

A suspensão da execução da pena de prisão funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade.

Nesse âmbito o tribunal deverá assumir um risco prudente. Mas se existirem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa. Isto é, por um lado deve o julgador convencer-se que face à personalidade do arguido, ao seu modo de vida, ao comportamento global, à natureza do crime cometido e à adequação à sua personalidade, o facto praticado foi como que um simples acidente de percurso. E por outro lado, que a ameaça da pena, qual espada de Dâmocles pendendo sobre a sua cabeça, será aceite por este e terá reflexos sobre o seu comportamento futuro. Ao mesmo tempo há que acautelar as razões de prevenção geral positiva, isto é, apreender se em concreto a comunidade suporta a suspensão da pena mantendo a confiança na ordem jurídica e na norma penal violada.

Mas havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente para não repetir crimes se for deixado em liberdade, o juízo de prognose é claramente desfavorável e por isso nunca se poderia aplicar.

Em suma: a pena única aplicada pelo tribunal coletivo não padece de qualquer vício e, ademais, respeitou o limite da culpa e os princípios e regras respeitantes à concretização da pena única, pelo que o recurso não é merecedor de provimento.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Julgar o presente recurso não provido, mantendo-se integralmente a decisão que integra o acórdão recorrido.

b) Custas pelo condenado/recorrente com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Évora, 28 de outubro de 2025

J. F. Moreira das Neves (relator)

Edgar Valente

Carla Francisco

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1 «Condenado» e não «arguido», pois (não por acaso) é desse modo que a lei designa aquele que foi arguido, após o trânsito em julgado da decisão condenatória (cf. artigos 470.º/2, 477.º/3, 478.º, 490.º/1, 490.º/3, 491.º/2, 491.º-A/1 e 2, 492.º/1 e 2, 493.º/2 e 3, 494.º/3, 495.º/1 e 2, 496.º/3, 498.º/5, 499.º/1, 2, 4 e 5, 500.º/2 e 3 e 504.º/3 CPP e em todo o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade. O condenado tem, evidentemente, direitos, mas não seguramente todos os previstos no artigo 61.º CPP, desde logo porque já não beneficia da presunção de inocência, sendo esta característica que justifica o estatuto de arguido.

2 «Proibição» por ser esse o seu nomen juris no direito criminal (não «inibição»)!

3 Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 293; e Acórdão do STJ, de 29/4/2003, em que foi relator o Cons. Costa Mortágua, processo n.º 03P358, www.dgsi.pt .

4 Cf. acórdão do STJ, de 17/3/2004, da pena do Cons. Henriques Gaspar, processo n.º 03P4431 www.dgsi.pt

5 Hans-Heirich Jescheck y Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, Comares editorial, 5.ª edición (corregida y ampliada), 2002, pp. 902.