REINCIDÊNCIA
Sumário

Para efeitos de reincidência, considera-se censurável a conduta do agente que voltou a praticar o crime passado menos de dois anos do cumprimento de uma pena de prisão efectiva pela prática de crime do mesmo tipo e que tentou ludibriar os agentes da autoridade, trocando de lugar no veículo que conduzia com a sua companheira, de modo a fazer crer que era ela que vinha a conduzir.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1– Relatório

No processo sumário nº 311/24.0GFELV do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de …, por sentença datada de 13/12/2024, foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3º, nºs 1 e 2 do D.L. nº 2/98, de 3/01, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão.

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Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

“1. O recorrente não se conforma com a sua condenação como reincidente;

2. Com efeito, o instituto da reincidência foi convocado pelo tribunal recorrido em sede de alteração de factos, não constando inicialmente da acusação;

3. Ainda que se considere que tal constitui uma alteração não substancial de factos, o certo é que a reincidência é aplicada de forma automática, com base exclusivamente no histórico criminal do arguido;

4. Dar como provado que a condenação sofrida e o cumprimento da pena não foi suficiente para obstar a que o arguido cessasse a actividade criminosa constitui matéria conclusiva,

5. Devendo o pressuposto material da reincidência ser integrado por factos concretos que permitam concluir que as condenações anteriores não constituíram advertência suficiente contra a prática de crimes.

6. Deverá, assim, improceder a condenação do recorrente como reincidente,

7. Impondo-se, em consequência, uma redução da pena em conformidade;

8. De outro lado, e sem prejuízo, considera o recorrente que a pena de 1 ano e 7 meses de prisão aplicada ao crime de condução sem habilitação legal é desproporcional e excessiva, em face do quadro de circunstâncias em que o crime foi cometido;

9. Não obstante o extenso histórico criminal do arguido, por crimes de natureza rodoviária, o facto é que o mesmo confessou os factos, não sobrevieram quaisquer prejuízos pessoais ou materiais, para o arguido ou para terceiros, não existiu perigo concreto para os demais utentes da via pública e o recorrente conta com um mínimo de inserção social e familiar, tal como avulta do relatório social;

10. Justifica-se, assim, uma redução da pena concreta, que permita o seu afastamento do limite máximo da moldura penal,

11. Afigurando-se proporcional uma pena que não supere 1 ano de prisão.

12. Por fim, cumpre ponderar se andou bem o tribunal recorrido ao determinar o cumprimento da pena em meio prisional.

13. O regime tratado no artigo 43º do Código Penal, decorrente das alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017, de 23/08, passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão.

14. É certo que o recorrente já cumpriu pena por factos idênticos;

15. No entanto, o quadro de circunstâncias em que os factos ocorrem, conjugado com a confissão e verbalização de arrependimento, e, acima de tudo, a inserção social e familiar do arguido, levam a crer que o impacto do regresso ao meio prisional será muito mais devastador para o agregado familiar do arguido,

16. Dificultando ainda mais a ressocialização de um cidadão minimamente integrado na sociedade e que cometeu uma bagatela penal;

17. O regime de permanência na habitação permitirá a manutenção do laço afectivo, não deixando de constituir uma privação da liberdade do recorrente e um forte sinal de reprovação da sua conduta.

18. Conclui-se, pois, que a pena de prisão a aplicar ao recorrente deverá ser executada em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43.º do Código Penal.

19. Mostram-se violadas as normas dos artigos 43.º, 70.º, 71.º e 75.º do Código Penal.”

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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido, pugnando pela confirmação da sentença recorrida e pela improcedência do recurso, sem formular conclusões.

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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, acompanhando a posição assumida na primeira instância.

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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.

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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.

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2 – Objecto do Recurso

Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt.)

À luz destes considerandos, são as seguintes as questões que cumpre conhecer:

1. Se o recorrente deveria ter sido condenado como reincidente;

2. Medida concreta da pena de prisão aplicada;

3. Se a pena deverá ser executada em meio prisional ou na habitação.

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3- Fundamentação:

3.1. – Fundamentação de Facto

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

“1.1. FACTOS PROVADOS

Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão a proferir, os seguintes factos:

− Acusação pública

1. No dia 05-11-2024, pelas 19:20, o arguido AA conduziu o veículo automóvel com a matrícula …, na Avenida …, em …, onde imobilizou o veículo.

2. No momento da interceção, o arguido não possuía qualquer título de condução que o permitisse conduzir o referido veículo automóvel em vias públicas.

3. O arguido sabia da necessidade de ser titular de carta de condução para conduzir o identificado veículo automóvel.

4. O arguido sabia que não era titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir veículos daquela natureza, em vias públicas, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

− Mais se provou

5. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1. dos factos provados, o arguido, em momento imediatamente anterior à fiscalização pelos militares da Guarda Nacional Republicana BB e CC, a fim de impedir que os referidos militares o identificassem como condutor do veículo de matrícula …, trocou de lugar com a sua companheira DD, passando a ocupar o lugar do pendura.

− Reincidência

6. No Processo n.º 660/21.9PGCSC, o qual correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de …, por decisão proferida em 20-12-2021, transitada em julgado em 01-02-2022, foi o arguido condenado na pena de 9 meses de prisão, pela prática, em 16-11-2021, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 21-12-2022.

7. A condenação sofrida no âmbito do processo n.º 660/21.9PGCSC e o cumprimento de pena não foi suficiente para obstar a que o arguido cometesse os factos em apreço, cessasse a sua atividade criminosa e alterasse o modo de vida.

− Antecedentes criminais

8. No Processo n.º 133/05.7GFELV, do ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, por decisão transitada em julgado em 12-07-2005, foi o arguido condenado na pena de 70 dias de multa pela prática, em 27-06-2005, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 12-01-2006.

9. No Processo n.º 88/05.8GAELV, do ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, por decisão transitada em julgado em 23-03-2007, foi o arguido condenado na pena de 30 dias de multa pela prática, em 20-06-2005, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 02-06-2008.

10. No Processo n.º 44/07.1GBELV, do ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, por decisão transitada em julgado em 08-05-2007, foi o arguido condenado na pena de 140 dias de multa, pela prática, em 16-04-2007, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 23-01-2008.

11. No Processo n.º 129/07.4GTPTG, do ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, por decisão transitada em julgado em 17-07-2007, foi o arguido condenado na pena de 180 dias de multa, pela prática, em 25-06-2007, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 07-07-2008.

12. No Processo n.º 175/07.8GTTVD, do ….º Juízo de Pequena Instância Criminal de …, por decisão transitada em julgado em 07-09-2007, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa, pela prática, em 09-07-2007, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena de multa foi convertida em 80 dias de prisão subsidiária, por decisão de 02-06-2009. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 17-06-2009.

13. No Processo n.º 139/09.7GELV, do …º Juízo do Tribunal Judicial de …, por decisão transitada em julgado em 19-03-2010, foi o arguido condenado na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa, pela prática, em 25-08-2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 28-03-2011.

14. No Processo n.º 74/11.9GBRDD, do Tribunal Judicial do …, por decisão transitada em julgado em 13-06-2011, foi o arguido condenado na pena de 360 dias de prisão, substituída por 360 dias de multa, pela prática, em 04-05-2011, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena de multa foi substituída pela prestação de 360 horas de trabalho a favor da comunidade, por decisão de 06-10-2011. A pena foi declarada extinta, em face do cumprimento da prestação de trabalho a favor da comunidade, em 30-09-2013.

15. No Processo n.º 507/11.4PCLRS, do ….º Juízo de Pequena Instância Criminal de …, por decisão transitada em julgado em 20-09-2011, foi o arguido condenado na pena de 6 meses de prisão suspensa por 1 ano e sujeita à condição do arguido demonstrar nos autos que se propôs e realizou o exame de código (caso obtenha aprovação neste, tem de demonstrar que também se propôs e realizou exame prático de condução), pela prática, em 26-05-2011, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena foi declarada extinta em 20-09-2012.

16. No Processo n.º 34/13.5PJOER, do Juízo Local Criminal de …, por decisão transitada em julgado em 11-06-2015, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa por idêntico período, pela prática, em 11-09-2013, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 204.º, n.º 2, al. e) e 22.º, n.º 2, al. c), 23.º, 26.º e 203.º, n.º 1, todos do Código Penal.

17. No Processo n.º 257/13.7GDSNT, do Juízo Central Criminal de …– Juiz …, por decisão transitada em julgado em 18-09-2015, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa por idêntico período, pela prática, em 14-06-2013, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal.

18. No Processo n.º 121/17.0PHSNT, do Juízo Local Criminal de … – Juiz …, por decisão transitada em julgado em 05-03-2018, foi o arguido condenado na pena de 45 dias de multa, pela prática, em 03-02-2017, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 14-06-2018.

19. No Processo n.º 229/19.8GACSC, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de …, por decisão transitada em julgado em 06-05-2019, foi o arguido condenado na pena de 8 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, pela prática, em 20-02-2019, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 12-01-2020.

20. No Processo n.º 981/17.5T9ELV, do Juízo Local Criminal de …, por decisão transitada em julgado em 06-07-2020, foi o arguido condenado na pena de 100 dias de multa, pela prática, em 09-05-2017, de um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 10-08-2021.

21. No Processo n.º 660/21.9PGCSC, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de …, por decisão transitada em julgado em 01-02-2022, foi o arguido condenado na pena de 9 meses de prisão, pela prática, em 16-11-2021, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de janeiro. A pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 21-12-2022 por referência a 07-12-2022.

− Condições pessoais e económico-sociais

22. O arguido, de 39 anos de idade, desempregado, reside com a companheira, DD, de 36 anos de idade, desempregada.

23. Do agregado fazem ainda os filhos do casal, EE, de 19 anos, FF, de 15 anos, GG, de 8 anos e HH, de 4 anos, bem como o companheiro de EE e o filho de ambos.

24. O agregado reside em habitação social num bairro periférico da vila de …, associado a problemáticas de exclusão social e comportamentos delituosos.

25. O arguido é oriundo de uma família nómada, cujos progenitores se dedicavam à venda ambulante, integrando uma fratria de 12 irmãos, da qual é o terceiro mais novo.

26. Constituiu família aos 18 anos de idade, fixando residência em ….

27. Iniciou a frequência do ensino em idade adequada, com assiduidade irregular e pouco empenho.

28. O contexto familiar durante a infância e juventude pautou-se pelas dificuldades económicas e fortes laços afetivos, espírito de coesão e entreajuda, com ténues limites e regras.

29. O arguido não desenvolveu hábitos de trabalho fixo.

30. Atualmente, realiza trabalhos agrícolas de forma esporádica e sazonal.

31. A economia familiar tem por base o RSI, do qual a companheira do arguido é titular, no montante de 700,00€, e o abono de família, no valor de 350,00€. As despesas mensais referidas pelo arguido, são referentes a luz, água, gás e alimentação, em valor não concretamente determinado, mas que absorve os rendimentos disponíveis, obrigando a uma gestão cuidada e alguma ajuda das famílias de origem.

32. O arguido ocupa o seu tempo livre em contexto familiar e vicinal.

33. Apesar de verbalizar reconhecimento de dano e dolo associados ao crime de condução sem habilitação legal, e arrependimento face às suas ações, estas revelam acentuadas dificuldades ao nível da consciência crítica e desvalorização da conduta pró-social.”

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3.2.- Mérito do recurso

Nos presentes autos o recorrente não põe em causa a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo, a qualificação jurídica dos factos, nem a espécie de pena que lhe foi aplicada.

Considera, porém, que não estão verificados os pressupostos da sua condenação como reincidente, que a pena concreta de prisão que lhe foi aplicada não deveria exceder 1 ano e deveria ser cumprida em regime de permanência na habitação.

Alega para tanto que:

- a decisão recorrida aplica o instituto da reincidência de forma automática, com base, meramente, no histórico criminal do arguido;

- não se apuraram quaisquer factos que levem a concluir que a condenação anterior não foi suficiente para que o arguido voltasse a cometer os factos pelos quais veio, agora, condenado;

- o recorrente confessou os factos;

- não resultaram da sua conduta quaisquer danos pessoais ou patrimoniais, para si ou para os demais utentes da via pública;

- o recorrente exerceu a condução dentro da localidade onde reside, tendo percorrido uma distância curta, num curto espaço de tempo;

- está inserido social e familiarmente;

- mostrou-se arrependido;

- o regresso à prisão, agora que está familiarmente inserido, com filhos menores, que sustenta com o trabalho agrícola sazonal, terá um impacto devastador, não só na sua vida, mas, principalmente, naqueles que de si dependem.

Vejamos se lhe assiste razão.

O crime de condução sem habilitação legal vem previsto no art.º 3º do D.L. nº 2/98, de 3/01, nos seguintes moldes: “1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.” ( sublinhados nossos )

Quanto à condenação como reincidente, importa atentar no disposto nos arts.º 75º e 76º do Cód. Penal, onde se prevê que:

“ Artigo 75.º

Pressupostos

1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

3 - As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa.

4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.

Artigo 76.º

Efeitos

1 - Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.

2 - As disposições respeitantes à pena relativamente indeterminada, quando aplicáveis, prevalecem sobre as regras da punição da reincidência.” ( sublinhados nossos )

Quanto à determinação da medida da pena, esta deve ser apurada em função dos critérios enunciados no art.º 71º do Cód. Penal, que são os seguintes:

“ Artigo 71.º - Determinação da medida da pena

1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”

Estes critérios devem ser relacionados com os fins das penas previstos no art.º 40º do mesmo diploma, onde se estabelece no seu nº 1 que: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, e no seu nº 2 que: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Como se refere no Acórdão do STJ de 28/09/2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, a dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art.º 71º do Cód. Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena. Tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, idade, confissão, arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Em síntese, pode dizer-se que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (cf. Figueiredo Dias, in “ Direito Penal, Parte Geral “, Tomo I, 3ª Edição, 2019, Gestlegal, pág. 96).

Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, págs. 181 e 182), apresenta as seguintes proposições que devem ser observadas na escolha da pena: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.”

Conforme explicita Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 497, pág. 331, o critério geral de escolha entre penas alternativas e de substituição da pena é o seguinte: «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação», e acrescenta - § 498, pág. 332 - bem se compreender que assim seja: “sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena”. Quanto à função que as exigências de prevenção geral e de prevenção especial exercem neste contexto, esclarece este autor, in ob. cit., § 500, págs. 332 e 333, que: «Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão», acrescentando que «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (ou de uma pena de substituição) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela(s) pena(s); coisa que só raramente acontece se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração»

Também neste sentido decidiu o STJ em acórdão datado de 12/09/2012, proferido no processo nº 1221/11.6JAPRT.S1, em que foi relator Raul Borges, in www.dgsi.pt:”A pena não privativa de liberdade só será preferível se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição, casos havendo em que a execução da pena de prisão é exigida por razões de prevenção, por se mostrar necessário que só a execução da prisão permite dar resposta às exigências de prevenção. Há que ter em conta o critério da adequação e suficiência, atento por um lado, o bem jurídico protegido na espécie, uma das finalidades a que alude o artigo 40.º, mas e sobremaneira, atender às razões de prevenção geral, que se impõem no caso presente, não sendo excessivo a opção recair na pena privativa de liberdade, tendo em conta as necessidades de assegurar a paz comunitária, atendendo ao pleno do comportamento assumido pelo arguido no trecho de vida aqui analisado e valorado, que se não quedou apenas pela prática da infracção ora em equação e em discussão, antes a ultrapassando com uma configuração quantitativa e qualitativamente mais abrangente, bem mais ampla e gravosa em termos de lesividade, privando de vida a ex-companheira. A própria escolha da espécie da pena a aplicar deve ter na base elementos, que sendo exógenos em relação à concreta e singular conduta apreciada para o tema em causa (mesmo que representando um minus no contexto global), se prendem com o conjunto das circunstâncias que enformam o facto total submetido a julgamento.”

No entanto, do que se trata agora é de sindicar as operações feitas pelo Tribunal a quo com essa finalidade. Ainda segundo Figueiredo Dias, in “ Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, edição de 1993, págs. 196/7, § 255, é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da medida concreta da pena, bem como o desconhecimento ou a errónea aplicação pelo tribunal a quo dos princípios gerais de determinação da pena, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda que está plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção e a determinação do quantum exacto de pena, o qual será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Para este autor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: “Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena”.

Importa, assim, ter em conta que só em caso de desproporcionalidade manifesta na fixação da pena ou de necessidade de correcção dos critérios da sua determinação, atenta a culpa e as circunstâncias do caso concreto, é que o Tribunal de 2ª Instância deve alterar a espécie e o quantum da pena, pois, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não há nada a corrigir.

Neste sentido decidiu o Acórdão do TRL de 11/12/19, proferido no processo nº 4695/15.2T9PRT.L1-9, em que foi relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “ A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares.”

Também no mesmo sentido se pronunciou José Souto de Moura, in “ A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena, 26 de Abril de 2010, consultável em www.dgsi.pt, onde defende que: “ Sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado.”

Voltando ao caso dos autos, a sentença recorrida fundamentou a aplicação ao recorrente da pena de prisão em apreço pela seguinte forma:

“(…) 2.2.1. DA ESCOLHA DA PENA

O crime de condução sem habilitação legal é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.

O artigo 70.º do Código Penal estabelece um critério geral de escolha da pena, segundo o qual o tribunal dá preferência à pena alternativa não privativa de liberdade em detrimento da pena privativa de liberdade, “sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Na verdade, as penas privativas da liberdade constituem a ultima ratio da política criminal, em obediência ao princípio da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e ao favor libertatis (artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa).

As exigências de prevenção geral são elevadas porquanto o crime de condução sem habilitação legal continua a apresentar-se como um ilícito de verificação frequente no seio da nossa comunidade, inexistindo censura para a prática do mesmo. O mencionado crime surge ainda, as mais das vezes, episódios relacionados como sinistralidade rodoviária.

No que respeita às exigências de prevenção especial, estas são elevadíssimas, como infra se deixa explicitado.

Analisando o certificado de registo criminal do arguido de modo global, conclui-se que o arguido tem averbadas no seu Certificado de Registo Criminal 14 condenações, o que corresponde à prática de 14 crimes de diversas tipologias no período compreendido entre 20-06-2005 e 16-11-2021 (data da prática dos factos, o qual é curto, dando nota da absoluta indiferença do mesmo face às condenações anteriores.

Acresce ainda que se trata de um conjunto de condenações assinalável no que tange ao seu volume para um arguido que apresenta já duas condenações em pena de prisão efetiva, o que implica que entre o início da sua carreira criminal e a presente data se encontrou privado de liberdade por um período de tempo relevante, tendo os crimes, pela sua tipologia, sido praticados no período de tempo que passou em meio livre.

Ademais, o arguido conta já com 9 condenações pela prática do crime de condução sem habilitação legal, o qual lhe vem igualmente imputado nos presentes autos.

Note-se também que o arguido beneficiou já de todo o tipo de reação criminal prevista no nosso ordenamento jurídico, tendo sido condenado em (I) multas, (II) penas de prisão substituídas por multa, (III) penas de prisão suspensas e (IV) penas de prisão efetivas, o que demonstra que as mesmas ainda não alcançaram os seus fins, não havendo fundamento para, numa lógica regressiva na aplicação das penas, a qual não se aceita, aplicar agora outra que não seja pena de prisão perante a evidência de que as sanções criminais – nomeadamente, as menos gravosas – falharam.

Adotando angulo de análise distinto, cumpre salientar que a pena de prisão cumprida pelo arguido em reclusão no âmbito do processo n.º 660/21.9PGCSC foi declarada extinta por referência ao dia 07-12-2022, sendo que, em 05-11-2024, volvidos menos de 2 anos, voltou a praticar o crime pela qual havia cumprido a referida pena em meio prisional, o que denota que os fins das penas não foram alcançados.

Por último, cumpre salientar que o arguido, após praticar 14 crimes e ter recebido 14 solenes advertências, volta a praticar um crime recorrente no seu percurso criminal, mas – e na perspetiva do Tribunal, mais grave –, após sucessivos contactos com o sistema de justiça penal, procurou eximir-se à sua responsabilização criminal ao trocar de lugar com a sua companheira, o que dá nota, para além da indiferença pela anterior atuação do sistema judicial, da adoção de uma conduta ativa de procura de evitar a assunção de responsabilidade.

Assim, impõe-se salientar, de modo claro, que a ação da justiça tem sido ineficaz com relação ao arguido, não se alcançando, de modo algum, os fins das penas.

Atendendo à circunstância do arguido incorrer uma vez mais, num período relativamente curto, na prática de crimes, o seu vasto certificado de registo criminal e a circunstância de ter sido anteriormente condenado em penas de prisão (substituídas por multa, suspensas na suas execução e efetivas), cumpre concluir que todo o quadro que se deixa traçado é demonstrativo da absoluta insensibilidade do arguido face às condenações sofridas, as quais não se revelaram idóneas a manter o mesmo apartado da prática de crimes.

Em face do que antecede, por ora, e de forma a aplacar a reiterada prática de crimes pelo arguido e a reafirmar a validade da norma violada, salvaguardando assim as expectativas comunitárias na sua validade, afigura-se irrenunciável a aplicação de pena de prisão pelos crimes que vêm imputados ao arguido.

*

2.2.2. DA MEDIDA DA PENA

Tendo-se optado pela pena de prisão, cumpre agora determinar a sua medida concreta, sendo que a moldura legal do crime de condução sem habilitação legal situa-se entre 1 mês e 2 anos de prisão (artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal, e artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro).

A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, dentro dos limites da moldura penal abstrata, “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Culpa e prevenção são, pois, os dois critérios legais para medir concretamente a pena: por um lado, a primeira significa a censurabilidade pessoal do agente pelo facto ilícito praticado, quando podia e devia ter atuado de acordo com o dever-ser jurídico-penal; por outro lado, prevenção significa prevenção geral e especial, nos termos supra mencionados.

Os concretos fatores da medida da pena, enunciados exemplificativamente no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, relevam ora para a culpa, ora para a prevenção, ou para ambas, e referem-se quer à execução do facto (als. a), b), c), e e), parte final), quer à personalidade do agente (als. d) e f)), quer à sua conduta anterior e posterior ao facto (al. e)).

Quanto às exigências de prevenção geral e especial, remete-se para o mencionado supra a propósito da escolha da pena.

No que tange ao grau de ilicitude relativo ao crime de condução sem habilitação legal, atentos os contornos fácticos do caso vertente, este terá de ser considerado enquadrado no padrão médio, não tendo o mesmo provocado consequências extratípicas – nomeadamente, o arguido não esteve envolvido em acidente de viação.

No que tange conduta posterior aos factos, o arguido, em momento imediatamente anterior à fiscalização pelos militares da Guarda Nacional Republicana BB e CC, a fim de impedir que os referidos militares o identificassem como condutor do veículo de matrícula …, trocou de lugar com a sua companheira DD, passando a ocupar o lugar do pendura, o que se impõe valorar contra o arguido.

O arguido atuou com dolo direto, a sua modalidade mais intensa.

Assume ainda relevo o seu extenso passado criminal – em particular, relativamente ao crime de condução sem habilitação legal – e a circunstância de ter praticado os factos após duas condenações em prisão efetiva pela prática do mesmo tipo de crime.

Importa ainda salientar, a propósito das referidas condenações (Processos n.ºs 981/17.5T9ELV e 660/21.9PGCSC), que, não obstante a primeira represente um antecedente criminal em sentido próprio (data de trânsito anterior à data da prática dos factos) face à segunda, foi entendido que a pena, para além de deixar de ser cumprida em regime de permanência na habitação e passar a ser cumprida em meio prisional, deveria ser fixada em um mês a mais que a anterior (8 e 9 meses de pena de prisão). Com efeito, a conduta agora adota pelo arguido demonstra que, alcançado o topo das reações criminais no que à sua gravidade diz respeito, bem assim como ao modo de cumprimento – ou seja, pena de prisão efetiva a cumprir em meio prisional –, o agravamento da pena apenas se poderá fazer pelo aumento da medida concreta da pena, o qual não poderá deixar de ser significativo, porquanto o aumento residual anterior, acompanhado da mera alteração do regime de cumprimento, não logrou que o arguido invertesse a sua conduta.

Cumpre salientar que o arguido confessou os factos vertidos na acusação pública. Contudo, foi detido em flagrante delito, razão pela qual a confissão não assumiu relevo probatório. No mais, face à sua conduta posterior aos factos e ao teor do relatório social, não se pode afirmar que a confissão represente arrependimento ou interiorização do desvalor da sua conduta.

Desta forma, por tudo o que ficou dito e demonstrado, conjugado com a culpa do arguido e as exigências de prevenção geral e especial afigura-se adequada e justa a sua condenação:

• em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de condução sem habilitação legal.

*

2.2.3. DA REINCIDÊNCIA

Determinada a medida concreta da pena a aplicar ao arguido, cumpre agora verificar se se encontram preenchidos os pressupostos da reincidência, nos termos do disposto nos artigos 75.º e 76.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

A figura da reincidência surge plasmada no artigo 75.º do Código Penal, o qual estabelece, no seu n.º 1, que será punido como renidente ”quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva

superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime” (negrito nosso).

O n.º 2 do mesmo preceito legal, como relevo para o presente caso, estabelece que “O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade” (negrito e sublinhados nossos).

De acordo com os n.ºs 1 e 2 do citado artigo 75.º são pressupostos da reincidência (primeiros quatro de natureza formal e quinto de natureza material):

(i) a comissão de crime doloso;

(ii) o crime sub judice deva ser punido, sem atender à reincidência, com prisão efetiva superior a seis meses;

(iii) à data da prática destes factos ter o arguido já sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso;

(iv) entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha encontrado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coação, de pena ou de medida de segurança;

(v) ser de censurar a conduta do agente por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência para o crime.

In casu, face ao enquadramento jurídico dos factos sob apreciação, donde resulta a prática de crime doloso, considerando a pena determinada nestes autos, a qual se fixou em 1 ano e 6 meses, e, bem assim, a condenação em 9 meses de prisão pela prática de crime igualmente doloso no Processo n.º 660/21.9PGCSC, tendo a respetiva sentença já transitado em julgado, dúvidas não subsistem quanto ao preenchimentos dos pressupostos formais da aplicabilidade do instituto.

Assim, tendo o arguido cumprido a pena de prisão em que foi condenado no Processo n.º 660/21.9PGCSC necessariamente após o seu trânsito em julgado (01-02-2022) e tendo os factos objeto dos presentes autos ocorrido em 05-11-2024, é patente que ainda não se encontra esgotado o prazo de 5 (cinco) anos estabelecido no n.º 2 do artigo 75.º do Código Penal.

Donde, tudo está em aferir se a factualidade sob apreciação permite sustentar um juízo de culpa agravado, pelo facto de o arguido não ter atendido à advertência ínsita na condenação em pena de prisão e respetivo cumprimento na condenação relativa ao Processo n.º 660/21.9PGCSC.

Ora, desde já avançamos ser nosso entendimento que os factos apurados são de molde a sustentar o referido juízo de censura e a consequente punição do arguido como reincidente.

Com efeito, estamos perante o mesmo tipo de crime, sendo que, analisadas as condutas empreendidas em ambas as situações, a conclusão a que chegamos é que a anterior condenação não serviu para afastar o arguido da prática deste tipo de ilícitos, não tendo o tempo de privação da liberdade sofrido sortido o efeito dissuasor e reintegrador pretendido, de tal modo que mesmo em meio prisional persiste na mesma conduta delituosa.

Ademais, deve ainda atender-se à conduta que o arguido adotou após a prática dos factos objeto dos presentes autos, a qual torna evidente que o arguido se procurou eximir à sua responsabilidade criminal, o que dá nota da falta de consciência crítica da gravidade da sua conduta, em particular pela sua reincidência. O cometimento, em 10 ocasiões, do mesmo tipo de crime não poderá ser encarado como a expressão de um momento de falta de discernimento ou lucidez, mas antes como a manifestação de uma personalidade contrária ao Direito.

Donde, uma vez que a anterior condenação e o respetivo cumprimento de pena não constituíram, para o arguido, uma advertência suficiente, no sentido de o afastar da criminalidade e de o persuadir da necessidade de manter uma conduta conforme ao dever-ser jurídico-penal, deve o mesmo ser punido como reincidente.

Nos termos do artigo 76.º, n.º 1 do Código Penal, em caso de reincidência o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço, permanecendo inalterado o seu limite máximo, pelo que a conduta do arguido é punida com uma pena de 1 (um) mês e 10 (dez) dias a 2 (dois) anos de prisão.

Atenta a moldura penal ora encontrada, os tipos de ilícito em apreciação, e, bem assim, todas as circunstâncias a que supra aludimos, ao nível das elevadas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso, impondo-se transmitir ao arguido um sinal claro da necessidade de parar de uma vez por todas a atividade criminosa e garantir a confiança da sociedade no funcionamento das instituições, entende-se adequado aplicar ao arguido uma pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, agravando-se, assim, em 1 (um) mês a pena a aplicar caso não estivéssemos perante uma situação de reincidência.

*

2.2.4. DA PENA DE SUBSTITUIÇÃO

A determinação da pena completa-se com uma última operação, consistente na ponderação da substituição da pena principal aplicada por uma das penas de substituição previstas na lei, as quais, atualmente, constituem todas elas penas não detentivas.

Dos artigos. 45.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, 50.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, do Código Penal, resulta um poder-dever do tribunal de ponderação da substituição da pena de prisão aplicada, segundo o qual o tribunal dá preferência a alguma das penas de substituição (necessariamente não privativas de liberdade), em detrimento daquela pena privativa de liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Como se já aludiu, as penas privativas da liberdade constituem a ultima ratio da política criminal, em obediência ao princípio da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e ao favor libertatis (artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa). São somente tais finalidades preventivas justificam a preferência pela pena não privativa da liberdade.

Em termos abstratos, uma pena de prisão superior a 1 ano e inferior a 5 anos pode ser substituída pelas penas de substituição de trabalho a favor da comunidade e de suspensão da execução da pena de prisão.

Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Assim, para além do pressuposto formal referente à pena de prisão aplicada em medida igual ou inferior a 5 anos, a suspensão da execução da pena de prisão exige, em termos de pressuposto material, que, atendendo à personalidade do arguido, às suas condições pessoais, às circunstâncias do facto e à sua conduta anterior e posterior ao facto, a tutela dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade se afigurem como possíveis com a simples censura do facto e com a ameaça da prisão, sendo possível realizar um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, formular um juízo de que o mesmo não praticará novos crimes, juízo este reportado ao momento da decisão (e não da prática do crime).

No caso sub judice, como se apontou supra, as exigências de prevenção geral são bastante elevadas e as necessidades de prevenção especial resultam elevadíssimas, devendo considerar-se os vastos antecedentes criminais do arguido e a insensibilidade revelada pelo arguido face às penas anteriormente aplicadas.

Com efeito, o percurso criminoso do arguido revela que a simples ameaça da prisão ou qualquer outra pena de substituição (nomeadamente, trabalho a favor da comunidade em substituição de pena de prisão) não serão suficientes para o afastar da prática de crimes, o que fica evidenciado pela circunstância de ter praticado os factos vertentes após 14 condenações, sendo 9 pelo mesmo tipo de crime.

Por outro lado, percurso criminal do arguido torna evidente que qualquer juízo de prognose positivo se encontra liminarmente afastado, devendo, na realidade, afirmar-se um juízo de prognose bastante negativo, carecendo o arguido que o sistema de justiça atue no sentido de travar o imputo criminoso e a falta de interiorização das regras que o mesmo vivencia.

Assim, em suma, por tudo o que acabamos de expor, entende o Tribunal que não se encontram reunidos os pressupostos necessários para proceder à substituição desta pena de prisão por pena não privativa da liberdade, tornando-se irrenunciável, para prevenir o cometimento de novos crimes e repor a validade da norma violada – perante o arguido, bem assim como perante a comunidade –, o seu efetivo cumprimento.

No que concerne à execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, resulta do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a pena de prisão efetiva não superior a dois anos, sendo que nos presentes autos foi aplicada pela de 1 ano e 7 meses.

Desde já se deverá salientar que a finalidade de tal regime – leia-se, não submeter o arguido ao efeito ressocializado e o carácter estigmatizante da prisão – encontra-se já amplamente frustrada, atento o cumprimento de múltiplas penas de prisão efetivas pelo arguido.

De resto, este regime “não deve ser aplicado se o arguido cumpriu em data recente penas de prisão efectiva, por crimes da mesma natureza” (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 290), sendo que, in casu, o arguido cumpriu duas penas de prisão efetiva seguidas pela prática do crime que lhe é imputado nos presentes autos, tendo a última sido cumprida em meio prisional.

Ademais, impõe-se concluir que, atendendo aos (I) antecedentes criminais do arguido, (II) à circunstância de, após uma pena de prisão cumprida em regime de permanência na habitação, ter voltado a cometer o crime imputado nos presentes autos no passado e ao (III) facto de ter praticado o crime objeto dos presentes autos no período subsequente ao cumprimento de pena de prisão efetiva em estabelecimento prisional, o regime de permanência na habitação não satisfaz, de modo algum, de forma adequada e suficiente as exigências de prevenção geral e especial que no presente caso se fazem sentir, sendo que uma tal forma de cumprimento da pena, por ser menos gravosa do que as anteriores, representaria, para o arguido e para a comunidade, verdadeira impunidade.(…)”

Analisada a decisão recorrida, não obstante a argumentação do recorrente, verifica-se que o Tribunal a quo teve em conta todos os factos que o pudessem favorecer e desfavorecer, aplicou correctamente os princípios gerais de determinação da medida da pena, não ultrapassou os limites da moldura da culpa e teve em conta os fins das penas nos quadros da prevenção geral e especial. Em face da matéria de facto apurada, entendemos que a quantificação da pena de prisão não se mostra desproporcionada, nem se mostram violadas as regras da experiência comum, estando as circunstâncias atenuantes e agravantes bem ponderadas, nomeadamente o dolo directo, a ilicitude mediana, os antecedentes criminais e as condições de vida do recorrente, que revelam uma dificuldade de inibição para a prática deste tipo de crime. Não releva a argumentação do recorrente no sentido de que não foi tida em conta a sua confissão, na medida em que a mesma tem pouco valor, face ao facto de ter sido detido em situação de flagrante delito.

Por outro lado, são muito elevadas as razões e necessidades de prevenção geral positiva, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de crimes geradores de grande e forte sentimento de alarme social, por serem muito frequentes, porem em causa a ordem e tranquilidade públicas e poderem ter consequências nefastas para a vida, saúde e bens patrimoniais do próprio e de terceiros, o que justifica uma resposta punitiva firme, para assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas e prevenir a sinistralidade rodoviária que ainda é uma das maiores causas de morte no nosso país.

No caso concreto, foram ponderadas as circunstâncias pessoais, sociais e económicas do recorrente, a sua confissão, antecedentes criminais e o facto de da sua actuação não terem resultado danos físicos e patrimoniais para terceiros, não obstante a perigosidade que representou a sua condução.

Na verdade, se alguma crítica haverá a fazer à pena aplicada ao recorrente é por ser baixa e não elevada, como o mesmo pretende, face à extensão da lista dos seus antecedentes criminais, sobretudo pela prática do mesmo tipo legal de crime. Por tudo o exposto, não se justifica a alteração da pena aplicada ao recorrente, a qual ainda se enquadra no limite da culpa. Quanto à aplicação do instituto da reincidência, também não há qualquer reparo a fazer à decisão recorrida, pois não só se mostram verificados todos os pressupostos materiais e objectivos da aplicação do instituto, como, ao contrário do defendido pelo recorrente, decorre da factualidade apurada que é de censurar a conduta do agente por as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência para o crime, pois não só voltou a praticar o crime passado menos de dois anos do cumprimento de uma pena de prisão efectiva pela prática de crime do mesmo tipo, como resultou provado que tentou ludibriar os agentes da autoridade, trocando de lugar no veículo que conduzia com a sua companheira, de modo a fazer crer que era ela que vinha a conduzir. Tudo isto é sintomático de uma falta grave de assumpção pelo arguido da sua culpa, do desvalor da sua conduta e da ausência de reconhecimento dos perigos que podem advir de uma condução sem habilitação legal. Aliás, os factos demonstram que o arguido fazia da condução sem habilitação legal uma prática frequente, se não mesmo diária, tendo “por azar” sido “apanhado” nada menos do que 11 vezes a conduzir um veículo automóvel naquelas circunstâncias.

Por tudo isto, se considera que a decisão recorrida se mostra acertada ao ter condenado o recorrente como reincidente, improcedendo também neste tocante o recurso. Pretende ainda o recorrente cumprir a pena de prisão que lhe foi aplicada na habitação.

A este respeito, dispõe o Cód. Penal o seguinte: “ Artigo 43.º - Regime de permanência na habitação 1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. 3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. 4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente: a) Frequentar certos programas ou atividades; b) Cumprir determinadas obrigações;

c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado; d) Não exercer determinadas profissões; e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas; f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes. 5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.”

Resulta desta disposição legal que o regime de permanência na habitação tem como pressuposto material a sua adequação às finalidades da execução da pena de prisão, sendo a escolha deste regime determinada exclusivamente por considerações de natureza preventiva especial, ou seja, de reintegração social do recluso (cf. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in “ Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ”, 5ª edição atualizada, UCP, págs. 316 a 318).

A opção pelo cumprimento da pena de prisão em meio prisional ou em regime de permanência na habitação depende unicamente de considerações ligadas à necessidade e proporcionalidade das restrições dos direitos em contraponto com as exigências de prevenção verificadas no caso concreto.

Em matéria de execução da pena de prisão, importa ter em conta as seguintes opções politico-criminais:

- a execução da pena de prisão deve ter como objectivo a socialização do condenado, competindo ao Estado proporcionar as condições necessárias para que aquele conduza a sua vida de modo socialmente responsável, através de uma dinâmica progressiva de preparação para a liberdade; e

- atento o princípio constitucional da proporcionalidade das restrições dos direitos, a execução da pena de prisão deve ser o menos restritiva possível da liberdade, surgindo a privação total desta como última ratio da politica criminal, conforme previsto no art.º 27º da CRP.

Daí que o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, salvaguardadas as finalidades preventivo-especiais de reintegração e de prevenção geral positiva, cumpra melhor do que a execução em meio prisional aquelas opções de política criminal, sobretudo relativamente a penas de curta duração, como a dos autos.

Porém, no caso em apreço, os antecedentes criminais do arguido e o facto de o mesmo ainda não ser titular de carta de condução não permitem concluir que as finalidades da punição e, sobretudo, o objectivo de reinserção social do arguido, ainda podem ser atingidos com o cumprimento da pena na habitação, com sujeição a vigilância electrónica.

É importante e necessário que o arguido interiorize e valorize de uma vez por todas a importância dos bens jurídicos violados pelos seus sucessivos comportamentos, pelo que se entende que mais uma execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação não permite essa tomada de consciência, não podendo ser um prémio por um bom comportamento que não existiu até agora e tendo que ser sentida pelo arguido como um castigo que efectivamente é. Importa ainda considerar que o recorrente já conhece os efeitos perversos do confinamento prisional e não pensou nos mesmos, nem no seu impacto na sua família, aquando do cometimento do crime em apreço.

O arguido tem agido até aqui com total sentimento de impunidade, o qual sairia reforçado com a aplicação de mais uma pena de prisão suspensa na sua execução, sendo necessário e urgente que este arguido perceba, de uma vez por todas, que as decisões dos Tribunais são efectivamente para serem cumpridas e respeitadas.

Por tudo o exposto, considera-se que a aplicação deste regime já não realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Não se considerando violadas as normas invocadas pelo arguido, impõe-se considerar totalmente improcedente o presente recurso.

*

4. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso interposto por AA, confirmando integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s.

Évora, 28 de Outubro de 2025

(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)

Carla Francisco

(Relatora)

J. F. Moreira das Neves

Laura Goulart Maurício

(Adjuntos)