A suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos legais.
I – RELATÓRIO
1. No Juízo Local Criminal de …, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi submetido a julgamento em processo comum (Tribunal singular), após acusação do Ministério Público, que lhe imputou a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla, p. e p. nos artºs. 217º, n.º 1, 10.º, n.º 1, 13.º,14º e 26º, todos do Código Penal.
2. Por sentença de 16 de fevereiro de 2024, foi decidido:
“Pelos fundamentos expostos, julgo a acusação procedente, por provada, e em consequência:
a) Condeno o arguido AA pela prática em 05/07/2021, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217º, nº 1 do Código Penal na pena de 10 (DEZ) MESES de prisão efetiva;
b) Mais condeno o arguido nas custas criminais, nestas se incluindo 2 UC de taxa de justiça, (cfr. artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais e artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).
c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante civil e condenar o arguido/demandado civil ao pagamento da quantia de:
i. 530,00 euros (quinhentos e trinta euros), a título de danos patrimoniais acrescidos de juros de mora contados desde a data da citação do pedido de indemnização civil até efetivo e integral pagamento.
ii. 500,00 euros (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a condenação até ao efetivo e integral pagamento.
d) Custas do pedido de indemnização civil a suportar por ambas as partes de acordo com o respetivo decaimento, sem prejuízo da isenção prevista no art art 4º, nº 1, al. n) do RCP, atento o respetivo valor.
(…).”
3. Inconformado com a decisão final, dela interpôs recurso o arguido, pedindo a revogação da decisão, “condenando-se o arguido em pena de prisão, mas suspensa na sua execução, com regime de prova, pois só assim se fará justiça.”.
Extraiu o recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:
“1 - O arguido praticou três crimes em sete anos o que dificilmente se poderá considerar prática reiterada,
2 - Todos esses os crimes cometidos são de quantias reduzidas e até, curiosamente, sempre menores do que as anteriores.
3 - Nas duas condenações anteriores, a condenação em pena de prisão foi suspensa sob regime de prova, sendo que o recorrente jamais cumpriu pena privativa de liberdade porque procedeu ao pagamento das quantias em causa.
4 - Torna-se evidente que a suspensão da execução da pena de prisão com regime de prova é a única que poderá fazer justiça à vítima!
5 - A douta sentença incorreu em erro de julgamento na determinação da medida da pena, violando o princípio da proporcionalidade e o princípio da adequação da pena consagrados no artigo 71.º do Código Penal e não considerou suficientemente a possibilidade de aplicação de medidas substitutivas à prisão efetiva, tais como a suspensão da execução da pena com regime de prova (artigo 50.º do Código Penal). A aplicação de uma pena de prisão efectiva sem fundamentação suficiente quanto à impossibilidade de uma alternativa, viola o princípio da necessidade e adequação da pena (artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa)”.
4. O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.
5. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência. Extraiu as seguintes conclusões:
“- a gravidade dos factos e circunstâncias da sua prática, a personalidade do arguido, as suas condições de vida e a sua conduta anterior e posterior ao crime desaconselhavam a suspensão de execução da pena de prisão aplicada
- inexistem circunstâncias que permitam concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão subjacentes à suspensão de execução da pena realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
6. Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumprido o contraditório, não foi apresentada resposta ao parecer.
7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
II – QUESTÕES A DECIDIR.
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença final proferida nos autos –, as questões a examinar e decidir prendem-se com a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
*
III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA RELEVANTES PARA APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO.
Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
“(…) Produzida a prova e discutida a causa resultaram os seguintes:
A. Factos Provados:
1. No dia 09-10-2018, pelas 14 horas, 35 minutos e 11 segundos, através de uma ligação de internet com IP adress que não foi possível identificar, o arguido AA, doravante AA, criou uma conta no sítio da internet www.olx.pt, com o ID: …, com a identificação «Revenda Online», telefone … e o e-mail …@gmail.com,
2. Através da referida conta o arguido AA, entre o dia 09-10-2018 e até 22-09-2021, colocou inúmeros anúncios a publicitar artigos para venda, nomeadamente, máquinas, ferramentas, equipamentos agrícolas, veículos motorizados, GPS, smarwatches.
3. No dia 15-04-2021, pelas 19 horas, 19 minutos e 5 segundos, o arguido AA publicou um anúncio com o ID: …, para venda de um «Compactador Placa Vibratória a gasolina …», pelo preço de 500 EUR, com a seguinte descrição:
“Compactador Placa Vibratória a Gasolina … Nova Descrição A placa Vibratória de 196 cc oferece uma velocidade de funcionamento de 5600 rpm com um motor de 6,5 cv, podendo ser utilizada em asfalto, solo, areia, cascalho e solos misturados na área de construção, engenharia civil ou rodoviária, jardinagem, paisagismo e muito mais. Esta placa Vibratória fornece uma força de impacto de 15,5 kn e profundidade de compactação de 20 cm, para garantir que o material de base é totalmente compactado. Pode circular até 25 m por minuto, permitindo trabalhar de forma rápida. A placa inferior é feita de aço, oferecendo mais resistência, nivelamento e suavidade. Inclui um tapete de PU, que reduz a vibração e evita que a placa vibradora arranhe, sem reduzir a velocidade de deslocação ou a força de compactação. A alavanca do acelerador permite ajustar a velocidade do motor de rápida para lenta. Inclui uma roda de transporte dobrável e um guiador, para facilitar o transporte e o armazenamento quando não estiver a ser utilizada. A placa vibradora é fácil de montar. Especificações Material: chapa de aço Peso: 75 kg Tamanho da placa: 50 x 40 cm (C x L) Espessura da placa: 58 mm Força de impacto: 15,5 Kn Potência: 6,5 cv/196 cc Profundidade de compactação: 20 cm Velocidade rotativa: 5800 rpm Velocidade de deslocação: 20-25 m/min Ângulo de escalada: 0-20 graus Vibração: 11,7 m/s2 Capacidade do tanque de combustível: 3,6 L Inclui alavanca de acelerador para ajustar a velocidade do motor (rápida-lenta) Inclui rodas de transporte dobráveis inclui tapete de PU Marca: F-Tools Envio por transportadora a cobrança no valor de 30€.Pode levantar em mão em … e … Para mais informações contacte para o numero indicado no anuncio.”
4. Entre o dia 15-04-2021 e o dia 05-07-2021 o arguido manteve o anúncio ativo.
5. No dia 05-07-2021, BB, doravante BB, contactou telefonicamente o arguido AA para o número … e manifestou interesse na aquisição do referido produto,
6. Nesse contacto telefónico o arguido AA garantiu que tinha o produto anunciado, em boas condições, e que vendia o mesmo a BB pelo preço de 500 EUR, acrescido de 30 EUR para portes de envio, a pagar, nesse mesmo dia, por «MB WAY»,
7. E comprometeu-se a enviar o artigo anunciado para a morada indicada por BB, no prazo de 48 horas,
8. Com o que o arguido convenceu BB
9. Que ordenou o pagamento de €530,00, através de aplicação mbway, para o número de telefone …, indicados pelo arguido AA,
10. Donde, o arguido AA recebeu, no dia 05-07-2021, na conta do «Banco …», de que é titular, com o IBAN … a quantia de 530 EUR, com a descrição TRF MB WAY DE BB, quantia que fez sua, nomeadamente: nos dias 5-7-2021 e 6-7-2021, em …, levantou o total de €400,00 em numerário, através do cartão de multibanco associado àquela conta e gastou o remanescente em compras do seu interesse,
11. O arguido AA nunca enviou o compactador placa vibratória anunciado a BB, nem lhe devolveu qualquer quantia, não obstante ter recebido créditos na referida conta bancária suficientes para devolver o referido valor,
12. O arguido nunca quis celebrar o negócio anunciado, como bem sabia,
13. Sabia, assim, que não dispunha do artigo para venda e que o anúncio referido e por si colocado continha informação que não correspondia à verdade, o que quis fazer
14. Com o estratagema acima descrito, quis-se locupletar, como locupletou, à custa de BB da quantia de € 530.00, o que conseguiu
15. O arguido sabia que aquela não tinha conhecimento da inverdade do anúncio
16. E não tinha qualquer possibilidade de a detetar
17. Causou, desse modo, àquela, um prejuízo no valor de € 530,00
18. O que sempre quis,
19. Obtendo, dessa forma, como era seu propósito, um enriquecimento correspondente, cifrado naquele valor,
20. Que sabia ser ilegítimo.
21. Agiu sempre de forma livre, consciente e deliberada,
22. Bem sabendo que todas as suas condutas, acima elencadas, eram proibidas e punidas por lei penal.
- DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
23. A ofendida ficou desapossada da quantia de 530,00 euros no dia 05.07.2021.
24. Ao perceber que foi vitima de um engano, a arguida esteve uma semana sem dormir.
25. Igualmente se sentiu frustrada.
- DAS CONDIÇÕES PESSOAIS, FAMILIARES, ECONÓMICAS E SOCIAIS DO ARGUIDO
26. O arguido não aufere quaisquer rendimentos.
27. As suas condições pessoais, familiares e sociais não foram apuradas por falta de colaboração do arguido.
- DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS
28. Por sentença de 21.01.2000, o arguido foi condenado, por factos reportados a 12.08.1999, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, a qual foi declarada extinta por cumprimento.
29. Por acórdão de 06.10.2000, transitado em 10.11.200, o arguido foi condenado, por factos reportados a 13.08.1999, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 20 dias de multa à taxa diária de 100$00 e um crime de posse de arma, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, a qual foi declarada extinta por cumprimento.
30. Por sentença de 22.02.2001 e transitada em 07.03.2001, o arguido foi condenado, por factos reportados a 07.03.2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 dias multa à taxa diária de 300$00, a qual foi declarada extinta por pagamento.
31. Por sentença de 06.02.2002, o arguido foi condenado, por factos reportados a 08.10.2000, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias multa à taxa diária de 3,50 euros, a qual foi declarada extinta por pagamento.
32. Por sentença de 11.12.2003 e transitada 09.02.2004, o arguido foi condenado, por factos reportados a 06.01.2003, pela pratica de um crime de desobediência, um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 4 anos, a qual foi declarada extinta por cumprimento.
33. Por sentença de 25.06.2008 e transitada em 01.09.2008, o arguido foi condenado, por factos reportados a 2004, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, a qual foi declarada extinta por cumprimento.
34. Por sentença de 13.11.2009 e transitada em 14.04.2010, o arguido foi condenado, por factos reportados a 26.03.2006, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão, a qual foi declarada extinta por cumprimento.
35. Por sentença de 24.04.2013 e transitada em 24.05.2013, o arguido foi condenado, por factos reportados a 06.08.2009, pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros, a qual foi declarada extinta por cumprimento.
36. Por sentença de 08.01.2018 e transitada em 26.02.2018, o arguido foi condenado, por factos reportados a 14.03.2016, pela prática de um crime de burla simples, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, na condição de efetuar o pagamento da quantia de 625,00 euros a pagar em duas prestações semestrais e sucessivas no valor de 312,50 euros, cada uma, a qual foi declara extinta por cumprimento.
37. Por sentença de 19.12.2019 e transitada em 10.02.2020, o arguido foi condenado, por factos reportados a agosto de 2014, pela prática de um crime de burla simples na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova e ainda no dever de pagamento da quantia de 534,50 euros.
B. Factos Não Provados
Não foram apurados quaisquer factos com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente os do pedido de indemnização civil por se tratarem de factos conclusivos ou de direito.
(…)
IV – ENQUADRAMENTO JURIDICO-PENAL
O arguido encontra-se acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla, p. e p. no art. 217º, nº 1 do Código Penal.
(…)
CONSEQUENTEMENTE, CONSTATA-SE, desta forma que, O ARGUIDO COMETEU UM CRIME DE BURLA DE QUE VINHA ACUSADO, em autoria material e na forma consumada.
DETERMINAÇÃO E MEDIDA DA PENA
Constata-se, desta forma que o arguido cometeu o crime de burla, p. e p. pelo artigo p. e p. no art. 217.º, nº1 do Código Penal.
A determinação da medida da pena obedece a três fases que consistem na determinação da moldura legal ou abstrata, na escolha e na determinação concreta da medida da pena.
A moldura abstratamente cabida ao crime de burla simples, é de pena de prisão até um mês a três anos ou pena de multa de 10 dias até 360 dias – cfr. artigos 43º. nº 1, 47.º, n.º 1 e 217.º, n.º 1, todos do CP.
Como o crime prevê a punição em pena de prisão ou em pena de multa, cumpre proceder à escolha da pena nos termos do artigo 70º do Código Penal.
Dispõe este preceito legal que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Com efeito, como refere Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, Consequências ..., Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág.359) “as penas curtas de prisão ... transportam consigo o risco sério de dessocializar fortemente o condenado, ao pô-lo em contacto, durante um período curto, com o ambiente deletério da prisão; curto, mas suficientemente longo para prejudicar seriamente a integração social do condenado, maxime, ao nível familiar e profissional”.
A escolha da pena deve por isso obedecer, nos termos do artigo 40º do Código Penal, a finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, enquanto proteção de bens jurídicos, e a finalidades de prevenção especial de socialização referidas à reintegração do agente na comunidade.
No caso dos autos, o arguido não compareceu a julgamento, alheando-se do processo judicial que impendia sobre si, revelando desprezo pelo próprio sistema judicial bem como pela justiça, tem antecedentes criminais vastos, sendo que os dois últimos pela pratica de crimes de igual natureza, a que foi condenado em penas de prisão suspensa na sua execução e após o respetivo cumprimento volta a prevaricar.
Todas estas circunstâncias, revelam que o arguido possui uma personalidade desconforme ao direito e que as penas não privativas da liberdade a que foi sucessivamente condenado não foram suficientes para o afastar da prática de condutas ilícitas, reiterando o seu comportamento criminal pelo que entendemos que uma pena não privativa da liberdade se afigura adequada às circunstâncias do caso pelo que, em face dos critérios legais aplicáveis, se opta pela pena de prisão.
Acresce que no caso sub judice, as exigências de prevenção geral revelam-se medianamente elevadas, atento o facto de o índice de violação da norma ser bastante expressivo no país e, em particular, na área deste juízo local, em face da frequência com que é cometido este tipo de crime – também, na modalidade em causa, não sendo despiciendo o número de cidadãos que, diariamente, se vêm privados de partes significativas do seu património mediante o “sábio” poder de persuasão e convencimento, quase anestesiante, levando as pessoas a praticar atos prejudicais para si próprios.
Já no que concerne às necessidades de prevenção especial, afigura-se-nos que as mesmas já se revelam prementes, como supra se aludiu.
Conclui-se, pois, que a aplicação as sucessivas penas de prisão suspensa na sua execução, nomeadamente pela prática deste mesmo crime não constituíram, para o arguido, suficiente advertência de que, doravante, deveria conformar o seu comportamento aos ditames do Direito, antes tendo ele optado por praticar nova conduta criminosa, interferindo, de modo absolutamente ilegítimo e ilícito, no património de outrem, engrandecendo, às custas de terceiro, as suas disponibilidades financeiras.
É por demais evidente, face ao teor do seu CRC, que o arguido possui uma personalidade atreita ao incumprimento das regras vigentes e manifestamente indiferente a sentimentos de respeito pelo património alheio, sempre que entenda por necessário o seu sacrifício para satisfação dos seus próprios interesses e necessidades. A sua personalidade revela-se, igualmente, insensível aos fins das penas, v.g., às menos restritivas da sua liberdade -, patenteando-se, mesmo, que age em conformidade com um certo sentimento de impunidade prática, nunca tendo alcançado nem interiorizado o sentido das penas criminais a que foi sujeito.
Por fim, ao não comparecer em julgamento, alheando-se ao desfecho do processo judicial, não permite concluir que o mesmo haja já operado a necessária interiorização quanto à premência de assumir uma atitude de auto responsabilização perante os seus atos – mesmo que tal implique consequências para si.
Estes elementos, conjugados entre si, deixam perceber que o arguido possui uma personalidade pouco sensível à necessidade de cumprimento de regras e de imposições exteriores, bem como um sentimento prático de impunidade, que urge reprimir. Deixam, igualmente, transparecer que não interiorizou, ainda, a necessidade de assumir a responsabilidade pelos seus atos, independentemente da censura que os mesmos possam merecer em face das penas de prisão suspensas na sua execução a que foi condenado pela prática de dois crimes de burla.
Pelo exposto, é entendimento deste Tribunal que a aplicação, ao arguido de uma pena de multa, pelo cometimento de qualquer dos ilícitos em apreço, se não mostraria adequada e suficiente à realização das finalidades da sua punição, pelo que se decide optar pela aplicação de uma pena de prisão.
Feita a opção pela pena de prisão, há que determinar agora a sua medida concreta, relativamente ao ilícito praticado pelo arguido, dentro dos limites estabelecidos pela moldura penal aplicável em causa e nos termos estabelecidos pelo art. 71.º do Código Penal.
Nos termos do n.º 1 da disposição legal acabada de mencionar, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, dentro dos limites definidos pela lei.
Tal artigo consagra, assim, o princípio que representa a pedra de toque do Direito Penal português, o princípio da culpa. Com efeito, segundo tal princípio, toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, princípio que encontra desde logo consagração no art. 13.º do Código Penal, que apenas prevê a punibilidade do facto praticado a título de dolo, ou em casos especialmente previstos na lei, a título negligente.
Na verdade, não só não há pena sem culpa, como é também a culpa que decide a medida da pena - arts. 40.º, 2 e 71.º, 1, do Código Penal.
Quanto à prevenção, a pena tem dois tipos de finalidades: por um lado, uma finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, visando a defesa da ordem jurídico-penal tal como é interiorizada pela consciência coletiva (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/10/1997, cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt) e, por outro lado, a prevenção especial positiva ou de socialização, a qual pressupõe que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá, no futuro, outro crime (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01/07/1998, cujo sumário se encontra igualmente disponível em www.dgsi.pt).
Culpa e prevenção ocupam, assim, papéis primordiais na determinação da medida da pena.
Conforme acima se disse, as exigências de prevenção geral positiva fazem-se sentir, no caso, de forma elevada.
Porém, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente os critérios referidos nas várias alíneas do n.º 2 do art. 71.º do Código Penal.
Assim, importa assinalar, em primeiro lugar, que, no que tange ao crime de burla, o grau de ilicitude afigura-se mediando, considerando as circunstâncias em que o arguido se apropriou da quantia – aproveitando que a ofendida era uma pessoa simples e crédula acreditando que o aludido anúncio de venda era verídico.
Há que atender a que a quantia que lhe foi entregue não foi devolvida à ofendida e desconhecendo-se quando e se a mesma será devolvida uma vez que o arguido não tem quaisquer rendimentos declarados.
Por outro lado, o dolo é direto e reveste intensidade elevada, revelando mesmo premeditação, considerando que o arguido se fez passar por vendedor junto da ofendida, tomando-lhe a confiança que depois, de forma censurável, violou.
Importa considerar o facto de o arguido não ter comparecido a julgamento, tal suscita dúvidas de que tenha interiorizado a gravidade da conduta que assumiu e de que se tenha consciencializado da necessidade de pautar a sua futura atuação pelas regras de convivência social e pelo respeito pelo próximo.
Releva, ainda, sopesar que os antecedentes criminais do arguido (factos 28 a 37) patenteiam acrescidas exigências no plano da prevenção especial. Com efeito, conforme acima de disse, à data do cometimento dos factos em apreço, o arguido fora já condenado, por decisões judiciais transitadas em julgado, pela prática de dois crimes de burla em penas de prisão suspensas na sua execução, o que irreleva, pois o que se espera e pede a um cidadão é que não pratique crimes. O histórico criminal do arguido demonstra, assim, uma não pouco intensa e plurifacetada atividade criminosa, desenrolada ao longo de um lapso temporal considerável – desde 1999 a 2021 (por referência à data da prática dos factos).
Acresce que o arguido não se encontra laboralmente ativo, não permitiu conhecer a sua condição pessoal, pois não colaborou com a DGRSP na elaboração do relatório social necessário para a escolha da pena e respetiva medida.
Importa igualmente ter em consideração o estado emocional em que deixou a ofendida (factos 24 e 25).
Nada milita a favor, atenta a personalidade do mesmo respaldada no total alheamento sobre o processo que impende sobre si.
Atentos os fatores que se deixaram evidenciados, o Tribunal considera adequada a aplicação, ao arguido uma pena de 10 (dez) meses de prisão, pela prática do crime de burla.
DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
De acordo com o disposto no artigo 50º nº 1 do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considerando o quantum da pena de prisão, há que ponderar se será de substituir esta pena, por uma das medidas substitutivas.
A resposta só pode ser negativa, pois a personalidade do arguido, o seu modo de vida, conduta anterior e posterior reclamam pena carcerária.
Com efeito, o arguido:
- revela uma propensão para a prática de ilícitos;
- até ao momento não arrepiou caminho;
- não ter capacidade de descentração, pois não assume o grande desvalor da sua conduta;
- não revela motivação para infletir o percurso de vida até agora assumido, pelo que deverá sedimentar e empenhar-se mais nesse objetivo;
- insensibilidade manifestada às penas não carcerária a que foi condenado pela prática de dois crimes de burla.
Dito isto, com segurança, se afirma que a simples censura do facto e ameaça da prisão não são suficientes para ressocializar o arguido e proteger os bens jurídicos de condutas posteriores.
De facto, a personalidade desviante e o percurso de vida até agora verificado desaconselham em toda a linha uma medida que não seja carcerária. Porquanto, atento o percurso penal do arguido, a sua desadaptação à vida em comunidade e a sua persistência em cometer crimes contra o património quando restituído a liberdade, ENTENDEMOS NÃO SER DE SUSPENDER A EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO, A FIM DE PREVENIR O COMETIMENTO DE FUTUROS CRIMES – cfr. art. 43.º e 50.º do Código Penal.
(…)”.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO.
Como aliás resulta da sua motivação de recurso, não pretendeu o arguido colocar em questão a factualidade dada como provada, a subsunção dos factos provados no tipo incriminador do artigo 217º do Código Penal, ou sequer a escolha e determinação da medida concreta da pena.
A pretensão do recorrente é a de ver substituída a pena de prisão efetiva aplicada, solicitando a apreciação da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Vejamos.
Estabelece o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E, de acordo com o disposto no n.º 2 do mesmo artigo 50.º, o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
A suspensão da execução da pena não depende, assim, de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos legais.
Por outro lado, importa relembrar que a suspensão da execução da pena de prisão não pode deixar de ser entendida como uma medida pedagógica e reeducativa, com vista à realização, de forma adequada, das finalidades da punição, isto é, da proteção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º, n.º 1, do C. Penal), devendo ser decretada se se mostrar adequada para afastar o delinquente da prática da criminalidade.
Não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas. Subjacente à suspensão está assim a possibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido no sentido de se entender que a condenação em causa constitui para si uma séria advertência e um forte alerta para que não volte a delinquir, acreditando-se que, nas concretas condições em que se encontra, é razoavelmente de acreditar que a sua ressocialização se poderá fazer ainda em liberdade.
Importa, por fim, notar que, tratando-se de um juízo de prognose, não se impõe que tal juízo assente necessariamente numa “certeza”, bastando uma “expectativa” fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido (trata-se de entendimento constante na nossa Jurisprudência, podendo ver-se, entre muitas outras decisões neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2003, in Coletânea de Jurisprudência/STJ, ano XXI, tomo II, 2003, p. 221).
Como referem LEAL-HENRIQUES E SIMAS SANTOS, in Código Penal Anotado, I, pág. 444, «o Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza». Na verdade, não podendo nunca assegurar-se que um arguido, a quem foi suspensa a execução de uma pena de prisão, não venha a cometer novo crime, haverá sempre que correr algum risco, embora um risco calculado, impondo-se no entanto que existam bases de facto capazes de suportarem tal juízo com alguma firmeza. Para tanto, deverá o Tribunal considerar os elementos referidos no citado artigo 50.º, n.º 1, do C. Penal, ou seja, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, sendo que, se da ponderação de todas essas circunstâncias, concluir favoravelmente sobre o comportamento futuro do arguido no sentido de admitir como muito provável que a simples censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para o afastar da prática da criminalidade e para satisfazer as demais finalidades da punição (proteção dos bens jurídicos), deverá, em tal caso, suspender a execução da pena aplicada. O juízo de prognose a realizar pelo Tribunal partirá assim da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida do arguido, da conduta anterior e posterior ao crime adotada pelo mesmo e da sua revelada personalidade, análise que permitirá concluir, ou não, pela viabilidade da sua socialização se fazer em liberdade.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão em apreço e concluiu pela inviabilidade da opção pela suspensão da pena única de prisão aplicada.
Desde logo, o Tribunal a quo referiu:
“Considerando o quantum da pena de prisão, há que ponderar se será de substituir esta pena, por uma das medidas substitutivas.
A resposta só pode ser negativa, pois a personalidade do arguido, o seu modo de vida, conduta anterior e posterior reclamam pena carcerária.
Com efeito, o arguido:
- revela uma propensão para a prática de ilícitos;
- até ao momento não arrepiou caminho;
- não ter capacidade de descentração, pois não assume o grande desvalor da sua conduta;
- não revela motivação para infletir o percurso de vida até agora assumido, pelo que deverá sedimentar e empenhar-se mais nesse objetivo;
- insensibilidade manifestada às penas não carcerária a que foi condenado pela prática de dois crimes de burla.
Dito isto, com segurança, se afirma que a simples censura do facto e ameaça da prisão não são suficientes para ressocializar o arguido e proteger os bens jurídicos de condutas posteriores.
De facto, a personalidade desviante e o percurso de vida até agora verificado desaconselham em toda a linha uma medida que não seja carcerária. Porquanto, atento o percurso penal do arguido, a sua desadaptação à vida em comunidade e a sua persistência em cometer crimes contra o património quando restituído a liberdade, ENTENDEMOS NÃO SER DE SUSPENDER A EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO, A FIM DE PREVENIR O COMETIMENTO DE FUTUROS CRIMES – cfr. art. 43.º e 50.º do Código Penal”.
Com esta fundamentação, o Tribunal a quo ponderou as circunstâncias do caso concreto, partindo da consideração do comportamento provado e analisando, com particular enfoque, a conduta anterior ao crime e o modo de execução deste, daí extraindo conclusões quanto à sua revelada personalidade.
Desde já, afirmamos que as conclusões extraídas pelo Tribunal recorrido se mostram acertadas e inabaláveis. Vejamos porquê.
A conduta do arguido que conduz à sua condenação nos presentes autos corresponde à sua décima primeira condenação em processo criminal, tendo antecedentes criminais por uma grande diversidade de crimes (tráfico de estupefacientes de menor gravidade, consumo de estupefacientes, detenção de arma proibida, condução sem habilitação legal, desobediência, tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e burla simples) suscitando tal obstinada repetição um forte repúdio no seio da comunidade. Por isso, os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, reclamam uma intervenção forte do direito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena responda às necessidades de tutela dos bens jurídicos, assegurando a manutenção, apesar da repetida violação da norma, da confiança comunitária na prevalência do direito.
Tal como acontece com os demais cidadãos, a repetição de uma conduta que já anteriormente foi censurada ao arguido através de condenação em processo criminal, assume foros de maior gravidade e elevada censurabilidade. Por isso, é imperioso concluir que a comunidade repudia, com forte intensidade, condutas como as dos autos, não podendo o cidadão comum compreender que à mesma ande associada reação penal demasiado branda.
Na situação em apreço são muito intensas as necessidades de prevenção especial - revela-se de modo exuberante uma intensa propensão do arguido para a repetição de factos delituosos, propensão essa a que o Tribunal a quo não foi (nem podia ser) indiferente.
Dos factos provados, resulta que à data da prática dos factos em causa nestes autos, o arguido já fora alvo de condenação em dois processos criminais, por crimes de semelhante natureza – burla simples – tendo-lhe sido aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução.
Constata-se que as condenações suprarreferidas não desviaram o arguido do cometimento de novo crime de burla – apesar de solenemente advertido, por múltiplas vezes, para a necessidade de manter o seu comportamento de acordo com os parâmetros da lei, e não obstante ter terminado recentemente o período de suspensão da execução da pena de um ano prisão que lhe fora aplicada por sentença de 19.12.2019 e transitada em 10.02.2020 (cujo termo ocorreu em 10.02.2021), o arguido voltou à prática de tal crime, em repetição homótropa. Tal circunstância não pode deixar de significar, por um lado, que o arguido desprezou, por completo as solenes advertências que lhe foram feitas e que persistiu na senda do crime.
Teremos, na verdade, que concluir que a persistência no comportamento delituoso assume, no caso concreto, contornos exuberantes.
Este quadro de propensão para a “reincidência” não foi ignorado pelo Tribunal a quo que, por via dela, excluiu a possibilidade de estabelecer um prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do arguido. E bem. O comportamento do arguido, quer o anterior aos factos em causa, quer o que rodeou o cometimento do crime ora em apreço, não permite que se considere provável que a simples censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para o afastar da prática da criminalidade.
Na verdade, os traços de personalidade revelados pelo arguido não permitem que se estabeleça um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do mesmo. Sendo certo que não se pretende assentar tal juízo numa “certeza”, os contornos do caso inviabilizam a possibilidade de acreditar que o arguido será sensível à advertência de uma nova condenação que não envolva o cumprimento efetivo da pena de prisão. Para a generalidade dos cidadãos, a experiência de ser visado numa investigação criminal em sede de processo contra si movido, constitui advertência suficiente para sustar o prosseguimento de atividade delituosa. Para a maioria dos cidadãos, a circunstância de se ser alvo de uma condenação criminal constitui aviso suficiente para evitar a reincidência. Para uma considerável parte dos condenados em penas de prisão, a mera ameaça de execução dessa pena constitui razão para profunda alteração do percurso de vida. Comprovadamente assim não sucede com o arguido, não ocorrendo circunstâncias que permitam concluir que a mera condenação e ameaça do cumprimento de pena de prisão possam constituir para si uma séria advertência, um alerta suficientemente forte para que não volte a delinquir.
Não há base para uma “expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido”. Por isso, o risco de enveredar por uma pena de prisão suspensa na sua execução não é, no caso, um risco “prudente”. Só um prognóstico negativo se pode fazer, pesadas todas as circunstâncias do caso concreto.
Efetivamente, das circunstâncias apuradas, decorre que o arguido revela propensão para repetir factos semelhantes aos praticados e em causa nestes autos, o que evidencia, sem dúvida, que o arguido não interiorizou profundamente o desvalor da sua conduta, nem adquiriu capacidade de autocensura que o afaste da senda que tem trilhado.
Bem andou o Tribunal a quo ao não decretar a suspensão da execução da pena de prisão.
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Por fim, cumpre-nos assinalar que, no caso concreto, se revela inviável a execução da pena em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no artigo 43º do Código Penal. Para além de não constar dos autos a pretensão do recorrente no sentido dessa forma de execução (sendo que o consentimento do condenado constitui requisito formal de verificação necessária), constata-se que as exigências de prevenção geral e especial supra assinaladas não permitem concluir que esse modo de execução realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão. É em face das exigências de prevenção geral e especial que se deve aferir da possibilidade de opção pelo regime de permanência na habitação, como forma de execução da pena de prisão. O cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização electrónica, não constituiria meio suficiente para dissuadir o condenado de cometer, no futuro, ilícitos da mesma natureza, nem permitiria realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não ficando asseguradas as finalidades da execução da pena de prisão (quer de prevenção geral, quer especial). Como já antes afirmámos, o arguido manifestou intenso desprezo pela lei e pelas anteriores advertências subjacentes às condenações criminais de que foi alvo. As necessidades de prevenção especial fazem-se sentir de forma muito intensa, comprometendo de forma evidente a possibilidade de se formular um prognóstico positivo de alteração do comportamento futuro do delinquente sem necessário recurso à sua reclusão em ambiente prisional. As condenações homótropas (a que acrescem outras condenações por crimes politropos) integram um passado criminal muito substancial (pontuado por muitas condenações, também em penas de prisão). Em face de tão exuberante registo criminal, torna-se evidente a constatação de um perfil pessoal que suscita muitas preocupações ao nível da prevenção especial. Da repetição da prática dos crimes e da demonstração de que o arguido denota uma conduta displicente para com os factos ilícitos praticados, resultam preocupantes traços de personalidade do condenado (personalidade à qual deve atender-se em face do disposto no art. 43.º, n.º 1, do CP, que impõe a consideração das necessidades de prevenção especial, assim relevando as circunstâncias do caso, da vida anterior do agente e da sua personalidade).
Tratando-se de um indivíduo com um percurso marcado por comportamentos desajustados e de inadaptação, o prognóstico de comportamento futuro mostra-se muito negativo. A prática dos factos que cometeu, repetindo anteriores comportamentos delituosos, com clara indiferença perante as solenes advertências que lhe foram feitas a cada condenação, não pode deixar de revelar uma personalidade com séria dificuldade em interiorizar princípios e valores conformes com a vida em sociedade, os quais desprezou de forma muito intensa.
Deverá notar-se que esses traços de personalidade não são fáceis de mudar. Nem as mudanças possíveis tendem a verificar-se com rapidez.
As necessidades de prevenção especial que o caso demanda exigem uma resposta firme, sendo evidente que só essa propiciará uma evolução por parte do arguido ao nível da autocrítica acerca da conduta criminal. Impondo-se que fortaleça o juízo de autocensura do seu comportamento e das suas consequências para terceiros, devem retirar-se as devidas consequências do facto de ter vindo a ignorar as sucessivas condenações de que foi alvo, não se mostrando minimamente permeável à mensagem que se tentou transmitir com a adoção de sanções a executar no seio da comunidade.
A efetiva execução da pena de prisão, em estabelecimento prisional, mostra-se necessária.
O recurso improcede.
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V. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, em confirmar a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.
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Tributação.
Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.
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D.N.
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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).
Évora, 28 de outubro de 2025
Jorge Antunes (Relator)
Laura Goulart Maurício (1ª Adjunta)
Manuel Ramos Soares (2º Adjunto)