CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA EXECUÇÃO
PENA PRINCIPAL E SUBSTITUTIVA DE MULTA
PENA SUBSTITUTIVA DE PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Sumário

I. A pena principal de multa (artigo 47.º, n.º 1 do CP) só pode ser aplicada se satisfizer plenamente necessidades de prevenção especial de ressocialização bem como de prevenção geral.
A aplicação da pena principal de multa não se revela suficiente para assegurar as finalidades da punição quando anteriormente já foram aplicadas penas de multa e de prisão substituída por prestação de tarefas, quando o arguido já praticou quatro crimes de natureza idêntica, num espaço temporal de três anos, voltando a cometer crime de idêntica natureza volvido menos de dois anos desde a prática do último crime, sendo que necessariamente na comunidade se geraria um sentimento de desconfiança na validade da norma jurídica violada, se tal pena de multa fosse aplicada.

II. A substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º, n.º 1 do CP) só é de aplicar se para além do consentimento do condenado se revelar adequada e suficiente a satisfazer as finalidades da punição, sendo de afastar a sua aplicação se o arguido não revelar capacidade de interiorizar a censurabilidade do seu comportamento criminoso nem aptidão para se afastar da prática de crimes.

III. A substituição da pena de prisão por multa (artigo 45.º, n.º 1 do CP) só deve ser efetuada se for idónea a prevenir a prática de novos ilícitos típicos por parte do arguido sendo de afastar a sua aplicação quando o arguido apesar da sua juventude já foi condenado por três vezes pela prática por quatro vezes do mesmo crime, sendo o risco de recidiva relevante.

IV. Numa situação em que o arguido cometeu o crime de condução de veículo sem habilitação legal (artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98 de 02-01) foi correta a opção do Tribunal a quo pela aplicação de uma pena principal de prisão de sete meses suspensa na execução pelo período de um ano, com sujeição a obrigações.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO

1. Da decisão

No Processo Sumário n.º 27/25.0GAENT da Comarca de … Juízo de Competência Genérica do … - Juiz …, submetido a julgamento foi o arguido AA 1, condenado pela prática, em 14-02-2025, em autoria material, na forma consumada de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98 de 02-01), na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 (um) ano, com sujeição do arguido à obrigação de, durante o período da suspensão, frequentar o programa “licença.com” sob a orientação da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e demonstrar nos autos a submissão a exame teórico de condução e, obtendo provimento neste, a submissão a exame prático de condução.

2. Do recurso

2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1. OBJECTO DO PRESENTE RECURSO: Sentença proferida no passado dia 20 de março de 2025, com a ref. … que condenou o ora recorrente numa pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano,

2. RECURSO EM MATÉRIA DE DIREITO: O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 412º, nº2 do C.P.P., visando o recorrente a reapreciação da matéria refente às “Escolha da pena”, e bem assim, das “Medidas concretas das penas” aplicadas pelo tribunal a quo ao arguido e respectivas penas de substituição

3. Apesar do registo criminal do arguido, o tribunal recorrido ainda deveria ter optado pela pena de multa e não pela pena de prisão,

4. Ou caso assim não se entenda, deveria o Tribunal recorrido substituir a pena de prisão que lhe foi aplicada de 7 meses por trabalho a favor da comunidade em vez de a ter suspendido.

5. Ou caso assim não se entenda, ainda, deveria o Tribunal recorrido substituir a pena aplicada de 7 meses pela pena de substituição de multa.

6. Pese embora o Tribunal a quo tenha fundamentado a sua opção relativamente à aludida escolha, atendendo às anteriores condenações sofridas pelo arguido e pelo factos dessas condenações e das respectivas penas de substituição não o terem impedido de cometer o recorrente encontra-se já inscrito numa Escola de Condução e a frequentar as aulas de código, pelo que após conseguir ter aproveitamento na escola de condução o arguido jamais poderá praticar o mesmo crime.

7. E a verdade é que o arguido não tem averbado no seu CRC a prática de quaisquer crimes de natureza diversa.

8. Por outro lado, e tendo em conta as declarações do arguido que explicou em que circunstâncias praticou a condução no dia e hora em causa, entendemos que a gravidade dos factos e respetivas consequências não assumiu especial censurabilidade e o arrependimento sincero demonstrado pelo arguido, a sua capacidade de interiorização da ilicitude da sua conduta são elementos que deveriam ser sopesados e tido como válidos para que o Tribunal a quo tivesse optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade, ie, pela pena de multa ; verificando-se assim uma incorreta aplicação dos artigos 40º e 71º do Código Penal.

9. Na eventualidade de assim não vir a ser entendido, poderia (e deveria) o Tribunal a quo, ter optado pela substituição da pena de prisão que optou por aplicar ao arguido, substituindo-a pela medida de trabalho a favor da comunidade, cuja opção ainda equacionou mas entendeu não ser de aplicar por o arguido ter já beneficiado, numa anterior condenação de tal medida de substituição, num raciocínio de que tendo-se verificado essa substituição uma vez, já não será permitido a sua aplicação pela segunda vez – com a qual não podemos concordar, desde logo, porque existem factos supervenientes que impunham que o tribunal ainda aplicasse ao arguido a pena de substituição de TFC.

10. De facto, para além da personalidade do arguido, do facto deste estar completamente integrado social, profissional e familiarmente, conjugado com a circunstância da conduta criminosa do arguido ter sido empreendida em circunstancias muito específicas e restritas, não tendo resultado de tal conduta qualquer perigo para si ou para terceiros ou qualquer acidente de viação, tratando-se de uma condução durante segundos de modo a que o arguido conseguisse levar a moto para o cimo do pinhal onde praticava a modalidade desportiva que indicou, para além da postura de confissão assumida pelo arguido, temos o facto novo (não verificado em nenhuma das anteriores condenações) que é o facto de o arguido hoje encontrar-se já inscrito numa escola de condução e encontrar-se a frequentar já as aulas de código.

11. Entende o arguido recorrente que este facto completamente novo na sua vida, permitia que o Tribunal pudesse ainda fazer um juízo de prognose favorável em relação ao arguido e, ainda, substituir a pena de prisão aplicada ao arguido por uma por trabalho a favor da comunidade, ou em último caso, pela pena de substituição multa.

12. Nestes termos, deve ser revogada a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que condene o arguido recorrente pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 2 de janeiro, numa pena multa de 120 dias ou, caso assim não se entenda, numa pena de prisão de 7 meses, substituída por trabalho a favor da comunidade, ou caso assim não se entenda pela pena de multa, por 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no total de € 600,00.

Normas violadas: artigos 40º e 71º do Código Penal

Nestes termos e nos melhores de direito de ser julgado procedente o presente recurso com todas as consequências legais. (…)”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público

Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):

“1. A condenação do arguido na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, mostra-se conforme às exigências punitivas cabidas ao caso;

2. Os antecedentes criminais do arguido, particularmente a circunstância de ser esta a 4.ª condenação pelo crime de condução sem habilitação legal, revelam a total ineficácia de qualquer outra pena substitutiva para satisfazer as necessidades punitivas;

3. A opção pela pena de prisão, suspensa na sua execução, mostra-se, assim, plenamente justificada e fundamentada; Por estas razões, entende o Ministério Público que o presente recurso deve improceder (…)”.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância

Na Relação a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pelo arguido.

2.4. Da tramitação subsequente

Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto do recurso

De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-95, publicado no DR I-A de 28-12-95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questões a examinar

Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são a de saber se ocorreu erro de julgamento quanto ao direito aplicado (artigo 412.º, n.º 2 do CPP) por incorreta escolha da espécie da pena e não aplicação das penas de substituição de trabalho a favor da comunidade ou de multa.

3. Apreciação

3.1. Da decisão recorrida

Definidas as questões a tratar, importa considerar qual a matéria de facto dada como provada em 1.ª instância (transcrição):

“Da Acusação Pública:

1. No dia 14.02.2025, pelas 17 horas, na Rua da …, na localidade da …, o arguido conduzia o motociclo, de marca …, modelo …, de matrícula …, sem que possuísse habilitação legal para o efeito.

2. O arguido conhecia as características da via em que circulava, e sabia que não possuía documento que o habilitasse a conduzir aqueles veículos, e que, nessas condições, lhe estava vedada a condução dos mesmos na via pública, não se coibindo de o fazer.

3. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mais ficou provado:

4. O arguido confessou os factos de forma livre, integral e sem reservas.

5. O arguido encontra-se inscrito em Escola de Condução, tendo exame teórico agendado para o dia 28 de Março de 2025.

6. O arguido reside com os pais e a avó, em casa própria.

7. O arguido é serralheiro, trabalha numa empresa de trabalho temporário, há cerca de um ano e meio.

8. Aufere da sua profissão o ordenado mínimo.

9. A título de encargos, o arguido suporta dois créditos pessoais, no valor €120,00 e €90,00, mensais.

10. O arguido tem o 7.º ano de escolaridade.

11. O arguido já foi condenado:

a. Pela prática em 12.10.2021 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL 2/98, de 03.01 e 121.º, n.ºs 1 e 4 do Código da Estrada, na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de 6€, por sentença de 27.10.2021, transitada em julgado em 26.11.2021, no âmbito do Processo n.º 143/21.7GAENT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica do …, Juiz …, a qual se encontra extinta desde 25.08.2022.

b. Pela prática em 03.07.2020, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL 2/98, de 03.01, na pena de 120 dias de multa à razão diária de 6€, por sentença de 20.05.2022, transitada em julgado em 24.06.2022, no âmbito do Processo n.º 535/20.9PBTMR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de …, a qual foi substituída por 120 horas de trabalho, e que se encontra extinta desde 27.02.2023.

c. Pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL 2/98, de 03.01, com referência aos arts. 121.º, n.ºs 1 e 4, e 123.º, n.º 1 do Código da Estrada, na pena única de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade, por sentença de 22.05.2023, transitada em julgado em 21.06.2023, no âmbito do Processo n.º 43/23.6GAENT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica do …, Juiz …, a qual foi extinta em 25.09.2023, ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo arguido

Cumpre, agora, conhecer, as questões suscitadas pelo recorrente e já assinaladas em II., ponto 2. deste acórdão, tendo em consideração que o recorrente não coloca em causa os factos provados ou a qualificação jurídica dos factos e a sua subsunção à prática de um crime de condução sem habilitação legal, mas apenas a espécie da pena principal e, ainda, a sua substituição por trabalho a favor da comunidade ou multa.

3.2.1. Espécie da pena

O recorrente considera que o julgador em 1.ª instância devia ter optado pela aplicação de pena de multa, como pena principal, e não pela de prisão.

Argumenta o recorrente que a gravidade dos factos e as respetivas consequências não assumiram especial censurabilidade tendo inclusive explicado em que circunstâncias praticou a condução no dia e hora em causa. Acresceria ter revelado sincero arrependimento e capacidade de interiorização da ilicitude da sua conduta, encontrando-se até já inscrito numa escola de condução e a frequentar aulas de código.

Apreciemos, pois, a primeira questão colocada pelo recorrente.

Na opção entre a aplicação de pena de multa e a de prisão, enquanto penas principais e em alternativa, o julgador deve optar pela pena de multa, quando a julgue adequada a assegurar as exigências de prevenção geral e especial e de ressocialização do agente.

Significa isso que, uma pena alternativa ou de substituição, ainda que, no caso, possa satisfazer plenamente as necessidades de prevenção especial de ressocialização, não poderá ser aplicada se com dela resultar um “sentimento de reprovação social do crime”2 ou a falta de confiança da comunidade na validade da norma jurídica violada.

A este nível o Tribunal recorrido decidiu pela seguinte forma:

“(…) Das Consequências Jurídicas do crime

Verificados que estão os elementos objectivos e subjectivos que preenchem o tipo legal do crime imputado ao arguido importa agora averiguar quais as consequências jurídicas dos crimes.

O crime de condução sem habilitação legal, na sua forma agravada, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias (artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro).

Tendo em consideração que o crime é punível, em alternativa, com pena de prisão ou com pena de multa, caberá, em primeiro lugar, determinar a natureza da pena a aplicar.

Nesta sede, determina o artigo 70.º do Código Penal que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

São finalidades da punição, a protecção de bens jurídicos - prevenção geral positiva ou de integração -, e a reintegração do agente na sociedade - prevenção especial positiva ou de ressocialização (v. artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal).

Na prevenção geral positiva “faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados”. Na prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa)” (v. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 10.03.2010, Ribeiro Martins).

Assim, são finalidades exclusivamente preventivas que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (v. Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, pág. 77).

Importa, assim, averiguar se, em concreto, a aplicação de uma pena não privativa da liberdade é adequada e suficiente às finalidades da punição.

Ora, as exigências de prevenção geral são elevadas.

Com efeito, neste conspecto, não se pode ignorar que uma parte da sinistralidade rodoviária é provocada por pessoas que não se encontram habilitados ao exercício da condução. Ademais, é um ilícito de ocorrência muito frequente gerando forte alarme social.

Quanto às exigências de prevenção especial, as mesmas afiguram-se-nos também elevadas, atentos os antecedentes criminais do arguido. Na verdade, embora se trate de pessoa social, profissional e familiarmente inserida, não deixa de se relevar de forma significativa, o percurso criminal do arguido, vertido no seu CRC, tendo o mesmo já sido condenado pela prática do mesmo ilícito criminal que ora se julga (em penas de multa e de prisão), sem que as condenações anteriores o tivessem afastado da prática do mesmo crime.

Deste modo, atentas as circunstâncias supra expostas, consideramos que a aplicação de uma pena não privativa da liberdade já não satisfaz as exigências de prevenção geral nem as exigências de prevenção especial, pelo que se impõe a aplicação de uma pena de prisão ao arguido.”

Esta opção do Tribunal a quo não merece reparo, atentos os antecedentes criminais constates do CRC do arguido, todos relativos à prática de condução sem habilitação legal, a saber:

a. Condenação em 2021 (Processo n.º 143/21.7GAENT) em 70 dias de multa, já extinta;

b. Condenação em 2022 (Processo n.º 535/20.9PBTMR) em 120 dias de multa, substituída por 120 horas de trabalho, extinta em 2023;

c. Condenação em 2023 (Processo n.º 43/23.6GAENT) na pena única de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade, transitada em julgado em 21-06-2023 e extinta em 25-09-2023 ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.

Daí a pena de multa não se revelar suficiente para assegurar as finalidades da punição, particularmente as exigências de prevenção especial, quando para além do mais na última condenação o arguido já foi condenado em pena de prisão, embora substituída por trabalho a favor da comunidade, tendo voltado a reiterar a prática de crime da mesma natureza em causa nos presentes autos, no dia 14-02-2025.

Assim, independentemente de o arguido se encontrar inscrito numa escola de condução e o exame teórico ter estado agendado para o dia 28-03-2025 (cf. ponto 5 da matéria de facto dada como provada transcrito em II., 3.1. deste Acórdão), face à espécie das penas aplicadas anteriormente, à circunstância de já ter praticado quatro crimes de natureza idêntica nos anos de 2020, 2021 e 2023, ou seja, num espaço temporal de três anos, voltando a cometer crime de idêntica natureza no início do ano de 2025 (14-02-2025) foi correta a opção do Tribunal a quo pela aplicação de pena de prisão ao arguido/recorrente, improcedendo o recurso quanto a esta matéria.

3.2.2. Penas de substituição de trabalho a favor da comunidade e de multa

Em segundo lugar, o recorrente, entende que a manter-se a pena de prisão fixada em sete meses esta deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade – artigo 58.º do CP –, ao invés de ser decretada a suspensão da respetiva execução. Subsidiariamente, também, ao invés de ser decretada a suspensão da respetiva execução, na ótica do arguido, a pena de prisão deve ser substituída por pena de multa, nos termos do artigo 45.º, n.º 1 do CP.

O recorrente discorda do raciocínio acolhido pelo julgador de que como já se havia verificado essa substituição uma vez, não seria permitida pela segunda vez a substituição da pena de prisão pela de prestação de trabalho a favor da comunidade, dando nota das seguintes circunstâncias, para fundamentar o peticionado:

- Estar completamente integrado social, profissional e familiarmente;

- A conduta criminosa ter sido empreendida em circunstâncias muito específicas e restritas, não tendo resultado da mesma qualquer perigo para si ou para terceiros ou qualquer acidente de viação, tratando-se de uma condução durante segundos de modo a poder deslocar a moto para o cimo do pinhal onde praticava a modalidade desportiva por si indicada.

- Confessou os factos;

- Atualmente encontra-se inscrito numa escola de condução e a frequentar aulas de código.

De facto, o arguido está integrado social, profissional e familiarmente, confessou os factos e encontrava-se inscrito, à data do julgamento, numa escola de condução, tendo exame teórico agendado para o dia 28-03-2025.

Quanto às circunstâncias em que empreendeu a condução do motociclo nada consta dos factos provados e não tendo sido impugnada tal materialidade, em sede de recurso, não é suscetível de apreciação por esta 2.ª instância.

Depois, apesar de poder ser controvertida a questão de saber se ocorre ou não uma hierarquia legal das penas de substituição, inexistem dúvidas que de entre as penas de substituição passíveis de aplicação, no caso, o tribunal deve optar por aquela que melhor e da forma mais adequada realize as exigências de prevenção, sobretudo, especial, reclamadas pelo caso, dando preferência às penas de substituição em sentido próprio, não privativas da liberdade, sobre as de sentido impróprio (atualmente apenas a de obrigação de permanência em habitação mediante vigilância eletrónica).3 Na sentença recorrida, o Tribunal a quo equacionou a substituição da pena de prisão aplicada ao arguido por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade bem como pela pena de multa, arredando-as, tendo fundamentado a decisão tomada, nos seguintes termos:

“B.3) Da Pena de Substituição

Aqui chegados, importa averiguar, se in casu, é de aplicar uma pena de substituição.

No caso, atentos os antecedentes criminais do arguido, entende o tribunal ser de afastar a substituição da pena de prisão por pena de multa, porquanto a mesma não acautela as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir (artigo 45.º do Código Penal).

Dispõe o artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”.

Por seu turno, dispõe o n.º 5 do mesmo preceito legal que “a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado”.

No caso, verifica-se o pressuposto formal, posto que foi aplicada pena de prisão inferior a dois anos, ademais, o arguido deu o seu consentimento.

No entanto, importa ainda ponderar se a substituição por esta pena não detentiva ainda realiza as finalidades da punição.

Neste conspecto, analisados os antecedentes criminais do arguido, entende-se que no caso, esta pena de substituição não salvaguarda as exigências de prevenção especial que se fazem sentir.

Na verdade, importa notar que na última condenação do arguido, cujo trânsito se verificou em 21.06.2023, foi aplicada uma pena única de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho, pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, não tendo inibido o arguido de voltar a praticar o mesmo crime.

Deste modo, entende o tribunal que é de afastar, de igual modo, a aplicação desta pena substitutiva.”

Na situação em apreciação, tal como decidido na decisão recorrida, a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade não satisfaz as necessidades de prevenção, particularmente as de prevenção especial sentidas no caso.

Como resulta do artigo 58.º, n.º 1 do CP a substituição de pena de prisão não superior a dois anos, por prestação de trabalho a favor da comunidade, exige, para além do consentimento do condenado, que tal pena de substituição se revele adequada e suficiente a satisfazer as finalidades da punição4.

Na verdade, tendo já anteriormente sido o arguido condenado em duas penas de multa, bem como numa pena de prestação de trabalho a favor de comunidade, em substituição de pena de prisão, por cometimento de crimes de condução sem habilitação legal, ao reiterar a prática do mesmo tipo de crime, o arguido evidencia não só incapacidade de interiorizar a censurabilidade do seu comportamento criminoso como em aproveitar a oportunidade de ressocialização, proporcionada pela aplicação de tal pena de substituição.

Não se revela, pois, esta pena de substituição suficiente e adequada a assegurar as finalidades da punição, particularmente as exigências de prevenção especial, que, no caso se fazem sentir, e a afastar o arguido da prática de futuros crimes, como decidido pelo Julgador em 1.ª instância.

Depois, dispõe o artigo 45.º, n.º 1 do CP que «A pena de multa aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da pena de prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…)».

A propósito do critério da necessidade de execução da pena de prisão, estabelecido na citada norma legal Figueiredo Dias (previsto no antigo artigo 43.º do CP, atual artigo 45.º do CP) refere que está em causa5 «é exclusivamente, a profilaxia criminal, na dupla vertente da influência concreta sobre o agente (prevenção especial de socialização) e da influência sobre a comunidade (prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico).”.

Assim, só se as necessidades de prevenir o cometimento de futuros crimes (prevenção especial de socialização ou de prevenção geral) o exigirem é que pode ser afastada a aplicação da pena de multa de substituição.

Na situação em apreciação, as exigências de prevenção geral e especial e as finalidades da punição que se fazem sentir não serão satisfeitas com a substituição da prisão, por multa, quando o arguido apesar da sua juventude já revela um percurso delituoso não despiciendo, com três condenações pela prática por quatro vezes do mesmo crime, sendo o risco de recidiva relevante.

Por outras palavras, no caso vertente a substituição da pena de prisão por multa é inidónea a surtir o efeito desejado no sentido de prevenir a prática de novos ilícitos típicos por parte do arguido, sendo de afastar a aplicação, também, desta pena de substituição.

Bem esteve, assim o Tribunal a quo ao decidir pela suspensão da execução da pena de prisão fixada em sete meses pela seguinte forma:

“Determina o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Este preceito representa um poder-dever do juiz, estando o juiz obrigado a suspender a execução da pena de prisão se estiverem reunidos os referidos pressupostos.

Ora, pressuposto formal da aplicação desta pena de substituição é que a pena de prisão aplicada não seja superior a 5 anos.

Por sua vez, constitui pressuposto material, a existência de um juízo de prognose favorável no comportamento futuro do arguido, no sentido de a mera ameaça do cumprimento de uma pena de prisão o demover do cometimento de novos crimes.

Neste juízo não são de ponderar as considerações sobre a culpa, mas sim as exigências de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da comunidade (v. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.04.2009, Processo n.º 189/08.0GTCTB.C1).

Assim, “para decidir sobre a suspensão da execução da pena, o tribunal começará, pois, por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão, só devendo decretar a suspensão da execução quando concluir, face aos apontados elementos, reportados ao momento da decisão, que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade” (v. Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães de 21.05.2018, Processo n.º 151/17.2GAVFL.G1).

Cabe ao tribunal decidir se se afigura previsível que a finalidade de reintegração do agente na sociedade se alcança em liberdade.

No caso concreto, verifica-se o pressuposto formal, uma vez que foi aplicada ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão.

Quanto ao pressuposto material o mesmo também se verifica.

Com efeito, apesar dos antecedentes criminais do arguido, este é pessoa jovem, social, profissional e familiarmente inserida.

Ademais, o arguido já se encontra inscrito em escola de condução.

Por fim, de ressalvar que a aplicação desta pena de substituição, atento o efeito intimidatório que lhe está associado, não constituirá motivo de apreensão comunitária, pelo que as exigências de prevenção geral não se opõem determinantemente a tal opção.

Atento os motivos expostos, estamos em crer que a ameaça de execução de uma pena de prisão terá a capacidade de manter o arguido afastado do cometimento de novos crimes, havendo, pois, uma convicção suficientemente fundada de que a ressocialização do arguido em liberdade poderá ser alcançada.

Face ao exposto, é de formular um juízo de prognose favorável, com a consequente suspensão da execução da pena de prisão.

O período de suspensão deve ser fixado entre um e cinco anos, nos termos do artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal, tendo em consideração os critérios previstos no artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal.

No caso concerto, atentas todas as circunstâncias supra referidas, entende-se adequado suspender a execução da pena de prisão por 1 (um) ano.”

Tendo, ainda, o Julgador a quo, quanto ao regime de prova, decidido nos seguintes termos:

“Acresce que, por força do n.º 2 do artigo 50.º do Código Penal, o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos 51.º e seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

Assim, por força do disposto no n.º 1 do artigo 51.º do Código Penal “A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:

a) pagar dentro de cero prazo, no todo ou na parte que o tribunal considere possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;

b) dar ao lesado satisfação moral adequada;

c) entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.”

Os deveres impostos não podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir (v. n.º 2, do artigo 51.º do Código Penal).

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 52.º do Código Penal estabelece “o tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente:

a) residir em determinado lugar;

b) frequentar certos programas ou actividades;

c) cumprir determinadas obrigações”.

Complementarmente, o tribunal pode impor outras regras de conduta, designadamente aquelas que se encontram previstas no n.º 2 do artigo 52.º do Código Penal.

Quanto à suspensão com regime de prova, determina o n.º 1 do artigo 53.º do Código Penal que “o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade”. Dispondo o n.º 2 do mesmo preceito que: “o regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social”.

O tribunal pode ainda impor os deveres e regras de conduta previstos nos artigos 51.º e 52.º e outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado (n.º 3 do artigo 53.º do Código Penal).

Atendendo ao percurso vivencial do arguido, desconforme com a normatividade jurídica e que o sujeitou a várias condenações pela prática de crimes de condução de sem habilitação legal, entende-se adequado e proporcional impor ao arguido a obrigação de, durante o período da suspensão, frequentar o programa “Licença.com” sob a orientação da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e demonstrar nos autos a submissão a exame teórico de condução e, obtendo provimento neste, a submissão a exame prático de condução.

*

Face ao exposto, decide-se suspender a execução da pena de 7 (sete) meses de prisão, pelo período de 1 (um) ano, com sujeição do arguido à obrigação de, durante o período da suspensão, frequentar o programa “licença.com” sob a orientação da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e demonstrar nos autos a submissão a exame teórico de condução e, obtendo provimento neste, a submissão a exame prático de condução. (…)”.

Não merecendo reparo a opção pela suspensão da execução da pena de prisão pelo período de um ano sujeita à obrigação de o arguido frequentar o programa “licença.com” e não tendo a sentença recorrida violado quaisquer normas ou princípios do direito penal julga-se improcedente o recurso interposto em toda a sua extensão, mantendo-se a decisão prolatada nos seus precisos termos.

III. DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos:

1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência, mantem-se na íntegra, a sentença recorrida.

2. Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.ºs 1 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 e tabela III anexa, do RCP).

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 28 de outubro de 2025.

Beatriz Marques Borges

Maria Clara Figueiredo

Edgar Valente

.............................................................................................................

1 O arguido é filho de BB e de CC, natural da freguesia e concelho do …, nasceu em …1994, é portador do Cartão de Cidadão n.º …, residente em Rua …, …

2 Cf. DIAS, Figueiredo, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 334.

3 Cf. Ac. da RC de 07-04-2016, proc. 205/15.0PTCBR.C1.

4 Como refere DIAS, Figueiredo, ob. cit., pág. 378 «que ela se revele (...) susceptível de, no caso, facilitar - e, no limite, alcançar - a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico».

5 Ob. cit., pág. 364.